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CAPÍTULO VII A VIDA DOS INGLESES EM GONGO SOCO



Já sabíamos por informações, que o local da mina era feio e fechado entre montanhas; nossa primeira visão foi pelo contrário de encantamento ao deparar com a densa mata ao redor e o vale do riacho do Gongo Soco a banhá-lo.
Parecia uma terra virgem, apesar de intensamente explorada nos últimos anos do século XVIII e até as duas primeiras décadas do século XIX.
As matas antes devassadas haviam se regenerado e cobriam as encostas, escondendo as riquezas que guardavam por baixo.
Como tudo nos parecia novo e desconhecido, passávamos os dias de folga percorrendo os lugares mais distantes, até mesmo fora dos domínios da Imperial Brazilian.
Como solteiro e jovem, dedicava à empresa l3 horas diárias de trabalho.
Levantava às 5,00 horas e encerrava a jornada diária na mina quando escurecia, entre l8,00 e  l9,00 horas, dependendo da claridade do dia.
Nesta época, vivendo quase inteiramente integrado a minha comunidade inglesa, desfrutava das folgas do trabalho o mínimo necessário a um jovem.
Sem moças da minha idade na colônia, também faltava para mim nas localidades próximas, pois não falava o português para o relacionamento necessário.
Quando por ventura visitava as vilas vizinhas, observávamos quanto eram recatadas as mulheres brasileiras, fugindo até dos nossos olhares, apesar de vê-las curiosas quando distantes.
Cercadas de afeto e proteção pelos pais e familiares, quando elas notavam nosso interesse em admirá-las; de uma maneira hostil fechavam a cara e com  atitudes protetoras se isolavam no interior das casas.
Naturalmente, tentávamos aproximações quando deparávamos com uma moça que nos despertava simpatia, coisa difícil de conseguir, pois andavam sempre acompanhadas, além da barreira de nossas línguas,
Estava sendo fácil cumprir o juramento feito à Mary...
Quando nós solteiros ingleses ficávamos sabendo de festas nas vilas próximas, nunca deixávamos de visitá-las.
Assim fazíamos com as festas do mês de junho e principalmente com a de São João, padroeiro da vila do mesmo nome.
Estas festas tinham similaridade às de: “Dar-tine na Inglaterra.”
Também as festas de Nossa Senhora do Bonsucesso de Caeté e de Santo Antônio na Vila de Santa Bárbara.
A bela igreja de São João Batista do Presídio de Morro Grande, cujo início de construção datava de 1.764, estava em reformas e preparava-se com gala para festejar o santo que batizou Jesus.
A população quase dobrara naquela véspera de 24 de junho de 1.834 e nós participávamos das festas externas, principalmente ao lado das fogueiras acesas no adro da igreja.
Apesar do cunho religioso, do lado de fora parecia com as festas de Saint Michael’s na Inglaterra; o povo cantando, pulando e comendo.
Depois que levantaram a imagem do santo, no pau que eles dão o nome de mastro, a festa transformava-se em torneios esportivos e danças as mais variadas.
A pretexto de pedirem dádivas e espórtulas, as moças vinham ao nosso encontro tentando prendas para leilão, angariando fundos para término da construção da igreja.
Com gestos e algumas palavras, pedíamos explicações e elas caiam em nossa artimanha, retendo-as pôr mais tempo junto de nós.
Já em horas mais avançadas, seguíamos para casas das “senhoras de vida alegre” um tanto afastadas da vila e que se chamava Capim Cheiroso.
Desta maneira, fui me introduzindo no convívio com os brasileiros, fora da nossa comunidade britânica.
À medida que ia contatando com eles, sentia quanto injusto fora o preconceito que nos induziram na Inglaterra a mantê-los a certa distância.
Pelas informações recebidas, supúnhamos que todos os brasileiros eram incultos, e analfabetos, entretanto, aqui radicados, víamos que não era tão discrepante a educação das classes mais altas em comparação a nossa européia.
  Graças as festas religiosas, conseguimos aproximação com as famílias brasileiras, não obstante, a dificuldade da língua que íamos assimilando.
Da Inglaterra eu recebia cartas de meus pais, de Francis Hosken, Hanah e Willian, também parentes, querendo saber como eu estava me sentindo no Brasil.
Hanah e Willian davam notícias de Mary.
Ela ficara informada da minha correspondência com eles e procurava saber das minhas...
Quem em St. Keverne podia guardar confidências?
Quase completando um ano da minha chegada ao Brasil, recebi uma carta da Inglaterra surpreendente; abalando minha estrutura já quase montada.
Mary escrevera-me contando que chegara às suas mãos a mensagem por mim lançada ao mar.
O milagre acontecera, quando não mais esperava por ele...
Detalhando como a garrafa fora pescada em rede no alto mar, por um barco pesqueiro português e passado a um navio de bandeira inglesa daí às suas mãos.
Dizia que uma parte da mensagem fora apagada pela exposição ao Sol, porém o inconcebível conforme os meus próprios dizeres acontecera e ela estava a minha espera nos 1.580 dias de nossa separação.


“  If, by chance, this letter come to your hands, it’s a mark that destiny had planned it so...
