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CAPÍTULO V UMA VIAGEM EM BUSCA DE OURO


Todas as instruções e informações que receberam no treinamento, davam aos ingleses o vulto quanto seria difícil os primeiros anos vivendo no Brasil.
A missão deles seria explorar economicamente os ricos filões de ouro dentro da terra, já que os de aluvião haviam se esgotado.
A probabilidade da Brazilian Mining Association que comprara a Mina na 2ª década do século XIX seria bem maior que as dos proprietários anteriores, que exploraram as jazidas de forma primitiva e depredatória.
As instruções recebidas foram de grande utilidade, preparando-os para   qualquer  adversidade que surgisse pelo caminho da espinhosa  aventura.
 
Durante o período livre daqueles últimos dias na Inglaterra, ia dando adeus  aos recantos preferidos e dos amigos, despedidas que deixavam marcas nas dúvidas e incertezas...
Edward procurava falar com Mary, insistindo com recados, talvez ela ignorasse a razão da sua obstinação.
Na véspera da sua partida, os pais: Jammes e Anne ficaram até mais tarde conversando sobre a viagem.
A mãe Anne preparando as roupas que Edward teria que levar, não muitas, porém as melhores que possuía, desde que as quotidianas do trabalho, a empresa forneceria.       
Dobrando uma camisa passada, a mãe verificava se não faltavam botões ou se era necessário um cerzimento;  calada,  soprando o  ferro  de brasas, olhava para o filho.
Seus olhos vermelhos e lacrimosos, deixavam transparecer o quanto sofria  com mais uma  partida.
Debochado, Edward recriminava-a:
- Velha chorona!
Quando vai desmamar sua cria?
Passando o lenço sobre a face, ela o  fitava com a ternura de mãe prestes a perde-lo e disse:
- Lágrimas que talvez você nunca mais verá correr...
Fingindo não entendê-la respondi:
- Que bom, assim partirei mais feliz!
A voz grossa de meu pai se fez ouvir:  - Não entristeça seu filho, Anne!
Tentando consolar  ele acrescentou:
- Ah,  se tivesse a sua idade!
- O que você faria James?
- Ora, partiríamos com ele minha velha, voltando ao Brasil!
Eu tinha certeza, fosse ele 10 anos mais moço,  se  ajuntaria a nós no Brasil.
Aquela indiferença que eu achara sentir nele, era sem dúvida nenhuma, ciúmes por também não poder partir.
Virando-se  para minha mãe:
- Quem sabe se tudo der certo com ele, não poderemos fazer o mesmo?
- Ora James; já não somos tão jovens!
- E os Jeferres, são?
- A velhice não se conta pêlos anos, mãe!  Vocês têm saúde e disposição para o trabalho é isto que vale para quem quer  ir a luta...
- Ah filho! Seriamos loucos de deixar o que temos para pescar incertezas...
Para você sim, você é jovem e tem quase um século pela frente...
- Vocês já imaginaram viverem numa terra de constante Primavera?
- Que bom seria filho, ficarmos livre deste clima e do “ fog ! “
Apesar de bem mais quente que o resto do país, a Cornualha vivia coberta pela bruma de uma névoa constante.
Jammes começou a descrever como era o Brasil.
- Não fia na conversa deste velho e dos meninos que estão lá, pintando através de cartas as belezas que não vemos... 
Os dias voavam e eu não dava por fé; como passavam rápidos!
Nas  vésperas da viagem, tive que me deslocar  por quase 400 quilômetros até o porto de Southampton.
Os últimos dias antecedentes ao embarque, eu não conseguira conciliar o sono, a excitação era enorme; nesta ocasião comecei a sentir o peso da minha audácia.
Nem os passeios pela movimentada cidade portuária, me fazia esquecer o meu atrevimento naquela  aventura.
Na hora do embarque, alguns poucos familiares mais próximos,  tanto  meus como  dos companheiros de viagem,  esperando no cais pela nossa partida; eu sentia  o clima e a tensão.
Ao abraçarem-me parecia o adeus de quem nunca mais voltaria, lágrimas, choros e a advertência:
- Estaremos aqui no dia da sua volta, avise-nos com antecedência...
A mim,  parecia  pelo que diziam,  estar de volta poucos dias depois.
Ao abraçar o pai, Edward viu como ele tremia e segurava firme sua mão  entre as dele, era mais um  filho que desgarrava da sua tutela.
- Pegue esta carta meu filho, e quando lá chegar, entregue-a  para o capelão  G. I. Dodgson, eu estou recomendando-o...
 Qualquer problema que tiver, procure o seu conselho.
- Samuel  e Mary não estão lá, James?
- Claro, se não me foge a memória, desde 1.828...
- Então, para que recorrer a estranhos?
- Como parentes eles tem a obrigação Anne, mas falta o prestígio que o capelão Dodgson desfruta da direção da Mina... 
A mãe ouvindo as recomendações do pai, não teve como esconder suas emoções; convulsa, não segurava o choro.
Com uma sacola a tiracolo e o passaporte na mão direita, ele subiu a rampa do convés, olhando para trás.
Seus pais acenavam lá de baixo, o lenço banhado em lágrimas, pesava sem tremular ao ar.
Com o cabelo cheio, barba e bigode tomando um terço do rosto, vestia um terno escuro com casaca debruada que deixava ver por baixo dela, uma gravata larga semicoberta pela barba espessa; com a calça da mesma sarja.
A veste fora feita para tirar o passaporte e o embarque da sua despedida.
De aparência muito mais velha, era o retrato de quem sofria as desilusões de uma paixão e partia com incertezas... 
Um apito rouco ecoou por todo o cais,  ele varria com os olhos a plataforma procurando alguém.
Ela não viera como desejava para sua despedida...
- Será que Mary  tinha se  esquecido dele tão rápido?
Agitados, do tombadilho e encostados a amurada, dávamos o adeus de despedida; o coração pulava e nas nossas expressões, um misto de dor e angústia.
Quantos de nós voltaríamos à Inglaterra?
Outro apito mais rouco e curto e um burburinho de vozes e gritos agitando o cais.
Aqueles apitos pareciam sair de dentro de mim, como se fossem gemidos de dor.
Lá embaixo, o cordame das amarras se desenrolando, o piso abaixo dos meus pés começou levemente a desequilibrar com o fluxo mais intenso da maré.
Rolos de fumaça encardiam o céu e um cheiro desagradável obrigava-me a levar o lenço às narinas em vez de abaná-lo como vinha fazendo.
Com os olhos ainda fixos na plataforma, eu não via quem procurava apesar da minha vista perceber os meus pais e entes queridos diminuindo de tamanho.
Embarcações pequenas cruzavam o navio, que na sua rota iam deixando os rastros de seus cascos, marcando suas passagens.
O relógio do porto marcava 9,45 de uma segunda-feira; o barco deslocava cada vez mais ligeiro dentro do estuário de Southampton, indo dar de frente com a ilha Wigth.
Passando pelo canal entre a ilha e o litoral da Inglaterra, eu senti quando desembocamos no Canal da Mancha, estávamos a uma distância de 86 quilômetros do porto.
O navio jogava bem mais do que nas primeiras horas dentro do estreito canal.
O tombadilho quase vazio, eu sentido a  oportunidade rara de ver de fora,  como era nossa terra; a costa parecia coberta com um manto azul escuro e afastadas, silhuetas da baia de Weymouth, depois Lyme, ponta Start, cabo Lizard e certamente por trás dele,  as ilhas Scilly e  Land’s End.
No pouco tempo que ainda me restava daquela doce visão, eu via gaivotas planando sobre nós como se quisessem apagar  nossos  sentimentos do vazio que ficara.
Entre os dentes, escondendo meus tormentos, eu murmurava baixinho:
- Adeus, eu voltarei daqui a 5 anos...
No horizonte distante, a minha vista estava presa para o lado Norte, tentando discernir se um ponto destacado era ilha ou embarcação; a Inglaterra escapara da minha visão...
Minha distração maior passou a ser o vasculhar das águas; quase só no mesmo lugar que tomara na despedida, o barco cavalgava sobre as ondas, subindo e descendo, eu começara a sofrer um incômodo natural de quem viaja pela primeira vez num navio.
Um marinheiro vendo-me ali desgarrado procurou alertar-me:
- Esta é a maneira mais fácil para buscar seus enjôos...
Ouvindo seu conselho, comecei a andar pelo convés até que a ligeira indisposição desaparecesse, aí dei conta que nem meu camarim tinha visitado.
Solteiros como eu, não se importavam com as acomodações; os comissários de bordo sabiam como eram os jovens...
Colocando a minha bagagem no camarim, voltei para o tombadilho, onde seria durante toda a viagem o meu lugar preferido.
Golfinhos e cardumes de peixes pareciam compartilhar da nossa viagem;  vendo-me isoladamente no tombadilho, marujos vinham perguntar atenciosos se eu estava me sentindo mal.
 Eu apontava em direção do cardume.
- Ah! Os peixes...
- Sim eles.
- Você os conhece?
- Para falar a verdade, conheço tanto os peixes como conheço a rainha...
Ele riu:
- Essa nem eu, moço!
Surpreso com tanta atenção do marujo, perguntei:
- Você não tem trabalho?
- Claro! Só que este não é meu turno, pois trabalhei até às 18,00 horas.
Escurecera e eu não sentira a mudança do dia para a noite.
Perguntei o seu nome;
- Robert, disse ele, mas aqui me chamam pelo apelido de Bob.
- Muito prazer, Bob.
- O mesmo, digo eu...
Naquele instante começara uma amizade que me foi  útil na viagem .
- Então você não conhece os peixes?
Abanando a cabeça em resposta afirmativa, ele falou:
- Já trabalhei numa baleeira, aquilo me repugnava, e quase deixei o mar; por sorte abriu  vagas nesta embarcação e aqui estou  há quase 3 anos.
 Apesar de pescar baleias, aprendi a conhecer os povoadores dos mares.
- Então vou ter um professor a me ensinar tudo sobre o mar?
- Você também está querendo esta vida?
- Não; Eu estou indo para o Brasil já empregado....
Na manhã do outro dia, naquele mesmo lugar do tombadilho, comecei a conhecer os peixes:
Anchova, arenque, barbo, cação, cavala, espada, linguado, pescada, sardinha, tainha, voador e todas as espécies que iam aparecendo, isoladas ou em cardumes; Às vezes alguns golfinhos saltando a frente do barco.
 Nas noites de calmaria, também apreciávamos as luzes refletidas, das estrelas e dos peixes vaga-lumes.
Peixes pulando fora d’água, ora fugindo do predador, ora como vorazes predadores.
Eu pensava em mim mesmo, um peixe fora d’água querendo escapar do mundo vilão que era o meu Oceano...
Por que buscar fora da Inglaterra numa luta desigual o trabalho?
A resposta só o tempo responderia...
No céu uma profusão de luzes clareadas pela lua, as estrelas  contadas aos milhões, também ajudavam a clarear numa claridade estonteante.
Dentro de poucos dias não veria mais a constelação da Ursa Maior que brilhava bem acima, na amplidão do céu visto a l80 graus.
Bem mais que Jeferre e Anne, eu me sentia como se veterano fosse das viagens marítimas.
Muitos dias de embarcados e o navio atingindo as ilhas dos Açores, portuguesas como antes fora as terras brasileiras.
Dali para frente, só daria ilhas dominadas pêlos portugueses e espanhóis.
Tanto a direita como a esquerda: Canárias, São Paulo e Cabo Verde, entre os meridianos l0 e 20.
Completávamos semanas de viagem, quando numa manhã o comandante anunciou que, cruzaríamos a linha do Equador no outro dia e que era praxe uma comemoração especial.
Todos os navios promovem festas ao ensejo, dizia o capitão, pedindo colaboração de todos os embarcados.
O capitão Frank, marinheiro graduado que acabara de ser guindado ao posto de Comandante do navio no retorno da viagem, seria o “Co-ordinate “
O coordenador tornou a solicitar dos passageiros a ajuda para melhor brilho da festa, bem como sugestões.
A manhã da travessia estava ensolarada, o céu de um azul claro, sem nuvens e o mar completamente sereno.
O capitão Frank explicava como seria o programa que a comissão a ser escolhida  teria que elaborar para conhecimento dos  passageiros.
Além das comemorações nos salões, teriam jogos no tombadilho e a tradicional oferenda á Netuno, deus dos mares, sempre receptivo aos pedidos dos humanos, até aos mais impossíveis desejos.
Às 10:30 horas, horário da ilha de São Paulo, correspondendo às l2 horas de Londres, o navio alcançaria o ponto das comemorações, onde seriam lançadas às mensagens.
Edward perguntara ao sub-comandante Frank, o que ele poderia pedir e em troca, oferecer de dádiva à Netuno.
- Pode pedir ajuda por um parente doente, que a viagem transcorra na mais feliz harmonia ou que você encontre nesta viagem a parceira ideal.
- E a realização de um sonho, é possível?
- Claro! Desde que você manifeste a Netuno o seu desejo por escrito...
- Como?
- Colocando dentro de uma garrafa lacrada o seu desejo.
- Ah!  Será que ele vai me atender?
- Não custa tentar...
- O senhor está brincando ou gozando com a minha cara, não é verdade?
- Brincadeira não deixa de ser, mas que seu desejo possa ser atendido eu creio...
Quantos pedidos, mensagens assim lançadas não chegaram ao seu destino realizando o sonho do passageiro?
- Eu creio como marujo velho, no poder do Deus Netuno...
Céptico eu encarava o capitão e perguntei:
- O senhor garante que há probabilidade do meu sonho realizar-se?
- Garantir que ele se realize eu não posso, mas que há possibilidades, digo que sim, basta que você queira...
Quantas pessoas cépticas como o senhor, vieram depois confirmar que a brincadeira dera certo, pois seu sonho se completara!
- Ah! mas a garrafa que não tenho?
- No convés junto da escada de acesso aos camarotes o senhor encontrará a disposição, tantas garrafas quanto papeis das mensagens que pretenda mandar...
Seguindo a orientação, apanhei o material que precisava para redigir a mensagem.
 Com a garrafa, uma rolha, papel, tinta e caneta fui para meu camarote.
Escrevi diversas mensagens rascunhadas num papel, insatisfeito com os dizeres, rasgava e tornava a redigir outra.
Era difícil dizer o que queria para Mary!
Eu tinha vontade de iniciar a comunicação com forte censura à namorada, mas não seria certo escrever coisas duras que poderiam cair em mãos de terceiros.
O melhor seria poucas palavras, condensadas no afeto que eu tinha por ela...
No rótulo de endereçamento escrevi em letras garrafais:

