No início de 1.892,
Edward Hosken começara a sentir as conseqüências da dura vida de minerador aos
78 anos de idade.
A vida que levara na mocidade era sentida agora com o
vergar dos anos.
Nas suas últimas incursões pela Mina do Pitanguy, ele
se valia da experiência, já que suas forças definhavam e o vigor faltava para
dar exemplos aos rudes trabalhadores das catas.
O ouro escasso a extração difícil, sem a mão de obra
escrava, dava pouco rendimento em troca de todo o desconforto dos deslocamentos
que fazia para o trabalho.
Sol a pino, o calor escaldante irradiado pelas pedras
da serra, deixava os cavuqueiros molhados de suor.
Evitando que a cabeça e o corpo, fundisse naquele
esquentar infernal, Edward algumas vezes afastava-se da lavra e ia refrescar o
corpo nas águas mansas da lagoa do Guarda-Mor.
Quase sempre só, recordando sua terra de origem,
ficava depois de banhado, sentado sobre o gramado da borda do lago.
Apesar da água límpida, o espelho da lagoa era escuro
refletindo a sombra da mata ao derredor.
Libélulas e andorinhas passavam por cima de sua
cabeça, indo pousar ou mergulhar na lâmina d’água.
Os pequenos lambaris e girinos em evoluções dentro de
pequenas bacias da beira da lagoa, ao verem sua sombra, fugiam para o fundo
onde certamente seriam presas fáceis das traíras e mandis.
Edward entrava dentro d’água molhando o corpo nu e
voltava para secar na margem do gramado.
Permanecendo quieto, os bichinhos voltavam a beira da
lagoa, como também voltavam os marrecos que fugiam na sua chegada.
Juncos na outra margem inacessível escondiam os ninhos
dos paturis que infestavam de beleza o manso lago.
Estendidas sobre ramos de arbustos, a roupa molhada
lavara o suor para que ele pudesse voltar ao trabalho, com a sensação
refrescante do corpo limpo.
Primeiramente lembrando dos banhos refrescantes da
barragem do Gongo Soco, ia aprofundando o pensamento e voltando ao tempo de
menino nas praias de Monade Point e de Lands End na Cornualha.
As andorinhas da lagoa do Guarda-Mor faziam lembrar as
gaivotas pairando no ar e descendo em arremetidas contra os cardumes de peixes
ao sabor das vagas no mar da sua terra na Inglaterra...
O mesmo fazia os pássaros sobre a lagoa em vôos
rasantes, abocanhando peixinhos e insetos.
Naquela solidão e paz, vinha uma vontade imensa de
fumar cachimbo; faltava para sorte dele, aquele instrumento de veneno que tirou
alguns anos de sua vida.
Na falta do fumo, arrancava a haste de um pendão da
grama e começava a chupá-lo como se fosse o cachimbo...
O sossego e as lembranças deixavam-o viajar no tempo
recordando seus pais, seus amigos de infância na Inglaterra.
Onde estaria Mary a sua antiga namorada?
O tempo corruíra sua beleza, ou continuava a ser o que
fora nas devidas proporções do tempo passado?
Será que ela esperara por muito tempo a sua volta à
Inglaterra?
Edward tinha na imagem o último inverno que passara na
sua terra; a neve cobrindo os telhados e as ruas cobertas pela massa de extrema
alvura que caíra em flocos.
Ele via a imagem da mãe, quando ainda era criança e
ela preocupada, envolvendo-o com roupas quentes e pesadas que impedia seus
movimentos para guerrear com as bolotas de neve os seus amiguinhos.
Que estariam fazendo Hamilton, Jenny, Gordon, Ralph e
Jane Hosken, os colegas e parentes que quando meninos faziam guerra com pelotas
de neve?
E lady teacher,
Charlotte Hasleton?
Certamente ela não era mais deste mundo!
- Eu escutava a sua voz como se estivesse aqui comigo:
- “To watch out
for she is!”
Ela me recomendava cuidados com o namoro que mantinha
com Mary, também, sua ex-aluna.
Seus pais segundo ela, eram orgulhosos demais...
Antes mesmo de me apaixonar por Mary, Miss Charlotte
fora minha paixão como a primeira mulher estranha a me dar atenção e carinho.
Amor de toda criança pela primeira professora.
Na primavera, levava para ela, braçadas de flores com
recomendações de minha mãe Anne.
