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CAPÍTULO XIV OS PRIMEIROS ANOS DE CASADOS


Nossos primeiros meses de casados refletiam o que se sucedia na Mina dos Ingleses de Gongo Soco; tudo que acontecia ali afetava a nossa vida.
Apesar da produtividade, ela sofria com o déficit de sua expansão; o quinto cobrado de impostos até o ano de l.837, baixara para l5%; o que aliviara bem o fundo de reserva da Companhia.
Edward viajava pela região, pesquisando e sondando vestígios de manifestação aurífera.
Magdalena que se prontificara logo depois do casamento para dar aulas na escola do Gongo, fora chamada para exercer o magistério numa turma de meninos brasileiros.
Passando o dia entre crianças, ela arranjara serviço para encher seus dias vazios dentro de casa.
Ao descobrir que estava grávida em fevereiro de l.849, arrependeu-se de ter dado seu nome oferecendo-se como professora.
Como Edward por diversas vezes ao ano, saia fazendo pesquisas na região central das Minas Gerais junto com Mr. Willian Yory Henewood, Magdalena previa que a vinda de um filho, acabaria com seus dias de solidão, quando Edward  viajasse.
Foi na volta de uma destas viagens, que ele ficou ciente que ela estava esperando o primeiro filho.
Edward festejara a boa nova e dissera para ela que vinha sonhando por diversas noites que Deus lhe havia enviado uma menina para fazer companhia para a mãe.
Magdalena ainda não mostrava as formas de uma mulher em plena gestação, apesar de aparentemente mais bela.
Os meses da gravidez passaram rápidos e em 7 de outubro de 1.849, nasceu a filha que ambos desejavam.
Na pia batismal da igreja de Nossa Senhora da Conceição, recebeu o nome de Maria Rita, em homenagem a tia  do mesmo nome.
De cabelos loiros e olhos verdes, Maria Rita diferençava de todos os outros primos, netos do Guarda-Mor Mendes Campello.
A marca da descendência saxônia estava estampada na cor clara da pele que não negava o pai.
Edward não assistira o batismo, ele tornara-se inimigo do vigário Francisco Xavier de França, nem tão pouco o Guarda-Mor aceitara ser padrinho de batismo da  menina.
A inocente criancinha não tinha culpa das rixas entre o inglês e o padre, e o pai com o sogro...
Trinta e seis dias após o parto, Magdalena voltou ao Gongo Soco para gáudio de Genoveva que tomaria para si, a guarda e cuidados permanentes da menina Ritinha.
Há muito ela não sentia o cheiro do cueiro naquela casa, John havia nascido há l2 anos...
Enciumada viu chegar a ama que também fora de Magdalena, Nhana viera ajudar a sua fiinha a criar uma menina que era sua neta de criação.
Maria Rita a recém nascida, certamente colocaria um fim na indiferença do genro com o sogro; a criancinha ao nascer, começara a  trazer a paz dentro da família.
Magdalena só voltou a dar aulas, no principio do ano de 1.850, 4 meses depois do nascimento de Maria Rita.
O compromisso profissional com a Mineradora, não permitiu durante certo tempo, viagens à  Catas Altas.
O pai que se abalara com seu casamento ainda guardava magoas da filha e do genro e naqueles primeiros meses do ano, consultando o médico Dr. Manoel Moreira, queixava-se de dores atrozes.
O facultativo da família achava que todos os seus problemas,  eram reflexos do desgosto que sofrera com o casamento da filha.
Escrevendo para Magdalena, a mãe informava preocupada da doença do esposo, que estava acamado a mando do Dr. Moreira.
Com Maria Rita (Ritinha) passando dificuldades que nenhuma outra criança do Gongo Soco experimentara; pois, com a mãe aprendia a língua portuguesa, com o pai o inglês que se falava na vila e com Genoveva e Nhana, o dialeto africano que as escravas geralmente falavam quando em contato com eles.
Passados l2 meses exatos do nascimento de Maria Rita, a menina ainda não conseguira falar como as outras e Magdalena tentava de todas as maneiras ensiná-la, para que o pai ficasse surpreso com a novidade da filha.
Edward pesquisava do outro lado da serra do Caraça, na fazenda da Cata Preta próxima ao Inficionado e na localidade de Antônio Pereira, junto com seu companheiro Mr. Willian Yory Henewood.
Desanimados, pois a pesquisa revelava uma rica jazida, porém profunda e que absorveria grande soma de investimentos; eles se sentiam cansados no afã de terminarem com as pesquisas.
Se o desânimo atingia por um lado, por outro, a saudade de Magdalena  convidava-o ao retorno  com a esperança de rever suas duas princesas.
Mr. Yory mulherengo por excelência, não resistiu aos apelos de retorno de Edward; também na fazenda da Alegria corria boatos vindos da corte que, a Lei de Euzébio de Queiroz havia sido aprovada, extinguindo definitivamente o tráfico negreiro.
Os dois ingleses não sabiam por que os proprietários de terras estavam tão preocupados com a nova lei.
Há quanto tempo a Inglaterra combatia o tráfico e os escravos continuavam a chegar da África.
Os dois mineradores ingleses não tinham noção da extensão da lei e como tinham alguns negros à disposição deles, resolveram voltar ao Gongo para saberem como deveriam proceder com os mesmos.
Em Catas Altas já deveria ter instruções da interpretação da lei e foram atrás de John Emery.
O patrício explicou que a nova lei, só extinguia a entrada de negros no país, através da proibição do tráfico negreiro, quanto ao mais, tudo como antes, inclusive o menino filho de escravo, continuaria após o nascimento, também escravo...
Que eles os ingleses poderiam continuar o trabalho da mesma maneira que vinham tocando para suas companhias.
Naquela oportunidade, ficara sabendo por John Emery que seu sogro estava muito mal, o que assustou ao genro, que ficou sem saber como proceder, pois desde a negativa do sogro ao seu casamento, nunca mais colocara os pés em sua casa.
Como já havia viajado até Catas Altas, resolveu continuar viagem  até a sede no Gongo para levar a notícia para Magdalena.
Ao chegar de surpresa e ver a esposa, Edward notara com certo orgulho, como ela estava bonita.
O corpo voltara ao normal, não mais com as formas de menina moça, mas rosto e corpo exuberante de fêmea na plenitude da vida.
Flertando extasiado, olhos presos aos dela,  perguntou admirado:
- Por que você está assim?
- Para esperar você, querido!
- Mas você nem sabia que eu iria chegar?
- Você não me avisou, mas o coração diz coisas que ele mesmo não entende...
Edward pensava consigo mesmo: Há coisas surpreendentes em nossas vidas que não sabemos como surgem.
Que forças ocultas o fizera sair da Cata Preta e passar em Catas Altas?
Certamente a força do amor e da mente, levando-o a se inteirar da grave doença de seu sogro e a esposa a esperar por ele sem nenhum aviso prévio.
Aproximando-se de Magdalena, envolveu-a com um braço e trouxe o seu corpo até colar ao seu.
- Não faça isto, Eduardo!
Maria Rita olhava para eles sem compreender nada, de repente começou a chorar e disse com os olhos cheios d’água:
- “I  am afraid!”
- Medo de que, querida?
Ela apontava para o pai.
Com a barba por fazer, capacete e roupa de campanha, o pai era para ela um verdadeiro estranho tomando a mãe pelos braços como  fizera a frente dela...
- I am, afraid, repetia ela...
Que adiantava dizer para sua filhinha que era ele...
- Ela estranhou você, querido!
Cambaleante nos seus primeiros passos, a menininha fugia para os braços de Nhana.
- É seu papa, filinha!
Suspensa nos braços da velha, Maria Rita encontrava refúgio olhando de longe o que fazia o barbudo com sua mãe...
A menina via a mãe suspensa nos braços do estranho.
- Ponha-me no chão, Eduardo!
Ela sentiu o  corpo dele raspando ao seu na descida vagarosa...
Como era delicioso aquele contato íntimo depois de seus retornos...
Estreitando-a ainda mais, ele sem dizer nada, demonstrava o  que ele queria dela...
- Agora não!
Por favor,  largue-me, não sejas imprudente!
Vamos ter uma noite inteira!
O banho por tomar e a barba por fazer, levou Eduardo a se separar dela; ele não queria, mas Magdalena convenceu que ele esperasse pela noite...
A comida caseira era bem diferente das distribuídas nos acampamentos ou nas minas onde passava grande parte de seus dias.
Ele acostumara ao tempero da Genoveva e das batatas que ela fritava.
Tomando o banho, sentia vindo do ar, o aroma do que a velha negra preparava para ele.
Ah Genoveva!  que saudade da comida de casa!
Quando ele abraçava-a ela esperneava gritando para que todo o mundo ouvisse o seu berro:
- Nhá, ou Nhá!
Dá jeito nu, seu home!
Ancê tá com diabo nu corpo, barata discaiscada?
Era assim que chamava os gringos, quando tinha queixas contra eles.
- Negra escrava,  não berra!
Recebendo um tapa na bunda, Genoveva xingava:
- Fio  da puta de galego!
Ancê nu arrespeita a véia nem na cara de sua muié!
Genoveva sofria com as brincadeiras do inglês e do seu filho que criara.
Havia entre ela Genoveva,  Edward e o Jonh, uma intimidade que Magdalena condenava, não por ciúmes, pois a negra já estava na casa dos 70 anos,  mas pelo que poderiam dizer as más línguas.
 Edward admirava-se como viveu tantos anos no Brasil sem esposa!
Aquele aconchego ao voltar para casa era tudo que lhe faltara durante tanto tempo da sua vida...
 Magdalena havia desmamado a Maria Rita, que tomara o leite materno, até principio de setembro de l.850.
Nhana passava a dormir com a criança quando Edward voltava para casa e sem os estorvos do choro e preocupações, Magdalena se entregara ao marido naquela noite de Primavera como se brotasse dentro dela, o vigor da estação das flores...
Ambos não dormiram na noite de l0 de setembro, havia dentro deles a chama que desperta e incendeia pela ausência de tanto tempo separados.
Quando amanheceu o dia 11, já havia dentro dela. mais uma sementinha.
Ela lembrara que no missal que rezava todos os dias, a data era consagrada a Nossa Senhora e nas suas páginas ela tinha lido:

 “Entrando o anjo onde ela estava, disse:
  - Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo;
 Bendita és tu, entre as mulheres.”

