Dentro do vale do riacho
do Gongo, víamos a serra à direita lado da montante, puro minério de
tapanhoacanga com sua coloração vermelha recobrindo todo o manto da serra.
Esta formação
mineral é conseqüência da concentração de hidróxido de ferro sobre a
superfície, formando concreções.
O terreno
mostráva-nos camadas regularmente estratificadas com cores diversas, apesar da
predominância do vermelho sobre o cinza escuro.
Eu achei estranho
estarmos a procura do ouro, quando a realidade nos mostrava uma serra
coberta de jazidas de minério de ferro.
Já sabíamos que o ouro de aluvião fora lavado
por chuvas torrenciais de outras eras e depositado nos leitos dos rios e suas
margens.
Os faiscadores
que exploraram a jazida anos passados ficaram ricos e esgotaram-na superficialmente.
Segundo a
história que nos foi contada na Inglaterra, para atrair-nos para o contrato que faríamos, faiscadores que
exploraram a jazida na 1ª metade do século XVIII, até 1.808, achavam que a mina
estava esgotada, entretanto ao ser
comprada pelo comendador e Capitão-Mor José Alves da Cunha, do antigo
proprietário: Manuel da Câmara de Noronha, ele trabalhando em rico veio nos
flancos da serra, conseguiu extrair 240 quilos no pequeno período de 30 dias.
O que não
daria uma exploração mais científica acompanhando os veios?
Baseados nesta
história verídica ao chegarmos em
Gongo Soco , esfregávamos as mãos como se estivéssemos vendo
sob os nossos pés, o ouro que enriquecera o tal Capitão José Alves e ao Barão
de Catas Altas.
Ao avistarmos
o acampamento inglês, dezenas de pessoas vieram correndo ao nosso encontro para
saudar-nos e dar as boas vindas.
Eles sabiam
que estávamos prestes a chegar e pouco depois, de diversos pontos começaram a
espocar foguetes festejando e anunciando nossa presença.
Gongo Soco se
apresentava diante de mim, bem diferente das imagens que fazia...
A mineração ficava ao sopé da serra do Gongo, juntamente com a
vila; em volta uma mata fechada e
luxuriante recobrindo-a.
Algumas
construções antigas ainda guardavam aspectos do que fora no tempo do barão de
Catas Altas,
A vila estava
sendo restaurada e ampliada para instalar os 200 ingleses e outros 900
trabalhadores, a maioria escrava.
Num recenseamento
feito as pressas por Brás Ferreira de
Araujo, no ano de 1.831; certamente para dar a D. Pedro I em sua visita que faria ao povoado da Capela de Nossa Senhora do
Socorro, uma visão da importância do mesmo, ele apresentou uma população de
1.144 habitantes, sendo 632 livres e 512
cativos.
A maioria
incorporada a Mina do Gongo Soco.
Entre a
população branca, 7 figuras relacionadas nesta listagem estavam ligadas a minha
família:
João Hosking,
primo que contava 36 anos, os Hoskens: Thomas com 40 anos, sua esposa e seu
filho Diogo com 20 anos; Samuel, com sua esposa Mary e seu filho Benjamin
Hosken.
A família
ganharia 2 anos depois do recenseamento,
mais um membro com a minha incorporação ao convívio do povoado da Capela
do Socorro.
O reboliço da
chegada tumultuara a vila e a coberta da estrebaria se encheu de patrícios que
nos abraçavam esfuziantemente.
Com um
contingente tão numeroso, faltavam condições imediatas para conduzir-nos aos
alojamentos designados, e nos necessitávamos de um banho urgente e reparador.
Como o calor
era intenso, resolveram que o banho de batismo seria feito nas águas
cristalinas do córrego.
Que coisa
linda e gostosa sentir e ver o deleite daquele refrescar dos nossos rostos;
homens se fazendo de meninos, relaxando-se das tensões vividas por tanto
tempo...
Para a maioria
de meus patrícios, era a primeira vez que se banhavam daquela forma.
O clima do
Brasil não só favorecia, mas também nos obrigava pelo calor a cair na água.
Parecíamos
meninos em nossos dias de folga na Cornualha.
Nunca
ficáramos desnudos com tanta gente participando do banho; o calor, a paisagem e
a nossa alegria escondiam a nossa nudez e a impudicícia do nosso estado.
Aquele banho
dos recém-chegados contaminara a todos e a nós vieram se juntar Mr. Captain
Lyon, Jammes Duval, Willian Duns Fone, Treloar e uma dezena de meninos, entre
eles, nossos primos que desconhecíamos e nesta oportunidade ficamos sabendo de
suas existências e presenças no Gongo Soco.
