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CAPÍTULO IV MINHA TERRA, A CORNUALHA NA INGLATERRA



Esta história nasceu com a própria natureza que os meus pais escolheram para viverem, pois são naturais do Condado da Cornualha, Sul da Inglaterra, região de Saintly Keverne, lado direito do litoral para quem olhar o mapa do meu país e deparar com a configuração aparente do salto de uma bota.
Cornualha é uma longa península que se definha para o Sul da Inglaterra, arrastando-se em direção do mar Atlântico, tendo contrastes espantosos.

Ver anexos nº 5 do mapa da Cornualha, Inglaterra.

Ora os mansos campos verdes parecendo tapetes de veludo que nós ingleses chamamos de “Country side“ ora a costa escarpada transformada por um mar bravio como: End-To-Enders, ou St. Michael’s, onde o azul do mar chocando-se contra os rochedos transforma-se em espumantes águas cor de pérola.
Costa linda de se ver, mas tremendamente perigosa para se banhar.
Povo hospitaleiro e o mais tranqüilo da Bretanha.
Nasceram nesta região os meus pais: Jammes e Anne Hosken, e eles me diziam que a história dos Hoskens tem origem no Condado de Sumerset, cuja capital é BATH, terra de pecuária e de mineração que absorvem a mão de obra produtiva.
Ainda criança, saia com meus pais passeando pelas terras encantadas da grande península, vendo suas belezas, seus mistérios e suas lendas.
A minha região fica exatamente sobre a “LAY LINE“ que traduzida ao português, quer dizer: Linha Energizada que corta a Cornualha, Sumerset e vai passar também sobre Londres.
Meu pai James, mostrando os dolmens espalhados pelo campo, enfatizava o lado místico e fascinante como são conhecidas e admiradas as pedras enormes sustentadas por duas colunas graníticas, como se fossem mesas.
Suas origens ele não sabia, se de fundo religioso ou significado geográfico, demarcando  aquelas terras.
Medindo de ponta a ponta, 528 quilômetros, ela nasce em LANDS END na costa Oeste e vai terminar na região de SOUTHEND a Leste da grande ilha.
Os campos verdes varridos pelos ventos dão ondulações à vegetação, abrindo aos olhos um fascínio encantador, onde riachos e grutas às vezes feitas pelos homens,  os “fougous”  marcam presenças pelo lado místico.
Estes terrenos há longos anos vem sendo escavados pela arqueologia.
Nas grutas que infestam o solo, são levadas as crianças  com  pneumonia e outras doenças para receberem os fluidos benfazejos, o que se  tornou tradição.
A mesma coisa acontecia com as gestantes, quando ali compareciam.
A “Lay-Line“ também é conhecida por: “LAY LINE OF SAINTLY MICHAEL“ e nasce a 9 Mls de Penzance,  junto aos rochedos do mar.
As fontes de águas cristalinas que nascem nas grutas fazem curas miraculosas, principalmente em crianças que nelas se banham.
Algumas pessoas bem informadas, dizem que os dolmens são pedras sepultais e as “MEN-AN-TOL” pedras em formato de anéis enormes, catalisadores de energia solar, curando doenças, principalmente a tuberculose.
As peregrinações nesta região são contínuas, principalmente nos feriados religiosos.
Segundo fontes arqueológicas estes monólitos existem há mais de 5.000 anos.
O interessante é a posição de todos eles em relação ao Sol, sempre voltados a trajetória dos raios, no sentido Leste a Oeste.
Uma coisa me intrigava, quando já morando no Brasil, raciocinava como os raios solares poderiam incidir numa mesma direção ao longo dos 365 dias do ano...
Será que era verdade o que diziam?
No Brasil, àquela indagação me atormentava e eu esperava voltar a minha região de infância para averiguar se o que ouvira era verdade...
Eu teria que voltar a Cornualha para recordar minha infância e juventude, ver meus pais e ter respostas as minhas indagações, quando nas praias de minha terra, eu perguntava:
- O que será que existe do outro lado do mar Atlântico?
Anos depois, já do lado de cá, eu estava a assuntar:
- Será que a costa da Cornualha e especialmente de Lands End, ainda é a mesma com suas belezas?
E os rituais dos festivais pagãos, ainda são comemorados?
Eu me lembrava como olhava encantado à imensidão dos campos.
Ao longe, paredões de pedras delimitando propriedades com seus quadrados verdejantes e os rebanhos a pastorear tranqüilos; às vezes a brisa soprada pelo mar desfazendo o meu penteado.
Nos dias de Verão, apesar das temperaturas quentes, aquela brisa não permitia o desconforto, tanto era verdade que as rezes não se escondiam dos raios  solares, sob as árvores espalhadas pelo campo.
Voltando os olhos para a orla marítima, as escarpas feridas pelas marés altas e tormentas, mostravam quanto à força da natureza era inclemente com a minha terra.
Alcantis talhados a pique formavam barreiras intransponíveis a quem quisesse subir ou descer os rochedos a beira mar.
A costa inglesa do lado Oeste da ilha é tão selvagem como constatara com as selvas do Brasil ao aqui chegar.
Se a natureza ali se expunha daquela forma, havia  uma razão maior para que o CRIADOR  a tenha feito  tão bela e quase inaccessível...
Deus escolhera Cornualha para guardar em seu solo, o símbolo da união de CRISTO com a humanidade; ali, segundo dizem, está guardado o “CHALICE OF CHRIST - cálice de Cristo.“
Na data em que se comemora São Miguel Arcanjo, 28 de setembro, o mosteiro fincado no alto do monte de “SAINTLY MICHAEL“ fica apinhado de peregrinos vindos de todas as partes da Inglaterra e do mundo.
Os crentes tentam chegar o mais próximo possível da relíquia de CRISTO, certos de que ali está São Miguel, o príncipe dos exércitos  celestiais e com sua presença, também está Cristo vivo, como estava no dia da Ceia do Senhor.
Nas peregrinações que fazíamos ao santuário, com Samuel e Thomas Hosken, íamos acompanhados de nossos vizinhos e amigos: Os Trevanians, Poldarks e Clowances.