HERE IS MY  ADRESS,
MARY STUART MILBURH  ST. KEVERNE
- LIZARD - CORNWALL
BRITAIN

Na carta, anotei: 
“ Mais que a minha saudade, a tristeza de partir sem me despedir de você...
Clamo da sua indiferença por saber da minha partida, causa única da sua atitude intempestiva, tomada com a recusa do seu pai pelo nosso namoro.
Sei que acima da sua vontade, havia a obediência a palavra do seu pai, que você muito respeita.
Mas a nossa vontade, quem respeita?
Se por ventura esta carta chegar milagrosamente as suas mãos, será um sinal evidente que o destino supera as forças contrárias as que nos separam...
Para reencontrá-la, voltarei daqui ha 5 anos,  querendo-a  mais do que agora, amando-a  para sempre...”
 Seu muito seu,               EDWARD HOSKEN
                                                VILLAGE  NOVA RAINHA DE CAETÉ
                                        MINAS GERAIS  -   BRAZIL

Com a ajuda do marujo Bob, coloquei por dentro do vidro o endereço de Mary voltado para a parte externa; enchi a garrafa de algodão e partículas de sílica para combater a umidade que pudesse penetrar.
Fechei com rolha e lacrei o gargalo da garrafa.
A mensagem estava pronta para a cerimônia em homenagem a Netuno na passagem do navio pelo Equador.
Ali naquele lugar, a linha do Equador dividia a terra em duas partes:
O hemisfério Norte que eles deixariam dentro em pouco, e o hemisfério Sul que o navio passaria a navegar e eu iria viver por 5 anos...
Os relógios da Inglaterra deveriam estar marcando l3,30 horas do meridiano de Greenwich, os do Brasil l0,30.
Diferença de horário que eu desconhecia e iria conviver por muitos anos com relação a Cornualha e o centro do Brasil.
Com os conveses cheios, da cabine do comandante soou a sirene que o navio respondeu com o surdo roncar de seu apito: “ Runnnnnn, runnnnnn. runnnnnn... “
Aquilo atormentava os ouvidos e a cabeça e continuou roncando:  “Runnnnnn, runnnnnn, Runnnnnn...

