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CAPÍTULO XVI NOIVADOS E CASAMENTOS NOS ANOS DE 1880


Na década de setenta, do século XIX, o comerciante João Martins Ayres, havia perdido a esposa Josepha Maria Conceição Teixeira Cota, mulher virtuosa; filha do Cel. José Teixeira Cotta e dona Bárbara Generosa da Encarnação, neta do Guarda-Mor João Pedro Cotta e Dona Tereza Teixeira Sobreira.
Viúvo relativamente novo e com vários filhos, sentia profundamente a perda da esposa, que além de companheira fiel, comandava o casarão colonial com a babel de empreendimentos que ele João Martins explorava:
Comércio, Casa de Hospedagem, Rancho de Tropa e tropas com seus cunhados.
Na solidão da sua viuvez e dobrado com a missão de pai, as coisas não andavam bem, vergado pelas inúmeras responsabilidades.
Conselhos de amigos não faltavam indicando o caminho que teria que tomar com sua recente viuvez.
As noites de insônia vagando sobre o piso assoalhado do imenso sobrado, assustava os filhos e a criadagem escrava, conjeturando que a alma da defunta, não queria desencarnar.
Algumas vezes, João Martins chegara a ouvir das negras, que: Sá Zefa estava rogando missas, por isto andava pela casa querendo passar mensagem...
Zéfa nunca amolara gente quando ainda viva, quanto mais depois de morta!
Não custava ouvir a criadagem e uma novena de missas foi encomendada pela alma da esposa.
Na última missa da novena, assistida também por Raymundo Gonçalves Viegas, seu amigo e sócio nos negócios de tropas, ele ouviu do “Dico” uma sugestão que estava ficando batida nos seus ouvidos:
-  Ou João, por que você não casa novamente?
Lá se vão 3 anos de viuvez e você parecendo godero  de ninho em ninho!
Não fica bem a um homem com tantos filhos, ficar voando como se fosse chupim que chupa os ovos dos outros e bota os seus no ninho alheio...
Aquela dura e injusta critica ficara martelando em sua mente e ele sabia que seria impossível continuar viúvo com tantos filhos.
Despertado pelos amigos e especialmente pelo sócio, começou a quebrar o luto, saindo em visitas para esquecer seus tormentos de viúvo.
No próprio balcão do seu estabelecimento, ouvia as insinuações dos fregueses e de alguns pais interesseiros em amarrar suas filhas ao português bem estabelecido.
Mas foi exatamente na casa de quem dera a sugestão de que deveria se casar novamente, que ele encontrou a musa desejada...
Francisca filha do Viegas, mocinha de boa formação e de predicados reconhecidos, enchia seus olhos de volúpia na incontinência da sua viuvez.
O contratempo era marcado pela  diferença da idade e a prole;  cujos filhos mais velhos,  já  regulavam  em idade  com a menina cobiçada.
Achando que era um risco o cortejo do viúvo, Chiquinha não dava bola para as insinuações do João Martins.
Se o futuro seria garantido pela situação econômica do pretendente, por outro lado, não seria fácil conviver como esposa de um homem que tinha filhos da mesma idade.
O assedio era grande, quando surgiu no caminho da Chiquinha, uma rival disposta a arrebatar o viúvo, seus negócios e os filhos.
Grudando as filhas de João Martins, sua prima Cecília tornara assídua freqüentadora do casarão, tentando por todos os meios, conquistar os meninos e por tabela o primo.
No principio o luto e a falta da mãe desaparecida deixara os meninos carentes do apoio maternal, e Cecília achava-se no dever de dar o que faltava aos órfãos
Martinho o caçula com três anos de idade, não tolerava a intromissão de uma estranha na sua vida particular e detestava o exagerado e interesseiro afeto da futura madastra em potencial.
O menino não agüentava mais ouvir:
- Ou Martinho, se sua mãe estivesse aqui certamente daria em você umas boas palmadas!
- Menino atrevido, você está de luto e cantando desta maneira!!!
- Martinho, ou  Martinho, não faça isto, há se o primo João estivesse aqui!!!
  Não só o caçula estava farto da intromissão da prima, também as meninas  não suportavam a interferência indevida da forasteira, dando ordens pela casa...
Apesar dos poucos anos de idade, Martinho começara a arquitetar meios de se livrar da impostora e as escravas tornaram-se aliadas do menino nas artimanhas que ele preparava.
Sal no café da bruxa, tachinha na cadeira predileta da prima, casca de banana onde ela teria que passar e as armas de combate foram surgindo a medida que a invasora ia tomando posse da casa, em vez do coração do viúvo.
Margarida, Zica e Aninha adoravam as estrepolias do irmão, tornando-se  cúmplices de algumas de suas investidas contra Cecília.
Dodói das escravas e adorado pelas irmãs, Martinho tinha carta branca para agir mesmo nas coisas mal feitas que ele aprontava;  Longe da vista do pai.
Pequenino e órfão, ninguém ousava repreendê-lo.
Depois que o irmão Joãozinho morreu, logo depois da surra dada pelo pai, os castigos amainaram naquela casa e Martinho passara a abusar da paciência paterna.
Quando as filhas ficaram sabendo que o pai arrastava asas para Chiquinha, as meninas procuraram fazer amizade com a moça e trocavam visitas entre elas.
Meiga,  compreensiva e trabalhadeira, Chiquinha foi ganhando terreno no sobrado, ajudando com sua  companhia as amigas  que haviam perdido a mãe.
No balcão da venda ou nas viagens constantes, João Martins não se encontrava com a amiga e companheira das filhas; por azar delas Margarida ficara sabendo do noivado do pai com a prima Cecília.
Tristes e desapontadas, já se davam por vencidas, quando um dia a noiva do pai aprontara uma de suas intromissões de futura mãe em potencial.
Para afastar Martinho da sua incomoda presença, beliscara o menino tentando escorraça-lo da sala onde namoravam.
O momento era bem oportuno para o menino mostrar quem era a noiva; desandando a chorar e a pular em pleno salão,  gritava:
- Ela me beliscou, ela me beliscou!
Com os gritos as irmãs vieram verificar o que ocorria na sala.
Com os dedos acusadores, Martinho apontava a fera:
- Foi ela, foi a bruxa!
A cena desagradou a todos e durante o jantar foi o comentário predominante da mesa.
Acesa a fogueira, Margarida a filha mais velha, mostrou as inconveniências do noivado do pai com Cecília, pessoa de gênio difícil e intolerante, além de parenta muito próxima.
O que seria no futuro o casarão, com aquela mulher botando pólvora no fogão!!!
As meninas faziam novenas contra as promessas a Santo Antônio que Cecília ia acumulando.
O noivado foi desfeito e o viúvo livre de um contratempo que seria a desgraça da família.
Depois que os filhos de Raymundo Viegas mudaram para Catas Altas, vindos de São Francisco, passaram a abastecerem-se no armazém de João Martins Ayres, comerciante que dava a eles os Viegas, a preferência dos transportes de cargas entre Catas Altas e Ouro Preto.
Era da capital da província que vinha todos os artigos não produzidos no arraial de Catas Altas; os Viegas com suas tropas abasteciam os grandes comerciantes da região.
Foi numa tarde do Inverno de 1.889 que Rosa brincando com o viúvo João Martins, perguntou:
- Ou sô João, o senhor anda com a cara aborrecida, os negócios  não vão bem?
Admirado da pergunta atrevida da negra, João Martins ia dar uma resposta malcriada, quando refletindo pensou:
Não fica bem eu ser grosseiro com a mucama dos meus amigos e fregueses...
- Ora pois pois,  dona Rosa! Aqui está um velho triste e magoado com Deus e com o mundo!
Só, com tantos fedelhos para criar lá em riba e não sabendo se cuido deles ou do meu trabalho, como posso estar de caras lavadas para vossas mercês?
- Ah, sô João!
Moças não faltam nestas cercanias para ajudar o senhor!
- Quem me dera menina!
São tantos os filhos! A cruz pesa...
- Divida o peso da cruz com alguém, sô João!
- Mas quem dona Rosa, desejaria fazer o sacrifício?
- Eu conheço uma moça prendada, carinhosa e bonita que poderia ajudar o senhor nesta difícil situação.
- Voz mecê tá falando como gente branca!
Quem ensinou a menina a falar assim?
Foram os que me criaram e me tiraram da senzala, Sá Marcolina e Sô Raymundo...
Gente boa e educada...
Pois é sô João, é lá na casa do sô Raymundo que o senhor poderá encontrar o que precisa...
- Não diga, dona Rosa!
Qual é o anjo que me ajudaria a carregar a cruz?
- Ora, ora, sô João!
- Quantas moças não desejariam dividir o peso com o senhor!
- Diga pelo menos um nome dona Rosa:
- Francisca Viegas, apelidada de Chiquinha...
- Ah! Nesta já botei os olhos e ela fugiu de mim, não voltando mais a minha casa...
- Mas, o senhor estava querendo muié pra casá, freqüentando a sua casa?
É voz mecê que tem que ir atrás delas!
- Ou dona Rosa, será que se eu fizer como Vossa Mecê tá falando, a menina  Chiquinha iria receber o gajo?
- Não custa tentar, sô João!