                Meu pai Jammes me contara que desde menino, visitava Sainty Michael     

          com o avô, Thomas Hosken Junior e o meu bisavô Thomas Hosken Pai.

                Durante as noites que passávamos acampados, uma multidão de fogueiras

          iluminava todo o litoral, transformado num colar chamejante de luzes. 

                Incompreensível a uma festa religiosa, as danças ao redor das fogueiras

          especialmente quadrilhas, que davam um sentido estranho às comemorações...

Quando visitei St. Michael’s pela última vez, Mary estava comigo e o Outono entrara em seus primeiros dias de frio, anunciando o Inverno.
Durante as tardes andávamos pelas estradas de terra da baixada, admirando as propriedades divididas simetricamente nas formas geométricas de quadrados, retângulos e losangos.
À noite, sob o calor ardente das fogueiras, no alto do monte, ficávamos juntos  para aquecermos e comermos o que de casa trazíamos.
Como eu me sentia bem, tão perto de Mary!
Ao passar por nós os cordões de pessoas pulando e cantando, eramos arrastados pelo turbilhão e Mary se atrelava a mim, engrossando o rosário de figurantes naquela dança ingênua, mas profundamente profana.
- Venham esquentar!
Esquentar como, se o vento sibilava fazendo-nos arrepiar?
- Venham!  Repetiam eles, agarrando as nossas mãos.
De vez em quando escapávamos do turbilhão e levados pelo encantamento do lugar e da festa, fugíamos correndo descalços pela orla da praia.
Como era gostoso correr com os pés nus sobre a areia e a favor do vento!   Enlevado pelos sentimentos, eu tentava agarrar Mary em meus braços; tendo somente as estrelas como testemunhas...
O medo de minha ousadia despertava sua prudência e conscientemente obrigava-me a voltar junto dos demais no  acampamento.
Sentindo frustrado, reconhecia que ela tinha mais juízo do que eu e me rendia aos seus apelos.
De mãos dadas íamos desviando das marolas que as ondas faziam lambendo a praia; o encantamento desaparecia sufocado pela multidão de gente embalada pelas músicas.
Os sons dos violinos e das gaitas de fole chegavam aos nossos ouvidos excitando-me ainda mais.
Por Deus! Eu me sentia tão humano como os outros e minha masculinidade não queria obedecer à razão...
- Mary! Mary! ela se afastando de mim como se afastasse de um  ferro em brasa...
Somente a 200 metros das fogueiras,  ela parou a minha espera.
Ali ela se encheu de coragem, para estender suas mãos; meu coração batia descompassado, não pela corrida, mas pelo corpo que se encostava ao meu...
A vontade era imensa de alisá-lo, mas o atrevimento seria o fim do meu deleite...
Segurando-a com mais força, eu temia perdê-la, ela reclamava com meu gesto desvairado:
- Está doendo, Edward!
- Perdão Mary, eu não quero magoá-la, nem tão pouco perdê-la...
Contra a claridade que vinha das fogueiras, sua silhueta estampava aureolada pelo fulgor das chamas.
Como era bonita!
Imagem que nunca mais se apagou da minha memória, e às vezes reativada quando no Brasil anos depois, eu assistia as festas religiosas consagradas aos santos do mês de junho: Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo.
As chamas das fogueiras e o seu calor são semelhantes, basta que tenhamos: olhos e coração abertos para senti-las.