“ -We are exactly at latitude zero, have a look!  EQUATOR. ”

Um foguete sinaleiro subiu ao céu, gritos e abraços de toda a tripulação e os  passageiros confraternizando-se.
O comandante foi o primeiro a lançar o seu pedido ao mar, ele estava  despedindo-se do comando  naquela viagem; o que será que ele havia pedido?
Atrás do seu gesto, centenas de mãos saudavam Netuno, jogando às águas seus presentes, geralmente objetos de uso pessoal, pois não haviam flores.
Junto, as mensagens escritas dentro das garrafas.
Edward olhando do alto para as vagas que subiam e desciam, disse consigo mesmo:

- Que você encontre Mary e diga para ela o quanto a amo...

Acompanhando o mergulho da garrafa, ela custou a voltar à tona, levada pelas ondas que faziam dela um brinquedo, sendo jogado para lá e para cá.
Nem o mar ainda definira para onde levá-la.
A lâmina d’água se encheu de coisas, as mais diversas vistas do alto.
Um bando de golfinhos atraídos pelos objetos, acharam que eram  alimentos, depois começaram a brincar com eles,  lançando-os  para o alto; eles brincavam como se fossem meninos; eu não mais sabia distinguir qual era a minha garrafa...
A festa iniciara numa alegria contagiante, oportunidade de todos os embarcados conhecerem sem as formalidades das apresentações.
-  Good morning dear sir, I am delighted in promote this meeting....
- "Me too"
O gelo do desconhecimento ia quebrando na medida que avançava a festa e os relacionamentos entre os passageiros.
A primeira coisa que perguntavam:
- Where are you going?
Estava aberta a porta para uma amizade que duraria por toda a viagem, ou mesmo para toda a vida, caso dos ingleses que iriam trabalhar em Gongo Soco.
No tombadilho eu me encontrei com Anne e perguntei o que ela tinha pedido a Netuno:
- A nossa felicidade, filho!
E você?
- Que minha mensagem fosse parar nas mãos de Mary...
- Mais nada?
- Que mais poderia pedir, se ela é tudo que me falta!
Anne foi se ajuntar a Jeferre pensando em Edward.
Contando para o marido o que Edward pedira ao Deus do mar, ele respondeu:
- O que falta a ele hoje, amanhã será esquecido com a distância...
Após o cerimonial de cumprimentos, o comandante convidou a todos para o almoço especial da passagem pelo Equador.
Com seu melhor uniforme, o de gala, ele sentou-se no meio de uma mesa e lendo uma lista dos casais mais velhos, chamou-os para que se sentassem junto dele.
Não havia nenhum dos meus companheiros mineradores; éramos quase todos novos ou de média idade.
Dizendo da alegria do corpo de oficiais e da tripulação, poder comemorar aquele raro evento; certamente para muitos, o único da vida.
Abrindo os braços num gesto espalhafatoso, disse:
- Como vocês sabem, a terra é um hemisfério, ou uma bola para melhor compreenderem, neste lugar ela se divide em duas partes,
O hemisfério Norte que estamos deixando e Sul para onde estamos agora navegando.
Para melhor entenderem, mandou buscar um melão e com ele na mão servindo de globo, mostrava o planisfério com suas divisões demarcadas por linhas; entre elas a do Equador e dos Meridianos e os pontos de referência: A cidade de Londres, Ilha de São Paulo no meio do Atlântico e a cidade do Rio de Janeiro.
A linha do Equador que dividia a terra em hemisférios estava bem visível com a marca que o comandante realçara.
Dentro de poucos dias, vocês verão que até o céu é diferente, não mais as constelações da Ursa Maior e Menor, dando o mapeamento da abobada celeste, mas uma constelação de esperança e fé,  a  “Crux“ que certamente dirigirá daqui para o futuro os seus destinos.
Seu rosto segundo ele, estava longinquamente voltado para a foz do maior rio do mundo, o Amazonas que pelo seu colossal volume, empurrava suas águas pardacentas a distâncias de até 100 km, Mar à dentro.
Em determinadas épocas, pode-se notar suas manchas marcando o Atlântico, a distancias bem maiores.
- Então, estamos chegando Comandante?
Rindo ele respondeu:
- Que bom seria, se estivéssemos tão perto do Rio de Janeiro!
Daqui até ao Rio, ainda navegaremos por mais l.830 milhas marítimas, quase a mesma distância que estamos da foz do Amazonas...
O comandante ia demonstrando seus conhecimentos geográficos, tão importantes à vida dos homens do mar.
Edward pensava consigo mesmo: No momento que a sabedoria dos homens chega ao climax, ele se aposenta e põe de lado, tantos conhecimentos...
Alguém que jogara ao mar uma mensagem, perguntava:
- Comandante, comandante! Por favor, me informe:
Para onde seguirão as mensagens que jogamos ao mar?
- Do lugar onde foram lançadas elas poderão seguir para todas as direções da Rosa dos Ventos; dependendo do tempo e das correntes marinhas, entretanto é bem provável que elas sigam rumo ao Nordeste, levadas pelas correntes de deriva, que em águas profundas deslocam-se a 45 graus a esquerda do vento, o que é o nosso caso agora, além da contracorrente equatorial Norte .
- É uma resposta muito técnica, Capitão!
- Ah! vocês querem uma resposta mais objetiva?
- Sim, para que país ou local elas irão parar?
- Por força das duas correntes, a do Golfo do México e a de deriva, que é o caso agora, as mensagens deverão parar nas costas da Inglaterra...
Isto se não houver outros elementos imprevistos que venham a modificar a rota...
Um sorriso banhou o rosto de um moço que esperava uma resposta tão favorável; Como seria bom, Mary receber a sua mensagem...
A probabilidade não era maior nem menor que encontrar uma agulha perdida no palheiro.
O barco singrando o mar, percorria numa média de 80 milhas marítimas diária.
Ele e o tempo, pareciam mancomunados naquela marcha pachorrenta...
No 32º dia da viagem, avistamos a ilha de Fernando de Noronha, distante l35 milhas da cidade de Fortaleza, no litoral Nordeste da costa brasileira.
Ao sabermos que já navegávamos junto de uma ilha que pertencia ao Brasil, sentíamos como se estivéssemos chegando ao ponto de desembarque.
Ficamos desiludidos ao sabermos que ainda navegaríamos por mais 3 semanas; uma eternidade...
O sub-comandante sentindo o cansaço dos passageiros, passou a diverti-los com brincadeiras, visitas e explicações sobre o funcionamento dos navios.
Num concurso de quem galgaria mais alto o mastro principal, subindo pela escada de corda, ganhou em sua ousadia o irmão do capitão Lyon, o atual dirigente da Mina do Gongo Soco: moço com l8 anos e de uma coragem sem limites.
Eu fiquei sem saber se o risco da aventura, valeria o prêmio que recebera...
Tínhamos saído do Verão europeu e estávamos entrando nas proximidades  do continente Americano, em pleno Inverno; apesar da estação fria, o calor era maior do que da Inglaterra.
O Sol castigava como se fosse Verão, também estávamos sobre a linha do Equador.
A primeira cidade brasileira vista do navio, foi Recife, onde abastecemos  atracados por dois dias.
Suas praias de uma beleza luxuriante, areias brancas contornadas por uma vegetação variada, principalmente  palmeiras.
Pena!  Não tivemos permissão de desembarcar.
A paisagem impressionava de tal maneira, que tive desejo de permanecer por ali.
Aquela visão paradisíaca foi o começo de meu namoro pelas terras brasileiras; o receio de não me dar bem na terra, ia desaparecendo a medida que o navio descia pelo litoral acompanhando a costa.
De dentro do nosso barco, víamos a face quase virgem de um país maravilhoso.
Passávamos seguidas horas nos conveses, bem mais que em nossos camarotes; era agradável apreciar as baías, estuários de rios, e os recifes invadindo o mar.
Embarcações toscas de pescadores passavam junto do navio, ora vindo, ora voltando; homens atrevidos, mal se equilibrando sobre paus amarrados que flutuavam espetacularmente sobre as vagas e as ondas.
Eram jangadas como são chamados no Brasil, nomes difíceis de pronunciar em minha língua e que seriam comuns vistas navegando na costa brasileira.
Sempre rumando para o Sul, descemos o litoral passando por pequenas cidades vistas ao largo.
Algumas guardei por escrito os seus nomes, eu queria cada vez mais tomar conhecimento da terra onde iria viver.
Olinda, 4,5 milhas acima de Recife; Maceió a 158 milhas abaixo em direção Sul; depois São Salvador onde paramos para desembarque de passageiros, cidade dentro de uma baía a 351 milhas de Recife.
A cidade nos impressionou pelo grande número de negros, bem como a quantidade de templos religiosos.
A concentração de pretos no mercado da cidade-baixa era de espantar, parecia uma terra do continente africano.
Visitamos igrejas, fortes e ruínas na praia da Gamboa.
Pretos escravos andando quase nus pelas ruas; ao contrário, as negras vestidas com inúmeras peças de panos alvos, contraste gritante que chamava a atenção.
Foi em Salvador que coloquei pela primeira vez, meus pés em terras brasileiras.
Navegando por mais alguns dias, chegaríamos a Vitória, ilha onde se instalara esta cidade, defendida pela baía.
No alto de um morro, sobre o penhasco o mosteiro que eles chamam de Nossa Senhora da Penha.
Estávamos chegando ao fim da viagem marítima, Rio de Janeiro ficava a 290 milhas ao Sul.
O perfil físico do litoral mudara o cenário, mas o fundo verde do palco aberto aos meus olhos, ainda era o mesmo:
Matas enormes com árvores de grande porte, brotando naquela terra dadivosa.,
Quando passamos pelo litoral Sul da Baia, mostraram-nos onde o país fora descoberto há 330 anos; pouca coisa mudara até então.
As mesmas árvores ainda intocáveis e as mesmas tribos indígenas desfrutando daquele solo onde o descobridor aportara, Porto Seguro...
Ficamos sabendo ao descer do navio pela costa, que adentrando no sentido Oeste de Vitória, a mata se estendia como um manto verde, até ao local para onde estávamos indo.
Era estranho o que diziam, pois cada vez mais deslocávamos para o Sul e o porto de chegada ainda tão distante.
Fora outrora naquela região do litoral, que os portugueses e os corsários carregaram de madeira de seiva corante vermelha, os navios para a Europa.
O pau Brasil da família das leguminosas de nome “Caesalpinia Echinata" com sua cor de fogo, parecendo brasa, é a razão da origem do nome do país.
Tão abundante e exportada para a Europa, que a designação do nome original dado pêlos primitivos descobridores, TERRA DE VERA CRUZ , virou tempos depois, TERRA DE SANTA CRUZ e finalmente, Brasil.
Muitos brasileiros não sabem a razão do primeiro nome, VERA CRUZ.
A constelação do Cruzeiro do Sul, vista pela primeira vez, pela frota de CABRAL, em terra firme, Porto Seguro, determinou a designação dada pelo grande navegador português.