Muié é como pomba, todas avoa, mas só  uma cai no arruio e no ninho onde o macho bota penugens...
Muito pombo arrulhou prá mim neste mundo, mas somente Leandro fez ninho pra esta preta!
O senhor já tem um belo pombal, o que falta é as penugens sô João!
Rindo o português comentou:
- Não sabia que dona Rosa conhecia a ciência do filosofar, coisas dos padres!
Sô muié de filosofá, farofá e inté botá na mesa; A mania docês brancos  pensá que toda  negra  mofa na burrice, vai acabar sô João!
Nós pretos também temos miolos e agora tamos aprendendo o B a BÁ...
- É disso que os brancos têm medo, dona Rosa!
- Medo de mim, sô João?
- Não da senhora em especial, mas dos malungos que abriram os olhos como José do Patrocínio, que andam berrando como os brancos lá na cidade de São Sebastião!
- Ah sô João, bom cabrito não berra!
A conversa com Rosa ficara na cabeça do viúvo e ele começara a pensar como abordar a Chiquinha do Raymundo Viegas.
Durante o resto da semana não esqueceu o assunto e matutava como tramar o encontro com ela.
 “Botando penugens no ninho”.
Chegou a conclusão que o melhor dia e hora, seria após a missa do domingo, na matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Naquele domingo, bem antes da missa, ele via o desfilar das famílias chegando para cumprimento do preceito religioso.
Sô João Martins era sempre  um dos últimos a chegar, pois ficava com as portas de seu estabelecimento abertas para atender a freguesia dos arredores, que vinham todos os domingos no arraial.
As meninas suas filhas, ficavam a espera do pai, para seguirem de mãos dadas  com a avó, Antônia Marcolina e ele, para o largo da matriz.
Margarida e Maria Ignês andavam como podiam no calçadão irregular puxadas pela avó, e reclamando dos passos apressados do pai.
- Felizes foram seus pais, pensava dona Marcolina, que tinham a liteira para serem carregados nos braços dos escravos.
Nos tempos atuais, acabaram-se as regalias e ela tinha que caminhar naquele pé de moleque irregular e perigoso de equilíbrio...
Lembrando das priscas eras de menina, comentava:
- Quando infante,  era carregada sem nunca pisar no chão; agora com todo o sacrifício de uma anciã cristã, para ir a missa,  tinha que sair sujando os pés pelas ruas!
Também, os negros Vicente, Graciano, Manoel e Joaquim, já não agüentavam carregar seus próprios corpos, que dirá o peso de uma liteira com suas donas!
Aquela negrada nem para dar recados servia mais, que dirá para palafreneiros...
Vicente pelo menos, gambelava os meninos apanhando frutos no quintal para eles.
Era hábito dos jovens saírem primeiro de dentro da igreja, antecipando os pais e avós  que ficavam para trás cumprimentando os parentes e amigos após a missa.
Momento propício para os flertes e recadinhos dos namorados.
João Martins vendo Maria Raymunda (Munda) separada dos outros, chamou-a:
- Munda, ou Munda!
A mocinha não parecia ter escutado e caminhava para encontrar com sua prima.
Lembrando o nome próprio, repetiu:
- Raymunda, ou Raymunda!
- É o senhor sô João?
- Pois, pois dona Raymunda; eu preciso de um favor de Vossa Mercê...
- Estou as suas ordens sô João.
Por favor, diga à Francisca sua irmã que desejo falar com ela...
- Mas aqui na praça, sô João?
- Se ela permitir será por poucos minutos.
- Pois não, vou chamá-la e saiu correndo atrás da irmã.
Voltando de braços dados, Francisca não podia supor o que a comerciante queria com ela, e muito vermelha ouviu de sua boca:
- Por acaso dona Rosa conversou com Voz Mecê?
- Conversou o que, sô João?
- Coisas que passam em meu coração e que dizem respeito à Voz Mecê...
- Ora, sô João Martins, afinal por qual das moças de Catas Altas, o senhor se interessa?
- Por Cecília sua prima, ou por outras mais?
O viúvo vermelho e sem jeito, engasgava para concluir seu pensamento, mas conseguiu com dificuldade dizer:
Foi, foi arranjo da mãe dela, Chiquinha!
Era a primeira vez que ele a chamava pelo apelido.
- Voz mecê bem sabe que eu não tinha nada com minha prima, foi ela que andou espalhando que ficaria seu noivo..
Ademais, todos os meus filhos têm uma verdadeira aversão por Cecília, Voz Mecê sabe disto...
João Martins não gostava de ver suas filhas sendo abordadas na rua por um homem, e ele não queria ser o mau exemplo para elas...
Ele era amigo e sócio do pai de Chiquinha, porém as más línguas poderiam deturpar a intimidade do par sem a presença dos progenitores dela...
A conversa foi rápida e antes de se despedirem, ele perguntou:
- Posso conversar com seus pais sobre nós, Chiquinha?
Abanando a cabeça num sinal afirmativo, os dois separaram-se para não dar o que falar aos que olhavam curiosos.
Rosa devia ter conversado com Chiquinha, pois ela não ficara surpresa com a abordagem.
Naquela mesma tarde, João Martins foi bater a casa do Raymundo Gonçalves Viegas.
O velho já desconfiara do interesse do viúvo por sua filha; amigos e sócios a união seria abençoada por ele e Marcolina.
Mas, ao ser abordado pelo João, ele mais cerimonioso do que em outros momentos, disse acabrunhado:
- Olha João!
Este pedido foge aos nossos entendimentos pessoais de velhos sócios, há uma terceira pessoa que é a mais interessada e a quem devo consultar, além da minha mulher.
- Eu sei Raymundo, compreendo perfeitamente a posição de um pai, pois também tenho minhas filhas...
Pessoalmente fico alegre do seu  interesse por Chiquinha, porém não sei se haverá correspondência por parte dela...
Você é viúvo e com filhas quase da mesma idade dela, o que certamente fará a Chiquinha pensar duas vezes sobre sua proposta.
Se havia concordância do pai, o resto seria fácil, pois Chiquinha já se manifestara a favor do namoro, segredo que Raymundo Viegas desconhecia.
- Pois, pois, João;  No domingo que vem,  daremos uma resposta.
Esfregando as mãos pelo êxito daquela missão embaraçosa, saiu da sala ganhando a porta da rua.
As irmãs de Chiquinha dependuradas na sacada da janela da rua, olhavam o pretendente a futuro cunhado, ganhando distância no calçadão da rua.
A grama recobria o calçadão lajeado e João como um pássaro não andava, voava em seus sonhos despertos, da mocidade que retornava...
Revigorado pela esperança, sentia os mesmos arrufos do primeiro namoro e noivado.
Ele sequer vira Chiquinha, ela fugira para o quintal com o coração disparado e seu corpo tremendo por uma sensação diferente.
Aquilo era amor?
Munda contava  para ela o que ouvira por baixo da janela da sala.
- Sô João Martins viera pedir a sua mão...
- E o que o pai disse para ele?
- Não ouvi, mas papai pediu para que ele voltasse aqui no próximo domingo...
Na quarta feira depois das orações da noite, os meninos caminhavam para seus quartos, quando dona Marcolina interrompeu seus passos dizendo:
-          Nós queremos falar com você, Chiquinha!
-          Seu pai já foi para o quarto, vai arranjar sua cama e colocar a camisola e depois venha conversar conosco...
A sós no grande quarto do casal, o pai perguntou:
- Chiquinha, o que há entre você e o João Martins?
Vermelha e sem saber o que deveria responder dona Marcolina dando forças a filha, disse para que ela se sentisse apoiada:
- Filha, você já é moça e naturalmente já desperta curiosidade nos rapazes!
João Martins não era rapaz, mas um senhor de certa idade e ela ficara embaraçada de dizer que ela correspondia aos flertes do viúvo.
Rara era a moça de família que naquela época, podia escolher seu pretendente, pois os namoros e casamentos eram urdidos pelos pais dentro do próprio clã familiar, ou no meio social em que viviam.
Os filhos começavam a ficar mais independentes das vontades paternas e alguns escapavam dos arranjos entre os interesses de família. Em Catas Altas a cultura dos filhos estava partindo para a independência individual, tal como a sociedade no âmbito geral.
Os ideais republicanos insurgiam-se com a obediência sem restrições e até a Igreja quebrava a harmonia filial ao Imperador, e ele da tutela da Igreja.
Quando dona Antônia Marcolina ouviu da filha referindo-se ao viúvo, como “o João” ela sentiu que a falta de senhoria já indicava algo de comprometimento entre os dois.
Ela não comentara com Chiquinha, mas com Rosa dissera da inconveniência do namoro, uma mocinha aceitando o cotejo de um homem bem mais  velho e  cheio de filhos...
Tal como acontecera no domingo anterior, o mesmo encontro na porta da igreja e depois, seguindo a família do Sô Raymundo até a porta da casa.
No degrau da escada, ele parou sem saber se ficava ou entrava, Chiquinha caminhava na frente junto das irmãs e tinha ultrapassado a soleira da porta.
Lembrando de uma trova portuguesa, ele olhava Chiquinha andando já dentro da sombra da casa:


Quem quiser escolher moça,
olha bem o  seu andar;
pois a moça que adoça,
tem o pisar bem  devagar...

- Pelo que vejo, meu sócio empacou e tem receio de adentrar em minha casa!
Casa de tropeiro é o rancho, João Martins!
Aberto a quem quer pouso e fechado a quem quer gozo...
Aquele ditado ele já ouvira diversas vezes na boca de seu sócio, mas dito daquela maneira e naquele momento, parecia uma advertência a quem vinha receber licença para namorar a filha.
Vermelho por ter sido pego olhando as moças por detrás, disse desajeitado:
- Estou com estes mimos para dona Marcolina e Francisca, tampando a visão por onde piso e por onde irei pisar, por isto varro o caminho com os meus  olhos...
Em suas mãos, dois embrulhos de presentes e um mais do que o outro, fazia volume.
- Dai-me cá, ou João; antes que os degraus os derrubem...
Suas mãos tremiam e o papel da embalagem sentia os efeitos de sua tremura.
Com o presente de dona Marcolina nas mãos do futuro sogro, disse para ela:
- Sô Raymundo está fazendo a fineza de carregar para a senhora, uma modesta prenda minha, vinda especialmente da cidade de São Sebastião; queira tomá-la como uma deferência deste humilde português.
Desfazendo o embrulho, a mãe de Chiquinha deparou com um corte de seda que escorregava por suas mãos.
- Que lindo sô João!
- Mais lindo ficará vestindo-a, dona Marcolina!
O português sabia ser lisonjeiro e até dado, nos momentos de seu interesse, já que tinha fama de seguro e mão fechada.
Agradecida ela elogiava o gosto do presente.
- Foram minhas meninas que escolheram para a senhora, dona Marcolina...
- Diga a elas sô João, que além do bom gosto do tecido, sabem o que cai bem para uma velha!
- Ora, ora, dona Marcolina!
Não concordo com o termo, “Velha” numa dama ainda tão jovem...
Rindo, o futuro sogro abafou os remeleques, dizendo:
- Ou João, você está rasgando seda!
- Quem rasgou a seda?
- Ninguém mulher, o presente está aí inteirinho, são modos de dizer da  patuscada  de hoje.
- Até você, Raymundo?
- Oh Marcolina! 
As estradas nos ensinam a falar como o povo e desde a independência, queremos um linguajar próprio e sem o rebuscado do Camões que ninguém entendia.
Os gajos irmãos  se foram,  agora falamos como perfeitos brasileiros...
- Manda chamar a Chiquinha disse dona Marcolina para Rosa.
Vestida esmeradamente, Chiquinha apareceu no vão do portal da sala.
- A senhora me chamou mãe?
- Venha aqui, menina; estamos recebendo o sô João Martins que veio nos visitar.
Ela já sabia por que viera, pois era ela o motivo da visita e para tanto, caprichara na toalete e na pintura.
Ao vê-la, levantou-se e admirado repassava os olhos sobre ela.
Vestido novo e um novo penteado.
- Muito bom dia, Francisca!
Com as mãos caídas como eram os modos de toda moça apresentando-se a um homem, o pai falou:
- Cumprimenta o João, Chiquinha!
Ela levou o braço à frente e respeitosamente, sua mão foi beijada.
Vermelha, ela não esperava tal intimidade na frente dos seus pais, e não viu o português fazer o mesmo, com a própria mãe. Coisa natural entre os europeus quando se apresentavam; Hábito que se tornara comum na sociedade, desde a vinda da corte portuguesa para o Brasil.
Cabecinhas das irmãs apareciam pela metade por trás dos marcos das portas, sô Raymundo notara o atrevimento das outras filhas, que receberam recomendações para não vir á sala de estar.
- Permitam que também ofereça um presente à Francisca?
O português olhava para o pai esperando o consentimento.
- Perfeitamente, João Martins.
- São mimos para Voz Mecê, dona Chiquinha!
Um par de castiçais de prata brilhava aos olhos de Chiquinha, ao ser rompido o embrulho.
 São antigos e vieram da minha terra para alumiar o vosso quarto...
- Muito obrigado pelo presente, estou lisonjeada com o agrado tão útil  aos meus aposentos e as minhas leituras antes de deitar.
- O João está aqui, minha filha, para saber se é do nosso gosto e do nosso consentimento para que ele visite você, se for do seu agrado.
- Se for também do agrado dos senhores, também é o meu, disse olhando para o pai.
- Você tem a nossa permissão para conversar  com ele dentro da nossa casa ou acompanhada por um de nós, quando em passeio pelas ruas.
Aquela formalidade constrangia, porém era o usual estabelecido pela sociedade; estivesse Martinho Martins ainda vivo, seria pela voz dele que o pedido seria feito para o filho.
Reforçando a maneira como deviam proceder, os namorados, sô Raymundo foi claro com o sócio:
- Nós somos sócios, João; Porém minha filha está fora desta sociedade até que se casem.
Risinhos foram ouvidos partindo do corredor; as meninas continuavam escutando a conversa da sala...
- Sô Raymundo e dona Marcolina, estejam certos do meu respeito por Chiquinha e por Voz mecês.
 Peço também que relevem a pressa como desejo que as bodas se realizem logo, pois os meus problemas de viúvo e a situação confortável em que me encontro, permite que até ajude à Chiquinha em seu enxoval.
Talvez pela primeira vez na vida o português confessava sua situação financeira, pois sempre clamava dos tempos difíceis porque passava.
Meu estabelecimento está aberto para que ela escolha os panos de cama e mesa e da roupa pessoal que ela irá precisar.
O homem estava pedindo licença para namorar e falava sem cerimônia nos panos da cama e da mesa e até nas vestes  que a  namorada  iria vestir, depois de casada.
Só mesmo um viúvo carente poderia proceder daquela maneira, pensava dona Marcolina ouvindo o futuro marido da filha.
Nós poderemos em outra hora estudar a sua proposta, João; mas carece de tempo para Chiquinha saber dos seus filhos, como será recebida em sua casa.
Realmente a viuvez do pretendente de Chiquinha, ocorrera há pouco tempo atrás.
A tarde durante o jantar, João Martins anunciou aos filhos que se sentia muito só e pretendia consorciar-se novamente e para que não ficassem sabendo por terceiros, ele naquele dia pedira licença para freqüentar a casa de sô Raymundo Viegas.
O eufemismo como dissera em freqüentar a casa do sócio, deixara os pequenos com pulga na cabeça.
Por que o pai estava dizendo a eles uma coisa que ele sempre fizera sem nunca  anunciar!
Margarida que naquela época, contava l2 anos de idade teve que explicar para os pequenos o que o pai queria dizer sem chocar; e de mais a mais, antes noivar e casar com a Chiquinha, do que com a outra que eles detestavam.
Era natural que o anuncio, viesse trazer aos meninos o sentimento de que uma intrusa estaria próxima a  tomar o lugar da mãe naquela casa.
Martinho muito criancinha, pois estava com apenas três anos e pouco chegara a dizer que ele não precisava de outra mãe, pois a irmã Margarida e Delphina olhavam muito bem por ele...
O casamento foi marcado para o principio do ano, antes que a Quaresma impedisse as bodas.
O tempo era exíguo para que fosse executado os trajes do casamento e Margarida pediu ao pai para que mandasse  cortar as toaletes do enlace,  que também serviriam para a Semana Santa que ocorreria logo após.
Expedita e responsável, ela apesar da pouca idade, procurava ajudar ao pai na educação dos irmãos, dando exemplo e ajudando na administração da casa.
Delphina a antiga escrava que servira inclusive na casa de Marthinho Martins Lourenço, era a sua mão direita no trabalho de governanta.     