Edward prudentemente não quisera informar de chofre a doença do Guarda Mor à Magdalena, ele esperava um momento oportuno para colocá-la ao par do que se passava com seu pai em Catas Altas.
Foi ela mesma sabendo que Edward passara por lá, que perguntou se ele tinha notícias dos pais.
- Sim Magdalena, eu não quis dar as notícias ontem para não assustá-la.
- Mas o que você tem a me falar?
- Fiquei sabendo pelo Emery que o seu pai não está bom...
- Como não está bom?
Que você está a me esconder?
                Por acaso você deixou o seu orgulho e foi visitá-lo?
Se foi,  só pode ser por  milagre do dia de Todos os Santos!
- Ele está doente e seu estado não é bom...
- Meu Deus, que vou fazer!
- Nada querida, não adianta se alarmar; Estamos distantes e teremos que esperar por um chamado da sua família...
- Então é grave? Parece que sim.
Magdalena começou a chorar e disse inconsciente para o marido:
- Eu sou culpada, Edward!
- Ninguém tem culpa por doenças dos outros, querida!
Correndo para o quarto, ela  enclausurou-se em prantos.
O pai veio a falecer poucos dias depois, desaparecendo da vida social de Catas Altas, o patriarca que mais deixou descendência no famoso e histórico arraial.
Seu corpo sepultado na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, guarda uma história singular dentre todos os demais  ali sepultados.
Um brasileiro filho de português que em pleno século XIX, casara 4 de suas filhas com 4 cidadãos de origem européia.
Dois genros ingleses e dois portugueses.
Pai amoroso e profundamente preocupado com o bem estar de suas filhas, não se importava de fechar a cara aos pretendentes que não se enquadravam ao perfil de genros que ele exigia para suas filhas.
Por este motivo durante certo tempo, opusera ao casamento de sua filha Maria Magdalena, com o inglês Edward Hosken de fé diferente da sua...
O inglês que se dizia batizado na igreja católica, conseguiu levar Magdalena  nunca porém,  seu consentimento.
Somente depois da sua morte, Edward Hosken voltou à casa onde nascera sua esposa e na convivência amistosa com a sogra e seus cunhados, veio a introduzir naquele lar, outro inglês anglicano, Mr. John Emery, que também fez história em Catas Altas, casando-se depois de viúvo, com Maria Rita Perpétua, mais conhecida pelo apelido de Bizita.
Concunhado do tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha que se casou com Maria Raymunda Mendes Campello e Antônio Alves da Silva, que esposou Anna Mendes Campello, ambos de além mar, tal como Pedro Álvares Cabral, de nação portuguesa.
 Passara um mês daquela noite que Eduardo voltara depois de tanto tempo fora e Magdalena retornava a dar aulas no dia l2 de outubro, data da descoberta da América.
Correra  exatamente l mês e a regra não viera no período menstrual.
Não tendo certeza se era atraso, nada comentou com o marido, esperando que o tempo confirmasse o seu estado.
Na data de dois de novembro, finados foi ao cemitério dos ingleses do Gongo Soco, para rezar pela alma do seu pai e pelas almas dos amigos ali enterrados, sentindo tonturas e enjoou comentou:
Há uma semana que não venho me sentindo bem, talvez seja a indisposição pela saudade do pai que se foi e eu não possa visitar o seu túmulo neste dia de finados!
Eu não sei o que se passa comigo!
Parou de andar, sentou sobre uma  pedra no gramado da borda da represa a espera que o mal passasse.
Suando frio e com a pressão alterada, Edward amparava o seu corpo, quando o seu estômago rejeitou todo o que havia comido pela manhã.
Pálida, bamba e encostada em Eduardo, esperava o mal passar.
- Respira fundo, querida!
Enche o seu pulmão de ar e solte-o...
Respirando o ar puro da manhã, ela se sentiu mais aliviada do mal estar que ia dentro dela.
Levantando-se da pedra onde sentara, Eduardo disse:
- Pra que levantar querida!
- O mal passou não se aflija...
Ele acariciava seus cabelos, olhando-a sem saber como proceder se os vômitos voltassem.
Calado, continuava a acariciá-la sem querer atormentá-la com conversas e perguntas.
Foi ela mesma depois de certo tempo que disse:
- Vamos embora, Eduardo!
- Você se sente melhor para voltar?
Ela acenou com a cabeça.
- Vamos aguardar por mais tempo, querida!
Não temos nada de imediato a fazer...
Eduardo começou a lembrar dos amigos que estavam ali enterrados e teve receio que o mal de Magdalena fosse grave, ele ainda estava sob o impacto da morte do sogro.
Passado inteiramente o mal estar dela, ele perguntou:
- Há quanto tempo você não tem “menses”?
Ela não lembrava quantos dias passara da última menstruação.
- Talvez 2 meses, eu não sei o certo.
- Você está grávida, querida!
- Será gravidez, Eduardo?
Beijando-a disse carinhoso:
- Um homem, é o que mais quero de você, querida!
Colocando a  mão sobre o ventre dela,  falou ufano:
- Será que seremos mais uma vez, pais?
Que nome nós daremos a ele?
- Como você sabe que é ele?
Se for homem, será James, tal como meu  pai,  se for mulher, Ana como minha mãe..
Eu prefiro que ele tenha o mesmo nome seu, querido!
Eduardo...
- Isto não, pois daqui a alguns anos para diferençar do meu  filho me chamarão de Edward o Velho.
- Então será Eduardo Diogo Hosken, concorda?
- Por que o  Diogo?
- E um nome tradicional na sua família...
Colocando mais o nome Diogo, fica diferençado Edward velho do Eduardo novo e as famílias tradicionais gostam de dar aos filhos os mesmos nomes dos         antepassados.
 Nos ingleses em particular, preferimos  render homenagens aos nossos reis, rainhas e príncipes.
Naquele 2 de novembro de 1.850, a mina estava parada homenageando os mortos, principalmente os colegas,  suas esposas e seus filhos que haviam morrido no Brasil
Magdalena que fora com o esposo até o cemitério rezar pela alma do pai que havia falecido e fora enterrado na igreja matriz de Catas Altas, sentia que dentro dela uma nova vida nascia.
Edward comentou:
- O que Deus nos tira ele mesmo repõe, querida!
No dia 3, bem cedinho,  Magdalena procurou o Dr. Cuming.
Na porta do Hospital ele a viu e disse brincalhão:
- Com este aspecto de saúde e beleza, você veio a mim, certamente para saber se estás novamente grávida...
- Edward falou com o senhor?
- Não precisava filha!
Sua menina está com quase l ano e meio, é tempo de arranjar outro...
O que Edward me falou, é que você estava enjoando, diagnóstico lógico para quem faz vômitos sem razão.
Gravidez de 1 a 2 meses
Examinando-a ele comentou: Você está em seu esplendor da vida, a gravidez tem o dom de dar beleza ao corpo e fulgor aos olhos.
- São minhas roupas novas, Reverendo!
A roupa veste a matéria, não a alma que fulgura com o dom de Deus...
O médico e pastor, parecia adivinhar as coisas e seu diagnóstico era sempre preciso.
- Nunca mais vocês me deram notícias  do padre Francisco de Catas Altas e como reagiu com minhas bênçãos de casamento para vocês!
- Ele tornou-se inimigo de Edward e ficou durante certo tempo indiferente comigo.
Agora voltamos aos bons tempos de amigos, porém ao Edward ele vira a cara.
Ele disse que Edward não cumpriu o prometido, batizando-se  e tornando-se católico como prometera.
- E Edward?
- Que nada havia prometido ao padre, apenas que respeitaria minha religião como dissera...
Sondando o que estava sentindo e o que manifestava de repulsa alimentar, Dr. Cuming deu o diagnóstico final:
Mais sã do que estavas, mais bonita do que eras, assim premia Deus as criaturas que procriam; vai para casa e conta ao seu marido a boa nova...
Parabéns minha filha, vai com Deus e evite  comer as coisas que te faça repulsa.
Ela tinha pressa de voltar para casa e escrever para a mãe contando a novidade, o Edward só saberia depois de sua volta do trabalho..

                Dr. Cuming era favorável que ela continuasse as suas atividades tal como
          vinha fazendo, inclusive as aulas que dava para a comunidade.
O exercício ajudava  ao feto e a própria grávida.
Dando aulas, agüentou o trabalho até um mês antes do nascimento do segundo filho; que ocorreria em principio de  junho  de 1.85l, em casa de sua mãe em Catas Altas.
Edward queria que o menino nascesse com a assistência do Dr. Cuming, Magdalena sentia-se mais à vontade em sua terra com a presença da mãe e do doutor Moreira.
Era também a oportunidade de rever a mãe e os irmãos depois do falecimento do pai.
Convencendo ao marido que teria também depois do parto, reformar toda a sua toalete, seria mais fácil que o nascimento ocorresse em Catas Altas, com  a presença da mãe e das tias para olhar por ela e Ritinha.
Mantendo correspondência atualizada, dava informações sobre a evolução da sua segunda gravidez.
Bonifácia prometera mandar uma charrete para buscá-la no Gongo Soco quando ela completasse 8 meses de gravidez e na carta comentava que,  em vista da propalada lei que estava sendo discutida no Congresso, sobre a extinção do tráfico de escravos, talvez deixasse Catas Altas e transferiria para a Mata do Rio Doce.
Euzébio de Queiroz elaborara uma lei acabando com a fonte da sobrevivência deles e que depois de promulgada, Chico não teria como sobreviver em Catas Altas sem o comércio dos escravos.
Em vista do que poderia ocorrer, queria vê-la antes de partir com o marido.
 Conforme fora combinado, um mês antes do menino nascer Magdalena veio para sua terra para ganhar a criança que estava esperando.
Saíram cedo do Gongo, descansaram no arraial de São João do Presídio do Morro Grande e Brumado, para depois completarem a jornada direta até Catas Altas.
Em Brumado ao avistarem a Serra do Caraça, já se consideravam  em casa, apesar da distância que ainda teriam que cavalgar.
Ao ver do alto a planície do vale do rio Maquiné, o coração também galopava na ânsia de ver e sentir tudo aquilo que mais amava.
Em sua mente começou a reviver o que sua avó lhe contara sobre as festas do Rosário quando era menina.
Na igrejinha construída pelos escravos, logo a entrada da rua, poucos metros acima do leito do rio, realizavam as Cavalhadas, que representava a luta dos Cristãos contra os Mouros.
Tal como ouvira da avó, dona Thereza,  repassava para Edward toda a história da luta que durou mais de 3 séculos entre os cristãos e os árabes.