Esta história, é cinza de fogueiras que arderam um dia e que permanecerão ardentes através da percepção de meus filhos, netos, bisnetos, trinetos,  tetranetos, pentanetos e hexanetos
O vento se incumbirá de espalhá-las até suas vindas...

Afastando-me da Inglaterra, eu perdi Mary, porém Deus me deu Maria Magdalena.
Aquele vento que maltratara a tez de Mary em Lands`End, jogando areia em seu rosto, também me maltratara, pois me feriu por muitos anos.
Recordando do mar que me fascinava, lembrava também da imagem que nunca mais se apagou, pois foram duas coisas que perdi ao mesmo tempo...
Ela, minha primeira namorada e o mar batendo espumante nas pedras de Lands End.
Naquele último passeio ela vestia a moda dominante da época, um traje regência e por baixo, certamente a lingeries Gossard e o sutiã de suporte em elevação que fazia aumentar a opulência dos seios.
Ao contrário das outras moças, ela até então fugira aos cachos em tranças.
Seu rosto queimado pelo Sol mostrava as maçãs vermelhas e o seu sorriso inconfundível se abrindo a mais doce paisagem de minha terra.
Os campos de Lands End estavam salpicados de manchas; de longe, era impossível divisar se de reses ou dolmens, o espírito do Saint Grail estava ali presente, eu sentia.

 ( Saint Grail, em inglês, é o mesmo que: Cálice de Cristo usado na Ceia dos Apóstolos)

Inconformado eu perguntava a mim mesmo: Se o espírito de Deus estava tão próximo, qual a razão das lutas religiosas que provocavam o afastamento de irmãos na Inglaterra?
A intolerância religiosa em minha terra era terrível com seus preconceitos, pouco importando que a crença do vaso de esmeraldas que teria servido JESUS CRISTO na  ceia com os discípulos, estivesse guardado ali tão perto. 
O sacrário da Cornualha guardava também o meu coração...

Eu poderia iniciar esta história por volta do ano de 1.086, quando apareceram nos registros de Domesday na Inglaterra, os nomes dos primeiros antepassados com o sobrenome HOSKEN; ou pelo naufrágio dos navios: HECTOR - DOVE e o RAMBLER, no Atlântico, todos eles transportando membros da nossa conceituada família de origem Anglo-saxão.
 Se a proeminência de uma família ganha mais projeção ao afastar dos séculos de suas origens, então para vaidade dos HOSKENS retrocedemos ao ano de 1.066, onde no Museu britânico vamos encontrar registrado pelos monges, o sobrenome HOSKEN, o que significa que já existia esta nossa família antes do século XI.
Talvez em busca da origem, em vez de HOSKEN, vamos encontrar variações como: HOSKIN, HOSKYNE, HASKINE, HASKYNS, tal qual aconteceu durante certo tempo no Brasil, onde a ignorância de muitos cartórios, eliminara a consoante “H“ da inicial do nosso sobrenome.