    I will be waiting for you in our 1.580 days long separation.
    Yours,  forever yours.

                                          MARY ”
Junto no mesmo envelope, outra carta assinada por meus pais: James e Anne, falando da saudade e da falta de notícias minhas durante tanto tempo.
A mãe comentava o carinho de Mary para com ela e o pai, mostrando-se arrependida pelo que fizera a ele Edward,  por imposição paterna.
Foi um dia de recordações, Mary não saia de meus pensamentos naquele sábado de folga em Gongo Soco.
O Verão chegara e as chuvas caiam sem cessar, dias tristes para nós mineradores, diminuindo a produção da britagem de minério e conseqüente apuração de ouro.
As águas derramadas do céu custaram a cessar.
Com o primeiro dia de estiagem, o Sol apareceu reluzente e os pingos sobre as folhas brilhavam como diamantes, a pompa da natureza mostrava as árvores infiltradas pelos raios solares e o verde claro dominando a folhagem lavada pelas chuvas.
O rio Congo abaixara ao seu leito natural e mostrava as suas margens lavadas pela enchente, ainda úmida.
Acompanhando a correnteza, eu descia o rio ora mirando os saltos que dava contra as pedras do seu leito, ora fazendo pequenos remansos onde em volteios, giravam folhas no afã de se agarrarem às pedras.
Tropeçando e escorregando nas pedras de musgo, eu ia sem destino levado pela força da corrente que batia forte contra minhas pernas.
Longe do acampamento, parei sobre uma pedra; sentei olhando o poder da criação:
Árvores enormes sombreavam o rio e seus galhos faziam pontes sobre ele.
O barulho da correnteza isolava-me de outros ruídos que talvez chegassem até ali, mas que as murmurantes águas não queriam que eu os escutasse.
Comecei naquele momento de isolamento, a pensar e recordar os meus últimos meses e anos de vida...
Que fizera por mim mesmo?
Poderia continuar em Gongo Soco sem uma companheira?
Eu queria respeitar a palavra dada à Mary, porém a natureza do homem é muito mais forte que as promessas do coração...
Até então, eu agüentara a solidão vivendo da saudade dela, mas até quando resistiria aos apelos da minha virilidade?
Quando eu via com que alegria meus patrícios casados desfrutavam da vida ali, particularmente os casais: Samuel e Mary, Jeferre e Anne, com quem mais intimamente convivia; tinha desejos de escrever à Mary para que ela viesse se juntar a mim...
No templo, nas festas e nos passeios da comunidade, eu via os casais: Willian Duns Fone, Georg Vincent Duval, este casado com uma bela polaca e John Roberts e Grace trocando carícias entre eles e seus filhos.
Cheguei um dia a sentir correr lágrimas em meus olhos, vendo Georges e Francis Lyon, rolando na grama em frente da igreja, com suas filhinhas: Adéle e Rose.
Eu tive inveja daquela cena familiar tão pura e necessária à vida de um homem e eu tão distante dela...
Quando em minha vida poderia ter a mesma intimidade com uma esposa e com os filhos que viéssemos a ter?
Sentia com aquela visão bucólica uma angustia terrível e meu coração  clamava  pela saudade de minha Mary...
Mr. Lyon gerente da mina, além de ótimo administrador, era também um homem sensível às necessidades de seus comandados.
Sabendo da incontinência indesejável dos solteiros, ele nos liberava em alguns fins de semana, dando-nos condução e adiantamento, para o que ele chamava de - “merrymakin day“
A mim, faltava algo mais que os contatos esporádicos entre um homem e uma mulher nos prazeres efêmeros da carne...
Quase completando três anos de vida na mineração do Gongo, comecei a notar a exuberância de uma menina que vivia com os Henewood.
O casal inglês tinha como governanta em sua casa, uma mulata descendente de um português e de uma ex-escrava africana; de nome Antônia.
Ela Antônia, antes de se juntar ao português, trabalhara na casa do ex-gerente da mina, o senhor João Baptista Ferreira de Souza Coutinho, nada menos que o célebre barão de Catas Altas.
Tornara-se livre ainda mocinha, por graça dos serviços prestados por sua mãe à dona Flávia Florentina, a 2º esposa do barão de Catas Altas.  
A mocinha também, com o mesmo nome da mãe, Antônia, acabara de sair da  fase da puberdade e mostrava com suas vestes simples, o esplendor do seu físico admirável.
Moreninha de olhos pretos, espigada no seu corpo deleitável, tinha ao contrário dos mestiços brasileiros, um nariz afilado e sob ele, uma boca de dentes alvos e perfeitos, mostra do bom trato que recebia na residência dos Henewoods.
As roupas que vestia eram visivelmente inglesas certamente usadas anteriormente pela esposa de Mr. Henewood.
Esta quando se vestia com aqueles tecidos, tinha o cuidado de colocar anáguas para vedar a transparência da leveza do pano.
A mocinha Antônia suprimia as anáguas e mostrava por baixo da veste, quase tudo que o Criador tinha dado de belo à mulher.
As feições grosseiras que a mãe guardara dos antepassados desaparecera na miscigenação apurada do branco português com a mulata brasileira.
