Com a
intervenção brasileira na política do rio da Prata, o partido Blanco do
presidente Bernardo P. Berro afastou o Uruguai do protecionismo do Império do
Brasil, além de molestar o governo argentino do General Mitre.
Não bastasse a
afronta aos brios portenhos, os gaúchos da fronteira, geralmente estancieiros,
estavam sendo provocados pela política interna Uruguaia.
A Inglaterra,
Argentina e Brasil, propunham um governo de transição para aquele recém
independente país, afastando os envolvidos das eleições a se realizarem dentro
em breve.
Aguirre
sucessor de Berro, não concordou e os
dois vizinhos, interessados na pacificação Uruguaia, ameaçaram represálias, enviando um ultimato.
Tomando as
dores da Província da Prata, o Paraguai aliou-se a ela, que fortalecida com o
novo aliado, devolveu o ultimato com os seguintes dizeres:
“PARA QUE NÃO FIQUE NOS ARQUIVOS DA REPÚBLICA.”
Começara aí
uma pequena intolerância que geraria no futuro, conseqüências desastrosas aos
países do cone Sul da América.
Os problemas
de fronteira e navegação do rio Paraná, franqueado à marinha brasileira,
estavam sendo hostilizados pelo governo
paraguaio.
O governo de
Francisco Solando Lopes passara a impedir que navios subissem o rio Paraná para
abastecerem de víveres a região Oeste do Brasil.
Navios
frágeis, construídos de madeira que nada poderiam afetar a soberania dos vizinhos
do rio fronteiriço.
Toda
comunicação e expedições para a região Oeste do Brasil, só podiam ser feitas
através da via fluvial, única via possível até então.
Com a atitude
intempestiva do governo paraguaio, não havia como, o Brasil abastecer os povos
fixados na região fronteiriça do rio Paraná, bem como cortou os meios de
comunicação da administração dos nossos territórios.
O Paraguai
usava de uma prerrogativa de defesa territorial, impedindo que navios estrangeiros seus
vizinhos, navegassem com calado maior, nas águas comuns dos países
fronteiriços.
Francisco
Solando Lopes, desde 1.853, vinha comprando da França, material bélico,
inclusive navios para reforço de sua marinha de guerra.
Era evidente o
que tramava a pequena nação mediterrânea da América do Sul.
Em l4 de
novembro de 1.864, o vapor Marquês de Olinda, transportando o presidente da província do Mato Grosso, bem
como outros altos funcionários do governo, tripulação e outros passageiros,
foram aprisionados e o barco incorporado
a marinha Paraguaia.
Era uma
declaração de guerra ao Brasil e aos seus aliados; confirmada com a invasão do
território de Corrientes na Argentina.
Por esta
época, Edward Hosken e família moravam em Ouro Preto no Caminho das Lajes, pouco acima da
localidade de Passagem de Mariana.
O inglês já
tivera experiências com problemas que afetaram o Brasil, quando a Inglaterra
através de seu embaixador Christie, intrometera-se nos problemas políticos do
país onde ele Edward vivia.
Apesar dos
distantes 1.500 km
da fronteira conflagrada, os ingleses radicados no Brasil não se sentiam
seguros com os boatos, principalmente os que residiam na capital da Província,
a cidade de Ouro Preto.
A preocupação
deles aumentara quando o governador Saldanha Marinho e o bispo d. Antônio
Ferreira Viçoso, fizeram uma proclamação em praça pública.
Os jovens
ouropretanos estavam sendo concitados a serrarem fileira no Batalhão dos
Voluntários da Pátria sediado em
Ouro Preto.
O entusiasmo da
juventude atendendo o chamado encheu os quartéis de recrutas desfalcando os
setores produtivos da região metropolitana.
Entre os
jovens, um era muito caro ao inglês Edward Hosken, seu filho John, contando 27
anos de idade e nascido em
Gongo Soco.
No dia 10 de
maio de 1.865, perfilado em frente ao palácio do governo, estava com todo garbo
o voluntário João que se despedia a caminho da fronteira Oeste do Brasil.