“ Edward Hosken não poderia supor que, l60 anos depois de sua passagem pela extensa costa do litoral baiano, exatamente em  Porto Seguro, dois de seus bisnetos e um tataraneto, seriam  proprietários de um pedaço de terra onde CABRAL, fundeara para abastecer de água os seus navios...
O pequeno riacho Mutary, bem próximo da Coroa Vermelha onde Cabral mandou  celebrar a primeira missa.”

O litoral Leste do Brasil onde deságuam inúmeros rios caudalosos, como o Pardo, Jequitinhonha, Doce e Paraíba, ficara para trás.
O navio guindara 90 graus a direita, deixando a rota Sul, para rumar em sentido Oeste, onde iríamos desembarcar.
Ao deparar com a entrada da baia da Guanabara, parecia-nos que seriamos esmagados pelo encontro do navio com os dois promontórios que guarnecem os dois lados.
Estávamos chegando a cidade de SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO, o movimento de barcos assemelhava ao trânsito de barcos pelo estuário de Southampton.
Barcos ancorando, vapores partindo numa febril movimentação e nosso navio agora mais estável, apenas ligeiramente oscilando com as mansas vagas da grande baia...
Do tombadilho víamos negros desnudos, carregando ou descarregando, parecia um formigueiro humano em atividade incessante.
Rolos de fumaça cobriam a extensão da plataforma onde estávamos ancorando; o mau cheiro de águas fétidas dos manguezais, misturavam-se com os odores das fumaças que baixavam sobre a orla do porto.
O rolo negro expelido pelas chaminés, em cortinados recobria o manto verde do morro da Saúde.
Na expectativa do desembarque, eu ficara junto da murada do navio vendo lá de cima, toda a beleza que se descortinava da baía da Guanabara.
Levantado e emoldurando a cidade, o pico da Tijuca dominando a cadeia de montanhas ao seu derredor.
Mais a Sudoeste, os prédios do Arsenal da Marinha do Brasil, com janelas de grade marcando acentuadamente a arquitetura vista de longe.
Ao lado, galpões novos e outros em lamentável ruína, despertaram minhas curiosidades de recém-chegado.
Nos galpões velhos, montes de coque e carvão vegetal, canhões desmontados corroídos pela ferrugem e uma infinidade de carcaças que um dia foram úteis, agora carcomidos inexoravelmente pelo tempo.
Não era uma visão favorável, a quem chegava pela primeira vez olhando somente o que estava por perto; felizmente o morro de São Sebastião ficava logo atrás com seu mosteiro de arquitetura apreciável...
Ao meu lado, um marinheiro patrício ia descrevendo a cidade que ele tão bem conhecia, nosso deslumbramento era o mesmo, apesar do outro estar ali pela 4ª vez.
Alguém segundo ele, estava a sua espera, e ele acrescentou:
- O Rio de Janeiro é uma cidade surpreendente!
Era difícil definir o que era mais belo: Suas praias ou as encostas cobertas de matas, seus picos rochosos ferindo as nuvens ou o céu celeste refletido nas águas da Baia.
Embasbacado com a visão panorâmica, o primeiro encanto foi ver de longe as praias, depois, ao entrarmos no portal da baia, os dois promontórios: O Saco de São Francisco e o Pão de Açúcar com seus 390 metros de altura escarpada.
Aquela boca de entrada, parecia de um estuário de rio que nos confundiu durante certo tempo.
Junto dos morros, pedras com tonalidades múltiplas refletidas na lâmina d’água da baia; recortes de blocos maciços e areia moldurando o verde das matas.
A cidade do Rio de Janeiro vista da Prainha onde atracamos me fez lembrar o Canal do estuário de Southampton na Inglaterra.
O morro da Saúde encosta-se a praia, logo depois do Pão de Açúcar, as enseadas da Urca, Botafogo e Flamengo.
No cais onde desembarcamos o representante da embaixada, Mr. George F. Land, ( * ) cidadão inglês nos esperava.

( * ) Mr.. GEORGE F. LAND FOI INTERPRETE DE SIR RICHARD BURTON, QUANDO VIAJANDO PELO BRASIL; OS NEGROS LHE DAVAM O NOME DE: “JURUBACO “  GUIA EM LíNGUA INDÍGENA.
ALGUMAS VEZES OS  NEGROS TAMBÉM  LHE CHAMAVAM  DE: TRUXAMANTE.
MR. LAND,  JÁ  ERA CONHECIDO PÊLOS BRASILEIROS. 