“Com a invasão da península Ibérica pelos árabes no século VIII, os povos europeus que habitavam a região peninsular e de religião cristã, tiveram que lutar desde o ano de 711 até 1.085, contra os invasores, que empreendiam uma cruzada religiosa.
Esta luta uniu os cristãos contra os muçulmanos e daí nasceu as cruzadas tentando expulsarem do Sudoeste europeu os adeptos da religião de Alá.
As Cavalhadas representavam as lutas iniciadas em Toledo no ano de 1.085 por D. Afonso de Leão.

As cavalhadas encenavam tal como deveria ter sido, as batalhas travadas de cidade em cidade entre os cristãos e os mouros.
Como deveria ser bonita as comemorações antigas das lutas dos povos cristãos  contra os mouros!
Imaginando a baixada toda tomada de cavaleiros fazendo evoluções e o povo assistindo as encenações...
Sua avó deveria se sentir como uma dama cotejada pelo cavalheiro de armadura metálica, montado num cavalo branco.
Com a visão do campo onde pisavam os animais, ela também recriava na sua imaginação o cenário das cavalhadas e colocava o seu Edward, como um cavaleiro cruzado, debaixo das pesadas armaduras...
Os cavalos começaram a imprimir uma marcha forçada ao sentirem a aproximação do seu destino.
No vau do rio espraiado, os cavalos pararam para saciarem a sede, ela também tinha sede, mas de rever seus entes queridos, agora tão pertos dela.
Edward pela primeira vez estava voltando à casa da sogra, ele não sabia como seria recebido depois da morte do Guarda Mor,  por isto, vacilava em seu tormento.
A alegria da família tendo Magdalena e Ritinha junto deles, afastara por completo os ressentimentos contra o inglês.
Se ele viera junto, demonstrava com sua atitude que queria reconciliação e acabar com a indiferença que seu casamento provocara.
Magdalena estava na terra, cenário de  infância e de quase toda a sua vida.
Sendo alvo das atenções juntamente com Ritinha, custara a se levantar do banco da charrete; pesada teve que ser ajudada por Nhana que passou a Maria Rita para os braços de Miúda.
Para descer, Eduardo carregou-a nos braços para depositá-la no chão...
- Como pesamos disse ela rindo,  mostrando o volume da barriga.
 Zaga ajudava o inglês a descê-la sem tocar os pés no estribo.
Como era bom pisar naquela terra que deixara como moça e voltava agora as vésperas de ganhar o segundo filho.
Ninguém a chamava como antes:
A menina do Guarda-Mor; tornara-se matrona e voltando ao antigo lar.
Reservado, Eduardo não sabia se ficava do lado de fora da casa, ou entrava; o cunhado Fernando veio cumprimentá-lo dizendo:
- Seja bem vindo em nossa casa senhor Eduardo...
Aquele cumprimento cerimonioso do cunhado parecia dizer que o tratamento de “senhor” colocava-o a certa distância.
Dona Rita Benedita ao contrário é que colocou o genro mais a vontade, pois caminhando para dentro da casa de braços dados, perguntou:
- Como foram de viagem?
- Muito bem dona Rita! Dividimos em etapas e viemos parando para que
          Magdalena e Ritinha não se cansassem.
- Você fez muito bem em vir devagar, pois ela chegou aqui sem reclamações.
Menos aberto a conversação, Fernando participava dela respondendo em monosssilabos o que lhe perguntavam.
Como o assunto era generalizado, Magdalena dirigia-se ora ao irmão Fernando, ora ao marido, fazendo a intermediação para quebrar o gelo entre eles, pois o irmão havia acompanhado os sentimentos do pai, quando eles se casaram.
  
Depois de certo tempo de conversa na sala, ainda todo empoeirado, Fernando convidou-o a ir lavar-se e os dois seguiram conversando até a bica do terreiro.
Há quanto tempo conhecera Magdalena e aquela era a primeira vez que passava pelos corredores ganhando o fundo da casa onde nascera sua mulher...
Ao chamarem-no  para que viesse se banhar, ele não sabia se devia ou não aceitar tão intima hospitalidade.
Magdalena já banhada, sob a veste de um camisolão largo, cheirava a ervas que ele desconhecia; deliciado pelo perfume, perguntou:
- Onde arranjaste este perfume?
- Ervas preparadas por Bonifácia; sumo de erva cidreira e botões de laranjeira.
Relaxada sobre a cama em que iriam dormir, o pano fino não escondia as silhuetas que seu ventre ganhara nos últimos 8 meses.
- Would you like to take a shower?.
- Thank you my darling.
Saindo do quarto de casal, entrou para um anexo, onde uma bacia com água quente esperava o seu corpo cansado...
O mesmo perfume que Magdalena exalava, ele sentia o aroma nos jarros ao lado da bacia.
Seria para ele?
                 Como proceder para misturar na água do seu banho?
Requinte que nunca tivera em toda a sua vida anterior, pois na Inglaterra não havia as essências e em Gongo Soco os ingleses não usavam perfumes ao se banharem.
Uma coisa que os brasileiros não sabiam; lá,  poucos patrícios ingleses tomavam banho tão constantemente como os  que moravam aqui.
Precisava de muita sujeira para que o banhista se aventurasse as baixas temperaturas do inverno inglês da Cornualha.
O frio não permitia ao corpo a transpiração e os banhos eram raros; no Brasil ao contrário, eles se banhavam até 2 vezes ao dia.
Sentado na cama vendo a esposa recostada, beijo-a e disse:
- Como seria bom ficar aqui com você!
Sinto vergonha e constrangido ao lado de seus familiares...
- Esqueça o passado, querido!
Faça da casa de minha mãe, também a sua!
- Como Magdalena?
- Libertando-se do constrangimento e contando para eles tudo que me narraste sobre sua vida aventureira, sobre sua terra e seus familiares...
                 Ninguém melhor do que você para contar histórias de lugares, que eles nem
          imaginavam existir.
Se houvesse clima ele exploraria o que Magdalena sempre gostara de ouvir, era um bom conselho dela para afastar seus temores e manter conversas entre eles.
Por sorte dele, foi dona Rita que queria informações como eram seus pais e onde viviam.
Aí, foi dada a ele a melhor dica para conhecerem-se e até o Fernando começou a interessar-se por suas aventuras, principalmente pelas viagens.
O gelo estava quebrado e a frieza derretendo nas palavras do inglês viajado.
Não era fácil para Fernando puxar conversas, mas era muito interessante tudo que ouvia daquele cunhado aventureiro que tivera a ousadia de tomar sua irmã para casar.
Fernando ficara impressionado como o inglês conhecia os segredos da mineração e até de palavras que ele já ouvira e ficaram perdidas no seu desconhecimento.
Quando o termo era técnico, ele pedia para que o cunhado repetisse a palavra e informasse o que significava.
A conversa prendia e na sala, passavam horas ouvindo coisas que as vezes, Maria Magdalena tinha que traduzir, pois Edward desconhecia a versão portuguesa.
O genro que caíra dentro da casa de dona Rita, como um peixe fora d’água, já mergulhava na intimidade das conversas da família e começara a reparar o mobiliário e as decorações dos objetos daqueles aposentos.
Mobiliário de linhas portuguesas confeccionadas em Jacarandá, a cama larga com guarnições para o cortinado mosquiteiro, torneado dando as colunas nos quatros cantos do retângulo uma beleza e contraste com o filó branco que recobria todo o vão interior.
Os artesãos portugueses e mineiros seus discípulos, tinham uma habilidade que chamava a atenção dos estrangeiros, e os mineradores gastaram parte do ouro daquele território, nos objetos que davam prazer.
A cama era um destes  privilégios...
Parecia a Edward uma câmara onde as intimidades do casal teriam que ser apenas veladas sutilmente, pois o amor é coisa de Deus...
A incontinência do inglês nas vésperas do nascimento do segundo filho com Magdalena excitava-o, ele nunca tivera um ambiente tão acolhedor como aquele que a sogra preparara.
Sobre a cômoda, jarros de louça inglesa e um porta-retrato de Magdalena ainda menina.
Sua roupa para ser trocada após o banho, estava sobre a banqueta junto da toalete.
Magdalena escolhera a melhor veste do marido, para que ele se apresentasse durante o jantar,  a altura do orgulho inglês.
Tanto o irmão Fernando quanto Eduardo, tinha por coincidência as mesmas patentes de “Capitão”.
Uma conquistada no trabalho dentro das minas, a outra pelos serviços prestados a Guarda Nacional.
                 Durante o jantar, Eduardo querendo mostrar que se sentia no Brasil como  
          cidadão brasileiro, perguntou ao capitão da Guarda-nacional:
Por que o Brasil estava mandando tropas para o sul do país?
- Mandando soldados?
- Sim capitão, o senhor não sabe?
O espanto do cunhado veio junto com seu desaponto.
Ele Capitão da Guarda, sendo informado por um estrangeiro que seu país estava sendo ameaçado na fronteira!
- Como o senhor foi informado?
- Através das notícias que nos chegaram no Gongo Soco, vindas da Inglaterra.
Um jornal inglês que abordava a iminente guerra que a Província Uruguaia provocaria entre o Brasil e a Argentina.
Lá no Gongo, todos comentam o caso, pois meu governo está tomando partido contrário aos interesses brasileiros, o que é ruim para nós ingleses radicados no Brasil.
- Vocês estão mais bem informados do que nós em Catas Altas!
- Pois é, houve uma invasão na província Oriental e os aliados depuseram o Rosas...
- Mas, quem é Rosas?
- Um tal de Juan Manoel Rosas, comandante em chefe das forças cercadas na capital uruguaia.
- Isto aqui parece o fim do mundo, o Brasil em guerra contra os outros e o capitão da Guarda Nacional nem sabendo do que se passa lá fora!
- Melhor assim Fernando, sinal de que as coisas vão bem pelos lados das fronteiras brasileiras, notícias boas não correm, ao contrário das más que voam...
- Este menino o Pedro, não puxou o pai, fosse o Pedro I,  já tinha invadido a Banda Oriental e dado umas palmadas na bunda deste gaúcho do outro lado, o português filho da puta que agora em vez de João Manoel, se chama Juan Rosas.
Cambada de tafuls, até no nome cheira a flor...
O capitão da Guarda Nacional mostrava-se contrariado, uma patente desconhecendo o que se passava nas fronteiras do seu país...
Como o parto do segundo filho estava previsto para principio do mês seguinte, Edward voltou ao seu trabalho na mina do Gongo Soco.
Com toda a fleuma inglesa, ele  estava  satisfeito com o reatamento com toda a família, brigas e questiúnculas não deviam  existir dentro de famílias.
A terra de Magdalena tinha o raro privilégio de ter em sua sociedade, o que era raro no Brasil, um médico formado.
John não queria voltar com o pai, pois se sentia bem junto da família de sua madastra e no desfrute dos pomares, que não existiam na mina.
No dia 2 de junho, Edward estava de volta, esperando que o menino nascesse conforme as previsões dos 2 médicos, por aqueles dias.
Ele encontrou Magdalena com todas as indicações visíveis  de parto próximo, lábios e olhos inchados, barriga arriada e andando com as pernas arrastadas e abertas, mal suportando o peso do ventre volumoso.
Vai ser menino, dizia dona Rita...

