Nossos primeiros meses
de casados refletiam o que se sucedia na Mina dos Ingleses de Gongo Soco; tudo
que acontecia ali afetava a nossa vida.
Apesar
da produtividade, ela sofria com o déficit de sua expansão; o quinto cobrado de
impostos até o ano de l.837, baixara para l5%; o que aliviara bem o fundo de
reserva da Companhia.
Edward
viajava pela região, pesquisando e sondando vestígios de manifestação aurífera.
Magdalena
que se prontificara logo depois do casamento para dar aulas na escola do Gongo,
fora chamada para exercer o magistério numa turma de meninos brasileiros.
Passando
o dia entre crianças, ela arranjara serviço para encher seus dias vazios dentro
de casa.
Ao
descobrir que estava grávida em fevereiro de l.849, arrependeu-se de ter dado
seu nome oferecendo-se como professora.
Como
Edward por diversas vezes ao ano, saia fazendo pesquisas na região central das
Minas Gerais junto com Mr. Willian Yory Henewood, Magdalena previa que a vinda
de um filho, acabaria com seus dias de solidão, quando Edward viajasse.
Foi
na volta de uma destas viagens, que ele ficou ciente que ela estava esperando o
primeiro filho.
Edward
festejara a boa nova e dissera para ela que vinha sonhando por diversas noites
que Deus lhe havia enviado uma menina para fazer companhia para a mãe.
Magdalena
ainda não mostrava as formas de uma mulher em plena gestação, apesar de
aparentemente mais bela.
Os
meses da gravidez passaram rápidos e em 7 de outubro de 1.849, nasceu a filha
que ambos desejavam.
Na
pia batismal da igreja de Nossa Senhora da Conceição, recebeu o nome de Maria
Rita, em homenagem a tia do mesmo nome.
De cabelos loiros e olhos verdes, Maria Rita diferençava de todos os
outros primos, netos do Guarda-Mor Mendes Campello.
A
marca da descendência saxônia estava estampada na cor clara da pele que não
negava o pai.
Edward
não assistira o batismo, ele tornara-se inimigo do vigário Francisco Xavier de
França, nem tão pouco o Guarda-Mor aceitara ser padrinho de batismo da menina.
A
inocente criancinha não tinha culpa das rixas entre o inglês e o padre, e o pai
com o sogro...
Trinta
e seis dias após o parto, Magdalena voltou ao Gongo Soco para gáudio de
Genoveva que tomaria para si, a guarda e cuidados permanentes da menina
Ritinha.
Há
muito ela não sentia o cheiro do cueiro naquela casa, John havia nascido há l2
anos...
Enciumada
viu chegar a ama que também fora de Magdalena, Nhana viera ajudar a sua fiinha
a criar uma menina que era sua neta de criação.
Maria
Rita a recém nascida, certamente colocaria um fim na indiferença do genro com o
sogro; a criancinha ao nascer, começara a
trazer a paz dentro da família.
Magdalena
só voltou a dar aulas, no principio do ano de 1.850, 4 meses depois do
nascimento de Maria Rita.
O
compromisso profissional com a Mineradora, não permitiu durante certo tempo,
viagens à Catas Altas.
O
pai que se abalara com seu casamento ainda guardava magoas da filha e do genro
e naqueles primeiros meses do ano, consultando o médico Dr. Manoel Moreira,
queixava-se de dores atrozes.
O
facultativo da família achava que todos os seus problemas, eram reflexos do desgosto que sofrera com o
casamento da filha.
Escrevendo
para Magdalena, a mãe informava preocupada da doença do esposo, que estava
acamado a mando do Dr. Moreira.
Com
Maria Rita (Ritinha) passando dificuldades que nenhuma outra criança do Gongo
Soco experimentara; pois, com a mãe aprendia a língua portuguesa, com o pai o
inglês que se falava na vila e com Genoveva e Nhana, o dialeto africano que as
escravas geralmente falavam quando em contato com eles.
Passados
l2 meses exatos do nascimento de Maria Rita, a menina ainda não conseguira
falar como as outras e Magdalena tentava de todas as maneiras ensiná-la, para
que o pai ficasse surpreso com a novidade da filha.
Edward
pesquisava do outro lado da serra do Caraça, na fazenda da Cata Preta próxima
ao Inficionado e na localidade de Antônio Pereira, junto com seu companheiro
Mr. Willian Yory Henewood.
Desanimados,
pois a pesquisa revelava uma rica jazida, porém profunda e que absorveria
grande soma de investimentos; eles se sentiam cansados no afã de terminarem com
as pesquisas.
Se
o desânimo atingia por um lado, por outro, a saudade de Magdalena convidava-o ao retorno com a esperança de rever suas duas princesas.
Mr.
Yory mulherengo por excelência, não resistiu aos apelos de retorno de Edward;
também na fazenda da Alegria corria boatos vindos da corte que, a Lei de
Euzébio de Queiroz havia sido aprovada, extinguindo definitivamente o tráfico
negreiro.
Os
dois ingleses não sabiam por que os proprietários de terras estavam tão
preocupados com a nova lei.
Há
quanto tempo a Inglaterra combatia o tráfico e os escravos continuavam a chegar
da África.
Os
dois mineradores ingleses não tinham noção da extensão da lei e como tinham
alguns negros à disposição deles, resolveram voltar ao Gongo para saberem como
deveriam proceder com os mesmos.
O
patrício explicou que a nova lei, só extinguia a entrada de negros no país,
através da proibição do tráfico negreiro, quanto ao mais, tudo como antes,
inclusive o menino filho de escravo, continuaria após o nascimento, também
escravo...
Que
eles os ingleses poderiam continuar o trabalho da mesma maneira que vinham
tocando para suas companhias.
Naquela
oportunidade, ficara sabendo por John Emery que seu sogro estava muito mal, o
que assustou ao genro, que ficou sem saber como proceder, pois desde a negativa
do sogro ao seu casamento, nunca mais colocara os pés em sua casa.
Como
já havia viajado até Catas Altas, resolveu continuar viagem até a sede no Gongo para levar a notícia para
Magdalena.
Ao
chegar de surpresa e ver a esposa, Edward notara com certo orgulho, como ela
estava bonita.
O
corpo voltara ao normal, não mais com as formas de menina moça, mas rosto e
corpo exuberante de fêmea na plenitude da vida.
Flertando
extasiado, olhos presos aos dela,
perguntou admirado:
-
Por que você está assim?
-
Para esperar você, querido!
-
Mas você nem sabia que eu iria chegar?
-
Você não me avisou, mas o coração diz coisas que ele mesmo não entende...
Edward
pensava consigo mesmo: Há coisas surpreendentes em nossas vidas que não sabemos
como surgem.
Que
forças ocultas o fizera sair da Cata Preta e passar em Catas Altas ?
Certamente
a força do amor e da mente, levando-o a se inteirar da grave doença de seu
sogro e a esposa a esperar por ele sem nenhum aviso prévio.
Aproximando-se
de Magdalena, envolveu-a com um braço e trouxe o seu corpo até colar ao seu.
-
Não faça isto, Eduardo!
Maria
Rita olhava para eles sem compreender nada, de repente começou a chorar e disse
com os olhos cheios d’água:
- “I am afraid!”
-
Medo de que, querida?
Ela
apontava para o pai.
Com
a barba por fazer, capacete e roupa de campanha, o pai era para ela um
verdadeiro estranho tomando a mãe pelos braços como fizera a frente dela...
-
I am, afraid, repetia ela...
Que
adiantava dizer para sua filhinha que era ele...
-
Ela estranhou você, querido!
Cambaleante
nos seus primeiros passos, a menininha fugia para os braços de Nhana.
-
É seu papa, filinha!
Suspensa
nos braços da velha, Maria Rita encontrava refúgio olhando de longe o que fazia
o barbudo com sua mãe...
A
menina via a mãe suspensa nos braços do estranho.
-
Ponha-me no chão, Eduardo!
Ela
sentiu o corpo dele raspando ao seu na
descida vagarosa...
Como
era delicioso aquele contato íntimo depois de seus retornos...
Estreitando-a
ainda mais, ele sem dizer nada, demonstrava o
que ele queria dela...
-
Agora não!
Por
favor, largue-me, não sejas imprudente!
Vamos
ter uma noite inteira!
O
banho por tomar e a barba por fazer, levou Eduardo a se separar dela; ele não
queria, mas Magdalena convenceu que ele esperasse pela noite...
A
comida caseira era bem diferente das distribuídas nos acampamentos ou nas minas
onde passava grande parte de seus dias.
Ele
acostumara ao tempero da Genoveva e das batatas que ela fritava.
Tomando
o banho, sentia vindo do ar, o aroma do que a velha negra preparava para ele.
Ah
Genoveva! que saudade da comida de casa!
Quando
ele abraçava-a ela esperneava gritando para que todo o mundo ouvisse o seu
berro:
-
Nhá, ou Nhá!
Dá
jeito nu, seu home!
Ancê
tá com diabo nu corpo, barata discaiscada?
Era
assim que chamava os gringos, quando tinha queixas contra eles.
-
Negra escrava, não berra!
Recebendo
um tapa na bunda, Genoveva xingava:
-
Fio da puta de galego!
Ancê
nu arrespeita a véia nem na cara de sua muié!
Genoveva
sofria com as brincadeiras do inglês e do seu filho que criara.
Havia
entre ela Genoveva, Edward e o Jonh, uma
intimidade que Magdalena condenava, não por ciúmes, pois a negra já estava na
casa dos 70 anos, mas pelo que poderiam
dizer as más línguas.
Edward admirava-se como viveu tantos anos no
Brasil sem esposa!
Aquele
aconchego ao voltar para casa era tudo que lhe faltara durante tanto tempo da
sua vida...
Magdalena havia desmamado a Maria Rita, que
tomara o leite materno, até principio de setembro de l.850.
Nhana
passava a dormir com a criança quando Edward voltava para casa e sem os
estorvos do choro e preocupações, Magdalena se entregara ao marido naquela
noite de Primavera como se brotasse dentro dela, o vigor da estação das
flores...
Ambos
não dormiram na noite de l0 de setembro, havia dentro deles a chama que
desperta e incendeia pela ausência de tanto tempo separados.
Quando
amanheceu o dia 11, já havia dentro dela. mais uma sementinha.
Ela
lembrara que no missal que rezava todos os dias, a data era consagrada a Nossa
Senhora e nas suas páginas ela tinha lido:
“Entrando o anjo onde ela estava, disse:
- Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo;
Bendita és tu, entre as mulheres.”