Como era gostosa a troca de presentes! Eu oferecendo
flores, ela a me beijar a face.
Quantas vezes eu não briguei com o Gordon por sua
causa; o colega atrevido fazia de tudo para ver por baixo da mesa, as pernas de
minha amada professora!!!
No Verão, seus vestidos mais curtos e leves, deixavam
ver naturalmente o que Gordon tentava por artimanhas apreciar.
Bem que eu tinha vontade de fazer o mesmo que o Gordon,
mas achava que tais atitudes não eram próprias de um cavalheiro...
Entretanto, olhando minhas vizinhas gangorrando nos
quintais de suas casas, esquecia as censuras que fazia aos colegas de classe.
A memória ao passado, voltava amiúdo, tanto quanto ao
tempo da chegada ao Brasil.
Quantas vezes sonhei, com meu pai voltando à casa e
cobrando os meus deveres de escola?
A lembrança da mãe esfregando a roupa suja e
reclamando a sua falta de cuidados...
Ela arrumando a sala de visitas, “drawing-room“;
limpando as pedras da lareira, tirando os objetos para limpá-los, entre eles, o
retrato da rainha Vitória e também dos pais no dia do casamento deles.
A coleção de cachimbos do seu velho Jammes, que ela
tanto implicava e a bandeirinha da Inglaterra, sempre hasteada num suporte de
madeira.
Eles já não existiam; e como era difícil recordar que
estava há tantos anos separados...
O passado na Inglaterra estava tão distante da sua
memória, e às vezes duvidava de certos fatos vividos na infância; entretanto
uma coisa ele não esquecia:
Lembrando do prato predileto feito pela mãe:
“Fish and
chips“
Ah! Como eram gostosos, o peixe e as batatas fritas
que sua mãe fazia!
Não fosse as cartas e os retratos que Edward recebera
nos anos seguintes da sua chegada ao Brasil, não haveria mais nada que o
ligasse ao passado.
A distância e o tempo eram tão arrasadores como o
Inverno na Inglaterra, congelando os
sentimentos e as lembranças que deveriam permanecer constantes como o bater do
coração.
Até para lembrar do rosto de Mary a antiga namorada,
ele espelhava-o no rosto e na aparência de Magdalena...
O retrato dos pais mostrando cores indefinidas
colocara as imagens embaçadas como se estivessem no limbo.
O coração que pulsava dentro dele, também já não era
tão sangüíneo, ele estava ficando como as fotos, de cores desmaiadas.
Foi necessário um tropel de um cavaleiro na estrada,
para tirá-lo das reminiscências;
Lady Magdalena deveria estar em sua casa preocupada
pela demora do seu velho...
Desamarrando o animal que cansara de bater com os
cascos no chão, ele não mais precisava abanar o rabo para afugentar as moscas
que o atormentava.
Eram momentos de paz como aqueles junto da natureza,
que lhe dava na velhice prazeres pífios, recordando o passado.
Edward não poderia se queixar, vivera intensamente os
dias que Deus lhe dera.
Em Junho quando o frio entrou para valer, ele começou
a sentir cãibras nos pés e nas mãos; queixava-se à Magdalena da dificuldade de
circulação do sangue pelas artérias.
Deixara de andar e passava as horas do dia sentado na
frente da casa onde morava, vendo os transeuntes cruzarem a rua, o que era raro
naqueles tempos.
Através dos poucos conhecidos que passavam, perguntava
se eles estavam vindos da serra do Pinho; ele queria informações sobre as obras
de construção que o filho Totó estava levantando nos terrenos dos Barbosas.
De tanto ouvir comentários sobre a construção do filho
Totó, ficou excitado e manifestou
vontade de ver as obras e a vinha que crescera.
Em Maio, dia em que se comemorava a festa da Santa
Cruz, Totó veio apanhá-lo em
Catas Altas.
Juntos, ele e a mãe Magdalena pareciam meninos, tal a
satisfação dos dois acomodados sobre a charrete.
Calçados por almofadas, contornaram a vila passando
por fora na estrada do novo cemitério e foram sair na baixada do córrego do
Pitanguy.
Caminho onde os desbravadores passavam para entrarem
na fechada mata do vale do rio Piracicaba e que também um dia, passaram os
historiadores e cientistas: Auguste de Saint-Hilaire e Richard Burton.
Encantado com o passeio Edward esquecera seus males e
conversara durante toda a viagem,
contando histórias de suas pesquisas e catas
por aqueles trechos por onde mineraram.