Ele seria nosso guia durante a estadia na cidade do Rio de Janeiro e no percurso da viagem, se integrando ao grupo; inclusive alojando-se nas mesmas hospedarias onde pernoitaríamos.
Nos poucos dias que permanecemos na cidade, aproveitamos a oportunidade para conhecer seus bairros e praias.
Passeios encantadores pela orla marítima.
Tal como em Salvador, surpreendeu-nos a população negra, maioria nas vias públicas; geralmente trajando sumárias roupas.
Os homens portando calções ou meia calça de panos grosseiros; mostrando os dorsos completamente nus.
As mulheres negras, com vestidos longos estufados, trajando saias sobre saias e blusas cavadas em decotes ousados, mostrando os seios.
Moçoilas  de vestes curtas e transparentes, deixando ver por baixo do pano ralo, o corpo negro e sensual; andar bamboleante sobre pernas expostas de um brilho chamativo,  tanto quanto as formas íntimas de seus manequins.
Ao contrário das mulheres inglesas, as negras e as mulatas jovens da terra expunham de uma maneira provocante o corpo, num requebro encantador.
A mim, forasteiro recém-chegado, parecia proposital o remelexo bamboleante, porém alguns de meus patrícios que trabalharam por algum tempo na África, disseram-me que aquele modo de andar, é característico das mulheres nômades e andarilhas por excelência  da África.
Depois de alguns dias de estadia na cidade do Rio, a espera de nossos vistos de passaporte e vacinas,  aguardávamos as montarias que nos  conduziria  rumo aos caminhos de Minas.
O primeiro local que nos chamou a atenção, foi São Cristóvão, onde residia a família imperial brasileira, depois continuamos na baixada até ganhar um vale que nos levaria serra acima, dentro de uma mata fechada.
Casas de campo por todos os lados mantinham na sua simplicidade a natureza quase intocável, apesar de densamente povoada.
Cruzávamos e ultrapassávamos homens a pé ou a cavalo, geralmente conduzindo tropas.
A poeira levantada pelo tropel incessante quebrava a monotonia das passadas ritmadas dos animais.
Era tanta a poeira, que somente fomos ver a igrejinha de São Tiago de Inhaúma, quando chegamos frente a frente.
Continuamos cavalgando até a localidade de Irajá, pequeno povoado sede de paróquia que nos abrigou naquela 1º  noite de viagem.
A viagem foi curta, pois a maioria não tinha intimidade com as cavalgadas.
Minhas pernas e nádegas estavam doloridas pela posição incômoda na marcha da tropa.   
Foi um alívio poder esticar as pernas e descansar a parte posterior do meu corpo; um sono pesado nos derrubou naquela 1ª jornada da viagem pelo interior do Brasil.
Levantamos no outro dia às 4 da madrugada ainda sonolentos e partimos às 5,2O horas, depois de alimentarmos com fartura; principalmente de frutas tropicais, tão abundantes na região.
Depois de Irajá, o caminho mais acidentado ia mostrando a riqueza da flora brasileira; Mr. Land apontava uma espécie maravilhosa de árvore florida.
Poucas folhas verdes em contraste com a exuberância das flores amarelas; Encopada e coroada daquela maneira dava uma visão de toda sua majestade.
Perguntamos o seu nome, Mr. Land disse-nos chamar-se,  Ipê Amarelo...
A estrada estava perdendo movimento de cavaleiros e transeuntes na medida em que avançávamos rumo ao nosso destino.
As chácaras até então muito comuns, já não eram vistas, desaparecendo de nossos olhos; agora só há longas distâncias apareciam fazendas de engenhos  que predominavam  na região.
Cavaleiros ostentando adereços de ouro e prata em seus arreios, geralmente bem vestidos, mostravam a opulência, fruto de suas atividades abastecedora do grande mercado próximo.
Na parada da tarde, fomos arranchar em Aguaçú, sabendo que no outro dia, teríamos que subir até as margens da bacia do Paraíba, rio de corredeiras sem grandes quedas, até a localidade de Ubá, 5 léguas adiante.
Em Registro, tivemos que descer dos animais e pegar uma balsa para atravessarmos o Paraíba; Ali existia uma barreira de cobrança de pedágio e fiscalização.
Nosso guia apresentou um documento que dispensava a cobrança de toda a tropa; admirados, os guardas nos olhavam de uma maneira curiosa e não muito amável.
Florestas mais densas mostravam a força da terra aos nossos olhos.
Neste dia pude observar um costume próprio dos tropeiros; eles iniciavam a jornada diária, tomando quase um copo inteiro de cachaça em jejum, bebida extraída da cana de açúcar, muito usada no Brasil; depois, alimentavam-se fartamente para partir em seguida.
À noite antes de deitarem, também faziam uso desta bebida alcoólica.
Na terceira noite fomos dormir pela 1ª vez num rancho de um fazendeiro-comerciante.
O abrigo ao lado da estrada mostrava-nos o mundo diferente por onde andávamos.
Muitas tropas arranchadas nesta propriedade aprontavam conversas e discussões intermináveis; movidas certamente pelas bebidas e comidas que enchiam o balcão da  venda.
Sobre tábuas largas e grossas, canecas de água ardente eram esvaziadas de uma só vez.
As senhoras foram dormir na casa do proprietário português que aliás conhecia a Inglaterra e disso fazia alarde; Sua esposa como anfitriã, mostrava-se solícita com todas elas.
Nós os homens permanecemos por mais tempo no estabelecimento comercial, conversando e indagando sobre a estrada.
Fogueiras acesas dentro do rancho afastavam os inimigos dos tropeiros e dos viajantes que ali dormiam sobre o couro cru; que a noite servia de cama e durante o dia, de cobertura dos balaios e caixotes presos as cangalhas.
Os tropeiros que não rondavam durante a noite, roncavam sob efeito do estômago cheio, perturbando o nosso sono nas redes dependuradas nos esteios da cobertura do telhado.
No principio estranhávamos as redes e achávamos estar ainda navegando no Atlântico, tal a oscilação que sentíamos ao mexermos durante o sono.
Ao acostumarmos com elas, sentíamos maior conforto, pois elas se amoldavam ao corpo, ao contrário do couro, geralmente sobre o piso duro.
 O movimento pendular nos embalava num sono rápido, sobre o efeito do cansaço; o próprio tecido da rede servia como forro e cobertura; o roncar dos companheiros já não nos incomodava,
A pousada seguinte foi na localidade chamada de Simão Pereira, que faz parte do julgado de Sapucaí; era a quarta noite da viagem pelas estradas do Brasil, agora já nas margens do Paraíbuna, afluente do Rio Paraíba.
Com a vinda da Corte de Portugal para o Brasil, a região tomou um grande impulso nos  últimos 25 anos.
Aí, havia um posto de fiscalização de mercadorias em trânsito; para tanto, uma guarnição aquartelada em galpões, barrava todos os transeuntes com tropas.
Os impostos eram bem compensadores, pelo volume dos que cruzavam esta barreira do Registro do Paraíbuna