Edward
prudentemente não quisera informar de chofre a doença do Guarda Mor à
Magdalena, ele esperava um momento oportuno para colocá-la ao par do que se
passava com seu pai em
Catas Altas.
Foi
ela mesma sabendo que Edward passara por lá, que perguntou se ele tinha
notícias dos pais.
-
Sim Magdalena, eu não quis dar as notícias ontem para não assustá-la.
-
Mas o que você tem a me falar?
-
Fiquei sabendo pelo Emery que o seu pai não está bom...
-
Como não está bom?
Que
você está a me esconder?
Por acaso você deixou o seu
orgulho e foi visitá-lo?
Se
foi, só pode ser por milagre do dia de Todos os Santos!
-
Ele está doente e seu estado não é bom...
-
Meu Deus, que vou fazer!
-
Nada querida, não adianta se alarmar; Estamos distantes e teremos que esperar
por um chamado da sua família...
-
Então é grave? Parece que sim.
Magdalena
começou a chorar e disse inconsciente para o marido:
-
Eu sou culpada, Edward!
-
Ninguém tem culpa por doenças dos outros, querida!
Correndo
para o quarto, ela enclausurou-se em
prantos.
O
pai veio a falecer poucos dias depois, desaparecendo da vida social de Catas
Altas, o patriarca que mais deixou descendência no famoso e histórico arraial.
Seu
corpo sepultado na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, guarda uma
história singular dentre todos os demais
ali sepultados.
Um
brasileiro filho de português que em pleno século XIX, casara 4 de suas filhas
com 4 cidadãos de origem européia.
Dois
genros ingleses e dois portugueses.
Pai
amoroso e profundamente preocupado com o bem estar de suas filhas, não se
importava de fechar a cara aos pretendentes que não se enquadravam ao perfil de
genros que ele exigia para suas filhas.
Por
este motivo durante certo tempo, opusera ao casamento de sua filha Maria
Magdalena, com o inglês Edward Hosken de fé diferente da sua...
O
inglês que se dizia batizado na igreja católica, conseguiu levar Magdalena nunca porém,
seu consentimento.
Somente
depois da sua morte, Edward Hosken voltou à casa onde nascera sua esposa e na
convivência amistosa com a sogra e seus cunhados, veio a introduzir naquele
lar, outro inglês anglicano, Mr. John Emery, que também fez história em Catas Altas ,
casando-se depois de viúvo, com Maria Rita Perpétua, mais conhecida pelo
apelido de Bizita.
Concunhado
do tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha que se casou com Maria Raymunda
Mendes Campello e Antônio Alves da Silva, que esposou Anna Mendes Campello,
ambos de além mar, tal como Pedro Álvares Cabral, de nação portuguesa.
Passara um mês daquela noite que Eduardo
voltara depois de tanto tempo fora e Magdalena retornava a dar aulas no dia l2
de outubro, data da descoberta da América.
Correra exatamente l mês e a regra não viera no
período menstrual.
Não
tendo certeza se era atraso, nada comentou com o marido, esperando que o tempo
confirmasse o seu estado.
Na
data de dois de novembro, finados foi ao cemitério dos ingleses do Gongo Soco,
para rezar pela alma do seu pai e pelas almas dos amigos ali enterrados,
sentindo tonturas e enjoou comentou:
Há
uma semana que não venho me sentindo bem, talvez seja a indisposição pela
saudade do pai que se foi e eu não possa visitar o seu túmulo neste dia de
finados!
Eu
não sei o que se passa comigo!
Parou
de andar, sentou sobre uma pedra no
gramado da borda da represa a espera que o mal passasse.
Suando
frio e com a pressão alterada, Edward amparava o seu corpo, quando o seu
estômago rejeitou todo o que havia comido pela manhã.
Pálida,
bamba e encostada em Eduardo, esperava o mal passar.
-
Respira fundo, querida!
Enche
o seu pulmão de ar e solte-o...
Respirando
o ar puro da manhã, ela se sentiu mais aliviada do mal estar que ia dentro
dela.
Levantando-se
da pedra onde sentara, Eduardo disse:
-
Pra que levantar querida!
-
O mal passou não se aflija...
Ele
acariciava seus cabelos, olhando-a sem saber como proceder se os vômitos
voltassem.
Calado,
continuava a acariciá-la sem querer atormentá-la com conversas e perguntas.
Foi
ela mesma depois de certo tempo que disse:
-
Vamos embora, Eduardo!
-
Você se sente melhor para voltar?
Ela
acenou com a cabeça.
-
Vamos aguardar por mais tempo, querida!
Não
temos nada de imediato a fazer...
Eduardo
começou a lembrar dos amigos que estavam ali enterrados e teve receio que o mal
de Magdalena fosse grave, ele ainda estava sob o impacto da morte do sogro.
Passado
inteiramente o mal estar dela, ele perguntou:
-
Há quanto tempo você não tem “menses”?
Ela
não lembrava quantos dias passara da última menstruação.
-
Talvez 2 meses, eu não sei o certo.
-
Você está grávida, querida!
-
Será gravidez, Eduardo?
Beijando-a
disse carinhoso:
-
Um homem, é o que mais quero de você, querida!
Colocando
a mão sobre o ventre dela, falou ufano:
-
Será que seremos mais uma vez, pais?
Que
nome nós daremos a ele?
-
Como você sabe que é ele?
Se
for homem, será James, tal como meu
pai, se for mulher, Ana como
minha mãe..
Eu
prefiro que ele tenha o mesmo nome seu, querido!
Eduardo...
-
Isto não, pois daqui a alguns anos para diferençar do meu filho me chamarão de Edward o Velho.
-
Então será Eduardo Diogo Hosken, concorda?
-
Por que o Diogo?
-
E um nome tradicional na sua família...
Colocando
mais o nome Diogo, fica diferençado Edward velho do Eduardo novo e as famílias
tradicionais gostam de dar aos filhos os mesmos nomes dos antepassados.
Nos ingleses em particular, preferimos render homenagens aos nossos reis, rainhas e
príncipes.
Naquele
2 de novembro de 1.850, a
mina estava parada homenageando os mortos, principalmente os colegas, suas esposas e seus filhos que haviam morrido
no Brasil
Magdalena
que fora com o esposo até o cemitério rezar pela alma do pai que havia falecido
e fora enterrado na igreja matriz de Catas Altas, sentia que dentro dela uma
nova vida nascia.
Edward
comentou:
-
O que Deus nos tira ele mesmo repõe, querida!
No
dia 3, bem cedinho, Magdalena procurou o
Dr. Cuming.
Na
porta do Hospital ele a viu e disse brincalhão:
-
Com este aspecto de saúde e beleza, você veio a mim, certamente para saber se
estás novamente grávida...
-
Edward falou com o senhor?
-
Não precisava filha!
Sua
menina está com quase l ano e meio, é tempo de arranjar outro...
O
que Edward me falou, é que você estava enjoando, diagnóstico lógico para quem
faz vômitos sem razão.
Gravidez
de 1 a 2
meses
Examinando-a
ele comentou: Você está em seu esplendor da vida, a gravidez tem o dom de dar
beleza ao corpo e fulgor aos olhos.
-
São minhas roupas novas, Reverendo!
A
roupa veste a matéria, não a alma que fulgura com o dom de Deus...
O
médico e pastor, parecia adivinhar as coisas e seu diagnóstico era sempre
preciso.
-
Nunca mais vocês me deram notícias do
padre Francisco de Catas Altas e como reagiu com minhas bênçãos de casamento
para vocês!
-
Ele tornou-se inimigo de Edward e ficou durante certo tempo indiferente comigo.
Agora
voltamos aos bons tempos de amigos, porém ao Edward ele vira a cara.
Ele
disse que Edward não cumpriu o prometido, batizando-se e tornando-se católico como prometera.
-
E Edward?
-
Que nada havia prometido ao padre, apenas que respeitaria minha religião como
dissera...
Sondando
o que estava sentindo e o que manifestava de repulsa alimentar, Dr. Cuming deu
o diagnóstico final:
Mais
sã do que estavas, mais bonita do que eras, assim premia Deus as criaturas que
procriam; vai para casa e conta ao seu marido a boa nova...
Parabéns
minha filha, vai com Deus e evite comer
as coisas que te faça repulsa.
Ela
tinha pressa de voltar para casa e escrever para a mãe contando a novidade, o
Edward só saberia depois de sua volta do trabalho..
Dr. Cuming era favorável que
ela continuasse as suas atividades tal como
vinha fazendo, inclusive as aulas que
dava para a comunidade.
O
exercício ajudava ao feto e a própria
grávida.
Dando
aulas, agüentou o trabalho até um mês antes do nascimento do segundo filho; que
ocorreria em principio de junho de 1.85l, em casa de sua mãe em Catas Altas.
Edward
queria que o menino nascesse com a assistência do Dr. Cuming, Magdalena
sentia-se mais à vontade em sua terra com a presença da mãe e do doutor
Moreira.
Era
também a oportunidade de rever a mãe e os irmãos depois do falecimento do pai.
Convencendo
ao marido que teria também depois do parto, reformar toda a sua toalete, seria
mais fácil que o nascimento ocorresse em Catas Altas , com
a presença da mãe e das tias para olhar por ela e Ritinha.
Mantendo
correspondência atualizada, dava informações sobre a evolução da sua segunda
gravidez.
Bonifácia
prometera mandar uma charrete para buscá-la no Gongo Soco quando ela completasse
8 meses de gravidez e na carta comentava que,
em vista da propalada lei que estava sendo discutida no Congresso, sobre
a extinção do tráfico de escravos, talvez deixasse Catas Altas e transferiria
para a Mata do Rio Doce.
Euzébio
de Queiroz elaborara uma lei acabando com a fonte da sobrevivência deles e que
depois de promulgada, Chico não teria como sobreviver em Catas Altas sem o
comércio dos escravos.
Em
vista do que poderia ocorrer, queria vê-la antes de partir com o marido.
Conforme fora combinado, um mês antes do
menino nascer Magdalena veio para sua terra para ganhar a criança que estava
esperando.
Saíram
cedo do Gongo, descansaram no arraial de São João do Presídio do Morro Grande e
Brumado, para depois completarem a jornada direta até Catas Altas.
Em
Brumado ao avistarem a Serra do Caraça, já se consideravam em casa, apesar da distância que ainda teriam
que cavalgar.
