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CAPÍTULO XXI FIM DE UM INGLÊS


No início de 1.892, Edward Hosken começara a sentir as conseqüências da dura vida de minerador aos 78 anos de idade.
A vida que levara na mocidade era sentida agora com o vergar dos anos.
Nas suas últimas incursões pela Mina do Pitanguy, ele se valia da experiência, já que suas forças definhavam e o vigor faltava para dar exemplos aos rudes trabalhadores das catas.
O ouro escasso a extração difícil, sem a mão de obra escrava, dava pouco rendimento em troca de todo o desconforto dos deslocamentos que fazia para o trabalho.
Sol a pino, o calor escaldante irradiado pelas pedras da serra, deixava os cavuqueiros molhados de suor.
Evitando que a cabeça e o corpo, fundisse naquele esquentar infernal, Edward algumas vezes afastava-se da lavra e ia refrescar o corpo nas águas mansas da lagoa do Guarda-Mor.
Quase sempre só, recordando sua terra de origem, ficava depois de banhado, sentado sobre o gramado da borda do lago.
Apesar da água límpida, o espelho da lagoa era escuro refletindo a sombra da mata ao derredor.
Libélulas e andorinhas passavam por cima de sua cabeça, indo pousar ou mergulhar na lâmina d’água.
Os pequenos lambaris e girinos em evoluções dentro de pequenas bacias da beira da lagoa, ao verem sua sombra, fugiam para o fundo onde certamente seriam presas fáceis das traíras e mandis.
Edward entrava dentro d’água molhando o corpo nu e voltava para secar na margem do gramado.
Permanecendo quieto, os bichinhos voltavam a beira da lagoa, como também voltavam os marrecos que fugiam na sua chegada.
Juncos na outra margem inacessível escondiam os ninhos dos paturis que infestavam de beleza o manso lago.
Estendidas sobre ramos de arbustos, a roupa molhada lavara o suor para que ele pudesse voltar ao trabalho, com a sensação refrescante do corpo limpo.
Primeiramente lembrando dos banhos refrescantes da barragem do Gongo Soco, ia aprofundando o pensamento e voltando ao tempo de menino nas praias de Monade Point e de Lands End na Cornualha.
As andorinhas da lagoa do Guarda-Mor faziam lembrar as gaivotas pairando no ar e descendo em arremetidas contra os cardumes de peixes ao sabor das vagas no mar da sua terra na Inglaterra...

O mesmo fazia os pássaros sobre a lagoa em vôos rasantes, abocanhando peixinhos e insetos.
Naquela solidão e paz, vinha uma vontade imensa de fumar cachimbo; faltava para sorte dele, aquele instrumento de veneno que tirou alguns anos de sua vida.
Na falta do fumo, arrancava a haste de um pendão da grama e começava a chupá-lo como se fosse o cachimbo...
O sossego e as lembranças deixavam-o viajar no tempo recordando seus pais, seus amigos de infância na Inglaterra.
Onde estaria Mary a sua antiga namorada?
O tempo corruíra sua beleza, ou continuava a ser o que fora nas devidas proporções do tempo passado?
Será que ela esperara por muito tempo a sua volta à Inglaterra?
Edward tinha na imagem o último inverno que passara na sua terra; a neve cobrindo os telhados e as ruas cobertas pela massa de extrema alvura que caíra em flocos.
Ele via a imagem da mãe, quando ainda era criança e ela preocupada, envolvendo-o com roupas quentes e pesadas que impedia seus movimentos para guerrear com as bolotas de neve os seus amiguinhos.
Que estariam fazendo Hamilton, Jenny, Gordon, Ralph e Jane Hosken, os colegas e parentes que quando meninos faziam guerra com pelotas de neve?
E lady teacher, Charlotte Hasleton?
Certamente ela não era mais deste mundo!
- Eu escutava a sua voz como se estivesse aqui comigo:
- “To watch out for she is!”
Ela me recomendava cuidados com o namoro que mantinha com Mary, também, sua ex-aluna.
Seus pais segundo ela, eram orgulhosos demais...
Antes mesmo de me apaixonar por Mary, Miss Charlotte fora minha paixão como a primeira mulher estranha a me dar atenção e carinho.
Amor de toda criança pela primeira professora.
Na primavera, levava para ela, braçadas de flores com recomendações de minha mãe Anne.
Como era gostosa a troca de presentes! Eu oferecendo flores, ela a me beijar a face.
Quantas vezes eu não briguei com o Gordon por sua causa; o colega atrevido fazia de tudo para ver por baixo da mesa, as pernas de minha amada professora!!!
No Verão, seus vestidos mais curtos e leves, deixavam ver naturalmente o que Gordon tentava por artimanhas apreciar.
Bem que eu tinha vontade de fazer o mesmo que o Gordon, mas achava que tais atitudes não eram próprias de um cavalheiro...
Entretanto, olhando minhas vizinhas gangorrando nos quintais de suas casas, esquecia as censuras que fazia aos colegas de classe.