Orgulhoso e
herdeiro do mesmo espírito aventureiro do pai, partia o moço sem saber o que
ocorreria a eles nos próximos anos de luta com o Paraguai.
Quarenta dias de
marcha durou a 1º etapa até a cidade de Uberaba, eles ainda não tinham nem
saído da fronteira da província de Minas.
No Triângulo
Mineiro, permaneceram até 4 de setembro, para depois empreenderem nova marcha
rumo á Coxim, a 700 km
adiante de Uberaba.
Foram 225 dias
de marcha enfrentada nos 700 quilômetros adiante, até a entrada do
Pantanal na cidade do Taquarí.
Ainda teriam
muita terra a atravessar até atingir o território da fronteira e as tropas
paraguaias que provavelmente guarneciam as divisas.
Missão difícil
de expulsar tropas já assentadas e senhoras dos territórios que conheciam com a
campanha invasora.
John não podia
imaginar quanto era extenso o território por onde marchariam, baixadas pantanosas,
sem viva alma e muito menos inimigos.
De Uberaba
quando acampados, Edward Hosken recebera cartas dando notícias e depois, viera
postada de Coxim, dizendo que estavam preparando para seguir dia 25 de abril de
1.866, para Miranda, agora bem próximos da fronteira, posto avançado do exército além de Aquidauana.
As tropas
estavam à espera do sinal de alerta e esperavam por combates.
Era intenção
do comando, atingir o triângulo das fronteiras: brasileiras, bolivianas e
paraguaias, numa manobra de surpresa para envolver o exército inimigo por trás.
O quartel de
Ouro Preto soltava boletins de guerra, dando baixas dos soldados feridos e mortos do l7º batalhão dos Voluntários.
No período da
tentativa de envolverem as tropas paraguaias, rumando para o Norte, as cartas
pararam de chegar.
Quando John
partira para a guerra, a madastra presenteara a família com mais um filho
homem, que na pia batismal, recebeu o nome de CARLOS ARTHUR HOSKEN, nascido nas
Lajes, estrada que ligava Ouro Preto à Passagem de Mariana.
Muito louro e
de olhos azuis, chamava a atenção dos viajantes que passavam pela estrada que
ligava as duas cidades.
Crianças
claras e bem diferentes das vizinhas.
Para os
locais, eram conhecidos como ingleses, que chegaram à Ouro Preto, para
surrupiar o solo rico da capital.
Quando em
1.867 espalhou-se o boato que o minerador chefe da mina, achara uma lâmina de
ouro medindo 45 cm
X 20 cm ,
pesando 1.843 gramas ,
todo mundo queria saber quem era o felizardo.
A
tranqüilidade do inglês terminou e a desconfiança começou a marcar o convívio
deles com a comunidade das Lajes.
Magdalena
tinha permanentemente no porão da sua casa o negro Zaga vigiando a residência;
Edward tinha motivos suficientes para alarmar-se com a segurança de sua
família.
Quantos não
supunham que o inglês guardava em sua casa, o ouro das extrações diárias?
Ele não era
doido de colocar em risco sua família, mas muitos pensavam que a vigilância dos
negros rondando a sua casa, era por motivo da guarda do ouro.
Enquanto
Edward Hosken minerava nas imediações de Ouro Preto, os voluntários do l7º
batalhão da mesma cidade, combatia o
inimigo nos fortes de Bela Vista
e Machorra.
O primeiro caiu nas mãos dos brasileiros em 21
de abril, exatamente na data comemorativa das milícias mineiras, consagradas ao
nosso herói Tiradentes.
Como ponta de
lança da ofensiva, o batalhão foi obrigado a recuar, frente a uma carga pesada
da cavalaria inimiga.
Inferiorizado,
o 17º teve que sair em retirada, perdendo grande parte do seu contingente de
soldados.
Os que se
salvaram, juntaram-se as fileiras esfaceladas na “Retirada da Laguna” epopéia
heróica contada pelo militar e historiador Visconde de Tounay.