Ao
ver do alto a planície do vale do rio Maquiné, o coração também galopava na
ânsia de ver e sentir tudo aquilo que mais amava.
Em
sua mente começou a reviver o que sua avó lhe contara sobre as festas do
Rosário quando era menina.
Na
igrejinha construída pelos escravos, logo a entrada da rua, poucos metros acima
do leito do rio, realizavam as Cavalhadas, que representava a luta dos Cristãos
contra os Mouros.
Tal
como ouvira da avó, dona Thereza,
repassava para Edward toda a história da luta que durou mais de 3
séculos entre os cristãos e os árabes.
“Com a invasão da península Ibérica pelos árabes no
século VIII, os povos europeus que habitavam a região peninsular e de religião
cristã, tiveram que lutar desde o ano de 711 até 1.085, contra os invasores, que
empreendiam uma cruzada religiosa.
Esta luta uniu os cristãos contra os muçulmanos e daí
nasceu as cruzadas tentando expulsarem do Sudoeste europeu os adeptos da
religião de Alá.
As Cavalhadas representavam as lutas iniciadas em
Toledo no ano de 1.085 por D. Afonso de Leão.
As
cavalhadas encenavam tal como deveria ter sido, as batalhas travadas de cidade
em cidade entre os cristãos e os mouros.
Como
deveria ser bonita as comemorações antigas das lutas dos povos cristãos contra os mouros!
Imaginando
a baixada toda tomada de cavaleiros fazendo evoluções e o povo assistindo as
encenações...
Sua
avó deveria se sentir como uma dama cotejada pelo cavalheiro de armadura
metálica, montado num cavalo branco.
Com
a visão do campo onde pisavam os animais, ela também recriava na sua imaginação
o cenário das cavalhadas e colocava o seu Edward, como um cavaleiro cruzado,
debaixo das pesadas armaduras...
Os
cavalos começaram a imprimir uma marcha forçada ao sentirem a aproximação do
seu destino.
No
vau do rio espraiado, os cavalos pararam para saciarem a sede, ela também tinha
sede, mas de rever seus entes queridos, agora tão pertos dela.
Edward
pela primeira vez estava voltando à casa da sogra, ele não sabia como seria
recebido depois da morte do Guarda Mor,
por isto, vacilava em seu tormento.
A
alegria da família tendo Magdalena e Ritinha junto deles, afastara por completo
os ressentimentos contra o inglês.
Se
ele viera junto, demonstrava com sua atitude que queria reconciliação e acabar
com a indiferença que seu casamento provocara.
Magdalena
estava na terra, cenário de infância e
de quase toda a sua vida.
Sendo
alvo das atenções juntamente com Ritinha, custara a se levantar do banco da
charrete; pesada teve que ser ajudada por Nhana que passou a Maria Rita para os
braços de Miúda.
Para
descer, Eduardo carregou-a nos braços para depositá-la no chão...
-
Como pesamos disse ela rindo, mostrando o
volume da barriga.
Zaga ajudava o inglês a descê-la sem tocar os
pés no estribo.
Como
era bom pisar naquela terra que deixara como moça e voltava agora as vésperas
de ganhar o segundo filho.
Ninguém
a chamava como antes:
A
menina do Guarda-Mor; tornara-se matrona e voltando ao antigo lar.
Reservado,
Eduardo não sabia se ficava do lado de fora da casa, ou entrava; o cunhado
Fernando veio cumprimentá-lo dizendo:
-
Seja bem vindo em nossa casa senhor Eduardo...
Aquele
cumprimento cerimonioso do cunhado parecia dizer que o tratamento de “senhor”
colocava-o a certa distância.
Dona
Rita Benedita ao contrário é que colocou o genro mais a vontade, pois
caminhando para dentro da casa de braços dados, perguntou:
-
Como foram de viagem?
- Muito bem dona Rita!
Dividimos em etapas e viemos parando para que
Magdalena e Ritinha não se cansassem.
-
Você fez muito bem em vir devagar, pois ela chegou aqui sem reclamações.
Menos
aberto a conversação, Fernando participava dela respondendo em monosssilabos o
que lhe perguntavam.
Como
o assunto era generalizado, Magdalena dirigia-se ora ao irmão Fernando, ora ao
marido, fazendo a intermediação para quebrar o gelo entre eles, pois o irmão
havia acompanhado os sentimentos do pai, quando eles se casaram.
Depois
de certo tempo de conversa na sala, ainda todo empoeirado, Fernando convidou-o
a ir lavar-se e os dois seguiram conversando até a bica do terreiro.
Há
quanto tempo conhecera Magdalena e aquela era a primeira vez que passava pelos
corredores ganhando o fundo da casa onde nascera sua mulher...
Ao
chamarem-no para que viesse se banhar,
ele não sabia se devia ou não aceitar tão intima hospitalidade.
Magdalena
já banhada, sob a veste de um camisolão largo, cheirava a ervas que ele
desconhecia; deliciado pelo perfume, perguntou:
-
Onde arranjaste este perfume?
- Ervas
preparadas por Bonifácia; sumo de erva cidreira e botões de laranjeira.
Relaxada
sobre a cama em que iriam dormir, o pano fino não escondia as silhuetas que seu
ventre ganhara nos últimos 8 meses.
- Would you like to take a shower?.
- Thank you my darling.
Saindo
do quarto de casal, entrou para um anexo, onde uma bacia com água quente
esperava o seu corpo cansado...
O
mesmo perfume que Magdalena exalava, ele sentia o aroma nos jarros ao lado da
bacia.
Seria
para ele?
Como proceder para misturar na
água do seu banho?
Requinte
que nunca tivera em toda a sua vida anterior, pois na Inglaterra não havia as
essências e em Gongo Soco
os ingleses não usavam perfumes ao se banharem.
Uma
coisa que os brasileiros não sabiam; lá,
poucos patrícios ingleses tomavam banho tão constantemente como os que moravam aqui.
Precisava
de muita sujeira para que o banhista se aventurasse as baixas temperaturas do
inverno inglês da Cornualha.
O
frio não permitia ao corpo a transpiração e os banhos eram raros; no Brasil ao
contrário, eles se banhavam até 2 vezes ao dia.
Sentado
na cama vendo a esposa recostada, beijo-a e disse:
-
Como seria bom ficar aqui com você!
Sinto
vergonha e constrangido ao lado de seus familiares...
-
Esqueça o passado, querido!
Faça
da casa de minha mãe, também a sua!
-
Como Magdalena?
-
Libertando-se do constrangimento e contando para eles tudo que me narraste
sobre sua vida aventureira, sobre sua terra e seus familiares...
Ninguém melhor do que você para contar histórias de lugares, que eles
nem
imaginavam existir.
Se
houvesse clima ele exploraria o que Magdalena sempre gostara de ouvir, era um
bom conselho dela para afastar seus temores e manter conversas entre eles.
Por
sorte dele, foi dona Rita que queria informações como eram seus pais e onde
viviam.
Aí,
foi dada a ele a melhor dica para conhecerem-se e até o Fernando começou a
interessar-se por suas aventuras, principalmente pelas viagens.
O
gelo estava quebrado e a frieza derretendo nas palavras do inglês viajado.
Não
era fácil para Fernando puxar conversas, mas era muito interessante tudo que
ouvia daquele cunhado aventureiro que tivera a ousadia de tomar sua irmã para
casar.
Fernando
ficara impressionado como o inglês conhecia os segredos da mineração e até de
palavras que ele já ouvira e ficaram perdidas no seu desconhecimento.
Quando
o termo era técnico, ele pedia para que o cunhado repetisse a palavra e
informasse o que significava.
A
conversa prendia e na sala, passavam horas ouvindo coisas que as vezes, Maria
Magdalena tinha que traduzir, pois Edward desconhecia a versão portuguesa.
O
genro que caíra dentro da casa de dona Rita, como um peixe fora d’água, já
mergulhava na intimidade das conversas da família e começara a reparar o
mobiliário e as decorações dos objetos daqueles aposentos.
Mobiliário
de linhas portuguesas confeccionadas em Jacarandá, a cama larga com guarnições
para o cortinado mosquiteiro, torneado dando as colunas nos quatros cantos do
retângulo uma beleza e contraste com o filó branco que recobria todo o vão
interior.
Os
artesãos portugueses e mineiros seus discípulos, tinham uma habilidade que
chamava a atenção dos estrangeiros, e os mineradores gastaram parte do ouro
daquele território, nos objetos que davam prazer.
A
cama era um destes privilégios...
Parecia
a Edward uma câmara onde as intimidades do casal teriam que ser apenas veladas
sutilmente, pois o amor é coisa de Deus...
A
incontinência do inglês nas vésperas do nascimento do segundo filho com
Magdalena excitava-o, ele nunca tivera um ambiente tão acolhedor como aquele
que a sogra preparara.
Sobre
a cômoda, jarros de louça inglesa e um porta-retrato de Magdalena ainda menina.
Sua
roupa para ser trocada após o banho, estava sobre a banqueta junto da toalete.
Magdalena
escolhera a melhor veste do marido, para que ele se apresentasse durante o
jantar, a altura do orgulho inglês.
Tanto
o irmão Fernando quanto Eduardo, tinha por coincidência as mesmas patentes de
“Capitão”.
Uma
conquistada no trabalho dentro das minas, a outra pelos serviços prestados a
Guarda Nacional.
Durante o jantar, Eduardo querendo mostrar que se sentia no Brasil
como
cidadão brasileiro, perguntou ao
capitão da Guarda-nacional:
Por
que o Brasil estava mandando tropas para o sul do país?
-
Mandando soldados?
-
Sim capitão, o senhor não sabe?
O
espanto do cunhado veio junto com seu desaponto.
Ele
Capitão da Guarda, sendo informado por um estrangeiro que seu país estava sendo
ameaçado na fronteira!
-
Como o senhor foi informado?
-
Através das notícias que nos chegaram no Gongo Soco, vindas da Inglaterra.
Um
jornal inglês que abordava a iminente guerra que a Província Uruguaia
provocaria entre o Brasil e a Argentina.
Lá
no Gongo, todos comentam o caso, pois meu governo está tomando partido
contrário aos interesses brasileiros, o que é ruim para nós ingleses radicados
no Brasil.
-
Vocês estão mais bem informados do que nós em Catas Altas !
-
Pois é, houve uma invasão na província Oriental e os aliados depuseram o
Rosas...