Na cachoeira dos Perdões, ele conseguira com seus
faiscadores uma boa extração de ouro; não fora como outrora nos tempos do
Capitão Domingos Pontes, quando seus escravos catavam pepitas e não pó como nos
últimos tempos.
Subindo o morro dos Perdões, avistaram do alto dos
seus 827 metros
de altitude, a igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Pediu que parasse a charrete, ficou em silêncio,
olhando para tudo em redor, recordando um passado distante. Alongando a vista e
apontando para a praça onde se via a igreja disse comovido:
- Parte de nossas vidas em comum, estão naquele
pedaço, Magdalena!
- Fazendo os cálculos; 46 para você e uns 70 para mim,
respondeu ela.
- Como pode ser maior o seu tempo, se sou mais velho
do que você?
- Não se esqueça que nasci aqui e sempre vivi neste
pedaço...
As torres da igreja destacavam-se apontando para as
nuvens e sua caiação cintilava naquela manhã ensolarada.
Magdalena tinha se calado e Edward viu que ela rezava
contrita, como se dentro estivesse na igreja.
Na moldura da visão, a igreja tinha como fundo a serra
do Caraça.
- Eu admiro sua fé, minha querida!
Magdalena com o rosto sereno balbuciava a oração da
Ave Maria; afastada na meditação e entregue a oração, nem ouvira o que o esposo
dissera.
Depois de um quilometro de descidas, começaram a ouvir
os sons de um gulpeão ferindo madeira.
- Estão serrando tábuas disse Totó; de longe avistaram
dois homens, um sobre o estaleiro e o outro por baixo movimentando a serra num
sobe e desce incessante.
- Que é aquilo?
- Serradores, meu pai!
Serrando tábuas para a adega...
- Bonito lugar, filho!
Por que não muda para cá?
- Não tenho pressa pai!
Na verdade ele não tinha pressa, faltava ainda muita
coisa para colocar o retiro e a casa em condições como planejara.
Ao chegarem, Totó notou com que dificuldade o pai
tentava apoiar os pés sobre o estribo da charrete e veio ajudá-lo.
- Ficaram rígidas, Totó!
- Falta de que fazer, meu pai!
O velho fechou a cara e disse:
- Já fiz muito, bem mais do que você pode pensar...
Totó não dissera aquelas palavras para magoar o pai,
pelo contrário, ele queria que houvesse reação para que ele exercitasse mais e
não se entregasse como estava acontecendo nos últimos tempos.
- Como você consegue ficar aqui durante uma semana
longe de Nhanhá?
- Logo você Du, que faz esta pergunta?
A mãe censurava o esposo, lembrando dos dias, semanas
e meses que Eduardo ficara longe dela...
Carlos Arthur não tinha outro jeito, ele precisava
aproveitar todas as horas do dia para terminar a obra.
Seu sacrifício valeria a pena, logo que a família
estivesse toda reunida no retiro.
A primeira coisa que chamou a atenção do visitante
inglês, foi a paliçada do parreiral a
esquerda do curral onde pararam.
Habituado nas minas a fazer visadas de alinhamento,
mirou o primeiro esteio, os outros subseqüentes desapareceram na linha perfeita
da fileira; em cada quadrado, as estacas aprumadas, onde subiam as ramas como
fustes de bocelos.
Ramas oriundas de Portugal trazidas pelo Rev.mo.
Miguel Maria Sipolis em 1.882 e aclimatadas no Caraça de onde posteriormente,
espalhou-se para a região.
- Quem te ensinou a plantar assim, meu filho?
- Padre Mendes, o senhor sabe...
- The, intrusion!
- Que é isto, meu pai; ele nunca foi intrujão!
- Se ele visita tantas casas, é porque há convites e
cumprido o seu ministério...
As farpas contra o padre eram sempre lançadas, e
estendia-se contra todo o clero.
- Padre e urubu, duas coisas pretas gostar de carniças
e limpar até alma...- Não seja extremado nos seus preconceitos religiosos, pai!
A chácara já
formada produzia os primeiros frutos e a vinha alastrava-se pelas paliçadas
cobrindo extensas áreas.
- Muita bonito, filho!
- Pena é não ter mais cachos, pai!
As folhas verdes cobriam em ramadas a terra escondida
pelo tapume de manto verde.