O fato é tão verdadeiro que: Ao ingressar o autor deste livro no grupo escolar de sua terra, no registro de inscrição escolar do ano de 1.933, seu sobrenome foi inscrito como:
“OSKEN”
Censura-se a inteligência e o bom senso de algumas pessoas do passado, deturpando a grafia original que é uma marca indelével; ao contrário enalteço a Igreja que fiel ao respeito das famílias de origem, grafava os sobrenomes certos, respeitando a vontade dos pais ou dos padrinhos.
Foi na busca dos arquivos episcopais que encontrei a base para formular esta história e ela foi amadurecendo na medida em que, aprofundava nas pesquisas.
Por fatores familiares e sociais, a história do aventureiro EDWARD HOSKEN, ficou encoberta por 100 longos anos após sua morte em CATAS ALTAS DO MATO DENTRO.
Se por deslizes pessoais de seus descendentes ele ficou esquecido por duas gerações consecutivas, a terceira geração da qual me incluo, tem a obrigação de ressuscitá-lo...                
É a isto que me proponho nesta aventura inicialmente tão escassa de informações, mas que foram surgindo a medida que aprofundava nas nuanças do romance e proezas da sua vida...
    
Na primavera do ano de 1.833, no Sudeste da Inglaterra, sob o reinado da rainha Vitória residia em St. Keverne o casal James e Anne Hosken, educados nos princípios rígidos da religião Anglicana.
Família de tradições mineradoras, mas de cujo passado guardavam tradições de nobreza e fidalguia.
St. Keverne no Condado de Cornualha onde residiam, fica no extremo Sudeste da península, sob o paralelo 50 e a l4 km. do cabo Lizard, entre os meridianos 4 e 6.

 Ver mapa do Sul da Cornualha, Inglaterra no anexo nº 6.

A península avançando sobre o Atlântico é assolada por ventos vindos do Mar do Norte e também pela corrente marítima do Golfo do México, que nos contrastes das temperaturas, ameniza o clima da Cornualha.
A vida pacata da família HOSKEN em St. Keverne depois da volta de Jammes do Brasil, não coadunava ao do filho cheio de aspirações e de desejos de aventuras; ainda mais, faltava trabalho aos jovens da sua idade.
Sua perspectiva profissional era limitada, ele também sabia que dificilmente galgaria as mais altas posições gerenciais de uma mina, posto de Comissário  por exemplo como todos os jovens aspiravam.
Apesar de James Hosking ser assistente de diretor, como também o era Edward Hosking na Mina de Breage, por cima deles havia outros com mais direitos.
As dificuldades de emprego eram reais naqueles primeiros anos da década de l.830, tanto era verdade, que Samuel, Thomas, Diogo e John meus familiares, haviam abandonado a Cornualha para irem trabalhar no Brasil.