O corpo apesar de deformado pela gravidez, mostrava aparente saúde na cor e disposição.
- Vendo-a se arrastando, Eduardo perguntou:
- Você está se sentindo bem?
- Claro, ainda mais com você ao meu lado!
A criança às vezes mexia dentro dela, dando pontapés e ela tentava acalmá-lo mudando de posição ou passando as mãos sobre o ventre onde havia os movimentos.
- Está doendo, querida?
Com a cabeça mostrava que não, mas a boca não confirmava o que tentava dissimular.
Ele sentia pena dela e medo, pois relembrava o que havia ocorrido com Antônia.
Sua vontade era colocá-la no colo e sustentar com suas mãos a barriga que estufada incomodava a ela e o filho que chutava lá dentro.
Ele não podia fazer o que pensava, pois havia muita gente junto deles, inclusive a sogra que ficaria escandalizada se tomasse realmente a atitude que desejava.
Aqueles movimentos iam se tornando mais freqüentes e parecia a ela, que o neném não tinha mais espaço onde ficar.
Dona Rita com toda a experiência informava:
- Que bom, filha não vai demorar!
As horas passavam e a criança não resolvia dar o ar de sua graça para os que  esperavam.
As contrações começaram a dominar seu corpo e ela sentia as dilatações contínuas; a dor vindo e voltando.
Queixou-se á mãe, que mandou recado para Dr. Moreira e a mensageira veio com a resposta que a parteira verificasse a dilatação.
- Não é para as horas do dia, foi a resposta para o médico...
À tarde o médico veio examiná-la, apalpou a barriga e pediu que a parteira fizesse alguns toques.
O ventre ainda estava alto e a parteira confirmou que a parturiente ainda teria muito a dilatar...
- Não é para as horas do dia, doutor!
- Vai ser pela madrugada, ou pela manhã...
Medicou sua parturiente e disse:
- As contrações vão espaçar e tornar mais suportáveis, o que dará a você alguns momentos de sono.
- Mas eu quero dormir por  horas Dr. Moreira!
- Se você se relaxar poderá conseguir horas de sono tranqüilo...
Ao sair do quarto, indo lavar suas mãos, viu o inglês no corredor e justificou a retirada.
- Ainda é cedo, senhor Hosken!
Maria Magdalena vai dormir um pouco e o senhor deve aproveitar o seu sono.
Mais velho 4 anos que o Eduardo, Dr. Moreira parecia bem mais idoso do que o inglês; as noites de insônia, viagens e alimentação nem sempre nos horários certos, desgastavam a vida do facultativo.
Com a mãe de plantão ao lado de Magdalena, Eduardo foi dormir em outro quarto, despreocupado, sabia que a esposa estava bem entregue a mãe e a parteira.
Pela manhã, acordara com barulho no terreiro e as galinhas assustadas e acuadas.
Vozes no quintal e alguém dando um recado:
- Dona Rita manda cês cala a boca!
Eduardo levantou apressado para ver o que ocorria, abriu a janela e viu o Zaga e Nhana retirando galinhas de dentro de um grande jequi.
Não era nada para se assustar, dentro de casa havia silêncio e nenhum movimento.
Bom sinal, Magdalena devia estar dormindo.
Ele não conseguiria permanecer na cama acordado, mas também não sabia se poderia sair do quarto para ver o estado como estava a esposa.
Pé, ante pé, destrancou a porta pesada e forçou a abri-la; as ferragens rangeram nas sobreposições das dobradiças...
- Psiu! psiu!
Veio do outro quarto a advertência pelo barulho.
Passos leves deslizavam pelo corredor de tábuas largas em sua direção.
- É você, Eduardo?
Sussurrava a sogra com o dedo indicador na frente de seus lábios.
- Sim dona, Rita!
Ela está dormindo?
A sogra confirmava com a cabeça e com gestos chamou o genro para a copa onde estava servido o café da manhã.
- Ela dormiu pouco, mas agora conseguiu ferrar o sono...
- O que Magdalena está a ferrar dona Rita?
- Ah! ela está dormindo bem...
Durante o café Nhana veio avisá-la que dona Bonifácia mandara dois balaios de galinhas gordas para Magdalena.
- Quem, Bonifácia?
- É a mãe da Manuela, cunhada de Magdalena e casada com o Francisco Mendes Campello.
Era difícil para  o inglês entender os parentescos entre tão numerosa família.
- Que Magdalena vai fazer,  tantas galinhas?
- É alimento para as parturientes, tomando canja.
Em detalhes dona Rita tentou explicar para o genro inglês, o habito dos brasileiros em servirem as parturientes,  canjas de galinha.
- Mas, muita galinha!
Magdalena não agüenta comer todas!
- Nos 40 dias de resguardo sendo o recém-nascido,  homem não é muita!
- E se fosse minha filha mulher?
- Seriam 30 dias de resguardo!
Eduardo de boca aberta, ria das manias dos brasileiros.
Pensando, perguntava a si mesmo, por que 30 e 40 dias?
Era complicado entender os hábitos dos outros países, ainda mais quando se tratava de partos; pois em cada terra havia procedimentos diferentes para uma coisa tão normal, à procriação...
                 Gemidos eram ouvidos no outro quarto e dona Rita saiu apressada  
         arrastando as chinelas.
Eduardo tomava o café sozinho, quando viu a parteira colocando o rosto fora da porta e pedindo a presença de Nhana.
Com os olhos bem abertos, a negra olhava para o interior; tadinha de Nhá!
- Vá depressa e traga água quente, pedia a velha Sá Domênia, parteira de muitas gerações que era reverenciada pela meninada como: Dindinha.
- Como mulher parteira chama: Domênia ou Dindinha?
Edward não sabia como chamá-la, tendo em vista os dois nomes que a ela eram dados.
- Dindinha é o diminutivo carinhoso como são tratadas as avós ou os  padrinhos, explicou dona Rita para o genro, que ficou na mesma ignorância... 
 Manda Miúda dar um pulo na casa do Dr. Moreira e dizer a ele que está na hora...
De valise na mão, o médico entrara direto para o quarto, pedindo de imediato que abrissem o vão da janela...
Quero luz e muito ar neste cômodo...
Espantada com a providência do médico, Sá Domênia e as negras achavam um absurdo o ar e a claridade entrando livres...
A porta fechou-se por dentro e meia hora depois, gritos faziam se ouvir...
Eduardo e o cunhado Fernando, aguardavam na copa.
As negras entravam e saiam apressadas, atendendo os chamados de dona Rita.
Choro de recém nascido era o que se ouvia agora do lado de fora, Magdalena não mais gritava...
- Temos novidades disse Fernando...
Somos novamente tio e pai; o cunhado estendia a mão para Edward.
- Parabéns Eduardo!
- A você também, meu cunhado!
Retirando dois charutos da bolsa onde sempre estava o cachimbo, Eduardo disse:
 -  This cigar is for my uncle, the other one is mine.
Com um palito, o inglês vazava o cilindro havano, passando depois para o cunhado.
- Filho homem, 2 charutos capitão Fernando!
Era um hábito europeu saudar o recém-nascido de sexo masculino, com a queima de um charuto.
O requintado luxo, só aos estrangeiros era dado o prazer, pois das Antilhas  seguia os charutos para a Inglaterra e de lá, voltava para a América com destino aos  ingleses do Gongo Soco.
O barulho da porta do quarto se abrindo e dona Rita colocando o rosto para fora:
- Sou novamente avó!
Parabéns Eduardo.
Ambos se levantaram e perguntaram quase ao mesmo tempo:
- Homem ou mulher?
- Homem como vocês...
                Um largo sorriso na boca dos dois e depois um espontâneo abraço.
- Não fumem aqui, com esta catinga!
Os cunhados juntos pela primeira vez, numa manifestação de alegria.
- Deus seja louvado, dizia  o tio...
- Para sempre seja louvado, respondeu a avó Rita..
O neto viera trazer a paz definitiva entre a família e era a reconciliação que ela louvava a Deus.
O doutor demorou a sair do quarto, quando apareceu sem o paletó, olhava o relógio preso a corrente:
- Foi ha 35 minutos atrás,  pai e tio olhavam para o médico aliviados.
A data do nascimento coincidia com a estabelecida por Dr. Cuming, 4 de junho de 1.85l.
Lembrando da data prevista pelo médico da colônia inglesa, disse admirado:
- A medicina e os médicos estão de parabéns, Dr. Moreira!
- Médicos não, o médico corrigia.
- Dr. Cuming lá do Gongo também acertou na data...
- Então viva a ciência!
Quando a parteira e a avó acabaram de arranjar a parturiente e o recém-nascido, os dois homens foram chamados ao quarto.
Magdalena segurava contra o peito a criancinha que chorava.
 - É homem, Edward!
- Sim já sabemos, querida!
Ele ia chegando para perto da cama do lado onde se encontrava o bercinho; o tio olhava a cena do outro lado.
Ele pensava como fora infeliz o pai ao se opor ao casamento que agora  trazia alegrias para todos; os ingleses também eram religiosos e acreditavam como ele em Deus que dava a vida...
O cunhado viu uma cena inesperada que a sociedade e a família brasileira  condenavam, mesmo em se tratando de marido e mulher; o esposo beijava a face de sua esposa na frente dele e do Dr. Manoel.
Aquele gesto do cunhado fora condenado, quando à noite junto com sua mãe na copa, Fernando confidenciava o que vira. 
- Não entendo o despudor destes estrangeiros, mãe!
- Estrangeiro não, Fernando!
Ele é seu cunhado e casado com sua irmã!
- É, mas intimidades só para quarto fechado e sob as cobertas...
Dona Rita sorria e pensava:
- “Bem que Thomé poderia ter feito o mesmo com ela...”
Por gestos de carinho como aqueles, o casal Hosken sofria injustas censuras de quem os via tão amorosos, o que não acontecia com os casais brasileiros de formação portuguesa.
Maria Magdalena Mendes Campello Hosken, fora a precursora em Catas Altas, de uma abertura ainda que pequena, da liberação da manifestação pública de carinhos entre  casais.
Magdalena queria levantar o menino para que o marido e o tio vissem o seu rosto; tendo dificuldades para levantá-lo, Dr. Moreira tomou a criança em suas mãos e mostrou o rostinho rubro do recém-nascido.
                 -  Who does the boy look like?
Aquela pergunta com quem se parecia, nem precisava ser feita.
Mais vermelho do que os meninos que nasciam em Catas Altas, demonstrava ter o mesmo sangue dos anglos-saxões da Cornualha.
Domênia querendo elogiar:
- Godeme, até na cor do pai!
Alguém no quarto contestou e a parteira incisiva repetia, é a cara do pai...
- There is a likeness indeed, look at the shape of the face...
- Há semelhança sim, veja o formato do rosto e os fios de cabelos  dourados!
O menino parecia não gostar das comparações ou da conversa em voz alta e começou a chorar.
Dr. Moreira voltou o menino para junto da mãe e disse para Magdalena:
- Toma o seu inglesinho!
- Brasileiro legítimo e catasaltense Dr. Moreira...
- Me muita feliz  doutor, obrigada  nome família Hosken.
- Dos Mendes Campello também, pois sou tio avó!
- Ora! Agradeçam á Magdalena, ela é quem gerou o menino...
- Muita obrigada My darling!
Eu muita feliz, filho homem...
Dr. Moreira deixava o quarto recomendando repouso e sossego, pois Magdalena quase não dormira nas 48 horas passadas.
O pai e o tio foram levar o médico até a porta; que  para chegar a sua casa, bastava atravessar a praça.
Andando e pensando com seus botões: “Nada melhor que uma criança para unir e acabar com as indiferenças das famílias”.
Se ele médico, pudesse só trazer alegrias,  seria um anjo, mas como os anjos voam mais do que andam pela terra, as vezes se perdem  nas nuvens cinzentas das borrascas da  vida...