Chiquinha notava a diferença entre as escravas que viviam na rua e as que mourejavam no campo; os da casa grande eram beneficiados pelo contato direto com os sinhozinhos brancos, já os do campo, a senzala discriminava-os ainda mais, afastando-os do convívio civilizado.
Amontoados na senzala, a promiscuidade e o desleixo igualavam-os aos animais dos currais e das cocheiras.
Delphina e Rosa eram provas da influência do meio; portando melhores roupas, conversa certa e fluente, pareciam ao conversarem, crias dos solares abastados, não meninas nascidas na senzala.
Elas vieram ao mundo em meados do século XIX e ganharam as influências da educação esmerada que as catas do ouro, ainda proporcionavam.
As cativas do solar, tinham suas muitas anáguas, saias e blusas, brincos, colares e  dentes de ouro e até água de cheiro.
Demonstração de status para seus senhores que as exibiam sadias, chique e até empoadas de ouro, quando nas festas religiosas, eram os  festeiros de Reis, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.
As tradições passadas do século XVIII e XIX,  ainda continuaram a render frutos às igrejas, tal como nas épocas de Domingos Moreira Afonso, capitães Domingos Rodrigues Pontes, Miguel Gonçalves de Carvalho,  Manoel da Motta Moreira, João Batista de Figueiredo Leitão, o sargento-mor e depois o  famoso Barão de Catas Altas, o senhor João Batista Ferreira de Souza Coutinho.
Morando junto da Mina do Pary em São Francisco, Rosa escrava de sô Raymundo Gonçalves Viegas, não poderia desfilar nas festas religiosas, sem os mesmos luxos das antigas escravas que escoltavam os andores dos santos festejados.
Com o cabelo reluzente, ela e mais cinco meninas escravas vestidas de virgens, desfilaram um dia salpicadas de ouro da Mina do Pary, que o dirigente doara para a festa.
O ouro na cabeça das meninas, depois da procissão, fora retirado com um banho dos cabelos; escorrida a água, o ouro em pó foi levado ao altar como dádiva de agradecimento dos que recorriam aos favores do santo padroeiro.
A Mina do Pary necessitava de ajuda para extração do rico metal amarelo, e seus dirigentes, também apelavam para os santos.
Foi nesta festa em que desfilara ornada sob o ouro, que ela conheceu o negro Leandro, deslumbrado com a pretinha de cabelos amarelos faiscantes.
O deslumbre levou os dois a pularem o cabo da  vassoura levantada; como era costume da união dos casais no ritual Mandinga na África.
O salto seguro para o outro lado representava o pulo para a terra sagrada do matrimônio.
Leandro bem mais velho do que Rosa ao pular juntos, roçou no cabo e quase caiu.
Seria de imenso agouro nesta cerimônia, um dos pés tocar na vara, varrendo para sempre a felicidade do casal.
O nubente incauto teria uma  morte prematura, deixando o outro na viuvez  indesejada...
Sem oferecer o mesmo conforto da casa dos seus senhores, em pouco tempo Rosa desencantou-se do Leandro.
Beleza não põe mesa, dizia Rosa referido-se ao seu homem; Quando dona Marcolina perguntara como era o marido dela.
- O mandinga é um touro, dona Marcolina!
Mas a senhora sabe! Tropeiro quando volta pra casa, quer é descarregar cangalha e dormir como cobra Jibóia; farta e preguiçosa com  barriga cheia.
Nós mulheres deles, ficamos a espera do bote,  cadê fome pra pegar  caça!
Leandro não resistiu a uma pneumonia que apanhou em uma das viagens, não adiantou rezas e raízes do mato; Leandro partiu sem deixar semente no ventre de Rosa...
Casando-se em l5 de agosto de 1.889, Chiquinha levou Rosa para ser dama de companhia das meninas do ex-viúvo João Martins Ayres.
Ao apresentá-la aos enteados, Chiquinha querendo reforçar a posição da preta, dentro do seu novo lar, disse:
- Esta é tia Rosa que ajudará vocês no que for preciso, podem chamá-la de tia, pois foi criada junto comigo em minha casa.
Como tia foi apresentada, como tia foi aceita pelos meninos que encontraram nela a mesma docilidade da madastra Chiquinha.
Regulando a mesma idade de Chiquinha, como mucama aprendeu a ler junto dos meninos do Sô Raymundo Viegas.
Ao se transferirem para Catas Altas, freqüentavam as aulas que eram dadas pela professora Maria Magdalena Mendes Campello Hosken a uma turma de meninos.
Entre eles, os seus filhos: Francisco, Emílio e Carlos Hosken e mais uma turma da mesma geração; Todos eles sobrinhos da professora.
Por vezes se juntavam aos seus alunos, outros não parentes como: Terezinha Jesus Vieira e suas irmãs, Honório Alves e Emília Elisa.
No convívio da escola de Maria Magdalena, surgiram grandes amizades e até, diversos casamentos como: Carlos Arthur Hosken e Magdalena Pereira da Cunha, ( primos entre si ) Honório Alves e Emília Elisa, Francisco Benjamin Hosken e Jacinta Pinheiro.
Essa meninada nos dias de festas do arraial agrupava-se na casa do tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha, casa bem situada no meio da praça do adro da igreja.
Debruçados nas janelas, chamavam a atenção dos que perambulavam pelo adro.
Daí mais tarde, ter surgido à designação: “Meninas do Adro”.
Referência que perdurou por três gerações da descendência do tenente Vicente Domingos.
Mansão alegre e cheia de moços, onde a mãe Raymunda se misturava a juventude dos seus filhos:
 Manoel, João, José, Maria Rita, Emídia, Cocota, Bernardo, Mingote e Magdalena Pereira da Cunha, (Nhanha).
Gente descendente de Dom Paio Guterres da Silva, senhor da Quinta da Cunha, governador das terras do Rei Dom Afonso de Leão.
Fernão Dias da Cunha era filho de Guterres da Silva, tornando-se senhor da Quinta da Cunha, daí advindo o sobrenome, que gerou os Cunhas de Portugal e Brasil.
Este ancestral dos Pereira da Cunha participou do Conselho do Reino, ocupando destacadas posições na casa real.
Foi agraciado com a Ordem de Cristo e Mestre da Ordem da Rosa, por decreto do rei que lhe concedeu o Brasão de Armas.
Com a fama que a casa do adro tinha os filhos do inglês Edward Hosken, cortejavam as primas e as amigas que freqüentavam o lar do Pereira da Cunha.
O Emílio, Francisco, Carlos Arthur e especialmente a  Ninica, provocavam brincadeiras e chacotas espirituosas, alegrando o ambiente familiar.
Ninica muito viajada e deslocando-se com o pai pelas minerações, falava algumas palavras inglesas,  imitando os patrícios do seu pai.
Quando perguntavam o que as palavras queriam dizer, ela mesma respondia:
- Sei lá, eu não entendia os gringos!
Foram principalmente nas reuniões da Casa do Adro, que os irmãos Francisco e José Hosken, ficaram íntimos das meninas: Jacinta e Ana Pinheiro de Lacerda.
Com a desculpa das meninas reunirem-se para o coral da igreja, brotaram nos moços o sentimento do afeto que mais tarde levaram diversos casais ao altar de Nossa Senhora da Conceição.
Ninica vivia preparando emboscadas para os irmãos e seus colegas,  colocando bilhetes nas bolsas escolares.
Imitando as letras que ela bem conhecia, enviava recados e mensagens que  inventava para provocar os colegas.
Alguns tomavam a coisa como brincadeira, outros ficavam furiosos com as insinuações que recebiam.
Ela nunca escrevia os bilhetes durante a aula, para que ninguém desconfiasse que  era ela a autora das alfinetadas.
Um dia imitando a letra de Magdalena Pereira da Cunha, escreveu:

                                        Menino dos olhos azuis,
                                       Tão azuis da cor do mar;
                                        Quando miro nos teus olhos,
                                        ah!  Que vontade de nadar...

O mote foi encontrado por Totó dentro da sua maleta escolar.
Lendo, desconfiou da origem real da remetente; ele sabia que Nhanhá não escreveria nada em bilhetes, mesmo sendo primos.
A letra era idêntica a da prima por quem tinha grande simpatia, guardou-o para mostrar a ela.
- Eu estou com um bilhete escrito com letra idêntica a sua, gostaria que fosse você realmente a autora, mas conheço o seu modo de ser, e sinto que foi coisa preparada por Nínica, mestra em imitar  letras de outras pessoas.
Nhanhá pedindo para ver o bilhete leu e ficou pálida; Tingindo a ponta do nariz com aquela cor de musgo, sinal de raiva incontida que somente extravasava quando furiosa.
- Eu não escrevi isto, Totó!
Ninica não podia fazer isto comigo!
Não sou moça para escrever bilhetes para homens!
- Calma Nhanhá! Não precisa reagir assim, aqui não tem o seu nome...
- Mas tem a imitação da minha letra!
Soluçando e com lágrimas nos olhos, saiu da sala da escola sem avisar e despedir de ninguém.
- O que se passa com Nhanhá?
Ninica não querendo se comprometer desculpo-a dizendo:
- Talvez tenha se machucado...
Para os jovens e meninos, os dias passavam entre trabalhos caseiros, de oficina e escola.
Para os adultos, faltava o que fazer nos momentos de lazer dentro de casa. As reuniões e os saraus tão comuns durante a Guerra do Paraguai, incitando o patriotismo, já não eram tão constantes.
Apenas em algumas casas havia encontros reunindo parentes e amigos; era o caso dos saraus na casa do capitão José Maria Brüzzi, músico com escola famosa na Prússia.
Ao dar seu recital acompanhado de alguns filhos, fazia questão de citar os nomes dos autores e de uma pequena biografia:
Durante um dia da semana, convidava os amigos para ouvirem um determinado músico a escolha dos seus convidados, entre os recitais apresentava a história de seus autores e  partituras de piano:

Johann Sebastian Bach, nascido em Eisenach,  2l de março de 1.685, na       ( Alemanha ).
Ludwig Van Beethoven, nascido em Bonn a l6 de dezembro de 1.770,  na      ( Alemanha ).
Gioacchino Rossini, nascido em Pesaro a 29 de fevereiro de 1.792, nacionalidade italiana.        
Franz Schubert, nascido em Viena a 31 de janeiro de 1.797, nacionalidade austriaca.
Frédéric François Chopin, nascido em Zelazowa em 1.8l0, nacionalidade polonesa.
Franz Liszt , nascido em Raiding em 1.811, na Hungria.                                             
Pyotr Ilitch Tchaikowsky, nascido em Votkinsk em 1.840, russo.                 