O sonho de Edward era conhecer outras terras e mares, como fizeram os Hoskens seus parentes influenciados pelo pai que lá estivera até 1.832.  
Não podendo ainda satisfazer seus anseios, iam nas tardes de folga olhar o mar azul que sumia no infinito.
Quando só, ficava a pensar: O que existiria do outro lado do Atlântico?
Como seria a vida dos Hoskens que haviam emigrado para o Brasil?
As cartas de seus familiares confirmavam tudo que o pai dizia sobre o Brasil e vinham cheias de admiração, pois lá parecia haver uma  só Estação...
Um dia ele iria saber, custasse o que custasse seu sonhar, pois pretendia fazer a mesma coisa que  Samuel, Mary, Thomas, Diogo e John, fizeram.
E a mãe Anne, permitiria a realização do seu sonho?
Do pai receberia no princípio talvez um não, mas depois, com má vontade compreenderia suas aspirações e cederia como acontecera com os que se foram...
Naquela época a TRADE UNION, fundada para defender interesses da classe trabalhadora, estava convocando mão de obra especializada para assumir os lugares dos mineradores da Imperial Brazilian Mining Association, que estavam no Brasil desde 1.828 e não reformariam o contrato de cinco anos.
No anúncio dos jornais e nos escritórios das minas existentes, a IMPERIAL BRAZILIAN MINING ASSOCIATION, juntamente com a Trade Union, oferecia empregos garantidos a quem se dispusesse a trabalhar no Brasil por um contrato pré-estabelecido de 5 anos de atividades consecutivas, era a 2a. turma nesta forma de contrato.
Era o que o jovem Edward agora com 20 anos desejava, as cartas que recebia de Samuel e Thomas já radicados no Brasil,  excitava-o.
A proposta era tentadora, pagaria a pena sondar pessoas mais bem informadas e experientes, se ele daria conta do que ofereciam.
Em segredo ele tomaria as primeiras informações para que sua mãe não obstasse os seus planos, pois ela fora inteiramente contra a ida do pai e de outros parentes que por lá passaram.  
Sabendo que em FALMOUTH tinha um velho parente marinheiro, que viajara pelo mundo inteiro e que por ocasião da Independência do Brasil, engajara-se na esquadra do almirante Cockrane, para lá partiu esperançoso.
O tal marinheiro só tinha elogios pelo país, além da simpatia que teve por ele nas lutas de sua emancipação; a beleza da terra e de seu povo, o clima, a fartura de víveres e frutas, deixaram o jovem maravilhado.
Seu conhecimento restringia-se às cidades onde aportara no litoral, mas que deixaram saudades.
-E as mulheres, perguntou Edward?
-Todos os tipos que você desejar...
- Como assim?
- Brancas, mulatas, pretas e até índias se você quiser.
-Não, não é a isto que quero saber; eu pergunto como são elas?
-Ah! Mulheres lindas, meigas, sobretudo, fêmeas...
No sul e no centro, maior quantidade de brancas amorenadas pelo Sol, no Nordeste onde fora a capital da colônia, grande quantidade de pretas e mulatas de uma brejeirice encantadora.
- Por que você quer saber tanta coisa sobre o Brasil?
Pensei que você veio aqui para nos visitar e matar a saudade, agora vem com esta enxurrada de perguntas por uma terra tão distante...
- É verdade, eu quero saber tudo sobre o Brasil, há ofertas de emprego para quem tiver experiências na mineração, isto mexeu comigo...
- Não é possível!  Você ficou maluco?
- Não, claro que não, é uma oportunidade única que surgiu para um sonho que acalento desde menino, quando meu pai esteve no Brasil na década passada.
- Sua experiência em mina ainda é pequena, a não ser que esteja disposto a enfrentar a dureza do aprendizado.
- O tanto que conheço sobre mineração já me basta e seja o que DEUS quiser...
- Olha o que você está aprontando, menino!
E a namorada que você me apresentou, vai ficar para trás?
- Brigamos e senti que não há retorno...
-Como assim?
- Incompreensões, além do medo que demonstrou de ter que ir para o Brasil.
Edward silenciou sobre o assunto e desviou a conversa.
Onde você passou a maior parte de sua estadia no Brasil?
- No mar...
-Como no mar?
- Não se esqueça que eu era marinheiro e a minha casa, a Corveta Maria da Glória...
- Então você se engajou na marinha brasileira?