                                                     Casa do registro do Paraibuna

.Largando Simão Pereira, cavalgamos por terrenos densos de vegetação; sua coloração verdejante demonstrava a diferença entre o verde das matas e dos campos abertos.
Começamos a subir encostas de morros, quando entramos pelas terras do senhor chamado: João do Vale no morro da Boa Vista.
Do alto nos apontaram o rancho do Marmelo.
Nele pernoitamos na 5ª noite; Não sei se já pelo hábito, dormimos satisfatoriamente.
Na manhã seguinte depois de viajarmos por 2 léguas, passamos por Juiz de Fora, região de grande quantidade de bambuais; ( Bambusa Arundinacea )  apesar do tamanho, é considerada na botânica como gramínea.
Estávamos a 650m. de altitude. acima do nível do mar, não obstante termos descido a serra.
Dormimos nesta 6ª noite, no rancho de Antônio Moreira, 5 léguas depois de Juiz de Fora.
Continuando, passamos por Queiroz, Ponte da Estiva, Luís Antônio Sobradinho, Chapéu d’Uvas, Taboão França e Bernardo Luís Ferreira; do alto dos morros, víamos os vales bastante largos sendo cortados por córregos profundos de uma vasta bacia onde predominava coqueirais belíssimos.
Por toda parte por onde viajávamos, os coqueirais eram comuns, principalmente pelo litoral brasileiro (Côcos nucífera).
O que nos despertava a atenção era a variedade dos frutos em diversos tamanhos, ao largo da costa junto ao mar, uma espécie gigante em relação aos que víamos na margem das estradas a caminho de Minas.
O lugar por onde passamos no sétimo dia, tinha o nome de Coqueirais, nome mais que apropriado pela abundância desta palmeira gigante.
Sempre subindo por terras altas, fomos descansar no oitavo dia, no local chamado de Serra da Mantiqueira, predominantemente com árvores araucárias de clima frio, tal como as existentes na Europa.
Cruzamos por PINHO VELHO, terras infestadas por cupins, marcando com seus cocurutos, o trabalho deste inseto destruidor.
Estávamos entrando nas regiões propriamente chamadas, das Gerais, em cujos campos predominavam as gramíneas e escassas árvores.
Borda do Campo onde chegamos, mostrava-nos melhores propriedades, cercadas de muros de pedras secas, a maneira portuguesa.
Clima seco e quente nesta época do ano, rachando os nossos lábios, tal a falta de umidade; estávamos sofrendo com o calor, poeira e cansaço neste nono dia de jornada; só à noite teríamos o alívio que o corpo pedia.
Em registro Velho, fazenda de propriedade do padre Manoel Rodrigues da Costa, agricultor empreendedor, pois fabricava seus próprios tecidos de consumo.
Além do algodão, plantava o que era raro no Brasil, o linho, tecendo-os em máquinas que mandara trazer de Portugal.
Dentro de sua fazenda ele nos abrigou confortavelmente, os tropeiros  foram se abrigar no rancho mais próximo da estrada.
Como foram agradáveis depois da refeição, sentarmos nos bancos da varanda e conversar sobre coisas da viagem!
O padre curioso que além do português, falava o latim e o francês, quis saber o que iríamos fazer na tal serra do Gongo; quando Mr. Land disse para ele que iríamos explorar o ouro, ele abriu os olhos e disse surpreso:
- Más, vocês não tem escravos!
Como conseguirão este milagre?
- Vamos arranjá-los, apesar de preferirmos homens livres...
- A onde vão arranjar estes homens?
-Lá na própria mineração..
Sorrindo, virou para Mr. Land e disse:
- Nem eu, com minhas rezas consiguirei o  milagre!
Ele ria e nós não entendíamos o seu sorriso.
Foi uma das melhores pousadas em nossa viagem, passando  por estradas.
A 6 léguas dali,  fomos parar na vila de Barbacena, antigo arraial de Igreja Nova.
Informaram-nos que se tivéssemos algo para comprar, somente ali, antes de uro Preto, encontrariamos OO
Vila Rica encontraria o que precisasse.
Barbacena conforme nossa posição no mapa que trazíamos de viagem ficava a 21 graus 21 minutos e 30 segundos de latitude meridional e a 22 léguas de Vila Rica.
A altitude era de 1.137 metros acima do nível do mar.
Abastecemos de víveres e demais necessidades para o resto da viagem e notamos que os tropeiros estavam demasiadamente excitados; A causa ficamos sabendo através de Mr. Land:
Naquela parada, concentrava-se uma grande quantidade de mulheres da vida, que viriam provocar os tropeiros e a nós ingleses...
Passamos uma noite de insônia  e de pagode como diziam os tropeiros...
A jornada do dia seguinte seria certamente mais fatigante.
Eu já estava perdendo a conta dos dias, parece-me que, no décimo segundo da saída do Rio de Janeiro, fomos pernoitar na parada de Antônio Moreira.
Que desgraça de noite!
Mosquitos nos picavam além de zumbirem em nossos ouvidos, também os currais ficavam por baixo do casarão, atraindo-os em enxames.
Pela primeira vez em nossa vida, vimos rastros de onças, apontados pelos tropeiros; patas enormes marcadas no barro junto a riachos.
-Bebedouro dos bichos brabos, diziam eles! Ficamos sabendo que estavam fazendo grandes estragos no rebanho da região.
Aquela notícia nos assustou, apesar da imensa curiosidade que demonstrávamos em vê-los mais de perto.
- Oportunidade não faltará!  disse-nos Mr. Land...
No décimo terceiro dia, tivemos a oportunidade de conhecer e ver um engenho em ação; ele estava moendo cana para fabricação de rapadura, um adoçante saboroso que já havíamos ingerido por diversas vezes na viagem,  o que não sabíamos era que o caldo da cana, dava uma bebida refrescante, tomado em cuités, verdadeiros; cuias servindo de vasilhame; fruto da terra que os indígenas chamavam de: “ Kuia e’tê  “.  A garapa segundo um  negro que enfiava a cana na moenda;  era um caldo  pardo, mas limpo, pois os escravos não tocavam a mão na bebida que caia de uma  bica e ia sendo  derramada numa taxa fervente.
Os padres no Brasil eram prósperos, o engenho pertencia ao reverendo Anastácio, o que me dava à certeza que os religiosos gozavam de prestígio e fortuna.
A aldeia dos Carijós ou Queluz,  era a próxima parada.
Carijós é nome de tribo do grupo Guarani, que habitava desde o sul do país, até Cananéia, como eram nômades, devem ter chegado até o centro das Gerais.
Passamos pela serra do Ouro Branco, região com predominância de arbustos chamados de Canela-de-Ema e fomos arranchar no arraial de Santo Antônio do Ouro Branco.
Passando por uma região montanhosa, cortando vales e rios, pegamos uma bruma preguiçosa que demorou a se dissipar.
Região deserta de habitantes, mas cheia de antigas escavações mineradoras que enfeiavam a terra com suas depedrações exploratórias.
Subindo e descendo serras, passamos por Capão e o pequeno povoado de Boa Vista, de lá, avistamos o casario de Vila Rica, capital da região onde iríamos morar.
Entre cumeadas cobertas por vegetação, as torres das igrejas sobressaiam entre o casario antigo e as ruelas, despencando morro abaixo.
Estávamos completando 16 dias de viagem por terra, além dos 52 dias de barco pelo Oceano Atlântico.
Em Vila Rica ficamos hospedados num casarão antigo, porém bem cuidado; em frente da famosa Casa dos Contos, antiga casa de fundição de ouro.
O hospedeiro de nome Peixoto de Souza era figura conhecida de todos os ingleses que passavam por Vila Rica.
A estalagem além de confortável, tinha uma particularidade: Um riacho com corredeiras que embalavam os hospedes, no seu sono; do outro lado da rua, passando por baixo da Casa dos Contos, ele certamente resfriava a cunhagem das moedas.
Nem a cidade capital do país nos  hospedou tão bem.
Nos treis dias que permanecemos na capital da província, tivemos a oportunidade de tratarmos de nossas feridas crônicas, provocadas pelas celas dos animais.
A cidade que outrora deslumbrava aos visitantes, já não era o que fora, apesar de guardar em sua arquitetura, vestígios de uma época de “ouro “.
Em Vila Rica, tivemos a felicidade de visitar igrejas majestosas: Pilar, Rosário, Mercês de Baixo, Nossa Senhora do Carmo, Mercês de Cima, São Francisco Xavier e Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias,  do outro lado do largo central.
Era um subir e descer ladeiras sem nunca terminar!
Cidade de ares nobres, desfigurada pelo tempo e falta de maiores recursos.
O tal largo central, é de uma beleza impressionante, com seu antigo palácio, presídio e o casario circundando-o.
No 7lº dia da nossa partida da Inglaterra, rumamos para a última etapa da nossa viagem, seguindo para o Gongo-Soco.
Deixando Vila Rica, passamos por um córrego de águas ferruginosas e frias, mais adiante a vila de nome Passagem, quase chegando a Mariana, que fica a 2 léguas da capital.
Nossa pressa, nos impediu de conhecer a mais antiga cidade da província.

Passamos pela povoação de Camargos, sede de paróquia rumo á Bento Rodrigues, de lá nos pontos mais altos, avistávamos  a Serra do Caraça, que nos disseram ficar de  frente para a serra do Gongo.
A tropa refugava nas subidas, às vezes empacando como se não quisesse mais prosseguir.
A paisagem mineira engana tanto, como nos desertos.
O que se vê do alto, parece próximo e bem ali, entretanto dá-se tantas voltas pêlos vales e rios, que as distâncias multiplicam-se nos tortuosos caminhos.
As terras por onde passávamos fora intensamente exploradas pêlos cavuqueiros em busca de ouro, a flora mostrava sinais dos danos causados ao solo.
Depois de longa caminhada, chegamos ao povoado de Nossa Senhora do Nazareth do Inficionado, também ali sentia-se a devastação da mineração do século passado.
Inficionado é uma paróquia pertencente ao termo de Mariana, ao todo contando com 250 casas e uma população de 3.000 habitantes.
Apesar da grande altura em que nos encontrávamos, não sabíamos para que lado ficava o arraial de Catas Altas, a serra pela frente escondia inteiramente a povoação.
Somente a pequena distância é que a vila se mostrou iluminada pelo Sol com a serra do Caraça a protegê-la; resguardando-a dos maus olhados como aqui o povo desconfiado, olhava os que se encantavam por ela.
O arraial por baixo da serra do Caraça, fica exatamente à frente do seu pico mais alto, visto do lado Leste, 2.070 metros, o “ Pico do Sol “.
       