A esposa do capitão militar Brüzzi, dona Cornélia Bororquia Prestana, também acompanhava o marido ao piano; era uma festa para ela, quando encontrava com os ingleses de Catas Altas, Edward Hosken, John Emery, Willian Yory Henewool e John Bull.
 Apesar do nome alemão, era filha de uma inglesa que morara na cidade do Rio de Janeiro.
Sua paixão por fardas levara a casar-se com o capitão José Maria, que, diga-se de passagem, era um belo prussiano, ostentando trajes cortados a moda militar.
Padre Francisco Xavier, sempre que podia na ausência dos ingleses, também dava o ar da graça na casa do capitão José Maria.
Outra personalidade que naqueles tempos freqüentava assiduamente Catas Altas era o padre Júlio Clevelin, superior do colégio do Caraça.
Empenhado na construção do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, vinha pessoalmente esmolar recursos para a construção e ampliação da ala direita do prédio colonial.
Não havia dinheiro que chegasse para os 1.l34 m2 de área a ampliar.
O arraial de Catas Altas, entre as localidades mais próximas e beneficiadas pelo colégio, tinha empenho especial  em ajudar o padre superior a aumentar as vagas do estabelecimento de ensino.
As matrículas estavam limitadas as condições de hospedagem que o prédio oferecia e os pedidos de todo o pais  não podiam ser atendidos.
Cursos de Ciências, Matemáticas e  História, foram acrescidos aos estudos Teológicos  e Filosóficos.
Na construção da igreja no estilo gótico, iniciada em 1.868, 40 oficiais de nacionalidades diferentes participaram dos trabalhos.
Preservando os altares barrocos da ermida original do irmão Lourenço, o padre superior procurou guardar intacto o que de mais valor havia pertencido a antiga capela.
Entre as várias preciosidades, os quadros de Ataíde: Nossa Senhora da Piedade e a Ceia dos Apóstolos.
Materiais arrebanhados de diversos lugares subiam a serra no lombo de burros e carros de bois.
A pedra de sabão, retirada da chácara de Santa Rita, o mármore da serra de Antônio Pereira, próximo a Mariana.
A madeira, retirada em suas próprias matas próximas, transformadas pela serraria e carpintaria do colégio, em peças, tábuas, caibros  e ripas.
Padre Luís Boa Vida, mão direita do padre superior, orientava os oficiais carapinas, marceneiros e pedreiros e ao seu lado, o irmão da congregação João Batista Moermanens, pau para toda obra.
O serviço dando trabalho a muita gente da região, durou por 7 anos; iniciado em setembro de 1.876, só foi terminar em 27 de maio de 1.883.
Edward Hosken e alguns de seus filhos que já haviam participado da reforma da fazenda do Engenho deram também colaboração as ampliações do Caraça.
O ciclo do ouro chegara definitivamente ao fim; Restava trabalhos avulsos que o inglês tivera que aceitar para sustento da sua família.
Os jovens que nasciam em Catas Altas, não tinham mais o meio de subsistência, as poucas terras agricultáveis não comportavam a explosão demográfica, o jeito era procurar novas terras e novos rumos.
O arraial parou de crescer e definhava em relação à época do ouro.
Nestes magros tempos, Edward viajava a Gongo Soco para rever alguns patrícios que ficaram por lá e recebiam por parte do governo inglês, uma ajuda vinda da Inglaterra.
Nestas viagens de saudosas recordações, ele passara a levar seus filhos como companheiros, pois Zaga não podia acompanhá-lo.
 No revezamento entre os filhos, chegara a vez do Emílio Franklin.
O menino não conhecia o Gongo Soco, pois nascera em Ouro Preto e empenhava-se em conhecer a colônia onde vivera seus pais logo depois de casados.
Ouvindo as histórias que contavam: Sua mãe e os irmãos mais velhos, pagava a pena o sacrifício da viagem, para  conhecer o lugar onde o pai ajudara a retirar tanto ouro.
Para o pensamento de Emílio, bastaria chegar junto da serra, para ver com os próprios olhos o faiscar das pepitas nos ricos veios de ouro da serra onde a família do  Barão de Catas Altas,  fizera sua fabulosa fortuna.
Entusiasmado com a viagem em perspectiva, o menino contava para todo o mundo a sua próxima e grandiosa aventura.
Amofinando-o, os irmãos diziam:
- Você não tem mãos para segurar as rédeas, quanto mais bunda para agüentar os solavancos da viagem!
- Quem falou que não tenho?
Ocês vão ver quando eu voltar de lá gritando pra ocês abrirem a porteira!
- E se o pai resolver não levá ocê?
- Eu vou de qualquer maneira...

Deus queira, Deus não queira, vou de qualquer jeito!

Na madrugada da partida, aconteceu o inesperado, que Niníca narrava assim em versos:

                           Deus queira, Deus não queira,
                           vai o mano à Gongo Soco
                           na mula puladeira,
                           galopando como louco.

                           Sob o arreio a barrigueira,
                           desafivelava pouco a pouco,
                           sustentando a toupeira
                           que segue em cima todo oco.

                           Desembestada vai prá tranqueira,     
                           Olhos fechados, ouvidos mouco;
                           Corre a mula empacadeira   
                           prá chegar a Gongo-Soco...

                           Para! para! Olha  a porteira...
                           grita  Emílio quase rouco.
                          Deus queira, Deus não queira,
                          quebrou a perna num só toco.

É, Deus não queria, apesar da vontade arrogante do menino Emílio Franklin...