Por baixo, centenas de estacas simetricamente
assentadas, sustentando o forro vivo das folhagens.
A candeia ainda guardava a morrinha característica de
seu cheiro.
O senhor falando deste jeito contra o padre, magoa a
mamãe, que é parente e amiga dele, além de ser meu
professor...
O que padre Mendes está fazendo por Catas Altas,
ninguém fez até hoje!
A mãe de Totó e ele tinha grande admiração pelo padre,
e não admitiam censuras contra o reverendo, ainda mais do próprio pai...
Vendo a reação do filho, mudou de conversa e
perguntou:
- Naquele espaço ali, que você plantar?
- Já plantei uma alameda de mangueiras, indo da porta
da cozinha, até o moinho lá em baixo.
Apontando para a parte baixa do terreno explicou Totó:
- As alas das mangueiras irão separar as qualidades
das uvas, para que não haja interferências genéticas.
O Inglês ficou admirado dos conhecimentos demonstrado
por Totó, fruto das aulas que tivera com o padre que ele não gostava.
Bem em frente do canal onde corria uma bica volumosa,
Edward tentou caminhar subindo a rampa íngreme que ia dar ao engenho.
- Vamos dar a volta, pai!
Por aqui é difícil subir a rampa...
- Se eu parar de andar e deixar de fazer os pequenos
sacrifícios, morro antes da hora, meu filho!
Dando suas mãos para Totó e Zé de Souza, conseguiu
subir o desnível até o plano onde fora implantado o engenho de cana.
A moenda montada estava coberta por sacos, até que a
coberta ficasse pronta e esperasse pela primeira moagem.
Edward admirou a falta do rego d’água, que tocava
quase todos os engenhos no Brasil.
- Onde água, “to move?”
Ele não sabia que versão a dar “sugar-mill“ engenho em
inglês; e disse a expressão que lhe veio a cabeça: “this filthiness.“
Totó não entendeu e ele repetiu com um grunhido:
Porca-ria...
- O senhor quer dizer, esta porcaria?
- Sim, esta porca ria, repetiu ele dividindo a
palavra.
Este engenho vai funcionar tracionado por animais, tal
qual na sua terra, pai!
- Lá, gente faz filthiness, lugar baixo, não alto este
ai; apontava para a ferragem.
- Foi baseada numa revista portuguesa do padre Mendes
que fiz o desenho deste engenho...
- Oh! Oh! Homem português, disse com desprezo.
Ele ria cinicamente, Totó sabia das diferenças que
havia entre os dois povos sempre amigos, porém com críticas ferinas entre eles;
portugueses e ingleses.
Na falta de volume d’água na altura onde construíra a
casa, Totó foi obrigado a fazer o engenho de tração animal.
Se tivesse feito o engenho na parte inferior do
terreno, aproveitando o volume d’água, a fornalha e a tacha ficariam longe da
casa em lugar úmido.
O posicionamento do engenho de tração animal, em nível
superior a fornalha e a tacha, colocava as instalações junto da casa e
comunicados por um cano onde corria o melaço para dentro da enorme tacha de
cobre.
O que vira já dava para sentir o que seria o retiro
depois de pronto.
Ofegante de tanto andar, foi o velho repousar num
banco da varanda dos fundos, tomando a limonada que Totó mandara fazer.
A adega em frente, do outro lado do pátio impedia com
suas altas paredes, a visão do fundo do pomar por trás dela.
Ver como era a
adega da vinicultura de Carlos Arthur Hosken no Anexo 28.
- O que atrás fábrica,
Totó?
Ele se referia a adega.
- A vinha de uvas brancas, o pomar e o rego de
serventia da casa.
Ele teve vontade de ver a água correndo das bicas e
sobre tudo, o rego do moinho, porém estava muito cansado para descer até lá.
- Bom sentir cheiro do “field” filho!
Falta cheiro bois para fazer “odour” fazendas!
- Com o tempo certo, antes mesmo da mudança, já terei
gado pastando pela encosta...
Na próxima vez que o senhor voltar ao retiro, terá o
prazer de sentir o odor do esterco.
- My time! Time is up...
As respostas em inglês eram o seu artifício de dizer a
verdade sem que os filhos entendessem...
À tarde, voltaram a Catas Altas; rostos corados
principalmente do velho de tez clara.
A mãe conversava e Edward calado, varria os
campos numa visão alongada;
Pensando
que felizmente o filho Totó poderia tomar conta de Magdalena e Niníca,
depois que
ele partisse.