A memória ao passado, voltava amiúdo, tanto quanto ao tempo da chegada ao Brasil.
Quantas vezes sonhei, com meu pai voltando à casa e cobrando os meus deveres de escola?
A lembrança da mãe esfregando a roupa suja e reclamando a sua falta de cuidados...
Ela arrumando a sala de visitas, “drawing-room“; limpando as pedras da lareira, tirando os objetos para limpá-los, entre eles, o retrato da rainha Vitória e também dos pais no dia do casamento deles.
A coleção de cachimbos do seu velho Jammes, que ela tanto implicava e a bandeirinha da Inglaterra, sempre hasteada num suporte de madeira.

Eles já não existiam; e como era difícil recordar que estava há tantos anos separados...
O passado na Inglaterra estava tão distante da sua memória, e às vezes duvidava de certos fatos vividos na infância; entretanto uma coisa ele não esquecia:
Lembrando do prato predileto feito pela mãe:
“Fish and chips“
Ah! Como eram gostosos, o peixe e as batatas fritas que sua mãe fazia!
Não fosse as cartas e os retratos que Edward recebera nos anos seguintes da sua chegada ao Brasil, não haveria mais nada que o ligasse ao passado.
A distância e o tempo eram tão arrasadores como o Inverno na Inglaterra,  congelando os sentimentos e as lembranças que deveriam permanecer constantes como o bater do coração.
Até para lembrar do rosto de Mary a antiga namorada, ele espelhava-o no rosto e na aparência de Magdalena...
O retrato dos pais mostrando cores indefinidas colocara as imagens embaçadas como se estivessem no limbo.
O coração que pulsava dentro dele, também já não era tão sangüíneo, ele estava ficando como as fotos, de cores desmaiadas.
Foi necessário um tropel de um cavaleiro na estrada, para tirá-lo das reminiscências;
Lady Magdalena deveria estar em sua casa preocupada pela demora do seu velho...
Desamarrando o animal que cansara de bater com os cascos no chão, ele não mais precisava abanar o rabo para afugentar as moscas que o atormentava.
Eram momentos de paz como aqueles junto da natureza, que lhe dava na velhice prazeres pífios, recordando o passado.
Edward não poderia se queixar, vivera intensamente os dias que Deus lhe dera.