As viagens à Gongo Soco eram lembranças do velho inglês, como voltando a própria terra que deixara há mais de 50 anos.
A montanha sempre coberta pelo nevoeiro, a propriedade em ruínas e o cemitério ainda guardavam um passado de imensa saudade.
Ali vivera os mais prósperos dias da sua vida; Edward não se conformava em ver tudo aquilo abandonado e entregue ao ruir do tempo.
Na casa onde vivera: a cancela, as portas e as janelas abertas, batiam como fantasmas deixando entrar o vento e os novos moradores: Os ratos, morcegos e baratas que empestavam suas lembranças.
Não havia como, reerguer o que fora no passado; Antônia, Anne Jeferre, John Roberts e Willian Duns Fone e  os outros patrícios, tinham partido para a terra do “Nunca Mais”...
Nem Zaga podia acompanhá-lo naquela peregrinação e ele sentia sua falta, cavalgando vigilante ao seu lado, como ocorria em outros tempos.
Se Zaga estivesse junto dele por ocasião da partida de Catas Altas, Franklin não teria quebrado a perna; Sua prudência e seu desvelo não deixariam que ocorresse o acidente.
O negro era um irmão, apesar das diferenças sociais entre eles.
Há alguns anos fora promulgada a Lei do Ventre Livre, quando viria a Lei de Libertação dos velhos?
Era por falta desta lei que ele temia levar o Zaga na Serra do Gongo Soco, ele não podia alforriar um negro que pertencia por direito ao capitão Liberato, arrematador dos escravos da Mina.
Por sorte, Zaga ficara perdido fora da listagem das peças escravas alugadas para os empreiteiros da construtora da estrada União-Indústria, que na época, estava sendo construída entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora.
Com a crise econômica do após guerra, a falta de escravos para mineração e lavoura, obrigara os moços e especialmente os filhos de Edward e Maria Magdalena a procurarem serviços fora de Catas Altas.
No início trabalhavam ao lado do pai nas tarefas que apareciam;  depois, passaram a trabalhar para o governo da província como empreiteiros de construção civil.
Pontes, estradas e prédios estavam sendo construídos pela família HOSKEN.
A convivência deles em Ouro Preto, com políticos e deputados e especialmente com o compadre do pai, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, (Barão de Cocais) ensejou uma nova atividade.
Como o ouro minguara para a família, os filhos foram buscar nas licitações de obras públicas, trabalho para exercerem um ganha pão.
Entre as licitações estaduais do governo de Minas alertadas pelo tio Francisco Campello, ganharam a concorrência para construírem prédios do Estado, na região de Carângola.
Apesar da distância e dos problemas de deslocamento, chegaram a região onde já se encontravam alguns tios da família Campello.
Estava havendo naquele tempo, a expansão da fronteira agrícola para Leste, impedida até então, pela densa floresta da região do Vale do Rio Doce.
A distância da terra natal e a falta de estradas diretas, isolava os filhos mais velhos de Edward Hosken por trás da serra do Caparaó.
O desbravamento das matas em direção ao Oceano Atlântico, iniciado por Teófilo Ottoni ao planejar sua Nova Filadélfia, ia abrindo novos caminhos até ao vale do Mucurí.
O rio seria a ligação da fronteira de Minas com o mar, através da Companhia de Navegação que ele fundava na região Nordeste de Minas.
Enfrentando selvas bravias, ocupadas por índios, feras e doenças endêmicas, a fronteira do progresso estava sendo estendida rumo ao mar.
Rios, lagos, pântanos e montanhas, eram cruzados pelos novos bandeirantes do século XIX.
O ideal do revolucionário Ottoni era criar no Brasil, um território aos moldes dos americanos do Norte.
No Brasil ao contrário dos Estados Unidos, na época de sua colonização, invertia-se o rumo da conquista; partindo de Oeste para Leste o avanço do progresso.
Na recém fundada Colônia, 2.000 agricultores europeus de nacionalidade alemã, vieram para cá, ocupando as extensas terras, com o apoio da Scholobach & Morgensterm, sediada na cidade de Leipzig.
O progresso do Leste era um convite aos aventureiros sequiosos de enriquecimento rápido nas terras férteis e virgens da divisa de Minas.
Encontrando abertos os campos do desenvolvimento, os irmãos HOSKEN foram atrás dos tios Campellos que já desbravavam a região da Mata, inicialmente as margens do Rio São João do Matipó, do lado Oeste da serra do Caparaó, depois, pendendo para o Sudeste, para São Francisco da Gloria e terras vizinhas da divisa do Espírito Santo.
Ida sem volta, pois a distância e os obstáculos geográficos eram enormes, tornando-se mais difíceis as ligações com os parentes da terra de origem no Brasil.
Despedindo-se dos pais, seguiram na primeira leva:
Eduardo Diogo, Emílio Franklin e João Jacks Samuel Hosken.
Depois de já assentados, partiram Francisco Benjamin e José Thomaz Hosken que se casaram com duas irmãs da família Pinheiro de Lacerda.

Ver retrato dos irmãos Hosken no Anexo

Ficaram em Catas Altas:
Maria Rita Hosken, casada com Ovídio Batista Pereira, que  falecera em janeiro de 1.874.
Anna Eugênia Hosken que permaneceu solteira.
Maria Magdalena Hosken, que se casou com o primo João Pereira da Cunha e transferiu mais tarde  para Itabira do Mato Dentro.
Carlos Arthur Hosken, que também, se casou com a prima Magdalena Pereira da Cunha e foi fundar a Vinicultura da Quinta da Esperança, junto ao Córrego do Retiro, região conhecida como terra dos Barbosas.
Na infância, os meninos aprenderam com a própria mãe Maria Magdalena, as primeiras letras e a leitura.
Mais tarde vieram se juntar na escola os meninos: Totó, Chiquinho e Juca, bem como os primos: Bernardo, Domingos, Nhanhá e Cocota.
No princípio, só os filhos e parentes, depois surgiram novos alunos de famílias amigas de Catas Altas, como Francisca Viegas, Josefina Barroca e Teresa de Jesus Vieira.
A vivência da mestra no meio das vilas de ouro e na capital da província, deu a ela além da cultura de Vila Rica, uma nova língua  aprendida no convívio da colônia do  Gongo Soco, junto  dos ingleses nascidos na Cornualha.
Professora bilingüe, coisa rara no século XIX.
Para satisfação de seus alunos, de vez em quando desviando das matérias escolares, contava histórias de suas aventuras acompanhando o  marido minerador.
Deliciados, eles ouviam os relatos das viagens do Edward Hosken, através do Atlântico e pelas estradas entre o Rio de Janeiro e Gongo Soco em Minas Gerais.
As histórias prendiam os meninos, aliviados do cansaço dos dias quentes do Verão.
Numa daquelas tardes de calor abrasador, Magdalena encontrou Edward sentado nos degraus da escada do passeio da casa.
Seus cabelos aloirados e finos, levantados pelo vento, também desciam sobre a testa larga que frisada, parecia pensar sobre as coisas que deveriam ter ficado para trás.
Naquele instante, ela percebeu como o esposo envelhecera; as rugas sulcavam a pele do rosto vermelho queimado pelo Sol; mesmo assim ele demonstrava os traços do belo homem com quem se  casara há tantos anos...
- No que pensas, Dú?
Era a forma carinhosa como tratava o esposo, quando se encontravam a  sós.
Ele agora, muito mais presente e solidário; muito diferente dos tempos agitados das minerações que tomavam todo o seu tempo.
Magdalena sabia da angustia que ia dentro do esposo, longe da Inglaterra onde nunca mais voltara e longe dos filhos que debandaram e dos ex-colegas amigos que se foram.
Ele se sentia só, muito só...
Magdalena não queria permitir que a desilusão magoasse o seu orgulho; ele nascera de gente trabalhadora que acabava os seus dias, ainda em pé, ganhando o seu sustento.
Tomando as suas mãos, ela disse carinhosa:
- Vamos reviver nossas lembranças, Edward!
- Gongo Soco está longe, Magdalena!
- Mas Santa Quitéria está ali acima, querido!
Ela puxava as mãos do marido para que ele se levantasse.
- Pra onde vamos?
- Vamos para o adro de Santa Quitéria, para que você veja o Pitanguy ou o lugar onde pela primeira vez, caí em seus braços.
Ele sorria, lembrando do fato e seguiu puxado pelas mãos de Magdalena até a  rampa que ia dar no adro da capelinha.
Seus olhos voltados para o paredão da serra.
- Quantas recordações!
 Parecia a eles que o 1º encontro se dera há tão pouco tempo, entretanto, passara  40 anos...

Instintivamente ele levou a mão para o lado onde sempre guardara o seu cachimbo e o fumo na algibeira; as boas coisas da vida estavam  ficando para trás...
Ele não fumava mais.
De mãos dadas, pareceriam namorados, não fosse as marcas do tempo...
- Lembras do que eu disse sobre este lugar?
- Como se fosse agora, querido!
- Mas são tantos os anos, Magdalena!
- Você admirando a igrejinha, o adro e a serra, disse:

“Aqui há um encanto e um mistério especial...”