Magdalena a esposa e a filha Niníca, encontrariam em
Totó e a nora Nhanhá, o amparo na solidão que viriam para elas...
- Em que pensa, Eduardo?
- Em você.
Ele não quis dizer no que pensava, a tarde fora alegre
para os 2 velhos; para que estragar a
felicidade que o filho proporcionara?
Pondo fim ao seu silêncio, numa voz ofegante pelo
cansaço, disse:
- Eu fez mal meus filhos; não podia deixar ir embora
para mato...
- Culpa sua Eduardo, cansei de falar para que eles não
fossem para tão longe...
Você sempre dizia que os filhos teriam que se
aventurar para crescerem e até estimulava-os.
Veja, Totó não precisou sair daqui!
Maria Magdalena já
adivinhava o que ocorreria 31 anos depois, quando marcando o sucesso do filho
Carlos Arthur Hosken, ele receberia do Instituto Agrícola Brasileiro, o “GRANDE
DIPLOMA DE HONRA, conferido à FÁBRICA DE BEBIDAS DA QUINTA DA ESPERANÇA”.
Ver Anexo nº 31 -
Rótulos da fábrica.
- O desabafo tinha os seus motivos, os filhos que
deixaram Catas Altas, viviam na distante Zona da Mata; algumas noras e netos
ela nunca vira, só retratos.
A medida que o Inverno chegava e dominava o tempo, o
frio ia fazendo estragos na combalida saúde do velho Inglês.
Chico e Juca, foram os únicos filhos distantes, que
vieram a Catas Altas para visitar o pai, alertados pela carta de Niníca.
O passeio ao retiro da Boa Esperança, foi sua última
saída de casa, pois nem as caminhadas pelo adro da igreja de Santa Quitéria,
ele agüentava fazê-las como antes.
A subida era íngreme demais para seu coração abalado.
Durante as manhãs e as tardes, sentava num banco em
frente da casa e ficava olhando o pequeno movimento de tropas e transeuntes que
passavam pela rua.
Respondia pachorrento os cumprimentos a ele dirigidos
e não mais sustentava conversas longas com os conhecidos.
Quando sua pressão arterial subia, ele ficava quieto
cochilando dorminhoco.
Ultimamente, lembrava e sonhava muito com os tempos da
sua infância na Inglaterra.
Comentava com a esposa os seus sonhos com
os pais; geralmente falando em
Inglês, o que não era mais hábito, pois não
tinha com quem manter conversas em
sua língua.
Naquela manhã festiva de 8 de Dezembro, Magdalena
ouviu de sua boca, uma frase que claramente percebeu:
- When do you
leave for England?
Magdalena ouvindo o que ele dizia, respondeu em
Inglês:
- Are you
speakin for me?
Ele não deu resposta e ela voltou a perguntar em
português, achando que ele não ouvira.
- Estás a falar comigo, querido?
Edward sonhava em plena luz do dia...
As cãibras e a falta de circulação nos membros
inferiores eram cada vez mais constantes e ele se queixava, pedindo Magdalena
que fizesse massagens em suas pernas.
- Você precisa andar, querido!
- Andar, para quê?
De dia cochilava sonolento, a noite passava insone
esperando o dia clarear.
Costumava perguntar pelo cachimbo, esquecendo que
afastara por sua própria vontade, o vício que fizera tanto mal a ele.
A tristeza em seus olhos era patente, ele que sempre
fora agitado e ativo, não se conformava em ficar parado.
Nas suas queixas, Magdalena escondida chorava por ele.
Quando chegava às suas mãos, jornais ou revistas da
Inglaterra, Magdalena vinha ler ou contar o que se passava em sua terra.
Na manhã de oito de Dezembro de 1.892, data em que
eles comemoravam 44 anos de casados, Niníca viera abraça-lo na porta e
lembrá-lo para fazer uma surpresa à sua mãe...
- Pai, parabéns pelo dia de hoje!
- Por que filha?
- Há 44 anos atrás, vocês se casavam!
- 44 anos?
- Quando Brazilian Mining mandar
dinheiro?
- Ela não existe mais, papai!
Edward olhando para a filha, disse:
- Eu querer comprar presente para ela..
Mas, Treloar não mandar dinheiro!
Sua mente confundia os nomes dos chefes e das
companhias onde trabalhara.