 Uma semana depois, no dia 11 de junho de 1.85l, era batizado com o nome de: Eduardo Diogo Hosken o menino que teve como seus padrinhos: Os tios Fernando Mendes Campello e  Ana Mendes  Fonseca Magalhães, conforme registro no livro G-6, página 97.
O oficiante era o mesmo padre que recusara dar as bênçãos aos pais  nubentes em 8 de dezembro de 1.848, o vigário Francisco Xavier de França.
Eduardo Hosken que ao chegar ao Brasil, não queria constituir família, contava naquela data com 5 membros assinando o sobrenome, HOSKEN.
Jamais até a vinda para cá, pensara em deixar sementes na terra para onde emigrara, pois viera com a intenção de ficar rico e voltar para casar-se na Inglaterra.
Começara sua prole com um filho natural, nascido na Mina do Gongo-Soco;  depois ao se casar com Maria Magdalena, os filhos foram nascendo por onde passavam..
Mais do que o faiscar das pepitas por onde catava o ouro, Edward Hosken  deixava no solo por onde minerava,  preciosidades  que  o ouro jamais  ofuscaria:
O seu sobrenome HOSKEN,  com 900 anos de história.

 Por mais 6 anos a Mina do Gongo Soco continuou produzindo e o casal Edward Hosken e Magdalena Mendes Campello, também gerando filhos.
Em 1.853, deve ter nascido o menino Kleris Hosken e em 10 de outubro de 1.855, a menina Ana Eugênia Hosken, Ninica.
No ano do nascimento de Niníca, Santa Bárbara perdia uma grande fonte de rendas, com o acidente na Mina do Gongo Soco, mas ganharia 3 anos depois foros de cidade, pela Lei 88l de junho de 1.858.
Havia ainda esperanças da reativação do empreendimento Inglês com recursos que poderiam vir da Inglaterra.
Desastre maior do que o desmoronamento da mina foi o “CASO CHRISTIE” que fecharia de vez todas as esperanças dos ingleses.
Como as apreensões nem sempre vem sozinhas, praticamente sem trabalho fixo, Edward Hosken e Maria Magdalena M. C. Hosken,  ganhavam  em 27 de setembro de 1.857, mais uma  descendente que na pia batismal, recebeu o mesmo nome da mãe.
Maria Magdalena Hosken (Júnior).
A Inglaterra que se julgava dona dos mares e dos destinos das nações promulgara a Bill Aberdeen em 1.845 e a partir daquele ano, permitia-se aprisionar os navios que traficassem escravos; não bastasse sua arbitrariedade internacional, invadia as águas internacionais aprisionando navios negreiros.
A causa justa e humana vista pela nação dominante, encobria na fachada humanista, seus interesses comerciais que afetavam a produção e o comércio dela.
Os apresamentos das cargas, começaram  a afetar a economia do império brasileiro e os afundamentos dos barcos, um prejuízo irrecuperável.
Com o naufrágio da fragata inglesa, Prince Wales na costa do Rio Grande do Sul em março de 1.862, e pilhagem da carga, a situação de animosidade cresceu  ainda mais.
Pouco depois no mês de junho,  3 oficiais da fragata Forte da marinha inglesa que faziam desordens pelas ruas do Rio de Janeiro, foram presos.
Aos ingleses, poderia parecer uma represália pelos danos que vinham causando ao  país, ( Guerra não declarada ).
O embaixador inglês na corte do Rio de Janeiro achou-se no direito de punir e exigir do governo brasileiro,  indenizações arbitrárias.
O titular da pasta, Marquês de Abrantes, recebeu um ultimato absurdo e insultuoso e resolveu numa atitude mínima, gelar o embaixador,  passando a pasta, a negociar diretamente com o governo de Sua Majestade em Londres.
Sentindo-se ofendido e desprestigiado, o embaixador Willian Dougal Christie deu ordens ao chefe da Estação Naval britânica, para usar a força.
Em 3l de março de 1.862, Christie cumprindo as ameaças ordenou ao almirante Warren que apreendesse os navios brasileiros na entrada da barra da cidade do Rio de Janeiro, dentro das águas territoriais brasileiras.
A resposta do imperador D. Pedro II foi firme e imediata e o povo apoiando as decisões do chefe supremo da nação, saiu as ruas.
Sentindo-se ameaçado e por conseqüência do seu ato, também os demais súditos britânicos no Brasil, Christie teve que procurar o ministro Abrantes, solicitando garantias de vida.
Em 1.863, com arbitramento do rei Leopoldo da Bélgica, o Brasil ganhou a questão e a orgulhosa Inglaterra, teve que se humilhar ao pedido de desculpas para reatamento das relações, o que se deu no tardio ano de 1.865 para os ingleses do Gongo Soco.
Com estas questões, os empreendimentos ingleses no Brasil, ficaram, afetados, principalmente  da Imperial Brazilian Mining Association.
O acidente no Inverno de 1.856, com o desmoronamento da principal galeria da mina e a falta de recursos que minguaram durante nove anos, acabou por colocar os ingleses não só do Gongo Soco, mas de todos os territórios onde operavam, em difícil situação.
Ou trocavam de ramo para continuarem vivendo no Brasil, ou voltavam se pudessem  à Inglaterra.
A Edward Hosken que contava no  ano de 1.856, com 43 anos de idade e 23 no Brasil, era difícil retornar, ainda mais com  4 dependentes.
A guerra não declarada à nação Inglesa, resultou o despertar da consciência nacionalista e a necessidade da união do povo com as forças armadas do país.
Subscrições populares foram levantadas para dar ao exército brasileiro, condições de aparelhar-se para eventuais crises que surgissem emergencialmente no futuro, como aquela humilhante provocação de Christie.
A artilharia foi reforçada, mas não era ainda o ideal para defesa total de nossas extensas fronteiras e o mar territorial.
Enquanto lutava a nação para adequar o nosso exército,  o nosso vizinho da fronteira ocidental, reforçava o poderio de suas forças armadas.
O Paraguai governado por Carlos Antônio Lopes e depois por seu filho, Francisco Solano Lopes, de longa data vinham planejando o alargamento de suas fronteiras mediterrâneas para as bandas Orientais, chegando suas fronteiras  até o mar.
Confinado no meio do continente, o Paraguai sentia-se preso sem as facilidades dos limites oceânicos.
Também o seu gigante vizinho, sombreava as aspirações dos ditadores Guaranis, inconformados com o crescimento e prestígio do Brasil junto das maiores  nações do mundo.
A nação brasileira governada por imperadores de origem européia, tinha a consangüinidade e a simpatia das cortes da Europa continental, exceto da Inglaterra que sempre visara seus interesses comerciais.
A serenidade como governava D. Pedro II, era pautada por prudência de 3 décadas de governo, o crescimento se fazia paulatinamente conforme as condições financeiras do império.
Não havia por parte do gigante continental, nenhum interesse em desviar seus parcos recursos para fins bélicos e assim vivia a nação brasileira  no final  da  quinta década do século XIX.
O colégio do Caraça que esteve fechado por tantos anos após a Revolução Constitucionalista de 1.842, teve suas portas reabertas ao ensino em 1.856, pelo padre Miguel Sípolis; substituído em 1.858, pelo padre Mariano Maller que passou a dirigir o Colégio até a volta do ex-Superior, padre Sipolis em 1.862.
Varias reformas necessitava o prédio do educandário que ficara fechado por l4 anos.
Doações e ajudas financeiras estavam sendo feitas para volta do colégio à sua nobre missão.
Entre os beneméritos, Capitão Manoel Pedro Cotta doara ao Colégio, suas terras situadas no Capivarí, para solidificar o patrimônio e os padres fazerem dela o que de melhor pudesse ajudar à casa de ensino.
Os 200 alqueires serviriam para criação de gado ou até mesmo de aluguel para as tropas que transitavam entre Ouro Preto, Catas Altas e Norte das Minas Gerais.
Sob a direção do padre Sipolis, as matrículas cresceram e o prédio ficara pequeno para atender a tantos pedidos de candidatos.
Necessitando de reformas e ampliações, o prédio entrara em obras e o inglês Edward Hosken que andara minerando no povoado do Arranca Toco e construíra a Igreja de Santana daquele local, fora chamado para reformas das  propriedades do Caraça.
Inicialmente da Fazenda do Engenho próxima ao Arranca Toco que se incorporara ao patrimônio do Colégio.
Construir e reformar, não eram a especialidade do inglês que ficara inativo em sua profissão, com a paralisação que se dizia provisória da Mina do Gongo Soco.
No aguardo de nova chamada da empresa mineradora, enfrentava trabalhos que apareciam, empreitando-os com seu filho John e antigos escravos da Mina.   
 Eduardo Hosken trabalhava em 1.86l, em torno da serra do Caraça e identificara-se tão bem com a comunidade do povoado do Arranca Toco, arraial de Santo Amaro do Brumado, que apesar de saberem não ser  católico,  foi procurado por seus moradores para dar uma ajuda no soerguimento de uma capela, onde o povo pudesse orar.
Prestativo e amigo dos  escravos e empregados livres, prontificou-se a ajudar no levantamento do templo.
Certamente por sua influência e lembranças da sua mãe que se chamava Ana, sugeriu que dedicassem à avó do menino Jesus a invocação da obra levantada pelos faiscadores.
 Com a mesma homenagem que os mineradores  deram ao templo levantado no Gongo Soco, ele repetia no meio da mata e junto das barrancas do rio Caraça, a invocação de Santana.