Sem os
serviços auxiliares de retaguarda, tais como abastecimento e munições, o charco
incumbia de infernizar os que se salvavam do fogo inimigo.
Desconhecendo
o teatro de operações, sem estradas na imensidão dos alagados onde as febres
palustres, dizimavam mais que as balas inimigas, os briosos soldados iam
perdendo força e a vida no pantanal mato-grossense.
Um pedido de
socorro chega a Ouro Preto, é necessário recompor as perdas de homens e
materiais.
Edward Hosken
toma conhecimento do que se passava com o l7º batalhão na região da fronteira.
John não mais
escreve depois que as forças brasileiras tomaram o Forte Bela Vista, a família
espera por notícias...
O delírio de Solano Lopes, como Bonaparte da
América, dura 6 longos anos de angustia aos países invadidos.
A prudente espera
de arregimentação de forças, dá tempo suficiente para que a esquadra brasileira
se enquadre as condições hidrográficas da zona litigiosa e dos combates que iriam ser travados nas
bacias dos rios Paraguai, Uruguai e Paraná.
Em junho de
1.867 chegou notícias da fronteira, dando conta que em janeiro a coluna
escorraçara os invasores da região de Nioac, seguindo avante até o rio Apá.
Sob os comandos de: Tamandaré e Barroso da
Marinha, de Manuel Luís da cavalaria e Caxias no comando geral, o Arsenal da
Marinha do Rio de Janeiro havia entregado os navios de ferro encomendados
especialmente para os combates fluviais dos rios de fronteira.
Para subir o
rio Paraguai e alcançar o seu território, somente navios de ferro conseguiriam
penetrar e resistir as baterias dispostas às margens dos rios, sem os quais,
seria impossível o desembarque em terras paraguaias.
Humaitá a
margem do rio, até então inexpugnável aos navios de madeira, abria-se ao poder de fogo e da resistência da
estrutura metálica dos novos barcos incorporados à marinha.
Joaquim José
Inácio, mais tarde barão de Inhaúma, com os couraçados: Brasil, Lima Barros,
Silvado, Colombo e Herval, em manobras estratégicas colocaram a frota junto de
Humaitá, propositadamente na mira de fogo das baterias costeiras, e deixa
passagem aos barcos de casco de ferro, para romperem as correntes que fechavam
o rio.
Estava aberta
a passagem até a capital paraguaia, a conquista da batalha naval de Humaitá,
rompera a barreira que o comando do exército paraguaio, achara ser
intransponível.
O deflagrador
da guerra tornava-se prisioneiro de suas próprias estratégias, ao fechar o rio
que julgava ser do seu domínio.
Após seis anos
de guerra; em março de 1.870,
a vanguarda do coronel Silva Tavares toma o acampamento
de Cêrro Corá e Francisco Lacerda, o “Chico Diabo” indo atrás de Lopes por
dentro da mata, consegue atingi-lo mortalmente.
Estava
eliminada a cabeça de quem provocara a guerra e o fim de uma luta entre irmãos
do Continente.
Nesta guerra,
havíamos perdido vidas humanas preciosas; só nas batalhas de dezembro de 1.868, sucumbiram 8.8l6
soldados brasileiros, contra l0% menos dos paraguaios.
Se na guerra
do Paraguai perdemos tantas vidas preciosas, neste mesmo período, Catas Altas
perdia com tanta paz, um dos seus maiores vultos históricos; O inesquecível
padre Francisco Augusto Xavier de França, desaparecido em l7 de fevereiro de
1.868.
Seu corpo foi
enterrado junto ao altar da belíssima matriz de Nossa Senhora da Conceição,
onde por longos anos, exercera como pároco, sua missão sacerdotal.
Religiosos de
toda a arquidiocese vieram prestar a última homenagem a quem dera a vida
inteira ao ministério de Deus.