-
Mas, quem é Rosas?
-
Um tal de Juan Manoel Rosas, comandante em chefe das forças cercadas na capital
uruguaia.
-
Isto aqui parece o fim do mundo, o Brasil em guerra contra os outros e o
capitão da Guarda Nacional nem sabendo do que se passa lá fora!
-
Melhor assim Fernando, sinal de que as coisas vão bem pelos lados das
fronteiras brasileiras, notícias boas não correm, ao contrário das más que
voam...
-
Este menino o Pedro, não puxou o pai, fosse o Pedro I, já tinha invadido a Banda Oriental e dado
umas palmadas na bunda deste gaúcho do outro lado, o português filho da puta
que agora em vez de João Manoel, se chama Juan Rosas.
Cambada
de tafuls, até no nome cheira a flor...
O
capitão da Guarda Nacional mostrava-se contrariado, uma patente desconhecendo o
que se passava nas fronteiras do seu país...
Como
o parto do segundo filho estava previsto para principio do mês seguinte, Edward
voltou ao seu trabalho na mina do Gongo Soco.
Com
toda a fleuma inglesa, ele estava satisfeito com o reatamento com toda a
família, brigas e questiúnculas não deviam
existir dentro de famílias.
A
terra de Magdalena tinha o raro privilégio de ter em sua sociedade, o que era
raro no Brasil, um médico formado.
John
não queria voltar com o pai, pois se sentia bem junto da família de sua
madastra e no desfrute dos pomares, que não existiam na mina.
No
dia 2 de junho, Edward estava de volta, esperando que o menino nascesse
conforme as previsões dos 2 médicos, por aqueles dias.
Ele
encontrou Magdalena com todas as indicações visíveis de parto próximo, lábios e olhos inchados,
barriga arriada e andando com as pernas arrastadas e abertas, mal suportando o
peso do ventre volumoso.
Vai
ser menino, dizia dona Rita...
O
corpo apesar de deformado pela gravidez, mostrava aparente saúde na cor e
disposição.
-
Vendo-a se arrastando, Eduardo perguntou:
-
Você está se sentindo bem?
-
Claro, ainda mais com você ao meu lado!
A
criança às vezes mexia dentro dela, dando pontapés e ela tentava acalmá-lo
mudando de posição ou passando as mãos sobre o ventre onde havia os movimentos.
-
Está doendo, querida?
Com
a cabeça mostrava que não, mas a boca não confirmava o que tentava dissimular.
Ele
sentia pena dela e medo, pois relembrava o que havia ocorrido com Antônia.
Sua
vontade era colocá-la no colo e sustentar com suas mãos a barriga que estufada
incomodava a ela e o filho que chutava lá dentro.
Ele
não podia fazer o que pensava, pois havia muita gente junto deles, inclusive a
sogra que ficaria escandalizada se tomasse realmente a atitude que desejava.
Aqueles
movimentos iam se tornando mais freqüentes e parecia a ela, que o neném não
tinha mais espaço onde ficar.
Dona
Rita com toda a experiência informava:
-
Que bom, filha não vai demorar!
As
horas passavam e a criança não resolvia dar o ar de sua graça para os que esperavam.
As
contrações começaram a dominar seu corpo e ela sentia as dilatações contínuas;
a dor vindo e voltando.
Queixou-se
á mãe, que mandou recado para Dr. Moreira e a mensageira veio com a resposta
que a parteira verificasse a dilatação.
-
Não é para as horas do dia, foi a resposta para o médico...
À
tarde o médico veio examiná-la, apalpou a barriga e pediu que a parteira
fizesse alguns toques.
O
ventre ainda estava alto e a parteira confirmou que a parturiente ainda teria
muito a dilatar...
-
Não é para as horas do dia, doutor!
-
Vai ser pela madrugada, ou pela manhã...
Medicou
sua parturiente e disse:
-
As contrações vão espaçar e tornar mais suportáveis, o que dará a você alguns
momentos de sono.
-
Mas eu quero dormir por horas Dr.
Moreira!
-
Se você se relaxar poderá conseguir horas de sono tranqüilo...
Ao
sair do quarto, indo lavar suas mãos, viu o inglês no corredor e justificou a
retirada.
-
Ainda é cedo, senhor Hosken!
Maria
Magdalena vai dormir um pouco e o senhor deve aproveitar o seu sono.
Mais
velho 4 anos que o Eduardo, Dr. Moreira parecia bem mais idoso do que o inglês;
as noites de insônia, viagens e alimentação nem sempre nos horários certos,
desgastavam a vida do facultativo.
Com
a mãe de plantão ao lado de Magdalena, Eduardo foi dormir em outro quarto,
despreocupado, sabia que a esposa estava bem entregue a mãe e a parteira.
Pela
manhã, acordara com barulho no terreiro e as galinhas assustadas e acuadas.
Vozes
no quintal e alguém dando um recado:
-
Dona Rita manda cês cala a boca!
Eduardo
levantou apressado para ver o que ocorria, abriu a janela e viu o Zaga e Nhana
retirando galinhas de dentro de um grande jequi.
Não
era nada para se assustar, dentro de casa havia silêncio e nenhum movimento.
Bom
sinal, Magdalena devia estar dormindo.
Ele
não conseguiria permanecer na cama acordado, mas também não sabia se poderia
sair do quarto para ver o estado como estava a esposa.
Pé,
ante pé, destrancou a porta pesada e forçou a abri-la; as ferragens rangeram
nas sobreposições das dobradiças...
-
Psiu! psiu!
Veio
do outro quarto a advertência pelo barulho.
Passos
leves deslizavam pelo corredor de tábuas largas em sua direção.
-
É você, Eduardo?
Sussurrava
a sogra com o dedo indicador na frente de seus lábios.
-
Sim dona, Rita!
Ela
está dormindo?
A
sogra confirmava com a cabeça e com gestos chamou o genro para a copa onde
estava servido o café da manhã.
-
Ela dormiu pouco, mas agora conseguiu ferrar o sono...
-
O que Magdalena está a ferrar dona Rita?
-
Ah! ela está dormindo bem...
Durante
o café Nhana veio avisá-la que dona Bonifácia mandara dois balaios de galinhas
gordas para Magdalena.
-
Quem, Bonifácia?
-
É a mãe da Manuela, cunhada de Magdalena e casada com o Francisco Mendes
Campello.
Era
difícil para o inglês entender os
parentescos entre tão numerosa família.
-
Que Magdalena vai fazer, tantas
galinhas?
-
É alimento para as parturientes, tomando canja.
Em
detalhes dona Rita tentou explicar para o genro inglês, o habito dos
brasileiros em servirem as parturientes,
canjas de galinha.
-
Mas, muita galinha!
Magdalena
não agüenta comer todas!
-
Nos 40 dias de resguardo sendo o recém-nascido,
homem não é muita!
-
E se fosse minha filha mulher?
-
Seriam 30 dias de resguardo!
Eduardo
de boca aberta, ria das manias dos brasileiros.
Pensando,
perguntava a si mesmo, por que 30 e 40 dias?
Era
complicado entender os hábitos dos outros países, ainda mais quando se tratava
de partos; pois em cada terra havia procedimentos diferentes para uma coisa tão
normal, à procriação...
Gemidos eram ouvidos no outro quarto
e dona Rita saiu apressada
arrastando as chinelas.
Eduardo
tomava o café sozinho, quando viu a parteira colocando o rosto fora da porta e
pedindo a presença de Nhana.
Com
os olhos bem abertos, a negra olhava para o interior; tadinha de Nhá!
-
Vá depressa e traga água quente, pedia a velha Sá Domênia, parteira de muitas
gerações que era reverenciada pela meninada como: Dindinha.
-
Como mulher parteira chama: Domênia ou Dindinha?
Edward
não sabia como chamá-la, tendo em vista os dois nomes que a ela eram dados.
-
Dindinha é o diminutivo carinhoso como são tratadas as avós ou os padrinhos, explicou dona Rita para o genro,
que ficou na mesma ignorância...
Manda Miúda dar um pulo na casa do Dr. Moreira
e dizer a ele que está na hora...
De
valise na mão, o médico entrara direto para o quarto, pedindo de imediato que
abrissem o vão da janela...
Quero
luz e muito ar neste cômodo...
Espantada
com a providência do médico, Sá Domênia e as negras achavam um absurdo o ar e a
claridade entrando livres...
A
porta fechou-se por dentro e meia hora depois, gritos faziam se ouvir...
Eduardo
e o cunhado Fernando, aguardavam na copa.
As
negras entravam e saiam apressadas, atendendo os chamados de dona Rita.
Choro
de recém nascido era o que se ouvia agora do lado de fora, Magdalena não mais
gritava...
-
Temos novidades disse Fernando...
Somos
novamente tio e pai; o cunhado estendia a mão para Edward.
-
Parabéns Eduardo!
-
A você também, meu cunhado!
Retirando
dois charutos da bolsa onde sempre estava o cachimbo, Eduardo disse:
- This cigar is for my uncle, the other one is
mine.
Com
um palito, o inglês vazava o cilindro havano, passando depois para o cunhado.
-
Filho homem, 2 charutos capitão Fernando!
Era
um hábito europeu saudar o recém-nascido de sexo masculino, com a queima de um
charuto.
O
requintado luxo, só aos estrangeiros era dado o prazer, pois das Antilhas seguia os charutos para a Inglaterra e de lá,
voltava para a América com destino
aos ingleses do Gongo Soco.
O
barulho da porta do quarto se abrindo e dona Rita colocando o rosto para fora:
-
Sou novamente avó!
Parabéns
Eduardo.
Ambos
se levantaram e perguntaram quase ao mesmo tempo:
-
Homem ou mulher?
-
Homem como vocês...
Um largo sorriso na boca dos
dois e depois um espontâneo abraço.
-
Não fumem aqui, com esta catinga!
Os
cunhados juntos pela primeira vez, numa manifestação de alegria.
-
Deus seja louvado, dizia o tio...
-
Para sempre seja louvado, respondeu a avó Rita..
O
neto viera trazer a paz definitiva entre a família e era a reconciliação que
ela louvava a Deus.
O
doutor demorou a sair do quarto, quando apareceu sem o paletó, olhava o relógio
preso a corrente:
-
Foi ha 35 minutos atrás, pai e tio
olhavam para o médico aliviados.
A
data do nascimento coincidia com a estabelecida por Dr. Cuming, 4 de junho de
1.85l.