Ver  mapa do Circuito Histórico,  a importância  de Catas Altas como ponto central da região.
Anexo nº 12

A praça central a cavaleiro do arraial, tem em seu centro, a bela matriz; ponto de convergência geométrica e atenções de quem visita Catas Altas.
Como é comum nas terras das gerais, achei engraçado o interesse despertado na vila, por nossa chegada; em todas as janelas das fachadas, rostos voltados para o movimento e barulho que o tropel dos animais fazia.
 Parecia uma cavalaria marchando contra  inimigos, por isto talvez havia tanta gente nos olhando.
Mesmo dentro do pátio da estalagem, dezenas de curiosos ainda continuavam observando-nos.
O número de hospedes chegados num só momento, talvez fosse o maior da história daquela casa de hospedagem.
Custamos a tomar nossos aposentos e lavarmos da poeira da estrada; já era noite quando fomos fazer a primeira refeição que deveria ser do almoço.
A refeição servida em baixela de prata, estava posta a mesa juntamente com jarras floridas, requinte pouco comum em qualquer lugar do mundo...
Sentíamos tão bem como em Vila Rica, porém mais considerados pela mesa exposta aos nossos olhos.
Ficamos sabendo que aquele apuro  era comum naquele lugar, onde as antigas famílias guardavam a opulência do fausto tempo do ouro e do status que o imperador D. Pedro I dera ao arraial e ao seu maior cidadão: O Barão de Catas Altas.
Ainda estávamos comendo, quando fomos avisados que um coro de jovens brindaríamos  com um espetáculo musical de boas vindas; acompanhados de instrumentos de corda eles se apresentaram com desenvoltura e muita simpatia.
Vozes harmoniosas, apesar de não entendermos as letras do que cantavam. Disséram-nos que eram composições de autores locais, coisa muito comum na musicalidade dos mineiros.
 Apesar da visível decadência, tal como Vila Rica, o arraial ainda mostrava vestígios do tempo da opulência que ocorrera no século anterior.
Segundo pude constatar, as perseguições ocorridas na província e particularmente nas povoações vizinhas de Vila Rica, por ocasião da Inconfidência, arruinou muitas famílias, inclusive de parentes radicados em Catas Altas.
Era bem visível que a população feminina suplantava a masculina, tal a quantidade de moças a espera do seu príncipe encantado.
Achei as jovens além de bonitas muito bem educadas, fruto de um colégio que ali funcionara durante certo tempo.
Na manhã seguinte, já que permaneceríamos em Catas Altas por 2 dias, fomos levados para conhecer coisas interessantes do lugar:
A igreja de Nossa Senhora da Conceição, antiga igreja construída a mais de 100 anos, estava aberta e o padre vigário de nome Francisco Augusto Xavier de França, celebrava a missa diária.
Depois de encerrá-la, ao saber que éramos visitantes estrangeiros, veio cumprimentar-nos dando boas vindas e levando-nos juntamente com Mr. Land para o interior da bela igreja.
Com a cultura que possuía, foi historiando fatos de seu conhecimento, dizendo:
“- Esta igreja começou a ser construída no inicio do século XVIII, poucos anos depois do desbravamento da região; nela trabalharam figuras de expressão da arte religiosa barroca, tais como: Mestre Manoel Fernandes Pontes, Manuel Rodrigues, Francisco Antônio Lisboa, Manuel Gonçalves Valente e Manuel Pereira dos Santos. “
O douramento da capela do Santíssimo Sacramento, foi iniciado por volta de l.780, mas infelizmente por falta do ouro ou do artista, ficou o restante da igreja sem o acabamento que deveria ser todo em ouro, os últimos douramentos foram feitos até 5 anos atrás isto é, l.828.
Na parte externa, como vocês viram, tem 2 torres sineiras, com cobertura piramidal curvilíneas, detalhe pouco comum entre nossos templos religiosos, dando uma graça especial ao seu formato.
Os portais frontais, construídos em arcos e por cima deles, 3 conjuntos de janelas de caixilhos envidraçados.
Os cunhais, pilastras, bordo do frontão e as guarnições das portas, janelas e cornija em cantaria.
Sobre o frontão, um óculo cruciforme; as portas externas de cedro maciças toda almofadada.

Ver fotografia da igreja de Nossa Senhora da Conceição no anexo  nº 12.

As sacadas laterais, protegidas com um guarda-corpo em balaustrada.
O interior do templo, com sua riqueza feérica, mostra talhas brancas e douradas.
No altar-mor anjos e querubins voando entre nuvens, reverenciam à Santíssima Trindade, talhas executadas pelo artista José Coelho de Noronha...
Duas portas laterais dão acesso aos corredores e a sacristia do fundo da igreja.
Na capela-mor, tribunas com guarda-corpo balaustrado em madeira, igualmente na nave, existem tribunas sobre os altares colaterais.
Os altares laterais esculpidos em madeira, banhados em ouro, acolhem inúmeros anjos, colunas torças, consolos, dosséis, ornamentados de folhas e flores estilizadas.
Titãs, sustentam os púlpitos e uma águia segura pelo bico a pendente lâmpada do Santíssimo.
O piso assoalhado bem delineado, demarca sepulturas dos irmãos do Santíssimo enterrados sob o  tablado,  ostentando marcas como:
 “P. M. F. C. “ iniciais do pai do Guarda Mor, Thomé Mendes Campello e outras dezenas, marcando onde seus corpos foram sepultados, último feudo de gente que se projetou na sociedade aristocrática  da velha Catas Altas.
Dr. Cuming, médico e pastor, ficara afastado de todos nós, o pároco vendo-o tão distante, chamou-o para mais perto, perguntando: - O senhor não gosta de nossa arte?
- Muito,  disse ele num inglês vertido ao português por Mr. Land.
- Ele também é religioso como o senhor padre Francisco.
- Oh! então  é padre?
- Pastor anglicano reverendo!
Nós após a apresentação, sentimos o constrangimento entre ambos; lá como cá, as igrejas não se davam às mãos...
O vigário vendo nosso entusiasmo pelo altar-mor, mandou ascender algumas velas, para dar mais lume ao interior da igreja; o ouro faiscava aos nossos olhos...
Perguntamos qual a razão histórica da falta do acabamento do corpo da igreja.
- As datas que davam o ouro aos faiscadores, foram fechadas por ordem do governo e ficamos sem a matéria prima para acabamento do douramento restante; Mr. Land não perdia uma palavra, atento ao que dizia o padre para traduzir-nos o que ouvia.
Ficamos penalizados com o que ocorrera no acabamento daquela obra.
Padre Francisco parodiando a bíblia disse:
- Como aconteceu aos Hebreus; 2 tempos diferentes:  Os anos da fartura que no sonho do faraó do Egito  revelado por José, mostrava as vacas gordas; e os anos da escassez das vacas  magras...
Quem sabe os senhores não vieram  trazer novos tempos de fartura?
Assim, poderemos concluir nossa igreja!
Os ingleses do Gongo Soco ficaram a espera da tradução...
Ao ouvi-la eles riram e um disse pêlos outros:
- Teremos muito prazer se a profecia do senhor se concretizar reverendo.
- Deus seja  louvado; ele ouvirá nossas palavras, disse com ás mãos postas virado para o altar, seu rosto demonstrava fé e a sua postura, flexível e humilde,  como pedia aquele milagre.
Achamos bonito, quando o reverendo Cuming estendeu suas mãos para que o padre voltasse a se erguer daquela posição.
O primeiro superintendente da Mina, capitão Lyon, estava em Catas Altas para recebê-los e ao mesmo tempo, conversar com o Guarda-Mor Thomé Mendes Campello, sobre os terrenos que pertenceram ao senhor Manoel da Câmara Bittencourt e que mais tarde foram administrados pelo Barão de Catas Altas.
Com a venda para os ingleses, havia dúvidas quanto às divisas e  localizações.   
Queimado pelo sol e montado em uma besta de grande porte,  o inglês parecia um homem da terra, somente ao aproximar-se, Mr. Land entusiasmado exclamou: 
- Where are you staying in?
- Jonh Bull’s  Hotel...
Perguntando onde estava hospedado,  Mr Land demonstrava não estar bem informado sobre o superintendente.
A velha amizade com Jonh Bull, não permitia que o velho capitão do mar e agora chefe da mina do Gongo Soco, hospedasse em Catas Altas, senão com ele...
Foi uma festa o encontro dos ingleses, uns já velhos amigos, outros conhecendo num local tão distante de sua terra natal.
Um a um dos recém-chegados, ia se apresentando ao comissário; ele mais que sorridente, dizia da satisfação de tê-los em solo brasileiro e já a sua disposição.
Perguntava se viera só ou com a família e de que localidade era na Inglaterra e a especialidade profissional.
Ao apresentar-me, ele indagou:
- Hosken,   St. Keverne?
What is James Hosken to you, the one who worked in St. Breward’s  mine?
- I’m his son, Captain!
- Well now!  So, are you close relative of the Hoskens, those who had worked in the mine, aren’t you?
- Yes, people of my family who have been working here in Brazil for some years.
- My God, what a smal world!!!