Entre os
padres que celebraram o ofício de “Requiem Aetérnam” estava o seu futuro
substituto, padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, conhecido mais tarde
pelos paroquianos como: “Padrinho Vigário”.
Tal como seu
antecessor, seu nome ficaria também ligado à história de Catas Altas.
Passados
muitos anos após o fim da guerra do Paraguai, a família HOSKEN tomara
conhecimento do desaparecimento do combatente John Hosken.
Os soldados
que voltaram da guerra, contavam que após o envio do reforço de Ouro Preto, as
tropas marcharam para a cidade de Cuiabá, em l6 de outubro de 1.868, punham o
pé naquela longínqua cidade.
Mais sorte que
John Hosken, os irmãos e conterrâneos: Francisco e Gabriel Rodrigues Álvares,
voltaram como oficiais e heróis.
No ano
seguinte, em 11 de maio de 1.869, o casal Edward e Maria Magdalena Mendes Campello Hosken, perdiam um
filho recém-nascido; o desaparecimento de John, ainda causava magoas e
tormentos.
No dia 5 de
agosto daquele ano, o heróico batalhão mineiro dos Voluntários da Pátria,
entrava em Assunção, a capital inimiga.
Em 23 de março
de 1.870, estava de volta o que restara do l7º batalhão dos Voluntários da
Pátria; entre os combatentes o capitão Pio Guerra da vila de São José da Lagoa,
que se tornara oficial, prestando serviços no corpo de saúde do exército.
Nos braços
deste filho de São José da Lagoa, morreram vários moços brasileiros, e mineiros levados pelos ferimentos da
guerra.
Terminada a
guerra, dos 37.870 militares enviados ao Paraguai, um tão querido aos Hosken,
não voltaria jamais a sua terra.
A epopéia das
lutas dos Voluntários da Pátria é emocionalmente contada por Visconde de
Tounay, no livro: “A RETIRADA DA LAGUNA”.
As conseqüências da Guerra do Paraguai vieram
mais cedo do que se esperava, transformando a sociedade e os costumes do povo
brasileiro.
A guerra
abrira fronteiras do conhecimento e os irmãos negros que lutaram contra o
invasor era tão dignos e bravos quanto os brancos vestindo o mesmo uniforme do
nosso exército.
A conquista da
guerra deu ao povo o sentido da força e da liberdade, surgindo as divergências
políticas muito diferentes dos primeiros 60 anos do Império.
Em 1.870 fora
criado o Partido Republicano, com interesses bem diferentes aos partidos até
então dominantes.
Os setores
tradicionais representados pela aristocracia, dominavam o poder e contra eles se insurgia o Exército e a Igreja.
Esta
resistência diminuía o poder da monarquia que até então se sustentava
basicamente sobre os dois pilares.
Em 7 de
fevereiro de 1.87l, falecera na capital da Áustria, a princesa Leopoldina,
caçula do imperador do Brasil.
Abalado pela
perda da filha, D. Pedro II programou uma visita à Viena, onde iria prestar
homenagens póstumas à dileta filha.
No pedido de
afastamento para a viagem, condicionava sua volta a promulgação da:
Lei de
Libertação dos Filhos dos Escravos.
Assumindo a
Regência em 20 de maio de 1.87l, sua filha a princesa Isabel, reinou até 3l de
março de 1.872.
Fato pouco
difundido na história do Brasil, que teve uma mulher a frente do governo
Imperial por 10 meses.
Ao regressar
do giro pela Europa, D. Pedro II reassumiu
o governo da nação, referendando a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro
de 1.87l.
A lei
esvaziara por certo tempo o movimento abolicionista que estava ganhando forças
ao passar dos anos.
Por esta época,
o estabelecimento comercial de João Martins Ayres, gozava de reputação em Catas Altas e
imediações, onde suas mercadorias conseguiam atingir, através das tropas dos
Viegas, as localidades circunvizinhas.