- Quase, servíamos ao almirante Cockrane, que por sua vez, fora contratado para organizar a nascente marinha do Brasil para as lutas de sua independência.
Em Falmouth passei aquele dia, no outro voltei à minha casa.
Ainda havia em mim aquela dúvida e o receio das loucuras que era viajar para o desconhecido.
Se a transferência para o Brasil estava dando certo para os familiares que lá estavam, por que não daria certo para ele?
No sábado, encontrando na saída do templo com o amigo da família, senhor WILLIAN JEFERRE e sua esposa ANNE RAILTEW JEFERRE, que haviam se casado no Brasil eles abordaram-me dizendo:
- Como foi bom encontrá-lo, avisa aos seus pais que por um destes dias passarei por lá para despedirmos e saber se precisam enviar alguma coisa para os seus...
 Despedirem-se!
 Para onde vão?
- Para o Brasil, Edward!
- Prá onde?
- Estamos voltando para o Brasil, pois fui chamado para trabalhar novamente em outra mina de ouro daquele país.
Em qual mina?
Do Gongo Soco, recém-comprada pela Brasilian Mining.
Parecendo maluco, ele disse admirado para os Jeferres:
- Não, não é possível!
- Ora! Não é possível por quê?
Rindo com os dentes bem a mostra, Edward surpreendia aos amigos.
-É incrível!  Eu também penso em ir juntar aos meus familiares que estão trabalhando lá, na mesma mina onde meu pai esteve até agosto de 1.832.
- Jammes e Anne mudaram de idéia e permitiram que você partisse?
- Eles ainda não sabem, mas não haverá objeções, pois completarei 20 anos.
Mal sabia Edward que ele, naquele encontro estava ganhando os futuros pais para os anos seguintes da sua vida, pois depois que os parentes encerrassem o contrato de cinco anos, voltaria à Inglaterra, Willian e Anne seriam os amparos dele naquela terra estranha.
Anne era apenas 11 anos mais velha do que Edward, porém tinha por ele um afeto especial, os pais trabalhavam juntos há vários anos e eram além do mais, vizinhos.
Anne chamava a atenção pela beleza física de suas formas e pelos longos cabelos loiros caídos sobre as costas.
Seus olhos azuis davam maior serenidade ao seu semblante e o seu sorriso franco, uma porta aberta para quem dela se aproximasse.
Já o esposo JEFERRE de olhos verdes, mantinha os dentes escondidos por trás dos lábios, nunca os mostrando, mesmo nos momentos de alegria; era seu modo particular de ser apesar da afabilidade que demonstrava nos seus momentos sociais.
Anne ainda surpresa com a conversa da ida do jovem amigo Edward, perguntou:
- Você vai partir daqui solteiro?
-Sim é lógico, ainda sou muito novo para casar; quando voltar do Brasil é que vou escolher a minha companheira...
- Pense no que você está aprontando, menino!
Eu e Jeferre somos casados e companheiros para todas as vicissitudes que nos ocorrerem; e você, á quem pedirá socorro?
Ora! Certamente a Samuel e sua esposa Mary ou a Thomas e Adélia, meus familiares.
Edward ignorava que seus parentes estavam voltando para a Inglaterra.
- Vocês também não estarão lá?
Edward sorria.
- Sim é claro, mas nós nunca iremos substituir seus pais...
Willian Jeferre com aquela conversa ficara preocupado, sabendo que o jovem amigo tomava aquele rumo levado por sentimentos amorosos, ao contrário deles que tinham um ao outro para se amparar.
-Que você acha desta loucura, Anne?
- E a nossa ida, também, não é?
- Ora, Anne! Nós somos um casal adulto e experiente e não estamos viajando por decepções amorosas!!!
- Então foi a Mary que provocou a viagem do Hosken?
- Foram desencontros dos dois, solapado pelo orgulho dos pais dela que se julgam superiores em tudo a nós mineiros...
Pense bem! A Mary encontraria por aqui um jovem tão bonito e trabalhador como ele? 
-Tão bonito; certamente que não, porém mais realizado financeiramente, talvez sim.
O menino é novo, ambicioso e aventureiro, terá certamente um futuro promissor.
- É, mas aqui ele não teria esta perspectiva de vida que certamente terá na América.
-Você imagine este garoto voltando rico, como ficariam os pais de Mary?
- Ah! Com caras de tachos esquentado nos fundilhos, vermelho e embaçado depois de  tanta fumaça.
-Não seja tão crítica com eles, querida!
Eu no lugar de James e Anne, não permitiria a viagem de mais um filho nas circunstâncias dele e se por ventura eles pedirem o meu conselho, serei sincero desaconselhando-os...