Lembrando
da data prevista pelo médico da colônia inglesa, disse admirado:
-
A medicina e os médicos estão de parabéns, Dr. Moreira!
-
Médicos não, o médico corrigia.
-
Dr. Cuming lá do Gongo também acertou na data...
-
Então viva a ciência!
Quando
a parteira e a avó acabaram de arranjar a parturiente e o recém-nascido, os
dois homens foram chamados ao quarto.
Magdalena
segurava contra o peito a criancinha que chorava.
- É homem, Edward!
-
Sim já sabemos, querida!
Ele
ia chegando para perto da cama do lado onde se encontrava o bercinho; o tio
olhava a cena do outro lado.
Ele
pensava como fora infeliz o pai ao se opor ao casamento que agora trazia alegrias para todos; os ingleses
também eram religiosos e acreditavam como ele em Deus que dava a vida...
O
cunhado viu uma cena inesperada que a sociedade e a família brasileira condenavam, mesmo em se tratando de marido e
mulher; o esposo beijava a face de sua esposa na frente dele e do Dr. Manoel.
Aquele
gesto do cunhado fora condenado, quando à noite junto com sua mãe na copa,
Fernando confidenciava o que vira.
-
Não entendo o despudor destes estrangeiros, mãe!
-
Estrangeiro não, Fernando!
Ele
é seu cunhado e casado com sua irmã!
-
É, mas intimidades só para quarto fechado e sob as cobertas...
Dona
Rita sorria e pensava:
-
“Bem que Thomé poderia ter feito o mesmo com ela...”
Por
gestos de carinho como aqueles, o casal Hosken sofria injustas censuras de quem
os via tão amorosos, o que não acontecia com os casais brasileiros de formação
portuguesa.
Maria
Magdalena Mendes Campello Hosken, fora a precursora em Catas Altas , de uma
abertura ainda que pequena, da liberação da manifestação pública de carinhos
entre casais.
Magdalena
queria levantar o menino para que o marido e o tio vissem o seu rosto; tendo
dificuldades para levantá-lo, Dr. Moreira tomou a criança em suas mãos e
mostrou o rostinho rubro do recém-nascido.
- Who does the
boy look like?
Aquela
pergunta com quem se parecia, nem precisava ser feita.
Mais
vermelho do que os meninos que nasciam em Catas Altas ,
demonstrava ter o mesmo sangue dos anglos-saxões da Cornualha.
Domênia
querendo elogiar:
-
Godeme, até na cor do pai!
Alguém
no quarto contestou e a parteira incisiva repetia, é a cara do pai...
- There is a likeness indeed, look at the shape
of the face...
-
Há semelhança sim, veja o formato do rosto e os fios de cabelos dourados!
O
menino parecia não gostar das comparações ou da conversa em voz alta e começou
a chorar.
Dr.
Moreira voltou o menino para junto da mãe e disse para Magdalena:
-
Toma o seu inglesinho!
-
Brasileiro legítimo e catasaltense Dr. Moreira...
-
Me muita feliz doutor, obrigada nome família Hosken.
-
Dos Mendes Campello também, pois sou tio avó!
-
Ora! Agradeçam á Magdalena, ela é quem gerou o menino...
-
Muita obrigada My darling!
Eu
muita feliz, filho homem...
Dr.
Moreira deixava o quarto recomendando repouso e sossego, pois Magdalena quase
não dormira nas 48 horas passadas.
O
pai e o tio foram levar o médico até a porta; que para chegar a sua casa, bastava atravessar a
praça.
Andando
e pensando com seus botões: “Nada melhor que uma criança para unir e acabar com
as indiferenças das famílias”.
Se
ele médico, pudesse só trazer alegrias, seria
um anjo, mas como os anjos voam mais do que andam pela terra, as vezes se
perdem nas nuvens cinzentas das
borrascas da vida...
Uma semana depois, no dia 11 de junho
de 1.85l, era batizado com o nome de: Eduardo Diogo Hosken o menino que teve
como seus padrinhos: Os tios Fernando Mendes Campello e Ana Mendes
Fonseca Magalhães, conforme registro no livro G-6, página 97.
O oficiante era o
mesmo padre que recusara dar as bênçãos aos pais nubentes em 8 de dezembro de 1.848, o vigário
Francisco Xavier de França.
Eduardo Hosken
que ao chegar ao Brasil, não queria constituir família, contava naquela data
com 5 membros assinando o sobrenome, HOSKEN.
Jamais até a
vinda para cá, pensara em deixar sementes na terra para onde emigrara, pois
viera com a intenção de ficar rico e voltar para casar-se na Inglaterra.
Começara sua prole
com um filho natural, nascido na Mina do Gongo-Soco; depois ao se casar com Maria Magdalena, os
filhos foram nascendo por onde passavam..
Mais do que o
faiscar das pepitas por onde catava o ouro, Edward Hosken deixava no solo por onde minerava, preciosidades
que o ouro jamais ofuscaria:
O seu sobrenome
HOSKEN, com 900 anos de história.
Por mais 6 anos a Mina do Gongo Soco continuou
produzindo e o casal Edward Hosken e Magdalena Mendes Campello, também gerando
filhos.
Em
1.853, deve ter nascido o menino Kleris Hosken e em 10 de outubro de 1.855, a menina Ana
Eugênia Hosken, Ninica.
No
ano do nascimento de Niníca, Santa Bárbara perdia uma grande fonte de rendas,
com o acidente na Mina do Gongo Soco, mas ganharia 3 anos depois foros de
cidade, pela Lei 88l de junho de 1.858.
Havia
ainda esperanças da reativação do empreendimento Inglês com recursos que
poderiam vir da Inglaterra.
Desastre
maior do que o desmoronamento da mina foi o “CASO CHRISTIE” que fecharia de vez
todas as esperanças dos ingleses.
Como
as apreensões nem sempre vem sozinhas, praticamente sem trabalho fixo, Edward
Hosken e Maria Magdalena M. C. Hosken,
ganhavam em 27 de setembro de
1.857, mais uma descendente que na pia
batismal, recebeu o mesmo nome da mãe.
Maria
Magdalena Hosken (Júnior).
A
Inglaterra que se julgava dona dos mares e dos destinos das nações promulgara a
Bill Aberdeen em 1.845 e a partir daquele ano, permitia-se aprisionar os navios
que traficassem escravos; não bastasse sua arbitrariedade internacional,
invadia as águas internacionais aprisionando navios negreiros.
A
causa justa e humana vista pela nação dominante, encobria na fachada humanista,
seus interesses comerciais que afetavam a produção e o comércio dela.
Os
apresamentos das cargas, começaram a
afetar a economia do império brasileiro e os afundamentos dos barcos, um
prejuízo irrecuperável.
Com
o naufrágio da fragata inglesa, Prince Wales na costa do Rio Grande do Sul em
março de 1.862, e pilhagem da carga, a situação de animosidade cresceu ainda mais.
Pouco
depois no mês de junho, 3 oficiais da
fragata Forte da marinha inglesa que faziam desordens pelas ruas do Rio de
Janeiro, foram presos.
Aos
ingleses, poderia parecer uma represália pelos danos que vinham causando
ao país, ( Guerra não declarada ).
O
embaixador inglês na corte do Rio de Janeiro achou-se no direito de punir e
exigir do governo brasileiro,
indenizações arbitrárias.
O
titular da pasta, Marquês de Abrantes, recebeu um ultimato absurdo e insultuoso
e resolveu numa atitude mínima, gelar o embaixador, passando a pasta, a negociar diretamente com
o governo de Sua Majestade em Londres.
Sentindo-se
ofendido e desprestigiado, o embaixador Willian Dougal Christie deu ordens ao
chefe da Estação Naval britânica, para usar a força.
Em
3l de março de 1.862, Christie cumprindo as ameaças ordenou ao almirante Warren
que apreendesse os navios brasileiros na entrada da barra da cidade do Rio de
Janeiro, dentro das águas territoriais brasileiras.
A
resposta do imperador D. Pedro II foi firme e imediata e o povo apoiando as
decisões do chefe supremo da nação, saiu as ruas.
Sentindo-se
ameaçado e por conseqüência do seu ato, também os demais súditos britânicos no
Brasil, Christie teve que procurar o ministro Abrantes, solicitando garantias
de vida.
Em
1.863, com arbitramento do rei Leopoldo da Bélgica, o Brasil ganhou a questão e
a orgulhosa Inglaterra, teve que se humilhar ao pedido de desculpas para
reatamento das relações, o que se deu no tardio ano de 1.865 para os ingleses
do Gongo Soco.
Com
estas questões, os empreendimentos ingleses no Brasil, ficaram, afetados,
principalmente da Imperial Brazilian
Mining Association.
O
acidente no Inverno de 1.856, com o desmoronamento da principal galeria da mina
e a falta de recursos que minguaram durante nove anos, acabou por colocar os
ingleses não só do Gongo Soco, mas de todos os territórios onde operavam, em
difícil situação.
Ou
trocavam de ramo para continuarem vivendo no Brasil, ou voltavam se
pudessem à Inglaterra.
A
Edward Hosken que contava no ano de
1.856, com 43 anos de idade e 23 no Brasil, era difícil retornar, ainda mais
com 4 dependentes.
A
guerra não declarada à nação Inglesa, resultou o despertar da consciência
nacionalista e a necessidade da união do povo com as forças armadas do país.
Subscrições
populares foram levantadas para dar ao exército brasileiro, condições de
aparelhar-se para eventuais crises que surgissem emergencialmente no futuro,
como aquela humilhante provocação de Christie.
A
artilharia foi reforçada, mas não era ainda o ideal para defesa total de nossas
extensas fronteiras e o mar territorial.
Enquanto
lutava a nação para adequar o nosso exército,
o nosso vizinho da fronteira ocidental, reforçava o poderio de suas
forças armadas.
O
Paraguai governado por Carlos Antônio Lopes e depois por seu filho, Francisco
Solano Lopes, de longa data vinham planejando o alargamento de suas fronteiras
mediterrâneas para as bandas Orientais, chegando suas fronteiras até o mar.
Confinado
no meio do continente, o Paraguai sentia-se preso sem as facilidades dos
limites oceânicos.
Também
o seu gigante vizinho, sombreava as aspirações dos ditadores Guaranis,
inconformados com o crescimento e prestígio do Brasil junto das maiores nações do mundo.
A
nação brasileira governada por imperadores de origem européia, tinha a consangüinidade e a simpatia das cortes
da Europa continental, exceto da Inglaterra que sempre visara seus interesses
comerciais.