Ao indagar se eu era Hosken de St. Keverne e o que eu era de James Hosken que trabalhava na mina de St. Breward’s,  eu quase  pulara  em seus braços.
Sorrindo eu disse com todo orgulho: Eu sou filho dele, Capitão!
-Meu Deus,  como o mundo é pequeno!!!
Dois ingleses que se encontravam  pela primeira vez num país estranho e um conhecendo a família do outro...
 Como o grupo era muito grande, eles tiveram que se alojarem em duas estalagens:
A de Jonh Bull e do português açoriano, Martinho Martins Lourenço.
O prédio da hospedaria onde me alojaram era um sobrado de dois andares e duas alas, além do cômodo de venda por baixo do casarão, uma chácara com frutos de várias espécies.
A esposa do português dona Anna Teixeira Penna, ( Donana ) sobrecarregada de serviços com a súbita avalanche de hóspedes, descia e subia as escadas dando ordens as escravas nas arrumações dos banhos e quartos.
Duas negras com saias longas de nomes: Delfina e Carolina, originárias de Lourenço na África, vieram arranjar o meu quarto e o banho, eram filhas de escravas da tal  ilha  na costa africana; trazidas pelo hoteleiro.
Negras altas, sadias e de dentes brancos, elas me fizeram uma indagação com gestos, que não atinei o que queria significar.
Ao responder também com gestos, que não entendia, elas saíram puxando  a porta.
Logo depois tornaram a bater, como estava nu dentro da bacia, fiquei a espera que novamente anunciassem quem era.
 Um negro escravo de nome Assis; por gestos anunciava que viera esfregar-me no banho e untar-me com um óleo de essências nativas.
Ao sair do banho, fui saber de Mr. Land que cerimonial era aquele..
Rindo ele me explicou:
Este negro de Benguela sabe como nenhum outro, colocar os músculos nos seus lugares, após jornadas de marchas à cavalo...
- Mas ele me passou uma espécie de óleo,  para que serve?
- É um ungüento para aliviar as mordidas dos carrapatos e os lugares doloridos pela fatigante posição sobre o arreio.
- Bem que o negro mandou que eu virasse de costa para passar o ungüento!
- E você virou?
- Lógico que não, eu não sabia qual era a intenção do negro!
- No Brasil, os escravos servem para tudo explicou Mr. Land, rindo...
- E se fosse a escrava, você deixava?
- Ora! se soubesse que elas se submetem a isto,  eu me entregaria com muito bom agrado...
- Pois é, o senhor perdeu a oportunidade de ser tratado por mãos femininas!
Achando que aquele hábito era verdadeiro, esperei  ansioso  pelo banho do outro dia...
O mesmo negro apareceu para desapontamento da minha espectativa...
Como seria bom, depois de tanto tempo, o contato de mãos femininas! 
Que me importava se elas fossem  pretas ou brancas!
Com a estalagem cheia, trombávamos a todo instante com nossos patrícios e os serviçais que subiam e desciam as escadas, na arrumação das instalações.
Nós ingleses éramos bons fregueses e merecíamos por parte dos proprietários, uma atenção especial; meus pensamentos fixaram-se na prodigalidade daquele serviço personalizado...  
Mr. Willian Jeferre e sua esposa Anne, ficaram  entusiasmados com os frutos do pomar, principalmente com um que eles não conheciam: “jabuticaba”  foi preciso que alguém do hotel avisasse  que a casca e o caroço  não se comia.
Eu já tinha engolido umas l0, pois  nunca chupara aqueles frutos.
Nossa estadia por 2 dias em Catas Altas, renovou nossas forças e principalmente as cicatrizes dos calos e das mordidas de carrapatos e pernilongos.
A frente dos janelões do casarão, divisávamos a beleza da Serra do Caraça e  do andar superior sentíamos tão perto como se estivéssemos sobre ela.
Durante à tarde, recebemos diversas visitas de pessoas do lugar.
Entre elas, as presenças do Guarda-Mor Thomé Fernandes Mendes Campello, Dr. Manoel Moreira de Figueiredo Vasconcelos, sobrinho do tal Barão de Catas Altas, ex administrador da mina para onde estávamos indo; junto com eles, o inglês John Emery  e o alferes Vicente Domingos Pereira da Cunha, todos eles ligados direta ou indiretamente a exploração de ouro.
O capitão John Emery já se encontrava no Brasil há mais anos, desde o fim dos anos 20 do século XIX; tinha tanto prestígio no lugar, que fizera parte da comissão de recepcão ao imperador D. Pedro I,  quando sua majestade esteve em Catas Altas dois anos antes.
Da roda era o que mais falava, tal a alegria em poder gastar sua língua mater.
Acompanhando os pais, jovens e mocinhas que não tínhamos como nos comunicar, apesar de algumas delas, serem sobrinhas da esposa de Mr. Emery.
Socialmente, pela primeira vez no Brasil relacionávamos com seu povo e achamos educada a maneira como nos procuraram.
Nós os solteiros flertávamos com as mocinhas que durante a tarde, vieram   cantar em coral,  as modinhas do folclore brasileiro, algumas acompanhadas de seus pais.
Já se fazia tarde, quando despedimo-nos para partir no alvorecer do dia seguinte.
Era desejo de todos, voltar um dia à àquela terra...
Descendo pelo vale do riacho Maquiné, ganhamos  a planície e o encontro deste com o rio Valéria; várzea aberta e bonita, cheia de flores nativas.
Largando a bacia dos formadores do rio Piracicaba, continuamos a calvagada subindo por um morro que ia dar a um lugar que se chamava Brumado; bacia dos formadores do rio Santa Bárbara, entre eles, o Rio Caraça de águas frias e o Quebra Ossos de águas quentes.
Chegamos ao arraial de São João Batista do Presídio do Morro Grande, cortado pelo rio São João que nasce na serra do Gongo Soco e seguimos em frente.
Depois de cruzar a povoação do Socorro, sob foguetes festivos de nossos patrícios que ali moravam,  fomos obrigados a rejeitar um convite de parada, prometendo voltar em dias posteriores a nossa chegada.
Estávamos chegando ao fim da viagem, duas léguas apenas  nos separavam do nosso destino.
Como demorara a chegar esta hora!
Haviam passados  74 dias   de viagem por mar e terra.
Acompanhando as corredeiras do rio São João, fomos subindo por entre o vale e matas dos terrenos que pertenceram a  Manuel da Câmara Bittencourt e  a outros proprietários,  depois à Imperial Brazilian Mining Association.
Com nossa pele queimada pelo Sol tropical, já não éramos os mesmos branquelos da partida na Inglaterra, as marcas eram evidentes ao depararmos na intimidade, com os contrastes entre o que ficava descoberto e o que cobríamos com a roupa.
Os que tinham o rosto liso sem sardas, agora estavam marcados por pintas de picadas de insetos que nos perseguiram na viagem por terra.
Fim de uma jornada de aventuras no mar e na terra, e início de uma história  que me surpreenderia e mudaria completamente o meu destino.

Ainda bem menino, quando meu pai contava em cartas as suas histórias sobre o Brasil, nós ficávamos presos aos seus escritos e eu nunca poderia supor que 10 anos depois, a criança que se tornara homem, seria também protagonista de uma mesma aventura...
Com que orgulho, nós filhos de Jammes Hosken abrindo as suas cartas e lendo em voz alta para nossos amiguinhos, relatávamos sua longa viagem.
O Brasil era uma selva única, onde nosso pai integrado ao meio ambiente, também se tornara um índio como os nativos.
Nossa imaginação, ia muito além da realidade, pois papai para nós era um herói que voltaria rico e transformado, daquelas distantes terras...
Eu, Edward Hosken quando crescesse, seguiria os seus passos, na mesma aventura desbravadora...


Consultas no Registro de Estrangeiros.

Ver comprovantes do Ministério da Justiça e Negócios Interiores do Arquivo
Nacional dos Registros de Estrangeiros Anos de:

1.823 a 1.830 - Seção de Consultas - número 49 
                                   e
1.831 a 1.839 - Seção de Consultas - número 50

As estadias dos Hosken no Brasil são comprovadas por estes Boletins.




     
    

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