Ver anexo nº 13 a foto da capela de Santana do Arranca Toco.

Com aquele gesto, ele demonstrava à sua esposa que o Deus era uno e ele era tão religioso como todos os outros de Catas Altas que o consideravam,  demônio...
Se o padre Francisco Xavier se fizera seu inimigo, ele sabia distinguir as questões pessoais das religiosas, quando o povo de Deus, chamava-o para construir apriscos...
Inquieto como todo aventureiro, Eduardo não conseguia ficar parado em Catas Altas e viajava para onde havia indícios de formação aurífera ou trabalho que pudesse fazer.
Com diversas explorações de catas comandadas por ele, aguardava como os outros ingleses a retomada das atividades da mina de ouro que o grande cientista e historiador inglês, Sir Richard Burton, assim a descreveu quando visitou as suas instalações:

                       “A Mineração de ouro pelos Ingleses em Minas:”

 A primeira companhia inglesa data de 1.824, e era conhecida como Gongo Soco, ou IMPERIAL BRAZILIAN MINING ASSOCIATION.
A mineração estava situada a 19 graus, 58 minutos e 30 segundos de latitude Sul e de 43 graus e 30 minutos de latitude Oeste, a cerca de 48 milhas a Noroeste de Ouro Preto, e a 24 milhas a Sueste de Morro Velho, conforme medidas barométricas executadas pelo engenheiro de minas o austríaco, M. Virgil von Helmreinchen.
Acharam a altitude de 785 metros acima do nível do mar do ponto do Rio de Janeiro.
Gongo Soco pertencia, então, ao município de Caeté; hoje a cidade de Santa Bárbara.
O primeiro proprietário da mina foi o Coronel Manoel da Câmara de Noronha, que nela trabalhou em meados do século XVIII.
Seu filho Isidoro que morreu na miséria, vendeu-a por volta de 1.808, por 9.000 cruzados ao Comendador e Capitão Mor, José Alves da Cunha, português, e a seu sobrinho por afinidade, o mais tarde Barão de Catas Altas.
O primeiro aproximadamente em 1.818, trabalhou no veio verdadeiro, nos flancos do Monte Tijuco, dizendo-se que, antes de 1.814, ele extraira em um mês, 240 quilos de ouro.
O Barão herdou a propriedade e entrou em acordo, mediante dinheiro, com todos os outros que tinham pretensões sobre ela, e pô-la à venda.
Mr. Edward Oxenford, que viajara no Brasil, como mascate, voltou a Inglaterra, advogou a aquisição da mina e foi enviado pela Associação para examinar o lugar, em companhia de Mr. Tregoning, como chefe da mineração.
As informações foram favoráveis; o Barão cedeu seus direitos por 70.000 libras, que outros diziam ser de 80.000.
Foi obtido do governo Imperial em l6 de setembro de 1.824, a aprovação com a condição de receber o “quinto” curiosamente elevado a 25% do ouro extraído.
Estava  bem perto do “ ano de todas as especulações, 1.825”.
Uma das especulações foi a  POTOSI - lA Paz and Peruvian Mining Association..
O leitor poderá ver nas candentes páginas de Mr. Edmond Temple, de que maneira pouco meritória para a honra nacional, terminou aquela “grand et belle entreprise”.
Em 1.825, Gongo Soco foi visitada por Caldeleugh, que não pode entrar na mina, devido a ausência do proprietário.
Em março de 1.817, o primeiro Superintendente inglês, capitão Lyon, assumiu a direção; tratava-se do tenente Lyon, da Marinha Britânica que viajara até o Fezzan, onde Mr. Ritchie, chefe da missão, morreu de ansiedade e febre biliosa, em 20 de novembro de 1.8l1.
O capitão Lyon, também comprou as terras de Morro Velho ao seu proprietário, Padre Freitas, e vendeu-as para: “St. John Del Rey Mining Company”.
A empresa prosperou e em dezembro de 1.817, o quinto pago em Ouro Preto,  foi de 2.982 libras.
Gongo Soco transformou-se em uma aldeia inglesa nos trópicos, com sua igreja e capelão consagrado pelo Bispo de Londres, e os 40 empregados do princípio, passaram para 180 ingleses, ajudados por 600 trabalhadores livres e escravos.
Mr. Walsh, que visitou o lugar em 1.828, apresenta do mesmo, uma descrição lisonjeira, e dizia-se que a mina já produzia 370 quilos de ouro.
Em 1.830, o capitão Lyon foi sucedido pelo coronel Skerrett, que, por judiciosa disciplina militar, implantou na mina uma ordem perfeita; introduzindo o excelente sistema de tornar os negros seus próprios feitores.
O coronel Skerrett saiu porque seu salário não foi aumentado de 52.000 para 53.000.
A companhia, como tantas vezes acontece, resolveu  fazer economia de palitos e cometeu uma tolice, perdendo um valioso servidor.
A decadência e a queda do estabelecimento seguiram-se logo.
Depois do coronel Skerrett, veio Mr. George Vicent Duval, entre os anos de 1.840 e 1.842.
Nesta ocasião, a mina foi visitada pelo Dr. Gardner, que a descreve assim:

                    “ A mina é de uma espessa camada itacolomítica ferruginoso, com inclinação de 45 graus e
             base em ardósia argilosa , contendo  grandes massas de minério de ferro.
Sobre o itacolomito repousa um leito de jacutinga aurífera , com 110 metros de espessura, e sobre esta vem de novo o itacolomito.
Cerca de uma milha e meia ao sul da mina, ele encontrou uma camada de pedra calcária cristalizada e altamente estratificada, apresentando o mesmo abgulo e a mesma direção das outras rochas.
O Dr. Gadner visitou 7 das 9 galerias da mina, separadas uma das outras, por l5 metros, e viu assim, de 98 a l25 metros.
Essas galerias furadas, de macia jacutinga tinham cerca de l,50 metros de largura e até 2,00 de altura.
Estavam solidamente protegidas  por escoras de 45 cm. de diâmetro,  das mais fortes madeiras brasileiras e, no entanto, os troncos foram  esmagados pelo peso.
O veio principal corria de Leste para Oeste; havia contudo, muitas ramificações que forneciam o ouro em punhados; até 50 Kg.  foram recolhidos em um dia de trabalho.
O minério rico era levado e esmagado em almofarizes.
Era concentrado primeiro pelo tratamento comum de bateias, depois pela amalgação; o material mais pobre era levado para a oficina de trituração  e depois lavado.
O Dr. Gardner achou a maquinaria inferior a que se usava em Cocais.
Agora porém, aparece a verdade do axioma do mineiro:
“- É melhor um padrão inferior e uma produção elevada, do que um padrão elevado e uma baixa produção...”
De 1.837 a 1.847, o Governo brasileiro liberalmente reduziu o quinto.
A mina de jacutinga é por excelência, aleatória; ao contrário daquelas cujas matrizes, estão na rocha, ela pode ser riquíssima hoje e nada valer amanhã.
As galerias profundas não puderam ter prosseguimento e a despesa com o madeiramento de proteção tornara-se enorme.
Mr. Henewood assumiu então, a direção e foi seguido por uma comissão composta por:
Mr. Jonh Morgan ( senior ), Dr. Hood e outros.
Esse governo republicano liquidou o assunto e aprendeu uma valiosa lição.
De 1.850, o governo compassivamente diminuiu a sua parte para l0%; em 1.853, 5% e em 1.854, os estrangeiros foram colocados em igualdade de condições com os mineradores nacionais, deixando de pagar impostos.
O grande capital de giro, a princípio, em verdade grande, tornou-se insuficiente e entre os anos de 1.854 a 1.856, a companhia gastou todo o fundo de reserva que acumulara durante tantos anos.
A água invadiu a mina; a matriz foi solapada em suas bases e alguns trabalhadores morreram afogados.
Sem culpa de ninguém, a não ser da drenagem.
Em 1.857, o comendador Francisco de Paula Santos, a quem os proprietários deviam l50 contos, penhorou os negros, como podia fazer pela lei brasileira, e acabou  dono da mina.
Gongo Soco morreu profundamente lamentada, havia se expandido nas minas filiais de Boa Vista, Bananal, Água Quente, Socorro, Campestre, Catas Altas, Cata Preta e Inficionado.
Elas concorreram para o bem estar de uma região com  um raio de 30 léguas e rendera,  1.500.000 libras esterlinas.
Cabendo ao governo brasileiro, um lucro de 333.l80 libras”.