A
serenidade como governava D. Pedro II, era pautada por prudência de 3 décadas
de governo, o crescimento se fazia paulatinamente conforme as condições
financeiras do império.
Não
havia por parte do gigante continental, nenhum interesse em desviar seus parcos
recursos para fins bélicos e assim vivia a nação brasileira no final
da quinta década do século XIX.
O
colégio do Caraça que esteve fechado por tantos anos após a Revolução
Constitucionalista de 1.842, teve suas portas reabertas ao ensino em 1.856,
pelo padre Miguel Sípolis; substituído em 1.858, pelo padre Mariano Maller que
passou a dirigir o Colégio até a volta do ex-Superior, padre Sipolis em 1.862.
Varias
reformas necessitava o prédio do educandário que ficara fechado por l4 anos.
Doações
e ajudas financeiras estavam sendo feitas para volta do colégio à sua nobre
missão.
Entre
os beneméritos, Capitão Manoel Pedro Cotta doara ao Colégio, suas terras
situadas no Capivarí, para solidificar o patrimônio e os padres fazerem dela o
que de melhor pudesse ajudar à casa de ensino.
Os
200 alqueires serviriam para criação de gado ou até mesmo de aluguel para as
tropas que transitavam entre Ouro Preto, Catas Altas e Norte das Minas Gerais.
Sob
a direção do padre Sipolis, as matrículas cresceram e o prédio ficara pequeno
para atender a tantos pedidos de candidatos.
Necessitando
de reformas e ampliações, o prédio entrara em obras e o inglês Edward Hosken
que andara minerando no povoado do Arranca Toco e construíra a Igreja de
Santana daquele local, fora chamado para reformas das propriedades do Caraça.
Inicialmente
da Fazenda do Engenho próxima ao Arranca Toco que se incorporara ao patrimônio
do Colégio.
Construir
e reformar, não eram a especialidade do inglês que ficara inativo em sua
profissão, com a paralisação que se dizia provisória da Mina do Gongo Soco.
No
aguardo de nova chamada da empresa mineradora, enfrentava trabalhos que
apareciam, empreitando-os com seu filho John e antigos escravos da Mina.
Eduardo Hosken trabalhava em 1.86l, em torno
da serra do Caraça e identificara-se tão bem com a comunidade do povoado do
Arranca Toco, arraial de Santo Amaro do Brumado, que apesar de saberem não
ser católico, foi procurado por seus moradores para dar uma
ajuda no soerguimento de uma capela, onde o povo pudesse orar.
Prestativo
e amigo dos escravos e empregados
livres, prontificou-se a ajudar no levantamento do templo.
Certamente por sua influência e lembranças da sua mãe que se chamava
Ana, sugeriu que dedicassem à avó do menino Jesus a invocação da obra levantada
pelos faiscadores.
Com a mesma homenagem que os
mineradores deram ao templo levantado no
Gongo Soco, ele repetia no meio da mata e junto das barrancas do rio Caraça, a
invocação de Santana.
Ver anexo nº 13 a foto da capela de Santana
do Arranca Toco.
Com
aquele gesto, ele demonstrava à sua esposa que o Deus era uno e ele era tão
religioso como todos os outros de Catas Altas que o consideravam, demônio...
Se
o padre Francisco Xavier se fizera seu inimigo, ele sabia distinguir as
questões pessoais das religiosas, quando o povo de Deus, chamava-o para
construir apriscos...
Inquieto
como todo aventureiro, Eduardo não conseguia ficar parado em Catas Altas e viajava
para onde havia indícios de formação aurífera ou trabalho que pudesse fazer.
Com
diversas explorações de catas comandadas por ele, aguardava como os outros
ingleses a retomada das atividades da mina de ouro que o grande cientista e
historiador inglês, Sir Richard Burton, assim a descreveu quando visitou as
suas instalações:
“A Mineração de ouro pelos Ingleses em Minas:”
A primeira companhia inglesa data de 1.824, e
era conhecida como Gongo Soco, ou IMPERIAL BRAZILIAN MINING ASSOCIATION.
A mineração
estava situada a 19 graus, 58 minutos e 30 segundos de latitude Sul e de 43
graus e 30 minutos de latitude Oeste, a cerca de 48 milhas a Noroeste de
Ouro Preto, e a 24 milhas
a Sueste de Morro Velho, conforme medidas barométricas executadas pelo
engenheiro de minas o austríaco, M. Virgil von Helmreinchen.
Acharam a
altitude de 785 metros
acima do nível do mar do ponto do Rio de Janeiro.
Gongo Soco
pertencia, então, ao município de Caeté; hoje a cidade de Santa Bárbara.
O primeiro
proprietário da mina foi o Coronel Manoel da Câmara de Noronha, que nela
trabalhou em meados do século XVIII.
Seu filho Isidoro
que morreu na miséria, vendeu-a por volta de 1.808, por 9.000 cruzados ao
Comendador e Capitão Mor, José Alves da Cunha, português, e a seu sobrinho por
afinidade, o mais tarde Barão de Catas Altas.
O primeiro
aproximadamente em 1.818, trabalhou no veio verdadeiro, nos flancos do Monte
Tijuco, dizendo-se que, antes de 1.814, ele extraira em um mês, 240 quilos de
ouro.
O Barão herdou a
propriedade e entrou em acordo, mediante dinheiro, com todos os outros que
tinham pretensões sobre ela, e pô-la à venda.
Mr. Edward
Oxenford, que viajara no Brasil, como mascate, voltou a Inglaterra, advogou a
aquisição da mina e foi enviado pela Associação para examinar o lugar, em
companhia de Mr. Tregoning, como chefe da mineração.
As informações
foram favoráveis; o Barão cedeu seus direitos por 70.000 libras , que
outros diziam ser de 80.000.
Foi obtido do
governo Imperial em l6 de setembro de 1.824, a aprovação com a condição de receber o
“quinto” curiosamente elevado a 25% do ouro extraído.
Estava bem perto do “ ano de todas as especulações, 1.825” .
Uma das
especulações foi a POTOSI - lA Paz and Peruvian Mining
Association..
O leitor poderá
ver nas candentes páginas de Mr. Edmond Temple, de que maneira pouco meritória
para a honra nacional, terminou aquela “grand et belle entreprise”.
Em 1.825, Gongo
Soco foi visitada por Caldeleugh, que não pode entrar na mina, devido a
ausência do proprietário.
Em março de
1.817, o primeiro Superintendente inglês, capitão Lyon, assumiu a direção;
tratava-se do tenente Lyon, da Marinha Britânica que viajara até o Fezzan, onde
Mr. Ritchie, chefe da missão, morreu de ansiedade e febre biliosa, em 20 de
novembro de 1.8l1.
O capitão Lyon,
também comprou as terras de Morro Velho ao seu proprietário, Padre Freitas, e
vendeu-as para: “St. John Del Rey Mining Company”.
A empresa prosperou e
em dezembro de 1.817, o quinto pago em Ouro Preto ,
foi de 2.982
libras .
Gongo Soco
transformou-se em uma aldeia inglesa nos trópicos, com sua igreja e capelão
consagrado pelo Bispo de Londres, e os 40 empregados do princípio, passaram
para 180 ingleses, ajudados por 600 trabalhadores livres e escravos.
Mr. Walsh, que
visitou o lugar em 1.828, apresenta do mesmo, uma descrição lisonjeira, e
dizia-se que a mina já produzia 370 quilos de ouro.
Em 1.830, o
capitão Lyon foi sucedido pelo coronel Skerrett, que, por judiciosa disciplina
militar, implantou na mina uma ordem perfeita; introduzindo o excelente sistema
de tornar os negros seus próprios feitores.
O coronel
Skerrett saiu porque seu salário não foi aumentado de 52.000 para 53.000.
A companhia, como
tantas vezes acontece, resolveu fazer
economia de palitos e cometeu uma tolice, perdendo um valioso servidor.
A decadência e a
queda do estabelecimento seguiram-se logo.
Depois do coronel
Skerrett, veio Mr. George Vicent Duval, entre os anos
de 1.840 e 1.842.
Nesta ocasião, a
mina foi visitada pelo Dr. Gardner, que a descreve assim:
“ A mina é de uma espessa
camada itacolomítica ferruginoso, com inclinação de 45 graus e
base em ardósia argilosa ,
contendo grandes massas de minério de
ferro.
Sobre o
itacolomito repousa um leito de jacutinga aurífera , com 110 metros de espessura,
e sobre esta vem de novo o itacolomito.
Cerca de uma
milha e meia ao sul da mina, ele encontrou uma camada de pedra calcária
cristalizada e altamente estratificada, apresentando o mesmo abgulo e a mesma
direção das outras rochas.
O Dr. Gadner
visitou 7 das 9 galerias da mina, separadas uma das outras, por l5 metros, e
viu assim, de 98 a
l25 metros.
Essas galerias
furadas, de macia jacutinga tinham cerca de l,50 metros de largura e até 2,00
de altura.
Estavam
solidamente protegidas por escoras de 45 cm . de diâmetro, das mais fortes madeiras brasileiras e, no
entanto, os troncos foram esmagados pelo
peso.
O veio principal
corria de Leste para Oeste; havia contudo, muitas ramificações que forneciam o
ouro em punhados; até 50 Kg . foram recolhidos em um dia de trabalho.
O minério rico
era levado e esmagado em almofarizes.
Era concentrado
primeiro pelo tratamento comum de bateias, depois pela amalgação; o material
mais pobre era levado para a oficina de trituração e depois lavado.
O Dr. Gardner
achou a maquinaria inferior a que se usava em Cocais.
Agora porém,
aparece a verdade do axioma do mineiro:
“- É melhor um padrão
inferior e uma produção elevada, do que um padrão elevado e uma baixa
produção...”
De 1.837 a 1.847, o Governo
brasileiro liberalmente reduziu o quinto.
A mina de
jacutinga é por excelência, aleatória; ao contrário daquelas cujas matrizes,
estão na rocha, ela pode ser riquíssima hoje e nada valer amanhã.
As galerias
profundas não puderam ter prosseguimento e a despesa com o madeiramento de proteção tornara-se enorme.
Mr. Henewood
assumiu então, a direção e foi seguido por uma comissão composta por:
Mr. Jonh Morgan ( senior ), Dr. Hood e outros.
Esse governo
republicano liquidou o assunto e aprendeu uma valiosa lição.