O Captain Lyon
era o mais feliz entre todos, jogando água no rosto e no corpo dos que se
banhavam.
Era o batismo
dos últimos ingleses que se incorporariam à mina.
Aquele ano de
l.833 ficaria marcado na história do Gongo Soco, na retomada definitiva das
explorações mineradoras do lugar.
A alegria
chegou ao auge quando Mr. Lyon nos liberou dos trabalhos no dia seguinte.
Enfileirados e
correndo uns atrás de outros, saímos pulando dentro do córrego, como se
fossemos índios e vez ou outra, escorregando sobre as pedras lodosas.
Com as mãos
sobre a boca, soltávamos o grito de guerra:
Indian!
indian! indian!
Os que
assistiam a palhaçada, riam daqueles brancos ingleses querendo imitar os
naturais da terra.
As esposas
ficaram sabendo das encenações burlescas de seus maridos e não gostaram do que
ouviram...
- It’s humiliating!
Too humilianting!
Já os outros
homens que trabalhavam naquele turno, ficaram sentidos por não poderem
comemorar de forma tão “natural” a chegada da última leva de companheiros.
Samuel, Thomas
e Diogo, ficaram penalizados por estarem no trabalho na hora da chegada de
Edward.
Há quantos
anos não se viam?
E eles teriam
poucos dias para conviverem juntos, pois voltariam dentro de pouco tempo para a
Inglaterra.
Edward tinha
muita coisa a contar para eles...
Ao findar da
tarde, recolhemo-nos às nossas acomodações.
A mineradora
já preparada distribuíra o pessoal às suas definitivas residências.
Em todas elas,
encontramos junto do nosso nome, o enxoval da roupa de cama, três mudas de
uniformes caquis, botinas, roupas íntimas e objetos higiênicos de uso pessoal.
Até as esposas
receberam o seu enxoval; nem sempre exatos ao manequim, o que não impedia de
trocá-los por outros mais condizentes ao seu próprio corpo.
Ao
apresentar-nos para o jantar coletivo, todos trajando os novos uniformes,
ouvimos uma gritaria geral:
“ Grasshoppers! grasshoppers! grasshoppers!
Pela segunda
vez naquele dia, numa manifestação espontânea, éramos chamados de: gafanhotos,
em gritos de brincadeira.
Entre os
manifestantes, meus parentes que não via
há vários anos.
Com os rostos
queimados e mais morenos, eu vi Samuel e Thomas e junto deles, suas esposas
e seus filhos.
Eu estava em
casa; minha família estava ali a minha frente...
Os gritos
continuaram:
“
Grasshoppers! grasshoppers! grasshoppers!
Realmente, em
conjunto parecíamos um bando de gafanhotos peregrinos, muito comum nas terras
africanas.
Durante um
certo tempo, nós mesmos chamávamos os patrícios de grasshoppers, o que para os
menos informados parecia um apelido gastronômico, pela voracidade como
alimentávamos ...
No dia seguinte, ao contrário do trabalho que
já esperávamos, recebemos instruções sobre nossas funções em geral e o
comportamento perante a comunidade inglesa e a nativa, composta de escravos e
assalariados contratados.
Achamos
estranho o modo diferenciado para os escravos, seres humanos como nós mesmos...
Não deveríamos
transgredir os hábitos e costumes do povo com quem passaríamos a conviver,
principalmente nos primeiros meses...
Aquilo era uma
aberração, na Inglaterra não havia escravos...
Depois de
certos dias da chegada, e mais aclimatados, começamos a perceber o novo mundo
que enfrentávamos.
Clima,
costumes, diferenças lingüísticas e religiosas e a convivência com os negros
escravos.
A topografia
do Gongo Soco favorecia a finalidade mineradora; a jazida escarpada, bem como à
altura das nascentes eram fatores importantes para os trabalhos de garimpagem.
Às tardes após
o trabalho dos meus parentes, reuníamos
na casa do Samuel e da Mary para contar as peripécias da viagem e da
nossa querida Inglaterra.
As construções
das instalações estavam bem adiantadas: Galerias, poços, lavadores do minério
já quase prontos, o engenho novo em montagem.
Foram
recuperados: Canais e bueiros de escoamento de água pluvial e de abastecimento
da lavagem do minério.
As cobertas de
fundição, serraria e carpintaria em pleno funcionamento; na hora que chegamos,
ouvíamos de longe o barulho das bigornas e dos golpiões.