O perfeito
entrosamento do comerciante João Martins Ayres com os Viegas, donos de tropas,
favorecia comercialmente à Catas Altas, com mercadorias vindas da cidade do Rio
de Janeiro, ( porto de descarga de mercadorias da Europa ) e a cidade de Ouro Preto, a capital da
província.
Com
mercadorias importadas de Portugal e Inglaterra, o estabelecimento do sô João
Martins, gozava de prestígio pelas novidades da Europa e dos produtos vindos do
Norte e Leste, que cruzavam pelas estradas que passavam por Catas Altas.
Em contato
constante com os comerciantes de Ouro Preto, Os Viegas ouviam o clamor deles e
dos grandes proprietários de terras por onde andavam.
Se os
comerciantes reclamavam, o que dizer dos grandes proprietários de terras contra
as leis libertárias que iam extinguindo o trabalho escravo das lavouras!
Nascida na
senzala, a negrinha Rosa que se tornara mucama da família de sô Raymundo
Gonçalves Viegas, achava que a Lei do Ventre Livre beneficiava também a ela,
nascida antes da promulgação.
A notícia da
Nova Lei espalhara entre a escravatura e Rosa chegara a comentar:
"- Agora
não sei se sou de Ventre Livre, ou de
ventre preso!"
Os meninos de
sô Raymundo, gozando a negrinha que fora criada com eles, diziam para ela:
“- Por favor, Rosa!
Continue com seu ventre preso,
o que carregas no corpo teso;
Rosa cativa, da Dindinha Totó!
Cheia d’espinhos, negra de fazer
dó”!
Rosa chorando com a brincadeira maldosa dos
meninos, ia se queixar à Chiquinha, sinhazinha da mesma idade dela e irmã dos
seus algozes.
As mesma
lições que Chiquinha e seus irmãos recebiam para alfabetizarem-se, Rosa também recebia, pois assistia
interessada o que a mestra dos meninos ensinava.
Entusiasmada
repetia em coro com os meninos:
A B
C D E
F G H
I J K.....
B + A = BA
B + E =
BE.....
Um dia chegou
a vez de se ajuntar o C com as vogais
e os meninos gritavam:
C + A = CA
C + E = CE
C + I = CI
C + O = CO
Na hora de responderem o C + U, os meninos
calaram e Rosa não desconfiando de nada, gritou sozinha:
C + U = CU
Uma risada
geral provocou a maior choradeira da negrinha e a aula terminou antes do tempo
marcado.
Sem comparecer
as aulas, Rosa sumiu, até que Munda e Chiquinha convenceram-na a voltar ao
aprendizado.
A amizade dos
meninos e o amor entre eles, pois em Catas Altas quase todo mundo era parente, eles
consideravam Rosa como se fosse uma pessoa de suas famílias.
Distinguida
com referências da professora, Rosa era um parâmetro para os outros, que se
sentiam envergonhados quando a menina escrava dava queda em suas lições.
Ainda menina,
aprendeu a ouvir e reproduzir as histórias e depois de velha, tornou-se uma
contadeira exímia dos Contos da Carochinha e dos Contos do Arco-da-Velha.
Os filhos de
sô Raymundo ficavam admirados quando ela contava as estórias dos navios
negreiros e as caçadas dos negros na África, que ouvira de sua avó.
- Com quem ela
aprendera tantas coisas?
Com detalhes
mirabolantes, contava como a avó fora pega ainda menina em Angola, as margens
de um rio que desaguava em Benguela:
Um “soba”
africano enganara os chefes tribais na captura dela e dos outros “malungos”.
Homens brancos
de grande estatura, com laços e armas, surgiam de surpresa na aldeia, guiados
por negros de uma tribo inimiga que a eles se aliavam para preá-los.
O que mais
impressionara ouvindo as estórias de sua avó foram os fatos do martírio dela e
de sua tribo, primeiro tentando esbaratados correrem dos preadores na sua
própria aldeia, depois a prisão no porão do navio.
Pintando com
tantas cores os tormentos de seus antepassados, submetidos aos corsos, os
meninos ouvindo Rosa, choravam e durante
a noite e sonhavam estarem sendo também
perseguidos.