Com esta descrição detalhada da vida da Mineração do Gongo Soco, Richard Burton nos dá um retrato do que fora o grande empreendimento dos ingleses no Brasil, empresa onde trabalhou o Capitão de Mina, EDWARD HOSKEN.
- Quem ofereceu ao célebre cientista, explorador e escritor, tantos detalhes sobre a história da vida dos ingleses no Gongo Soco?
Edward Hosken sem serviço definido e na esperança de reabertura da mina, num belo dia da Primavera de 1.86l, recebeu em sua casa em Catas Altas, o proprietário majoritário da SANTA BARBARA, GOLD COMPANY LIMITED, coronel João José Carneiro.
O minerador viera convidar a Edward para associar-se ao empreendimento que estavam fundando e que iria explorar uma mina antiga, no arraial de São Francisco, na época administrativamente pertencente à São Miguel do Piracicaba e religiosamente a paróquia de Santo Antônio do Rio Abaixo.
Com ele estava o senhor Triguel, cunhado de Treloar, com quem chegara a trabalhar na mina do Pitanguy do arraial de Catas Altas.
Ele Edward sabia da inimizade dos cunhados, Triguel e Treloar e achou estranho o interesse dos 2 cavalheiros por seus serviços.
Parecia a ele Edward, uma maneira de provocação, pois sempre era requisitado por Treloar, quando este necessitava de seus serviços técnicos na mineração que explorava.
Como a proposta suplantava em muito os valores da prestação de serviço que dava no Pitanguy, por dever profissional, levou ao conhecimento de Treloar o convite que recebera.
Treloar, companheiro e amigo de Edward Hosken, ficara indignado, chamando-o de mercenário e outros adjetivos impróprios de registro.
Inclusive ele ouvira de sua boca: “- O filho da puta não respeita nem o marido da sua irmã, a quem mais vai respeitar”?
Sempre arranjando um meio para me magoar...
- A  fleuma inglesa aconselhou-o a largá-lo falando só.
Briga de família deveria ser resolvida entre eles.
Passados alguns dias, ele voltou pedindo desculpas e perguntou-me qual a proposta que seu cunhado fizera.
Sem nenhum interesse de prevalecer da proposta recebida e considerando que o serviço seria feito distante de Catas Altas, pedi 3 vezes mais do que estava recebendo de Treloar e Triguel aceitou.
- Você está liberado, mas “the shrew” vai ver quem está picando!
- Ele se referia a víbora,   seu  cunhado.
Não havia mediante tal proposta, como continuar  trabalhando em Pitanguy.
O serviço na mina do Pary demandaria certo tempo de vistorias e confecção de um relatório que seria mandado à Londres.
Envolvido naquela pesquisa e dados, ele estava abrindo novas perspectivas para o futuro, se o projeto vingasse.
Vendo a reação de Treloar e sendo meu amigo, ponderei:
- Treloar, eu não vou me empregar na SANTA BARBARA GOLD MINING, apenas prestar serviço por algum tempo, tal qual presto a você...
O homem parecia pensar e depois de certo tempo, deu alguns muxoxos e disse:
- Besides Mr. Triguel is a thief his is also a layer...
Se o cunhado dele era um ladrão e um mentiroso eu ignorava e a mim pouco importava o conceito que os cunhados tinham um do outro.
Em briga de família não se mete o bico, como era o ditado bem brasileiro que eu de vez em quando ouvia e respeitava.
Eu só aceitaria negócios seguros e garantidos, se fizesse o acordo definitivo com Triguel.
A oferta era tentadora e durante 4 meses permaneceria em Pary, enterrado a l ou 2 quilômetros do arraial de São Francisco.
Foram l22 dias de trabalho durante 14 horas diárias.
Meus cálculos estimavam em 60.000 libras para colocar a mina novamente em funcionamento.
Um canal teria que ser aberto como drenagem e novas instalações de britagem.
O filão constituído de material anfibólios, quartzo e pirita, encrostava-se em camadas paralelas de ardósia argilosa.
No relatório fazia uma demonstração das condições favoráveis e as desfavoráveis da galeria de 220 metros já aberta há mais anos.
O desnível máximo era de 24 metros, para uma única bomba operada manualmente para retirada da água que vinha do lençol.
As conclusões finais eram que: Trabalhada eficientemente, a mina produziria  bem mais do que as l5 gramas por tonelada que os antigos alcançaram anteriormente.
O relatório concluído foi enviado à Londres no principio de 1.862, depois de 4 meses de trabalhos para a mineradora SANTA BARBARA GOLD MINING.
Nesta época gerenciava a ANGLO BRAZILIAN GOLD MINING COMPANY, em Ouro Preto, que os habitantes teimavam em chamá-la de Vila Rica, o inglês Mr. Symon, também natural da CORNUALHA.
Conhecedor dos patrícios e antigos mineradores do Gongo chamou para trabalhar junto dele, Mr. Mc. Rogers e o já tão  conhecido brigão Treloar, que Mr. Symon só o chamava pelo pré-nome: Thomas.
Com os amigos trabalhando em Ouro Preto, foi fácil a Edward incorporar-se aos antigos companheiros do Gongo Soco.
Edward já conhecia e admirava a cidade capital da Província e achava que a mudança para lá, só poderia ser favorável a sua família, inclusive para a esposa que em outros tempos estudara em um dos seus estabelecimentos de ensino.
Ouro Preto ficava a 2 dias de jornada de Catas Altas o que interessaria a esposa  num lugar onde os meninos poderiam estudar.
A residência deles seria localizada nas Lajes, estrada que ligava Ouro Preto à Passagem de Mariana, enquanto Edward trabalhasse no Morro de Santana.
Os ingleses conheciam através de informações,  as lendárias explorações  de ouro na região de Ouro Preto.
Na região havia 350 “bocas de mina” esperando obstinados aventureiros mineradores para continuarem as antigas escavações.
As minas de Passagem e imediações eram avaliadas com teor médio de 9,47 g/t. e o metal, impregnado de quartzo hialino, ou translúcido recristalizados.
O quartzo piritoso aurífero em alguns lugares das regiões de Ouro Preto e Mariana chegavam até ao teor de 55g/Au/t., talvez o mais elevado encontrado na Plataforma brasileira.
Eram extratiformicas e facilitavam as escavações por localizarem-se em terrenos elevados; superpostas em camadas de fácil remoção; a topografia inclinada favorecia os trabalhos do bota fora.
A debandada do Gongo Soco, estava gerando a criação de novas empresas mineradoras de ouro, com a disponibilidade da mão de obra tão experiente que ficara sem emprego.

Entre elas:

ESTE DEL REY -....................................................Localizada em Sabará.
PACIÊNCIA e SÃO VICENTE -.....................Localizada em Ouro Preto.
NORTE DEL REY - .................................Morro Santana em Ouro Preto.
LONDON AND BRAZILIAN GOLD MINING - ...Em Pass. de Mariana.
CIA. ROÇA GRANDE -............................................Localizada em Caeté.
SANTA BARBARA MINING COMPANY -...............Em Santa Bárbara.

Não faltava aos ingleses do Gongo Soco, serviços no mesmo ramo, pois tinham experiências e nomes já conhecidos.
Edward Hosken deixando a família em Catas Altas partiu só para o Morro de Santana em Ouro Preto.
Ali o ambiente inglês não divergia do Gongo Soco, além do trabalho certo em empresa Inglesa onde gozava regalias.
Nenhum lugar enquadraria tão bem aos seus planos, como aquele em Ouro Preto.
A mina do Morro de Santana, cortada por galerias e bancas, era extremamente perigosa.
Terreno coberto por uma camada de canga de l,50 metros de altura, era difícil de furar, apesar da pequena espessura.
Calhas de água suspensas e alimentadas por rodas d’água, levavam o manancial para lavagem do minério.
Foi esta a primeira visão do Morro de Santana, no contraforte dele a depressão do Maquiné onde corria o rio Canela.
Com o minério exposto, eram visíveis aos olhos os depósitos de: Jacutinga, ferro, mica, ardósia argilosa, quartzo e o que mais interessava aos ingleses:
O ouro incrustado no minério num filão de Leste para Oeste.
Foi ai nesta mina que Edward encontrou-se pela segunda vez com Sir Richard Francis Burton e deste encontro o cientista escritor dá notícias conforme narra em seu livro: VIAGEM DO RIO DE JANEIRO A MORRO VELHO.

Percorremos a montanha a cavalo, acompanhada por Mr. Mc. Rogers, chefe geral de mineração, e vimos o terreno baixo para o qual correrão as três profundas galerias de drenagem”.
Mr. Thomas Treloar adquiriu muita experiência com o seu emprego anterior, em Gongo Soco.
A boca da mina juntou-se a nós Mr. HOSKEN, outro chefe de mineração; a regra aqui é que um homem deve ficar do lado de fora.
O ouro da jacutinga é solto, ao contrário do fixado a pirita.
Exige todo o cuidado para prevenir seu furto.  A este respeito é tão perigoso quanto o diamante; e apesar de todas as precauções os negros sem dúvida encontravam meios de apanhá-lo e furtá-lo”.