As galerias e
poços ganhavam números pela ordem de abertura e depois, nomes dos ingleses
chefes ou encarregados da sua construção.
Ver cópia do perfil da Mina no
Anexo nº 7
Junto da sede
a casa do Comissário geral e um pouco a distância, a capela em construção.
Mais distante,
os currais, cevas e coberturas dos cômodos dos tropeiros e vaqueiros.
Edward enchia
os olhos com tantas novidades e ainda havia muita coisa para se ver.
Aquela epopéia
da sua viagem não poderia ficar guardada só na mente, era necessário que ele
registrasse tudo para contar aos pais,
como vira e sentira as sensações
de um sonho de menino que se fizera
realidade...
Ele estava do
outro lado do Atlântico, tal como sonhara em tempos de menino; não na orla do
mar, mas bem no seio de um país tão distante e belo...
Um dia no
futuro, ele contaria a história para seus filhos, estes aos seus netos que
passariam aos seus bisnetos e sucessivamente aos demais, para que 200 anos depois, chegasse aos
ouvidos dos seus mais afastados
descendentes...
Se a história
se perdesse no tempo, a força da sua mente não deixaria apagada uma chama que
iluminara seu caminho...
Na primeira
noite em Gongo Soco ,
ele repassava as páginas do que memorizara
naqueles 74 dias de aventuras...
Seus
pensamentos estavam presos a viagem.
O que
acontecera consigo, era sonho?
Ele estava
realmente no Brasil?
Na dúvida
apalpava seu rosto e seu corpo e levantando da cama, caminhava até a janela
para sentir a realidade do novo ambiente
Os parentes
também reviviam as suas epopéias e em breve, voltariam as mesmas aventuras no
regresso à Inglaterra.
Contando a
história da viagem, esquecia que eles haviam passado pelas mesmas aventuras que
ele entusiasmado contava.
Ele teria que
voltar á Inglaterra, para narrar toda a experiência por que passara à Mary e aos seus amigos.
Certamente
ficariam atônitos com suas proezas e orgulhosos
por ele Edward, ser um dos
seus...
Na madorna que
antecede ao sono, ouvia os ruídos estranhos ao acostumado ouvido das noites da
Inglaterra. Os insetos, o piar dos pássaros noctívagos não permitiam o sono
tranqüilo, seus pensamentos continuavam presos a viagem...
Inicialmente a
travessia do oceano, enfrentando o desconhecido e a improvisação de passageiro
flutuante, depois, os amenos dias passados na cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro, aguardando a liberação da tropa que os conduziria à Minas Gerais.
As primeiras
horas de contato com a natureza ao sair do Rio de Janeiro e começando a subir a
Serra do Mar.
Início de
outra aventura, agora em terra, martírio que não previra por desconhecer
completamente o país.
Sobre o dorso
do pangaré “filho da puta“ além de teimoso, duro e trotão.
Desmunhecava nas corridinhas que o
chicote obrigava a dar.
Sempre na
rabeira da tropa, ele manhosamente ia ficando para trás.
O solavancar
contínuo das nádegas contra o assento e o Santo Antônio do arreio, maltratava o
meu corpo, especialmente os fundilhos.
Não adiantava
me queixar, todos sofriam os mesmos problemas, até que um tropeiro mais humano, vendo minha posição incômoda esgueirada,
arranjou uns sacos para amortecer o apisoar constante.
O Sol
castigava e a pele ardia no fogo abrasador da exposição contínua.
A caminhada no
primeiro dia, bem não começara quando saímos do Rio e já tínhamos vontade de
descer da montaria.
A tropa
subindo tentando galgar a serra, os arreios deslizando sobre o lombo molhado e
suarento dos animais.
Meu corpo todo
molhado de suor, ia se desfazendo no pegadiço que começava nos fios de cabelo,
passava pela região do cóccix e ia até a ponta dos dedos dos pés.
O cabresto e
rédeas de couro cru presas as minhas mãos, começaram inicialmente a fazerem
calos, depois feridas que doíam com o sal do meu suor.
As nádegas feridas eram pura moxinga como
diziam os negros, e o maldito suor salgando-as para meu martírio.
A tarde, a
temperatura subia e entrávamos naquele inferno abrasador, como almas penadas;
nós ingleses pedíamos para que a marcha cessasse para alívio de tantos
tormentos.
Como era bom,
quando enveredando por estrada sombreada, ficávamos livres dos raios diretos do
Sol!