Em Junho quando o frio entrou para valer, ele começou a sentir cãibras nos pés e nas mãos; queixava-se à Magdalena da dificuldade de circulação do sangue pelas artérias.
Deixara de andar e passava as horas do dia sentado na frente da casa onde morava, vendo os transeuntes cruzarem a rua, o que era raro naqueles tempos.
Através dos poucos conhecidos que passavam, perguntava se eles estavam vindos da serra do Pinho; ele queria informações sobre as obras de construção que o filho Totó estava levantando nos terrenos dos Barbosas.
De tanto ouvir comentários sobre a construção do filho Totó, ficou excitado e  manifestou vontade de ver as obras e a vinha que crescera.
Em Maio, dia em que se comemorava a festa da Santa Cruz, Totó veio apanhá-lo em Catas Altas.
Juntos, ele e a mãe Magdalena pareciam meninos, tal a satisfação dos dois acomodados sobre a charrete.
Calçados por almofadas, contornaram a vila passando por fora na estrada do novo cemitério e foram sair na baixada do córrego do Pitanguy.
Caminho onde os desbravadores passavam para entrarem na fechada mata do vale do rio Piracicaba e que também um dia, passaram os historiadores e cientistas: Auguste de Saint-Hilaire e Richard Burton.
Encantado com o passeio Edward esquecera seus males e conversara durante toda a  viagem, contando histórias de suas pesquisas e catas  por aqueles trechos por onde mineraram.
Na cachoeira dos Perdões, ele conseguira com seus faiscadores uma boa extração de ouro; não fora como outrora nos tempos do Capitão Domingos Pontes, quando seus escravos catavam pepitas e não pó como nos últimos tempos.
Subindo o morro dos Perdões, avistaram do alto dos seus 827 metros de altitude, a igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Pediu que parasse a charrete, ficou em silêncio, olhando para tudo em redor, recordando um passado distante. Alongando a vista e apontando para a praça onde se via a igreja disse comovido:
- Parte de nossas vidas em comum, estão naquele pedaço, Magdalena!
- Fazendo os cálculos; 46 para você e uns 70 para mim, respondeu ela.
- Como pode ser maior o seu tempo, se sou mais velho do que você?
- Não se esqueça que nasci aqui e sempre vivi neste pedaço...
As torres da igreja destacavam-se apontando para as nuvens e sua caiação cintilava naquela manhã ensolarada.
Magdalena tinha se calado e Edward viu que ela rezava contrita, como se dentro estivesse na igreja.
Na moldura da visão, a igreja tinha como fundo a serra do Caraça.
- Eu admiro sua fé, minha querida!
Magdalena com o rosto sereno balbuciava a oração da Ave Maria; afastada na meditação e entregue a oração, nem ouvira o que o esposo dissera.
Depois de um quilometro de descidas, começaram a ouvir os sons de um gulpeão ferindo madeira.


- Estão serrando tábuas disse Totó; de longe avistaram dois homens, um sobre o estaleiro e o outro por baixo movimentando a serra num sobe e desce incessante.
- Que é aquilo?
- Serradores, meu pai!
Serrando tábuas para a adega...
- Bonito lugar, filho!
Por que não muda para cá?
- Não tenho pressa pai!
Na verdade ele não tinha pressa, faltava ainda muita coisa para colocar o retiro e a casa em condições como planejara.
Ao chegarem, Totó notou com que dificuldade o pai tentava apoiar os pés sobre o estribo da charrete e veio ajudá-lo.
- Ficaram rígidas, Totó!
- Falta de que fazer, meu pai!
O velho fechou a cara e disse:
- Já fiz muito, bem mais do que você pode pensar...
Totó não dissera aquelas palavras para magoar o pai, pelo contrário, ele queria que houvesse reação para que ele exercitasse mais e não se entregasse como estava acontecendo nos últimos tempos.
- Como você consegue ficar aqui durante uma semana longe de Nhanhá?
- Logo você Du, que faz esta pergunta?
A mãe censurava o esposo, lembrando dos dias, semanas e meses que Eduardo ficara longe dela...
Carlos Arthur não tinha outro jeito, ele precisava aproveitar todas as horas do dia para terminar a obra.
Seu sacrifício valeria a pena, logo que a família estivesse toda reunida no retiro.
A primeira coisa que chamou a atenção do visitante inglês, foi a paliçada do  parreiral a esquerda do curral onde pararam.
Habituado nas minas a fazer visadas de alinhamento, mirou o primeiro esteio, os outros subseqüentes desapareceram na linha perfeita da fileira; em cada quadrado, as estacas aprumadas, onde subiam as ramas como fustes de  bocelos.
Ramas oriundas de Portugal trazidas pelo Rev.mo. Miguel Maria Sipolis em 1.882 e aclimatadas no Caraça de onde posteriormente, espalhou-se para a região.
- Quem te ensinou a plantar assim, meu filho?
- Padre Mendes, o senhor sabe...
- The, intrusion!
- Que é isto, meu pai; ele nunca foi intrujão!
- Se ele visita tantas casas, é porque há convites e cumprido o seu ministério...
As farpas contra o padre eram sempre lançadas, e estendia-se  contra  todo o clero.

- Padre e urubu, duas coisas pretas gostar de carniças e limpar até alma...- Não seja extremado nos seus preconceitos religiosos, pai!