- Mas eu ainda não falava o português, como poderia ter dito isto?
- John Bull traduzira para nós sua admiração.
- É verdade, o John estava conosco...
- Naquele dia, ouvi pela primeira vez de sua boca a palavra: “darling”.
Como fiquei vermelha ao saber  a  tradução feita pelo Bull !
O pensamento do inglês retrocedia aos 40 anos passados e com a mesma emoção, falou numa voz rouca:

- “ I love you,  I love you! ”

Sua mão tremia e o corpo dela sentia as  vibrações que ele repassava...
Desta vez, não tropeçou como naquele dia, porém sentia o roçar dos fios da barba branca sobre a face que esperava o beijo.
- Tantos anos, Edward!
- Tantos, que já não posso contar...
Eu devo a você a felicidade que gozamos!
- Mas há poucas horas, você estava triste lá em casa!
- Tristezas da velhice, querida!
- Eu pensei que sua tristeza fosse de arrependimentos, por ter se casado comigo e ficado preso no Brasil.
Sei que você sente falta da Inglaterra e de sua gente...
- E quem não sente falta do seu ninho?
Até os animais, voltam; por que o  velho inglês, não tem este direito?
Magdalena levou suas mãos sobre a dele  apertando-as.
- Sua compreensão, meiguice e virtudes, recompensam todos os meus sacrifícios, Magdalena...
- Deus te abençoe, minha velha!
Magdalena com os lábios abertos mostrava um sorriso misto de ternura e de desejos que os anos não refrearam...
- Por que sorris?
- Por nós dois, querido!
Por minha inocência e por nossas ignorâncias das línguas diferentes, entretanto, amávamos e nossos olhos sabiam dizer pela boca:

“- EU TE AMO,  EU TE AMO...  “

Os olhos dos dois se encontraram, porém não havia mais a chama, o fogo e o brilho de 4 décadas atrás, havia apenas lágrimas rolando na face de uma mulher que se dizia feliz.
- Como você é contraditória, declara ser feliz e chora!
A felicidade é como uma plantinha,  tem que ser regada, Edward!
O choro não quer dizer infelicidade; choramos ao dar a luz um novo ser, entretanto, nada mais belo e feliz do que ser mãe...
Eduardo ouvia atento o filosofar de Magdalena.
Quantas vezes ela não chorou sozinha com sua ausência, afastado por seu trabalho, por sua vaidade ou até mesmo por seu orgulho?
Era tempo de reparar o que deixara de dar à Magdalena...
Ele segurava firme às mãos que se ofereciam carinhosas.
Os raios solares iam desaparecendo por trás da serra e vindos da matriz, ouvia-se as  badaladas da AVE MARIA.
Os dois levantaram-se dos degraus da escada onde haviam se sentado e começaram a descer os desníveis dos degraus.
Retirando a mão direita que segurava a de Magdalena, levou-a ao bolso para buscar o seu cachimbo.
- Você apagou-o definitivamente, Edward!
- Eu sei querida, mas aqui dentro ainda há fogo...
Acabaram os degraus da escada e a rampa continuava em declive, Magdalena ouvindo o sino, rezava contrita e depois lembrou quando ha 21 anos atrás, um dos filhos dissera para ela e Eduardo, naquele mesmo lugar e no  momento da AVE MARIA.
- Por que vocês estão calados?
- Para ouvir o dobre da AVE MARIA e rezar, relembrando o tempo que eu era menina como vocês,  e parava de fazer o que estivesse fazendo para orar.
Recordando também do tempo que era mocinha e vinha aqui com seu pai para passear.
- Mas vocês não estão juntos, pra que recordar?
Passasse o tempo que passasse, Santa Quitéria era uma marca de recordações que jamais seriam esquecidas e Edward Hosken tinha o pensamento voltado para 40 anos atrás.
A imagem da Ninica colocando o dedo indicador da mão direita sobre os lábios e chamando a atenção dos manos:
- Psiu! psiu!
Escutem o sino batendo:
Os meninos que tinham se adiantado voltaram e perguntaram:
- O que há?
- Psiu, psiu, repetia o gesto, agora irritada.
Depois de um pequeno intervalo, mais três badaladas.
Porque vocês estão calados?
- Para ouvir os sinos.
- Eles falam mãe?
- Os sinos não falam querida! Eles soam, tangem ou badalam!
Era por isto que vocês estavam parados e calados?
- Sim, ficamos silenciosos...
- Mas o silencio agente não ouve?
É, ouvir é difícil, mas agente sente.
- O silêncio não se ouve, burra!
- Que modos meninos!
O pai ria da discussão deles; sempre evitando intervir quando discutiam, pois estava constantemente fora de casa e evitava repreendê-los.
- Caminho da roça gente!
Está escurecendo gritava Magdalena, a irmã que eles tratavam-na por Madá.
A correria dos maiores na frente e a pirralhada atrás, rumo de casa; ninguém gostava de ouvir o deboche da turma:
                                     
                              
                                  Homem de saia,
                                       Mulher sem calça,
                                       Toma vaia,
                                       o último que passa...

                                       Vaca leiteira, quem passar por último fecha a porteira...

Carlos Arthur o menor,  era o  último da fila e chegava chorando sem bater a cancela e dizendo:

                                        Bobos, eu não sou vaca e oia:
                                        eu estou de calça!

Pensando no futuro dos meninos, Magdalena dizia:
- Catas Altas está mudando muito, tenho medo do futuro deles; Falta trabalho e escolas, com o Caraça fechado...
O mundo do futuro, não será comandado pelas mãos, mas pelas cabeças dos  que estiverem mais preparados intelectualmente.
Só com a educação, as novas gerações poderão sobreviver condignamente, pois não haverá mais escravos.
Os meninos tinham virado adultos e independentes deles, viviam cada um a sua vida; até Ninica que permanecera solteira, não mais precisava dos cuidados deles.
A sociedade esperava ansiosa a transformação que viria com a propalada libertação dos escravos que era discutida na Câmara.
Aquelas lembranças dos meninos ainda crianças, voltavam em sonhos e pensamentos e eles preocupados como cuidar deles...
-  Que saudade, Edward!
- Muita, querida, e eu os curti tão pouco...
Somente depois de velho, vim a conhecê-los intimamente...
Quanta coisa boa se perdeu sem eles e você, quando minerava!
A responsabilidade dos meus filhos mais velhos, a meiguice de Madá, e o interesse do Totó em aprender comigo tudo que fazia,  a espirituosa Ninica.
E todos, querendo dar a você, o que eu não podia dar tão longe de casa...
Nós ingleses deveríamos aprender com os brasileiros o que vocês tem de melhor:
O sorriso franco, a meiguice e a docilidade do tratamento em família...
A minha raça é fechada ás exteriorizações dos nossos sentimentos, parecendo aos outros que somos indiferentes; o que realmente não somos...            
- O orgulho Anglo Saxão é natural a todos os ingleses, Edward!
Eu senti isto quando morávamos em Gongo Soco.
- Eu quisera ter sido como você.
- Você teria que ter nascido no Brasil.
 Nossos filhos estão a caminho do ideal como você quer, 50% de cada uma das nossas qualidades e até mesmo de nossos defeitos...
Você verá que mistura maravilhosa darão nossos tetranetos daqui a l50 anos.
- Mas como poderemos  comprovar e sentir esta magia?
- O espírito não morre querido!
Estaremos sempre presentes passe o tempo que passar!

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