Apesar do
aspecto rude dos tropeiros, começamos a confiar neles quando precisávamos de
informações.
Eram precisos
ao nos darem às horas olhando para o céu; alertávamos aconselhando a parar ou
acelerar uma marcha em vista de uma chuva preste a cair.
Conheciam
rastros de todos os animais e perigos que estavam pela frente; e o que mais nos
chamou a atenção: sabiam qualificar quais
ervas medicinais seriam boas para os nossos males durante a viagem.
Servindo de
plantas que apanhavam ao lado dos caminhos, entregavam a pessoa de Mr. Land e
mostrava como deveria prepará-las em infusões medicamentosas.
O relaxar do
corpo com o calor, afrouxava nossa postura e começávamos a pender sonolentos,
de uma maneira perigosa em cima dos arreios.
O animal
sensível e maldoso sentia a rédea bamba e começava a ditar a marcha ao seu bel
prazer.
O Sol carrasco
caía como brasa sobre nossas cabeças e os olhos se fechavam feridos pela
luminosidade refletida dos cristais.
Cabia ao
rocinante, seguir por mim os caminhos das gerais...
Que alívio!
Alguém dissera que a parada para o almoço estava a menos de 1 milha ...
A ( muçumba )
ardendo e esfolada, pedia água e repouso, mas a jornada ainda teria 3 a 4 horas depois da (
massamorda ).
Contrariando
aos ensinamentos; ouvíamos, guardávamos e repetíamos palavras que nem saibamos
que não eram do vernáculo português.
Como evitá-las,
se não conhecíamos direito à língua!
Chegava a casa
de pasto da parada; desequilibrados e manquitolantes, caminhávamos no sentido
do balcão da taberna.
Com o corpo
dolorido, repassávamos os olhos vasculhando o seu interior; cachorros dormindo
junto as portas e gatos miando com olhares súplices .
Presos em
ganchos, as mantas de toucinho objeto de desejo dos felinos, bem como os rolos
de lingüiças que dentro em pouco desceriam para satisfação dos esfomeados.
Olhando os
bichanos, eles lambiam o focinho mostrando com gestos o que o miado não podia
dizer.
Ronronantes,
alisavam as nossas pernas como se fossemos velhos amigos, deixando o pelo macio
afagar o nosso ego.
Eles por
experiências sabiam que os forasteiros eram mais sensíveis aos seus apelos.
Das sobras dos
fregueses, faziam seus banquetes, já que o rancheiro português, obrigava-os a
dieta só de ratos.
A comida tão
diferente da européia, cozinhada com banha de porco e o trivial constando quase
sempre de: Feijão, farinha de mandioca, canjica e lingüiça.
Como verdura,
vegetais apanhados no próprio mato ao lado: grelo de samambaia, arbusto que os
índios tupis, chamam de “Ham a’bae “ o que é torcido; ora-pro-nobis, outra
planta que do latim, dá um guisado muito
gostoso, da família das cactáceas ( Peireskia aculeata ) e palmitos da família
dos auquenipterídeos.
Para os
tropeiros, torresmos salpicados sobre postas de angu, prato predileto deles.
O guia, a nós
ingleses advertia da inconveniência de comermos comida tão gordurosa; o
primeiro dia era de experiências e de provas.
Que provas
passaríamos, desde a partida de São Sebastião do Rio de Janeiro!
Grupos de 3 a 4 cavaleiros revezavam nas
paradas incontinentes ao mato.
A dor de
barriga era maior que o medo de adentrarmos pela brenha.
Supúnhamos que
bastava dar um pulo no mato, para aparecer os jacarés, sucuris, lagartos e
outros bichos daquela terra.
Não tínhamos
muito tempo a perder no aliviar, pois a corrida
para se juntar a tropa, era desconfortável no galopar que deveríamos
imprimir para novamente incorporarmos a cavalhada.
Admirável era
a maneira discreta como as mulheres conseguiam dominar as cólicas, esperando nova parada programada.
Mal
sustínhamos sobre as selas, com a dor
dos músculos presos e dormentes nas posições forçadas sobre elas.
Doíam a cacunda,
muçumba, coxas e os cambitos e o Sol castigando inclemente como satanás no
inferno.
Não bastasse a
inclemência do tempo, as ferroadas dos carrapatos e dos mosquitos pernilongos,
chupando nosso sangue doce e nobre.
Já fôramos
avisados do perigo da infestação dos acarinos ( ixodídeos ) que da ramagem do mato, saiam para coabitarem
o nosso corpo; porém o que não nos informaram é que eles viajavam como
passageiros na pele dos outros animais, inclusive os de sela.