Mas, Treloar não mandar dinheiro.
Foram as últimas palavras que Niníca ouviu de sua
boca.
Sentado no degrau da porta sob a soleira, sua cabeça
pendia apoiada contra o marco seco e descascado pelo Sol.
- Vai dormir em sua cama, pai!
Magdalena ouvindo o que a filha dizia, veio ajudá-la a
levá-lo.
- Vai dormir em nossa cama, querido!
Inerte sem ouvir resposta, as duas aproximaram-se.
Edward tinha partido, quem sabe para sua terra a
Cornualha na Inglaterra, ou talvez não tão longe; para o Gongo Soco onde vivera
na esperança de enriquecer com o ouro da mina...
Durante 10 anos, Maria Magdalena Mendes Campello
Hosken, sobreviveu da saudade e das lembranças de um homem que amara
profundamente; entretanto, teve que lutar contra os pais e a própria religião
para desposá-lo.
Sua determinação e personalidade venceram todos os
obstáculos das incompreensões religiosas e até sociais; vindo com sua
determinação, abrir caminhos para que sua outra irmã, Maria Rita, viesse também
a se casar com outro inglês, com os mesmos problemas religiosos.
Tabu quase impossível numa época, que os pais faziam
as alianças como queriam.
Apesar das influências sociais de sua família, ela não
conseguira enterrar o esposo na igreja matriz como desejava.
O inglês era anglicano e não se batizou como
prometera, ao se casar com Magdalena, portanto, impossível a licença como
determinava a igreja.
No adro da igreja de Santa Quitéria em Catas Altas , logo
atrás do templo, enterraram o seu corpo numa sepultura de pedras como base e
grades de ferro ao seu derredor.
Tal como os jazigos dos ingleses enterrados em Gongo Soco , o seu
túmulo é um marco de pedras como os dolmens de “Lay line of Saintly Michael” em
Carn les Boel no condado da Cornualha.
Sobre o caixão em que fora enterrado, uma bateia com 25 cm . de diâmetro dizia mais
do que palavras, o que ele era e viera buscar no Brasil e dentro dela, uma
grande chave de 18 cm .
Seria com ela que ele iria abrir as portas do céu?
Certamente que sim, pois ele a deixou no mesmo lugar,
para que também nós seus descendentes, servíssemos dela...
Ver no anexo nº
15, seu jazigo velado pela tetraneta
Luiza Ayres Frade.
Dando moldura a sua sepultura, a Serra do Caraça com o
pico do Sol, ao fundo e o Morro d’Água Quente a esquerda, completa
com a Serra do Pinho mais distante, um quadro de belezas inconfundíveis.
Ao longe, bem ao longe, estendendo a vista para o
Norte, as terras de Santa Bárbara do Mato Dentro.
O túmulo do inglês sobre o extenso gramado natural, na
cota 779 metros
de altura, domina uma vasta região e principalmente o centro histórico da terra
que ele escolheu como última morada.
Tão longe da Cornualha, porém perto de sua Magdalena.
Numa mensagem escrita por Yara Rodrigues Lage e na
pintura do belo lugar da sepultura de Edward Hosken, que ela retratou, está
gravada:
Magdalena Campello Hosken sobreviveu a ele por
mais 10 longos anos.
A
religião que pela glória do senhor, une as criaturas; separava pela fé os
corpos de um casal que no dizer do sim e da benção nupcial, anunciara:
“Até que, a morte os separem”
A união dos corpos que é a razão da vida deixara de
existir após a morte.
Maria Magdalena faleceu em 25 de Janeiro de 1.902 e
foi enterrada na mesma Catas Altas, porém em local diferente do jazigo de EDWARD...
Partira deste mundo, uma admirável dama, que apesar
de filha de um Guarda-Mor, não hesitara trocar as pompas de sua herança nobre,
por uma união ao jovem minerador inglês que se chamava:
EDWARD
HOSKEN.
Nota do
autor:
É
interessante rever os caminhos dos nossos destinos:
Da
intolerância e discriminação religiosa do fim do século XIX, ao destinar os
restos mortais de Edward Hosken a um lugar isolado; No século XXI, a imprensa
numa " Seleção deslumbrante " premia o lugar onde está enterrado,
como um dos 5 mais belos panoramas naturais de Minas.
Ver o jornal
ESTADO DE MINAS de 7 de Abril de 2.010; PAISAGENS MINEIRAS.
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