Não era para
menos, as crianças sabendo que a avó de Rosa passara com as torturas dos porões
abarrotados de malungos macrabos, cujas reumas infestavam o piso do casco do
navio com fétida podridão.
Os malungos
contava Rosa, além do vômito, cagavam sem querer, formando um monturo de
dejetos mais abomináveis que as estrumeiras dos currais.
Na escuridão
do porão fechado, eles não podiam mexer sem tocar nos seus próprios excrementos
que enlameavam o piso.
Pela manhã,
eram acordados com o rabo-de-tatu desandando sobre as costas, até os pobres
bichados que não agüentando tanta judiação, morriam com as feridas
contaminadas.
As marcas do
chambuco causadas pela moxinga, era o selo para entrada das almas penadas no
paraíso de “Murungura”.
Os que ainda
permaneciam sãos tinham que lavar com latas d’água a imundice do fétido porão.
Com o mesmo
palavreado que a sua avó contara tais estórias, ela Rosa guardara e transmitia
aos meninos o drama de seus antepassados.
Sua avó fora
arrematada como contra-peso de uma partida de escravos oferecidos ainda no
desembarque.
Uma palavra na
memória marcara o local da chegada no cais do porto: VALONGO.
Nos armazéns
alfandegários da Rua do Valongo, certamente seus entes queridos foram
dispersos, indo as peças para lugares diferentes, para nunca mais se encontrarem.
Ali no
Valongo, a família desintegrava como
reses vendidas em currais.
Da Alfândega,
os escravos válidos foram conduzidos a uma fazenda de engenho fluminense.
No canavial, a
mãe ganhara corpo e seu primeiro homem; depois já pejada, vendida como estava
para um comerciante de Vila Rica.
Foi em Vila Rica que o alferes
José Maria Viegas, comprou a negra e tocando a tropa, chegou a região das
Serras: Caraça e do Pinho.
Marchando a pé
no compasso da tropa de burros, a escrava agüentou a viagem a seu destino
final.
Na casa do
alferes e de dona Joaquina Balbina da Trindade, arranjaram o seu homem, que
afinal vinha a ser o pai da Rosa, a escrava e companheira de Francisca Augusta
Viegas Ayres.
Falecendo o
alferes José Maria e dona Joaquina, foi passada ao filho Raymundo Gonçalves
Viegas e já mais velha, à Francisca - (Chiquinha).
Rosa tinha
vergonha de não saber quem era seu avô, também, nem a própria mãe lembrava quem era o seu pai.
Ao contrário
de Rosa, os filhos de Nhô Raymundo tinham berço e linhagem, pois LOURENÇO
VIEGAS, um de seus antepassados, fora companheiro de armas de D. Affonso
Henriques, o conquistador e o primeiro
rei de Portugal..
Rosa tinha por
onde aprender tantos fatos, dona Marcolina a Dindinha Totó, também era mestra
em gambelar os miúdos com suas histórias
nos dias chuvosos.
Tônico, Juca,
Munda, Chiquinha e Quide ouviam deliciados as patranhas da mãe Totó.
Rosa às vezes punha dúvidas se tudo aquilo que
ouvira de sua avó, era verdade...
Apesar de
contar alguns fatos ligados às suas origens, não sabia se nascera em São Francisco ou
Serra do Pinho, terras onde viveram os Viegas.
Certamente a
mina do Pary levara os filhos do sô Raymundo Viegas para São Francisco, o ouro fascinava e mexia
com a cabeça dos homens.
Como tropeiros
comerciantes, serviram a mina em todo o tempo em que ela esteve em atividade entre os séculos XIX e XX.
Após o
fechamento da exploração do ouro, os filhos do sô Raymundo se espalharam, indo
os mais novos estabelecerem-se em Catas Altas , com os casamentos das irmãs:
Raymunda (Munda), Francisca (Chiquinha) e Melquiades (Quide).
Rosa, muito
nova, casou-se com o negro escravo Leandro.