   A chácara já formada produzia os primeiros frutos e a vinha alastrava-se pelas paliçadas cobrindo extensas áreas.
- Muita bonito, filho!
- Pena é não ter mais cachos, pai!
As folhas verdes cobriam em ramadas a terra escondida pelo tapume de manto verde.
Por baixo, centenas de estacas simetricamente assentadas, sustentando o forro vivo das folhagens.
A candeia ainda guardava a morrinha característica de seu cheiro.
O senhor falando deste jeito contra o padre, magoa a mamãe,  que é  parente e amiga dele, além de ser meu professor...
O que padre Mendes está fazendo por Catas Altas, ninguém fez até hoje!
A mãe de Totó e ele tinha grande admiração pelo padre, e não admitiam censuras contra o reverendo, ainda mais do próprio pai...
Vendo a reação do filho, mudou de conversa e perguntou:
- Naquele espaço ali, que você plantar?
- Já plantei uma alameda de mangueiras, indo da porta da cozinha, até o moinho lá em baixo.
Apontando para a parte baixa do terreno explicou Totó:
- As alas das mangueiras irão separar as qualidades das uvas, para que não haja interferências genéticas.
O Inglês ficou admirado dos conhecimentos demonstrado por Totó, fruto das aulas que tivera com o padre que ele não gostava.
Bem em frente do canal onde corria uma bica volumosa, Edward tentou caminhar subindo a rampa íngreme que ia dar ao engenho.
- Vamos dar a volta, pai!
Por aqui é difícil subir a rampa...
- Se eu parar de andar e deixar de fazer os pequenos sacrifícios, morro antes da hora, meu filho!
Dando suas mãos para Totó e Zé de Souza, conseguiu subir o desnível até o plano onde fora implantado o engenho de cana.
A moenda montada estava coberta por sacos, até que a coberta ficasse pronta e esperasse pela primeira moagem.
Edward admirou a falta do rego d’água, que tocava quase todos os engenhos no Brasil.
- Onde água, “to move?”
Ele não sabia que versão a dar “sugar-mill“ engenho em inglês; e disse a expressão que lhe veio a cabeça: “this filthiness.“
Totó não entendeu e ele repetiu com um grunhido:
 Porca-ria...   
- O senhor quer dizer, esta porcaria?
- Sim, esta porca ria, repetiu ele dividindo a palavra.
Este engenho vai funcionar tracionado por animais, tal qual na sua terra, pai!
- Lá, gente faz filthiness, lugar baixo, não alto este ai; apontava para a ferragem.
- Foi baseada numa revista portuguesa do padre Mendes que fiz o desenho deste engenho...
- Oh! Oh! Homem português, disse com desprezo.
Ele ria cinicamente, Totó sabia das diferenças que havia entre os dois povos sempre amigos, porém com críticas ferinas entre eles; portugueses e ingleses.
Na falta de volume d’água na altura onde construíra a casa, Totó foi obrigado a fazer o engenho de tração animal.
Se tivesse feito o engenho na parte inferior do terreno, aproveitando o volume d’água, a fornalha e a tacha ficariam longe da casa em lugar úmido.
O posicionamento do engenho de tração animal, em nível superior a fornalha e a tacha, colocava as instalações junto da casa e comunicados por um cano onde corria o melaço para dentro da enorme tacha de cobre.
O que vira já dava para sentir o que seria o retiro depois de pronto.
Ofegante de tanto andar, foi o velho repousar num banco da varanda dos fundos, tomando a limonada que Totó mandara fazer.
A adega em frente, do outro lado do pátio impedia com suas altas paredes, a visão do fundo do pomar por trás dela.

Ver como era a adega da vinicultura de Carlos Arthur Hosken no Anexo 28.

- O que atrás fábrica,  Totó?
Ele se referia a adega.
- A vinha de uvas brancas, o pomar e o rego de serventia da casa.
Ele teve vontade de ver a água correndo das bicas e sobre tudo, o rego do moinho, porém estava muito cansado para descer até lá.
- Bom sentir cheiro do “field” filho!
Falta cheiro bois para fazer “odour” fazendas!
- Com o tempo certo, antes mesmo da mudança, já terei gado pastando pela encosta...
Na próxima vez que o senhor voltar ao retiro, terá o prazer de sentir o odor do esterco.
- My time!  Time is up...
As respostas em inglês eram o seu artifício de dizer a verdade sem que os filhos entendessem...
À tarde, voltaram a Catas Altas; rostos corados principalmente do velho de tez clara.