Em todas as
paradas éramos obrigados a vistoriar o corpo, catando os inúmeros parasitas que
se agarravam a nossa pele.
Não havia
lugar por mais escondido e discreto que fosse que eles não se intrometessem
como senhores absolutos da carne e do sangue do nosso corpo.
Os bichinhos
queimavam e nós desesperados queixávamos aos homens que nos guiavam.
- É ferroada
de micuim, moço!
Deixa o bicho
aí, na hora de deitar, vamos cuidar deles.
O tradutor nos
irritava, pois ele parecia mancomunado com os carrapatos que chupavam o nosso
sangue.
Era necessário
a explicação que não podíamos arrancá-los sem
a devida técnica; se o ferrão permanecesse dentro da pele, causaria
coceiras, infecções e até febres
mortais.
Nas estalagens
das paradas retirávamos os bichos com ciência e sem as conseqüências danosas.
Nus, tomando
uma travanguüante por dentro e passando uma parte em todo o corpo, os miudinhos
eram mortos e os rodoleiros furados com alfinetes em brasa.
Achávamos que
eram de famílias diferentes os diversos tipos que se infestavam ao nosso corpo;
ficamos sabendo que eram os mesmos em diversas fases larvárias.
Seguíamos a
risca as recomendações, apesar de agüentar as vezes, um dia inteiro com os
repugnantes rodoleiros aferroados a nossa pele.
Para evitar as
febres, aprendemos a ter paciência para arrancá-los no devido tempo.
Subindo as
serras das gerais, tínhamos a ardência corporal, a boca seca e o nariz
impregnado da poeira da estrada; os olhos semicerrados também sentiam a aridez
dos campos varridos pelos ventos.
Como era
agradável atravessar os vales onde a vegetação resguardava as nascidas
formadoras de riachos, induzindo a cavalhada a descansar na sombra amena...
A parada
ligeira não nos impedia de banharmos naquelas benfazejas águas sob árvores
frondosas.
A comitiva
espalhava-se: homens para um lado, mulheres para o outro; com que alívio,
voltávamos das moitas que nos escondiam!
As mulheres
eram as que mais sofriam com o pudor, esperando as estalagens, onde em recato pudessem ter o alívio...
Improvisado
sobre regos d’água, o dejetório fornecia pelo menos a privacidade necessária.
Bem não saia o
Sol, já estávamos na estrada vencendo distâncias dos campos esbatidos.
Galgando as subidas,
espigões e carrascais, o Sol da manhã varria as brumas de veste cinza e deixava
aos nossos olhos a paisagem descortinada do campo aberto.
A Mantiqueira
ficara para trás; como Minas não se desfaz das serras outras vinham como a da
Moeda cortando perpendicularmente o sentido da outra.
A estrada real
a cavaleiro no alto dos espigões mostrava a amplitude do congonhal avançando
para o Norte sem fim.
Na vastidão da
nossa visão, não mais as árvores de lei,
como os Angelins, Jequitibás, Jatobás e Ipês; agora as retorcidas
espécimes dos serrados onde abundava as frutas-de-lobo.
Por
curiosidade, perguntávamos os nomes das variedades, esquecidas logo depois pela
quantidade existente naqueles campos abertos e os nomes quase impronunciáveis a
nossa língua.
Entre as
espécies européias e as americanas, haviam diferenças, porém o que mais chamava
a atenção, era o volume da massa florestal brasileira, nos matizes mais
diversos que se pode conceber.
Na Europa,
predominantemente os Pinheiros e Carvalhos num verde comum na Primavera e
Verão, o tom Outonal das cores caramelo e marrom e depois a cor branca das árvores cobertas pela neve.
As árvores brasileiras
se enchem de flores na Primavera e durante o ano, suas folhas têm matizes
diversos nunca perdendo a folhagem de seus galhos...
Paraíso de
animais: Veados, antas, pacas, cutias e uma diversidade de pássaros que a cada
dia nos deslumbrava; não passava um dia sequer sem ver novas espécimes.
Na alegria da
cavalgada pela madrugada, onde tudo corria bem, os tropeiros cantavam alegres
ao compasso do trotar da tropa e num embalo só:
Alumia os
caminhos, oh Sol!
do nêgo véio
que anda só,
que dure bom
tempo no arrebol
prá noite
calma, eu e ela só...
Aaaah! ôôô! aí ai ai!
noite longa, eu e ela só...