Beberrão e
malandro, o casamento em vez de ser um prêmio para ela, foi um martírio, tendo
que tolerar todos os defeitos que o negro carregava.
Deste período
de casada, pouca coisa tinha para contar, pois nem filho tiveram e os
sentimentos não deviam ter raízes, pois
tia Rosa anos mais tarde, contava sua história, cantando:
Rosa
toda mimosa,
com Leandro se envolveu;
o
negro servindo Rosa
nem um filho, concebeu...
ai, Deus meu!
Que será de
Rosa?
Leandro morreu...
-Antes
ele do que eu!
Quando Leandro
bateu as botas, ela voltou para junto dos Viegas, indo viver na casa de
Chiquinha, sua companheira de infância.
Quase da mesma
idade, os filhos de Nhô Raymundo
tratavam-na como se fosse uma
irmã; daí mais tarde, todos os netos de
Chiquinha chamarem a antiga escrava, por
tia Rosa.
Inteligente e
viva era pau para toda a obra e um trabalho em particular a distinguiu quando
menina:
Contando 9 a l0 anos de idade,
participou do primeiro recenseamento feito em São Francisco.
Hospedado na
fazenda do Pinho, o recenseador tinha nos meninos da fazenda o elo entre os
moradores do lugar e ele; Funcionário mal visto do governo.
Ajudando na
entrevista dos matutos desconfiados, Rosa e os meninos conseguiam para o
oficial do governo, as respostas necessárias ao censo, induzindo-os com
palavras:
“- Papai,
mamãe e nós, já fomos recenseadas...”
Não tenham
medo, o moço está querendo é saber quantos somos aqui na Serra do Pinho; ele
nada tem com o recrutamento do exército!
O povo tinha
pavor de recrutadores do exército, afugentando gente por longo tempo do
convívio dos povoados.
Muitos ainda
se lembravam dos moços que foram levados para a Guerra do Paraguai; bastava
aparecer um senhor diferente pelas bandas da serra, e os homens caírem no
mato...
Um daqueles
senhores recenseadores contava que, era comum os matutos perguntarem:
“- Pru mode qui, ancê qué contá nois?
Nois nu é boi,
nu é vaca nem galinha, moço!
Se ancê ponhá
meu nome aí, ancê despois nu vem buscá, eu”?
Eram os
meninos, bem mais que os velhos, que tranqüilizavam os matutos.
Passados
alguns anos, São Francisco que se mostrara em crescimento no primeiro
recenseamento, quase desaparecera como arraial.
Com a mina do
Pary fechada, a debandada foi geral.
A mina que
entre 1.879 e 1.880 chegara a produzir apreciáveis 49.455 oitavas de ouro foi
pouco a pouco perdendo produção e empregados.
Estabelecidos em São Francisco , com
atividade que independia da mina, sô Raymundo Viegas, esposa e filhos, ainda
continuaram tendo moradia na fazenda e no arraial por alguns anos, pois a sede
da fazenda que herdaram, ficava bem
perto.
Os filhos mais
novos baldearam para Catas Altas, onde os trabalhos de tropas e comércio ainda
resistiam às mudanças do fim do século.
Associados às
tropas de Martinho Martins Lourenço e seu filho João Martins Ayres, trafegavam
entre a antiga capital Ouro Preto, Mariana, Paulo Moreira, Catas Altas e Santa
Bárbara e aventuravam-se pelo inóspito vale do Rio Doce, levando e trazendo
cargas do porto de Itapemirim na costa Leste do Espírito Santo.
Os donos das
tropas tinham certas regalias, viajando por terras e gentes desconhecidas;
arranchados pelos caminhos fechados da mata, contando com dias bons e dias
ruins da vida de tropeiros.
Eram eles os
portadores das boas e más notícias por onde passavam.
Viajavam por
tantos lugares voltando periodicamente que ficaram conhecidos por cometas.
Ver no Anexo 10, como viajavam os cometas com suas tropas.
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