                A mãe conversava e Edward calado, varria os campos numa visão alongada;
          Pensando que felizmente o filho Totó poderia tomar conta de Magdalena e Niníca,
          depois que ele partisse.
Magdalena a esposa e a filha Niníca, encontrariam em Totó e a nora Nhanhá, o amparo na solidão que viriam para elas...
- Em que pensa, Eduardo?
- Em você.
Ele não quis dizer no que pensava, a tarde fora alegre para os 2 velhos;  para que estragar a felicidade que o filho proporcionara?
Pondo fim ao seu silêncio, numa voz ofegante pelo cansaço, disse:
- Eu fez mal meus filhos; não podia deixar ir embora para mato...
- Culpa sua Eduardo, cansei de falar para que eles não fossem para tão longe...
Você sempre dizia que os filhos teriam que se aventurar para crescerem e até estimulava-os.
Veja, Totó não precisou sair daqui!
Maria Magdalena já adivinhava o que ocorreria 31 anos depois, quando marcando o sucesso do filho Carlos Arthur Hosken, ele receberia do Instituto Agrícola Brasileiro, o “GRANDE DIPLOMA DE HONRA, conferido à FÁBRICA DE BEBIDAS DA QUINTA DA ESPERANÇA”.

Ver Anexo nº 31 - Rótulos da fábrica.

- O desabafo tinha os seus motivos, os filhos que deixaram Catas Altas, viviam na distante Zona da Mata; algumas noras e netos ela nunca vira, só retratos.
A medida que o Inverno chegava e dominava o tempo, o frio ia fazendo estragos na combalida saúde do velho Inglês.
Chico e Juca, foram os únicos filhos distantes, que vieram a Catas Altas para visitar o pai, alertados pela carta de Niníca.
O passeio ao retiro da Boa Esperança, foi sua última saída de casa, pois nem as caminhadas pelo adro da igreja de Santa Quitéria, ele agüentava fazê-las como antes.
A subida era íngreme demais para seu coração abalado.
Durante as manhãs e as tardes, sentava num banco em frente da casa e ficava olhando o pequeno movimento de tropas e transeuntes que passavam pela rua.
Respondia pachorrento os cumprimentos a ele dirigidos e não mais sustentava conversas longas com os conhecidos.
Quando sua pressão arterial subia, ele ficava quieto cochilando dorminhoco.
Ultimamente, lembrava e sonhava muito com os tempos da sua infância na Inglaterra.
                Comentava com a esposa os seus sonhos com os pais; geralmente falando em
                Inglês, o que não era mais hábito, pois não tinha com quem manter conversas em
                sua língua.
Naquela manhã festiva de 8 de Dezembro, Magdalena ouviu de sua boca, uma frase que claramente percebeu:
- When do you leave for England?
Magdalena ouvindo o que ele dizia, respondeu em Inglês:
- Are you speakin for me?
Ele não deu resposta e ela voltou a perguntar em português, achando que ele não ouvira.
- Estás a falar comigo, querido?
Edward sonhava em plena luz do dia...
As cãibras e a falta de circulação nos membros inferiores eram cada vez mais constantes e ele se queixava, pedindo Magdalena que fizesse massagens em  suas pernas.
- Você precisa andar, querido!
- Andar, para quê?
De dia cochilava sonolento, a noite passava insone esperando o dia clarear.
Costumava perguntar pelo cachimbo, esquecendo que afastara por sua própria vontade, o vício que fizera tanto mal a ele.
A tristeza em seus olhos era patente, ele que sempre fora agitado e ativo, não se conformava em ficar parado.
Nas suas queixas, Magdalena escondida chorava por ele.
Quando chegava às suas mãos, jornais ou revistas da Inglaterra, Magdalena vinha ler ou contar o que se passava em sua terra.
Na manhã de oito de Dezembro de 1.892, data em que eles comemoravam 44 anos de casados, Niníca viera abraça-lo na porta e lembrá-lo para fazer uma surpresa à sua mãe...
- Pai, parabéns pelo dia de hoje!
- Por que filha?
- Há 44 anos atrás, vocês se casavam!
- 44 anos?
- Quando Brazilian Mining  mandar  dinheiro?
- Ela não existe mais, papai!
Edward olhando para a filha, disse:
- Eu querer comprar presente para ela..
Mas, Treloar não mandar dinheiro!
Sua mente confundia os nomes dos chefes e das companhias  onde trabalhara.
Mas, Treloar não mandar dinheiro.
Foram as últimas palavras que Niníca ouviu de sua boca.
Sentado no degrau da porta sob a soleira, sua cabeça pendia apoiada contra o marco seco e descascado pelo Sol.
- Vai dormir em sua cama, pai!