A citação de Burton propiciou a quem escreveu a vida de Edward Hosken, o seguinte fato:

“Em 1.990  sondando a minha mãe, Adélia Hosken Ayres, como fazia quase todos os últimos domingos de sua vida, um dos meus ardis para que ela se interessasse pela conversa, era fazê-la voltar ao passado ligado aos seus entes queridos.
 Um dia eu perguntara onde nascera o seu pai e meu avô CARLOS ARTHUR HOSKEN.
- Ele me dissera que nascera nas Lages...
- Mas em que lugar ficava estas Lages?
-  Ah, eu não sei, filho!
A minha curiosidade ficara sem resposta, pois nem nos arquivos da Cúria de Mariana, foram encontrados dados de seu nascimento, pois ele não nascera onde procurávamos,  ao contrário da maioria dos seus irmãos que em Catas Altas  se encontravam registrados.
O que a minha mãe não soubera precisar e que não achara nas pesquisas como traça  de livros, fui encontrar nas páginas citadas do escritor e cientista Sir Richard Burton”.

Os ingleses que se dispersaram pelo Brasil, sem possibilidades de voltarem à Inglaterra, foram solidários nas desventuras do fechamento da mina do Gongo.
A união fraterna entre eles, convivendo durante 27 anos no Gongo Soco, solidificou a amizade e os mais afortunados, iam dando as mãos aos que necessitavam de trabalho.
O conceito que granjearam de racistas e discriminadores, foi desfeito por seus inúmeros filhos naturais que deixaram no centro de Minas Gerais; Caeté, Santa Bárbara, Mariana, Ouro Preto, São João Del Rey, Tiradentes e Itabira, conta-se aos montões os mulatos de olhos verdes que descendem dos ingleses.

Catas Altas não fugiu a regra...

Quando Magdalena ficara só, com a ida de Edward para Ouro Preto, ela passava as horas do dia junto da sua mãe e irmãs no sobrado da viúva do Guarda-Mor.
Apesar da saudade de Eduardo, na casa da sua mãe, havia  a companhia dos irmãos e  das suas irmãs que se juntavam todas as tardes.
Numa destas ocasiões, visitava Catas Altas a tia Policena Alexandrina, “Cena” a esposa do tio Antônio Mendes Campello.
Muita menina e antes de se casar, foi enviada ao colégio de Macaúbas.
Engraçada e espirituosa, contava casos de sua aventurosa passagem pelo distante colégio de Macaúbas e da não menos extasiante viagem ao Rio de Janeiro na Lua de Mel.
Com bordado na mão, não conseguia dar 1 dúzia de pontos, sabatinada pela família, todas as vezes que voltava à Catas Altas.
 Querendo ouvir da sua própria boca, como fora a sua engraçada “Lua de Mel”. Os parentes e especialmente os sobrinhos pediam:

- Conta, conta a história da sua viagem de casamento, tia Cena!
Sem os mesmos chavões das histórias da Carochinha, ela sorrindo e de uma maneira engraçada, sem tirar os olhos do bordado, piscava-os, dava uma fungada e  começava:

“- Com l2 anos fui pedida em casamento e com 14 me casei com o Nico, ele bem mais velho do que eu, que contava 46 anos, portanto 32 primaveras de distância entre a cândida menina completamente inocente e o calejado homem afeito a outras centenas de batalhas.
Ele cabeludo como macaco, eu infante menina sem nenhum pelo que mostrasse minha inocente donzelice...
Menina esperta para a época, pois estudara durante dois anos no tal Macaúbas; preparando-me para  casar com o moço rico que esperava impacientemente o término de meus estudos.
 Ainda menina tentando virar mulher;  com a mentalidade própria da idade,  usava e abusava do homem que seria dentro de pouco tempo meu esposo.
Escolhida a cidade do Rio de Janeiro para a nossa “Lua de Mel” eu mal sabia de sua existência, e antes mesmo de me casar, já sonhava com a tal aventura viajando no lombo de animais por 80 léguas de estradas.
 - Como eu era inocente!
Que fundilho tenro como o meu, poderia saber do quanto era frágil para suportar os 960 quilômetros de viagem; ida e volta, 2.000.000 de solavancos como se fosse o pilar do monjolo não sobre o milho, mas pilando minhas macias e virgens  nádegas!
Como eu era inocente naqueles l4 anos!
Nico ainda me falara:
- É a única oportunidade na sua vida, Ceninha!!!
- Eu sei,  sô Nico!
- Depois, vem os meninos e nós nunca mais vamos poder viajar...
Como é  bom e compreensível  meu velho Nico!
Eu pensava  na véspera da viagem...
Como vão ficar minhas irmãs, invejosas?
Até Ouro Preto, a viagem fora mesmo de Lua de Mel, exceto no pernoite quando sô  Nico  encostou-se no meu corpo e os cabelos começaram a fazer cócegas em baixo e encrespar arrepiados  em cima!
Eu tentava me esconder debaixo das cobertas, toda encolhida, tremendo como ponta de  vara do bambu.
- Ai meu Deus, onde me enfiar!
Depois, foi só atribulações: A dificuldade de me banhar, satisfazer as  necessidades e as nádegas feridas...
O jeito foi viajar em certos trechos, no colo dele, para espanto de muitos.
Muita gente me perguntava se era sua  filha e o ciúme do Nico vinha a tona.
Por cúmulo e azar, na portaria da hospedagem da cidade de São Sebastião, o gerente  perguntou:
- Dois quartos de solteiro, coronel?
- Prá que dois quartos?
- Um para o coronel, outro pra sua filha!
Espantando o hoteleiro,  ouviu do meu marido:
- Um só quarto de casal e cama bem larga!!!
Nesta viagem Nico aproveitou a estadia na corte para visitar o Imperador D. Pedro II,  que na viagem de seu pai à Minas,  e especialmente à  Catas Altas,  fizera-se  amigo de Sua Alteza D. Pedro I,  pois  acompanhou o monarca, desde Nossa Senhora da Rainha do Caeté até o Caraça, na viagem de 1.831.
Cena também contava como passara aperto ao adentrar no palácio, equilibrando-se sobre o sapato de salto alto e os pés escorregando no  assoalho  encerado das escadarias..
Os grandes espelhos da sala de audiência retratando os meus escorregões e eu pendurada no braço do Nico...
Apesar da pompa e da honra de terem sido recebidos por D. Pedro,  o  que marcava para a vida inteira de uma pessoa, o que mais me  encantou naqueles dias da Lua de Mel,  foi o presente que Nico mandou que eu escolhesse.
Numa loja da Rua da Alfândega, onde se vendia de tudo, inclusive bijuterias e jóias francesas, eu me divertia vendo as mulheres elegantes e também deslumbradas com as vitrines.
Apesar de tanta coisa maravilhosa exposta aos meus olhos, eu não optava por nenhum objeto que via e às vezes até experimentava.
Nico já havia se sentado, a espera do que eu enfim viesse a escolher..
Achando o que desejava de presente dentro de um grande baú, fui atrás dele e pegando-o pelas mãos, conduzi  até a seção onde estava o que escolhera.
Abraçando a uma enorme boneca que retirei da sua embalagem disse:
- Você me dá esta boneca, Sô Nico?
Rindo, ele me respondeu:
- Não quero que você me chame de senhor ou sô! Na frente dos outros, pois você é minha mulher!
Com olhos estatelados o caixeiro via duas coisas estranhas ao mesmo tempo:
Eu ainda menina casada com um senhor que poderia ser meu pai e o que era mais engraçado,  optando pelo presente de uma boneca em vez das jóias que me foram oferecidas...
O que o caixeiro não ouviu foi o que me disse o Nico:
- Prá que levar esta boneca se daqui a nove meses você estará carregando uma de carne e osso!
Eu não entendi o que o Nico disse e saindo com a boneca na mão, falei  para o caixeiro:
- Eu vou levar também o baú, o senhor pode mandar entregá-lo no coche?"
O presente, além de caro, pois era importado da Inglaterra, acarretou em mais um animal para carregá-lo da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até Minas.
 No regresso da viagem de núpcias, Nico sentindo a minha infantilidade,  pediu para mamãe e minhas tias, que me  ensinassem a ser mulher e principalmente esposa...
Anos mais tarde, quando João Emery entrou para a minha família, ele gozava a cara do Nico, que em resposta à provocação, dizia:
- Qual dos meus concunhados ou cunhados, carregou por tanto tempo a noiva em seu colo?
Qual de vocês puderam  por em cena, uma Cena tão ditosa?
Apontando para mim, sorria orgulhoso da juvenil idade estampada em meu rosto.
Foi nesta viagem de regresso que ele começou a me chamar de “Sinhá” para que houvesse mais  respeito da escravaria  para com uma menina de l4 anos, que se tornara anfitriã de uma casa com tantas escravas”.


Nota do autor:

Esta boneca que passara pelas mãos da tia bisavó Policena  e caíra sucessivamente nas mãos de Magdalena Hosken Júnior, ( Tia avó )   depois   Lídia Loureiro em Itabira,  foi dada muitos anos depois, em 10 de março de 1.903   de presente à minha mãe Adélia Pereira Hosken, quando contava 7  anos de idade.
De mão em mão, em 4 gerações,  ela acabou tragicamente degolada em minha casa em Santa Bárbara por uma pessoa maluca, quando minhas irmãs: Pia e Cecy,  ainda eram mocinhas  e cuidavam dela no seu intacto baú de quase l00 anos de existência.
Leonora a boneca Inglesa, tornou-se personalidade quase humana nas famílias: CAMPELLO, PEREIRA DA CUNHA e HOSKEN;  tantos  foram seus batismos, aniversários e suas histórias contadas por suas seguidas mães no espaço entre os anos de  1.857 a 1.945.
Quantos pais, mães, padrinhos, madrinhas e padres não fantasiaram suas histórias e eu  mesmo travestido nestas  personagens, não fui um figurante entre as 4 gerações...
Leonora não merecia um fim tão trágico, era a imagem viva de um presente de casamento que a noiva  ganhara aos 14 anos de idade...
      

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