Em coro os
tropeiros repetiam o estribilho e nós ingleses querendo saber o que cantavam...
Como podia
cantar tão bem entoados, aquela gente bronca mas de sentimentos tão apurados!
A bruma que
cobria os campos subia e
transformava-se em nuvens que se diluíam no infinito; ao entardecer, o
céu se cambiava em matizes cor-de-rosa, formando faixas rasgadas junto ao
horizonte.
O humor dos tropeiros não era o mesmo da
madrugada; cansados de andar à pé e continuamente arranjando as cargas, eles se
transformavam.
Também pudera!
A jornada fora maior que a dos outros dias e as juritis já cantavam chorosas o
despedir de mais um dia...
Descadeirados
pelo trotar dos animais, ficávamos a espera da parada.
Que alívio!
Acabara os
arrancos e o socar constante das cochas e nádegas sobre as selas naquele dia.
Cambaleantes,
descíamos com dificuldade para entregar as rédeas aos tropeiros.
Como era bom
ver ao longe, uma chaminé esfumaçando o céu!
Sinal de que
alguém estava cozinhando o nosso jantar...
O cheiro do
curral que no principio da viagem repugnava, agora era bem recebido como
prenúncio de repasto e descanso breve.
Em todas as
estalagens a beira da estrada real, havia ranchos onde abrigar a tropa e farta
comida a saciar a fome e sede.
As mulheres
conduzidas para os aposentos internos, onde geralmente tomavam o banho em
bacias e dormiam em camas de madeira ou rede.
Nós os homens
conduzidos a um rego ou bica, onde sob o
jato d’água, tomávamos o banho a céu aberto, escondidos entre ramagens que o
hospedeiro convenientemente mandava plantar.
Jorrando
intermitentemente sobre pedras, nós assentávamos sobre elas e deixávamos a água penetrar pelos poros.
Lavados da
poeira, suor e de alguns carrapatos, esperávamos o jantar preparado para tanta
gente.
Logo depois do
jantar deitados sobre mantas de couro cru, refazíamos no sono os desgastes da
viagem.
Antes de
deitar, os tropeiros nos ensinaram a tomar uma “talagada“ para chamar mais
depressa o sono e expulsar os demônios interiores e exteriores do nosso corpo.
Ficávamos
implicados com os ciscos intrusos dentro das garrafas; eram pedaços de raízes
de bálsamo, canela e outras plantas medicinais que adicionavam a cachaça.
Rara era a
pousada onde dormíamos em cima de um colchão atulhado de palha de milho e o
travesseiro de paina de marcela.
Quando
conseguíamos dormir sobre eles, era uma sorte!
Aquele cheiro
de camomila recendia agradavelmente; o sono vinha fácil ao corpo derreado sobre
o enxergão.
Pela manhã, a
dificuldade de levantar com o corpo manhoso envolvido no atulhado e amortecido
colchão.
O café com o leite
e o angu frito quebravam juntamente com as broas, o jejum da manhã.
Descansados, dormidos
e prontos, os cincerros nos chamavam à nova jornada...
A manhã ainda
menina, e nós partindo para Gongo Soco, última parte de uma viagem que nos
parecia interminável.
Eu sonhara ou
tudo aquilo era realidade!
Southampton
onde embarquei e nem chegara a conhecer direito; o estuário tendo a sua frente
a ilha Wigth, era realmente tão belo como parecera à primeira vista?
O impacto do
medo daquela longa viagem, não permitia que eu percebesse direito o que a visão
me oferecia.
Lembro-me do
susto quando o navio largando o estreito canal entre a ilha Wigth, começou a
adernar nas águas do Canal da Mancha.
Em saltos a
quilha rasgava a massa de ondas,
oscilando perigosamente e eu
agarrado a sua amurada.
Sozinho no
tombadilho, eu teimava em olhar para ver como era a Inglaterra vista do lado de
fora.
A costa
parecia envolta numa espumante cor branca; limite final do manto azul das vagas ondulantes que se quebravam nos rochedos.
Ao longe
varriam os meus olhos, cenários desconhecidos numa tarde deslumbrante.
A baia de
Weymouth, Lyme, cabos Prawle e Start e os últimos acidentes, Cabo Lizard e as
afastadas ilhas Scily, escondendo por trás, Land’s End.
Nada mais
restara da minha Inglaterra; agora só a escuridão do primeiro dia de uma
viagem.
O balanço do
navio durante tantas horas, já me causava enjôos e os meus olhos começaram a se
fechar cansados...
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