Magdalena ouvindo o que a filha dizia, veio ajudá-la a levá-lo.
- Vai dormir em nossa cama, querido!
Inerte sem ouvir resposta, as duas aproximaram-se.
Edward tinha partido, quem sabe para sua terra a Cornualha na Inglaterra, ou talvez não tão longe; para o Gongo Soco onde vivera na esperança de enriquecer com o ouro da mina...

Durante 10 anos, Maria Magdalena Mendes Campello Hosken, sobreviveu da saudade e das lembranças de um homem que amara profundamente; entretanto, teve que lutar contra os pais e a própria religião para desposá-lo.
Sua determinação e personalidade venceram todos os obstáculos das incompreensões religiosas e até sociais; vindo com sua determinação, abrir caminhos para que sua outra irmã, Maria Rita, viesse também a se casar com outro inglês, com os mesmos problemas religiosos.
Tabu quase impossível numa época, que os pais faziam as alianças como queriam.
Apesar das influências sociais de sua família, ela não conseguira enterrar o esposo na igreja matriz como desejava.
O inglês era anglicano e não se batizou como prometera, ao se casar com Magdalena, portanto, impossível a licença como determinava a igreja.
No adro da igreja de Santa Quitéria em Catas Altas, logo atrás do templo, enterraram o seu corpo numa sepultura de pedras como base e grades de ferro ao seu derredor.
Tal como os jazigos dos ingleses enterrados em Gongo Soco, o seu túmulo é um marco de pedras como os dolmens de “Lay line of Saintly Michael” em Carn les Boel no condado da Cornualha.
Sobre o caixão em que fora enterrado, uma bateia com 25 cm. de diâmetro dizia mais do que palavras, o que ele era e viera buscar no Brasil e dentro dela, uma grande chave de 18 cm.
Seria com ela que ele iria abrir as portas do céu?
Certamente que sim, pois ele a deixou no mesmo lugar, para que também nós seus descendentes, servíssemos dela... 

Ver no anexo nº 15,  seu jazigo velado pela tetraneta Luiza Ayres Frade.

Dando moldura a sua sepultura, a Serra do Caraça com o pico do Sol, ao fundo  e  o Morro d’Água Quente a esquerda, completa com a Serra do Pinho mais distante, um quadro de belezas inconfundíveis.
Ao longe, bem ao longe, estendendo a vista para o Norte, as terras de Santa Bárbara do Mato Dentro.
O túmulo do inglês sobre o extenso gramado natural, na cota 779 metros de altura, domina uma vasta região e principalmente o centro histórico da terra que ele escolheu como última morada.
Tão longe da Cornualha, porém perto de sua Magdalena.
Numa mensagem escrita por Yara Rodrigues Lage e na pintura do belo lugar da sepultura de Edward Hosken, que ela retratou, está gravada:


 Magdalena Campello Hosken sobreviveu a ele por mais 10 longos anos.
A religião que pela glória do senhor, une as criaturas; separava pela fé os corpos de um casal que no dizer do sim e da benção nupcial, anunciara:

“Até que, a morte os separem”

A união dos corpos que é a razão da vida deixara de existir após a morte.
Maria Magdalena faleceu em 25 de Janeiro de 1.902 e foi enterrada na mesma Catas Altas, porém em local  diferente do jazigo de EDWARD...

Partira deste mundo, uma admirável dama, que apesar de filha de um Guarda-Mor, não hesitara trocar as pompas de sua herança nobre, por uma união ao jovem minerador inglês que se chamava:

                                                   EDWARD HOSKEN.




Nota do autor:

É interessante rever os caminhos dos nossos destinos:

Da intolerância e discriminação religiosa do fim do século XIX, ao destinar os restos mortais de Edward Hosken a um lugar isolado; No século XXI, a imprensa numa " Seleção deslumbrante " premia o lugar onde está enterrado, como um dos 5 mais belos panoramas naturais de Minas.
Ver o jornal ESTADO DE MINAS de 7 de Abril de 2.010; PAISAGENS MINEIRAS.    














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