De 1.850, o
governo compassivamente diminuiu a sua parte para l0%; em 1.853, 5% e em 1.854,
os estrangeiros foram colocados em igualdade de condições com os mineradores
nacionais, deixando de pagar impostos.
O grande capital
de giro, a princípio, em verdade grande, tornou-se insuficiente e entre os anos
de 1.854 a
1.856, a
companhia gastou todo o fundo de reserva que acumulara durante tantos anos.
A água invadiu a
mina; a matriz foi solapada em suas bases e alguns trabalhadores morreram
afogados.
Sem culpa de
ninguém, a não ser da drenagem.
Em 1.857, o
comendador Francisco de Paula Santos, a quem os proprietários deviam l50
contos, penhorou os negros, como podia fazer pela lei brasileira, e acabou dono da mina.
Gongo Soco morreu
profundamente lamentada, havia se expandido nas minas filiais de Boa Vista,
Bananal, Água Quente, Socorro, Campestre, Catas Altas, Cata Preta e
Inficionado.
Elas concorreram
para o bem estar de uma região com um
raio de 30 léguas e rendera, 1.500.000 libras
esterlinas.
Cabendo ao
governo brasileiro, um lucro de 333.l80 libras”.
Com
esta descrição detalhada da vida da Mineração do Gongo Soco, Richard Burton nos
dá um retrato do que fora o grande empreendimento dos ingleses no Brasil,
empresa onde trabalhou o Capitão de Mina, EDWARD HOSKEN.
-
Quem ofereceu ao célebre cientista, explorador e escritor, tantos detalhes
sobre a história da vida dos ingleses no Gongo Soco?
Edward
Hosken sem serviço definido e na esperança de reabertura da mina, num belo dia
da Primavera de 1.86l, recebeu em sua casa em Catas Altas , o
proprietário majoritário da SANTA BARBARA, GOLD COMPANY LIMITED, coronel João
José Carneiro.
O
minerador viera convidar a Edward para associar-se ao empreendimento que
estavam fundando e que iria explorar uma mina antiga, no arraial de São
Francisco, na época administrativamente pertencente à São Miguel do Piracicaba
e religiosamente a paróquia de Santo Antônio do Rio Abaixo.
Com
ele estava o senhor Triguel, cunhado de Treloar, com quem chegara a trabalhar
na mina do Pitanguy do arraial de Catas Altas.
Ele
Edward sabia da inimizade dos cunhados, Triguel e Treloar e achou estranho o
interesse dos 2 cavalheiros por seus serviços.
Parecia
a ele Edward, uma maneira de provocação, pois sempre era requisitado por
Treloar, quando este necessitava de seus serviços técnicos na mineração que
explorava.
Como
a proposta suplantava em muito os valores da prestação de serviço que dava no
Pitanguy, por dever profissional, levou ao conhecimento de Treloar o convite
que recebera.
Treloar,
companheiro e amigo de Edward Hosken, ficara indignado, chamando-o de
mercenário e outros adjetivos impróprios de registro.
Inclusive
ele ouvira de sua boca: “- O filho da puta não respeita nem o marido da sua
irmã, a quem mais vai respeitar”?
Sempre
arranjando um meio para me magoar...
-
A fleuma inglesa aconselhou-o a largá-lo
falando só.
Briga
de família deveria ser resolvida entre eles.
Passados
alguns dias, ele voltou pedindo desculpas e perguntou-me qual a proposta que
seu cunhado fizera.
Sem
nenhum interesse de prevalecer da proposta recebida e considerando que o
serviço seria feito distante de Catas Altas, pedi 3 vezes mais do que estava recebendo
de Treloar e Triguel aceitou.
-
Você está liberado, mas “the shrew” vai ver quem está picando!
-
Ele se referia a víbora, seu cunhado.
Não
havia mediante tal proposta, como continuar
trabalhando em Pitanguy.
O
serviço na mina do Pary demandaria certo tempo de vistorias e confecção de um
relatório que seria mandado à Londres.
Envolvido
naquela pesquisa e dados, ele estava abrindo novas perspectivas para o futuro,
se o projeto vingasse.
Vendo
a reação de Treloar e sendo meu amigo, ponderei:
-
Treloar, eu não vou me empregar na SANTA BARBARA GOLD MINING, apenas prestar
serviço por algum tempo, tal qual presto a você...
O
homem parecia pensar e depois de certo tempo, deu alguns muxoxos e disse:
- Besides Mr. Triguel is a thief his is also a
layer...
Se
o cunhado dele era um ladrão e um mentiroso eu ignorava e a mim pouco importava
o conceito que os cunhados tinham um do outro.
Em
briga de família não se mete o bico, como era o ditado bem brasileiro que eu de
vez em quando ouvia e respeitava.
Eu
só aceitaria negócios seguros e garantidos, se fizesse o acordo definitivo com
Triguel.
A
oferta era tentadora e durante 4 meses permaneceria em Pary, enterrado a l ou 2 quilômetros do
arraial de São Francisco.
Foram
l22 dias de trabalho durante 14 horas diárias.
Meus
cálculos estimavam em 60.000
libras para colocar a mina novamente em funcionamento.
Um
canal teria que ser aberto como drenagem e novas instalações de britagem.
O
filão constituído de material anfibólios, quartzo e pirita, encrostava-se em
camadas paralelas de ardósia argilosa.
No
relatório fazia uma demonstração das condições favoráveis e as desfavoráveis da
galeria de 220 metros
já aberta há mais anos.
O
desnível máximo era de 24
metros , para uma única bomba operada manualmente para
retirada da água que vinha do lençol.
As
conclusões finais eram que: Trabalhada eficientemente, a mina produziria bem mais do que as l5 gramas por tonelada que
os antigos alcançaram anteriormente.
O
relatório concluído foi enviado à Londres no principio de 1.862, depois de 4
meses de trabalhos para a mineradora SANTA BARBARA GOLD MINING.
Nesta
época gerenciava a ANGLO BRAZILIAN GOLD MINING COMPANY, em Ouro Preto , que os
habitantes teimavam em chamá-la de Vila Rica, o inglês Mr. Symon, também
natural da CORNUALHA.
Conhecedor
dos patrícios e antigos mineradores do Gongo chamou para trabalhar junto dele,
Mr. Mc. Rogers e o já tão conhecido
brigão Treloar, que Mr. Symon só o chamava pelo pré-nome: Thomas.
Com
os amigos trabalhando em
Ouro Preto , foi fácil a Edward incorporar-se aos antigos
companheiros do Gongo Soco.
Edward
já conhecia e admirava a cidade capital da Província e achava que a mudança
para lá, só poderia ser favorável a sua família, inclusive para a esposa que em
outros tempos estudara em um dos seus estabelecimentos de ensino.
Ouro
Preto ficava a 2 dias de jornada de Catas Altas o que interessaria a
esposa num lugar onde os meninos
poderiam estudar.
A
residência deles seria localizada nas Lajes, estrada que ligava Ouro Preto à
Passagem de Mariana, enquanto Edward trabalhasse no Morro de Santana.
Os
ingleses conheciam através de informações,
as lendárias explorações de ouro
na região de Ouro Preto.
Na
região havia 350 “bocas de mina” esperando obstinados aventureiros mineradores
para continuarem as antigas escavações.
As
minas de Passagem e imediações eram avaliadas com teor médio de 9,47 g/t. e o
metal, impregnado de quartzo hialino, ou translúcido recristalizados.
O
quartzo piritoso aurífero em alguns lugares das regiões de Ouro Preto e Mariana
chegavam até ao teor de 55g/Au/t., talvez o mais elevado encontrado na
Plataforma brasileira.
Eram
extratiformicas e facilitavam as escavações por localizarem-se em terrenos
elevados; superpostas em camadas de fácil remoção; a topografia inclinada
favorecia os trabalhos do bota fora.
A
debandada do Gongo Soco, estava gerando a criação de novas empresas mineradoras
de ouro, com a disponibilidade da mão de obra tão experiente que ficara sem
emprego.
Entre
elas:
ESTE
DEL REY -....................................................Localizada em
Sabará.
PACIÊNCIA
e SÃO VICENTE -.....................Localizada em Ouro Preto.
NORTE
DEL REY - .................................Morro Santana em Ouro Preto.
LONDON AND BRAZILIAN GOLD MINING - ...Em Pass.
de Mariana.
CIA.
ROÇA GRANDE -............................................Localizada em Caeté.
SANTA
BARBARA MINING COMPANY -...............Em Santa Bárbara.
Não
faltava aos ingleses do Gongo Soco, serviços no mesmo ramo, pois tinham
experiências e nomes já conhecidos.
Edward
Hosken deixando a família em
Catas Altas partiu só para o Morro de Santana em Ouro Preto.
Ali
o ambiente inglês não divergia do Gongo Soco, além do trabalho certo em empresa Inglesa
onde gozava regalias.
Nenhum
lugar enquadraria tão bem aos seus planos, como aquele em Ouro Preto.
A
mina do Morro de Santana, cortada por galerias e bancas, era extremamente
perigosa.
Terreno
coberto por uma camada de canga de l,50 metros de altura, era difícil de furar,
apesar da pequena espessura.
Calhas
de água suspensas e alimentadas por rodas d’água, levavam o manancial para
lavagem do minério.
Foi
esta a primeira visão do Morro de Santana, no contraforte dele a depressão do
Maquiné onde corria o rio Canela.
Com
o minério exposto, eram visíveis aos olhos os depósitos de: Jacutinga, ferro,
mica, ardósia argilosa, quartzo e o que mais interessava aos ingleses:
O
ouro incrustado no minério num filão de Leste para Oeste.
Foi
ai nesta mina que Edward encontrou-se pela segunda vez com Sir Richard Francis Burton e deste encontro o cientista
escritor dá notícias conforme narra em seu livro: VIAGEM DO RIO DE JANEIRO A
MORRO VELHO.
“Percorremos a
montanha a cavalo, acompanhada por Mr. Mc. Rogers, chefe geral de mineração, e
vimos o terreno baixo para o qual correrão as três profundas galerias de
drenagem”.
Mr. Thomas
Treloar adquiriu muita experiência com o seu emprego anterior, em Gongo Soco.
A boca da mina
juntou-se a nós Mr. HOSKEN, outro chefe de mineração; a regra aqui é que um
homem deve ficar do lado de fora.
O ouro da
jacutinga é solto, ao contrário do fixado a pirita.