Nós não temos o direito de interferir na vida particular deles; por certo eles também devem achar que somos um casal de loucos...
Willian e Anne ainda teriam algum tempo pela frente, o tempo suficiente para venderem o mobiliário e os seus pertences.
Do enxoval pessoal, pouca coisa aproveitaria para levar; a mineradora recomendava roupas pessoais leves, condizentes com a região tropical para onde iam.
Para os homens, a contratante forneceria a maior parte das roupas de trabalho, somente os trajes sociais é que deveriam levar.
Com esta providência, a empresa eliminava o excesso de bagagens.
Durante o recrutamento houve uma preferência que colocou Edward em dúvida:
A Brasilian dava primazia aos casais com filhos em condições de trabalho, como foi o caso de Samuel e Mary e Thomas e Adélia que já tinha seguido há mais  anos.
Por último os solteiros acima de 20 anos.
Ele Edward estava com 19 anos e completaria os 20 pouco tempo antes da viagem.
Será que a sorte iria premia-lo entre os 120?  Ele filho de Jammes Hosken!
Os que fossem escolhidos seriam embarcados em levas de 40 pessoas no período entre a Primavera e o Outono europeu, o que correspondia ao período de secas no Brasil.
Nas primeiras viagens seriam incluídos os contratados que tivessem conhecimento de construções, nas últimas o pessoal habilitado com a mineração.
Edward depois de obtida a autorização dos pais, apresentou-se à Mineradora para informar-se de maiores detalhes.
Seu nome constava da quarta leva, juntamente com Mr. Jeferre e a esposa, o que se daria no mês de junho, Verão no continente europeu.
Em maio ele teria que se apresentar à empresa para receber instruções durante todo o decorrer dos 31 dias e ao mesmo tempo, preparar os documentos necessários como emigrante.
Os dias voavam e maio veio logo com as instruções que tomavam todo o seu tempo.
Edward receoso pelas lições que teria que guardar prestava a maior atenção às instruções que recebia de pessoas que já haviam trabalhado na América e África.
Eram explicações para sobrevivência numa terra ainda pouco desbravada, lições superficiais sobre a língua portuguesa, hábitos, religião, clima, moeda e os males que poderiam ocorrer, tanto na viagem quanto ao decorrer do contrato.
Dados importantes para todos, inclusive as crianças que também seguiriam, conscientizando-os dos perigos que enfrentariam em terra e povo estranho.
Eles os ingleses, seriam uma minoria dentro da própria mina, apesar do contingente somar 200 patrícios contra os 900 brasileiros previstos.
As esposas receberiam ensinamentos especiais sobre alimentação, primeiros socorros em caso de necessidade, mesmo sabendo que com eles seguiria um médico.
Lá, explicavam eles: - Vocês terão moradia, alimentação, vestes de trabalho, escola, hospital, templo religioso e áreas próprias de lazer.
De tempo em tempo, mala direta da Inglaterra e vice-versa para o Brasil.
Na mina do Gongo-Soco, este é o nome do lugar onde vão trabalhar e viver, construímos uma vila com todas as condições necessárias para sentirem-se  em casa.
A dificuldade maior que vocês sentirão é com o relacionamento com os nativos da região; chamamos de nativos os brancos e os escravos já radicados naquele local.
A empresa oferecerá uma vez por semana, aulas de conversação na língua local, o português.
Durante o período de adaptação e aprendizado da língua portuguesa, vocês deverão evitar falarem com os escravos; trata-se de medida preventiva para que vocês não se compliquem  com os dialetos dos negros.
-          Então, eles não falam a mesma língua, perguntou um dos mineradores?
-          Não, pois são africanos e misturam o banto com o português...
-          Há muitos negros na mina?
-          No Brasil o trabalho pesado é todo feio pelos negros, não é como na Inglaterra, onde não existe escravatura...
-          Então a maioria operária será de negros?
-          Claro! Pois a Cia. não pode dispor de tantos europeus para trabalhos
            braçais em terras tão distantes...
-          Tal como nas minerações da África do Sul, vamos utilizar mão de obra
pesada de nativos africanos, já que no Brasil os seus nativos não se prestam ao trabalho submisso. 

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