Exige todo o
cuidado para prevenir seu furto. A este
respeito é tão perigoso quanto o diamante; e apesar de todas as precauções os
negros sem dúvida encontravam meios de apanhá-lo e furtá-lo”.
A
citação de Burton propiciou a quem escreveu a vida de Edward Hosken, o seguinte
fato:
“Em 1.990 sondando a minha mãe, Adélia Hosken Ayres,
como fazia quase todos os últimos domingos de sua vida, um dos meus ardis para
que ela se interessasse pela conversa, era fazê-la voltar ao passado ligado aos
seus entes queridos.
Um dia eu perguntara onde nascera o seu pai e
meu avô CARLOS ARTHUR HOSKEN.
- Ele me dissera
que nascera nas Lages...
- Mas em que
lugar ficava estas Lages?
- Ah, eu não sei, filho!
A minha
curiosidade ficara sem resposta, pois nem nos arquivos da Cúria de Mariana,
foram encontrados dados de seu nascimento, pois ele não nascera onde
procurávamos, ao contrário da maioria
dos seus irmãos que em
Catas Altas se
encontravam registrados.
O que a minha mãe
não soubera precisar e que não achara nas pesquisas como traça de livros, fui encontrar nas páginas citadas
do escritor e cientista Sir Richard Burton”.
Os
ingleses que se dispersaram pelo Brasil, sem possibilidades de voltarem à
Inglaterra, foram solidários nas desventuras do fechamento da mina do Gongo.
A
união fraterna entre eles, convivendo durante 27 anos no Gongo Soco,
solidificou a amizade e os mais afortunados, iam dando as mãos aos que
necessitavam de trabalho.
O
conceito que granjearam de racistas e discriminadores, foi desfeito por seus
inúmeros filhos naturais que deixaram no centro de Minas Gerais; Caeté, Santa
Bárbara, Mariana, Ouro Preto, São João Del Rey, Tiradentes e Itabira, conta-se
aos montões os mulatos de olhos verdes que descendem dos ingleses.
Catas
Altas não fugiu a regra...
Quando
Magdalena ficara só, com a ida de Edward para Ouro Preto, ela passava as horas
do dia junto da sua mãe e irmãs no sobrado da viúva do Guarda-Mor.
Apesar
da saudade de Eduardo, na casa da sua mãe, havia a companhia dos irmãos e das suas irmãs que se juntavam todas as
tardes.
Numa
destas ocasiões, visitava Catas Altas a tia Policena Alexandrina, “Cena” a
esposa do tio Antônio Mendes Campello.
Muita
menina e antes de se casar, foi enviada ao colégio de Macaúbas.
Engraçada
e espirituosa, contava casos de sua aventurosa passagem pelo distante colégio
de Macaúbas e da não menos extasiante viagem ao Rio de Janeiro na Lua de Mel.
Com
bordado na mão, não conseguia dar 1 dúzia de pontos, sabatinada pela família,
todas as vezes que voltava à Catas Altas.
Querendo ouvir da sua própria boca, como fora
a sua engraçada “Lua de Mel”. Os parentes e especialmente os sobrinhos pediam:
-
Conta, conta a história da sua viagem de casamento, tia Cena!
Sem
os mesmos chavões das histórias da Carochinha, ela sorrindo e de uma maneira
engraçada, sem tirar os olhos do bordado, piscava-os, dava uma fungada e começava:
“- Com l2 anos
fui pedida em casamento e com 14 me casei com o Nico, ele bem mais velho do que
eu, que contava 46 anos, portanto 32 primaveras de distância entre a cândida
menina completamente inocente e o calejado homem afeito a outras centenas de
batalhas.
Ele cabeludo como
macaco, eu infante menina sem nenhum pelo que mostrasse minha inocente
donzelice...
Menina esperta para
a época, pois estudara durante dois anos no tal Macaúbas; preparando-me
para casar com o moço rico que esperava
impacientemente o término de meus estudos.
Ainda menina tentando virar mulher; com a mentalidade própria da idade, usava e abusava do homem que seria dentro de
pouco tempo meu esposo.
Escolhida a
cidade do Rio de Janeiro para a nossa “Lua de Mel” eu mal sabia de sua
existência, e antes mesmo de me casar, já sonhava com a tal aventura viajando
no lombo de animais por 80 léguas de estradas.
- Como eu era inocente!
Que fundilho
tenro como o meu, poderia saber do quanto era frágil para suportar os 960 quilômetros de
viagem; ida e volta, 2.000.000 de solavancos como se fosse o pilar do monjolo
não sobre o milho, mas pilando minhas macias e virgens nádegas!
Como eu era
inocente naqueles l4 anos!
Nico ainda me
falara:
- É a única
oportunidade na sua vida, Ceninha!!!
- Eu sei, sô Nico!
- Depois, vem os
meninos e nós nunca mais vamos poder viajar...
Como é bom e compreensível meu velho Nico!
Eu pensava na véspera da viagem...
Como vão ficar
minhas irmãs, invejosas?
Até Ouro Preto, a
viagem fora mesmo de Lua de Mel, exceto no pernoite quando sô Nico
encostou-se no meu corpo e os cabelos começaram a fazer cócegas em baixo
e encrespar arrepiados em cima!
Eu tentava me
esconder debaixo das cobertas, toda encolhida, tremendo como ponta de vara do bambu.
- Ai meu Deus,
onde me enfiar!
Depois, foi só
atribulações: A dificuldade de me banhar, satisfazer as necessidades e as nádegas feridas...
O jeito foi
viajar em certos trechos, no colo dele, para espanto de muitos.
Muita gente me
perguntava se era sua filha e o ciúme do
Nico vinha a tona.
Por cúmulo e
azar, na portaria da hospedagem da cidade de São Sebastião, o gerente perguntou:
- Dois quartos de
solteiro, coronel?
- Prá que dois
quartos?
- Um para o
coronel, outro pra sua filha!
Espantando o
hoteleiro, ouviu do meu marido:
- Um só quarto de
casal e cama bem larga!!!
Nesta viagem Nico
aproveitou a estadia na corte para visitar o Imperador D. Pedro II, que na viagem de seu pai à Minas, e especialmente à Catas Altas,
fizera-se amigo de Sua Alteza D.
Pedro I, pois acompanhou o monarca, desde Nossa Senhora da
Rainha do Caeté até o Caraça, na viagem de 1.831.
Cena também
contava como passara aperto ao adentrar no palácio, equilibrando-se sobre o
sapato de salto alto e os pés escorregando no
assoalho encerado das
escadarias..
Os grandes
espelhos da sala de audiência retratando os meus escorregões e eu pendurada no
braço do Nico...
Apesar da pompa e
da honra de terem sido recebidos por D. Pedro,
o que marcava para a vida inteira
de uma pessoa, o que mais me encantou
naqueles dias da Lua de Mel, foi o
presente que Nico mandou que eu escolhesse.
Numa loja da Rua
da Alfândega, onde se vendia de tudo, inclusive bijuterias e jóias francesas,
eu me divertia vendo as mulheres elegantes e também deslumbradas com as
vitrines.
Apesar de tanta
coisa maravilhosa exposta aos meus olhos, eu não optava por nenhum objeto que
via e às vezes até experimentava.
Nico já havia se
sentado, a espera do que eu enfim viesse a escolher..
Achando o que
desejava de presente dentro de um grande baú, fui atrás dele e pegando-o pelas
mãos, conduzi até a seção onde estava o
que escolhera.
Abraçando a uma
enorme boneca que retirei da sua embalagem disse:
- Você me dá esta
boneca, Sô Nico?
Rindo, ele me
respondeu:
- Não quero que
você me chame de senhor ou sô! Na frente dos outros, pois você é minha mulher!
Com olhos
estatelados o caixeiro via duas coisas estranhas ao mesmo tempo:
Eu ainda menina
casada com um senhor que poderia ser meu pai e o que era mais engraçado, optando pelo presente de uma boneca em vez
das jóias que me foram oferecidas...
O que o caixeiro
não ouviu foi o que me disse o Nico:
- Prá que levar
esta boneca se daqui a nove meses você estará carregando uma de carne e osso!
Eu não entendi o
que o Nico disse e saindo com a boneca na mão, falei para o caixeiro:
- Eu vou levar
também o baú, o senhor pode mandar entregá-lo no coche?"
O presente, além
de caro, pois era importado da Inglaterra, acarretou em mais um animal para
carregá-lo da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até Minas.
No regresso da viagem de núpcias, Nico
sentindo a minha infantilidade, pediu
para mamãe e minhas tias, que me
ensinassem a ser mulher e principalmente esposa...
Anos mais tarde,
quando João Emery entrou para a minha família, ele gozava a cara do Nico, que
em resposta à provocação, dizia:
- Qual dos meus
concunhados ou cunhados, carregou por tanto tempo a noiva em seu colo?
Qual de vocês
puderam por em cena, uma Cena tão
ditosa?
Apontando para
mim, sorria orgulhoso da juvenil idade estampada em meu rosto.
Foi nesta viagem
de regresso que ele começou a me chamar de “Sinhá” para que houvesse mais respeito da escravaria para com uma menina de l4 anos, que se
tornara anfitriã de uma casa com tantas escravas”.
Nota do autor:
Esta boneca que
passara pelas mãos da tia bisavó Policena
e caíra sucessivamente nas mãos de Magdalena Hosken Júnior, ( Tia avó
) depois Lídia Loureiro em Itabira, foi dada muitos anos depois, em 10 de março
de 1.903 de presente à minha mãe Adélia
Pereira Hosken, quando contava 7 anos de
idade.
De mão em mão, em
4 gerações, ela acabou tragicamente
degolada em minha casa em
Santa Bárbara por uma pessoa maluca, quando minhas irmãs: Pia
e Cecy, ainda eram mocinhas e cuidavam dela no seu intacto baú de quase
l00 anos de existência.
Leonora a boneca
Inglesa, tornou-se personalidade quase humana nas famílias: CAMPELLO, PEREIRA
DA CUNHA e HOSKEN; tantos foram seus batismos, aniversários e suas
histórias contadas por suas seguidas mães no espaço entre os anos de 1.857 a 1.945.
Quantos pais,
mães, padrinhos, madrinhas e padres não fantasiaram suas histórias e eu mesmo travestido nestas personagens, não fui um figurante entre as 4
gerações...
Leonora não
merecia um fim tão trágico, era a imagem viva de um presente de casamento que a
noiva ganhara aos 14 anos de idade...
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