Nas poucas vezes que a vira, quer na casa de Henewood, no templo ou pelas vias internas da vila, eu notara seu olhar fixo sobre os meus olhos; quando eu correspondia, ela retirava o olhar fingindo observar outros pontos.
Havia entre nós uma barreira social que nos separavam, porém comecei a sentir uma atração que era mútua e irresistível.
Durante muito tempo flertávamos escondidos, não querendo transparecer aos outros o que estava evidente aos nossos sentimentos.
Ela e eu sabíamos por onde um e o outro andava e cruzávamos sempre nos mesmos lugares marcados; um amor platônico e puro nascia entre dois seres carentes, de afeto íntimo.
Foi numa manhã de sábado, dia reservado ao Senhor pelos ingleses que se deu aproximação definitiva:
Eu estava naquela manhã de plantão, fazendo rondas, reparos, reposições e lubrificações dos equipamentos e deixara por último a vistoria da barragem que ficava no topo do morro, mais afastado do acampamento.
Pela distância e seu isolamento, a minha cavalgada até a barragem era muito mais um entretenimento do que propriamente um serviço.
Após as vistorias do aterro e do ladrão de saída do excedente, descia do animal e caminhava por entre árvores, para ganhar o outro lado junto da mata, onde me banhava naquelas águas limpas e tranqüilas que apagava o meu cansaço.
Num daqueles sábados, como o meu turno de trabalho terminava após a vistoria da barragem que supria a mina, eu ficara deliciando com a água morna, todo imerso no lado da montante da represa, onde as enxurradas das chuvas faziam uma prainha de areia.
                                      Barragem do Gongo Soco
Ali eu estava livre de olhares indiscretos, pois poucas pessoas subiam até lá, ainda mais sabendo que o cemitério antigo e agora reformado estava em frente da barragem.
Estava no momento verificando as condições do canal, quando ouvi gritos:
- “Help! Help!.
Olhando para todos os lados, não atinava para quem pudesse estar ali gritando por socorro num lugar tão isolado.
Coloquei-me nas pontas dos pés e gritei:
- Who ask me for help?
- Help! Help!
Somente ouvindo uma voz feminina respondendo, estranhei aquele apelo:
-  Where are you?
 Gritei para que a pessoa me ouvisse.
- That’s me, look here!!!
- Where are you?
Custei a divisar uma mão levantada por trás de ramos à esquerda da parte de cima, agora falando a língua das pessoas da terra:
- Aqui! aqui!!!
- What can one do?
Comecei a correr para socorrê-la, quando ouvi novos gritos:
- Don’t!  I don’t want.  Keep off...
- Se não posso aproximar, então, para que pede socorro?
A mulher estava confusa, pedia socorro e me impedia de ir até ela...
- Eu estou semi-nua, disse a voz entrecortada de soluços.
- Você está o que?
- Nua, repetiu a mulher!
Então o que quer?
Uma vara para matar uma cobra que não me deixa passar...
- Mas como vou fazê-la chegar às suas mãos se não posso aproximar?
- Vou agachar atrás da ramagem e você traga um pau para matá-la e as minhas vestes que estão aí do seu lado, completou ela...
Rindo, sem saber com quem conversava, apesar do inglês carregado; quebrei um galho, desfolhando-o, com meu canivete; caminhei para onde fora indicado o local das vestes.
A roupa parecia de senhora adulta e não de moça como imaginava pela voz, não sei se pela distância, ou pelo pavor, a pronuncia inglesa era diferente.
Caminhei a passos largos ao encontro da cobra e de quem me pedira socorro.
De lá onde estava, ela me orientava sem se mostrar por trás dos galhos.
Mais para a direita, não, não, eu disse para a direita...
Ao aproximar-me do local, ela gritou:
- Cuidado!  Ela está por aí...
Diminuindo os passos e com andar cauteloso, olhava para todos os cantos antes de dar inadvertidamente outro avanço.
Divisei um rolo com algo mexendo sobre ele e com a cabeça levantada a lingüeta vibrava.
Era uma enorme cobra na cor cinza com listas de pontinhos brancos e  chocalho na cauda, pronta para o bote, virada para onde vinha o pedido de socorro.
Sinceramente, eu apavorei ao primeiro instante, tendo pela primeira vez que lutar contra um animal que desconhecia seus hábitos.
Mais seguro, pois agora sabia onde estava o perigo, sem fazer barulho e de um só golpe, desci uma paulada na cabeça do ofídio que acuava a intrusa no seu reduto.
Ela ainda tentara se escapar, quando voltei a golpeá-la por diversas vezes.
A força das pauladas ecoava na encosta da serra do Gongo...
“Prac, prac, praaaac...”
- Matou, gritou a mulher ansiosa!
O corpo continuava a mexer e eu batendo continuadamente, até que afinal o pau se quebrou sobre ela.
- Sim, está morta respondi sem tirar os olhos daquela bicha, termo que davam as grandes cobras.
Agora, me dera conta do risco que corria andando desprevenido pela mineração...
Admirado pelo tamanho do réptil, eu ficara fascinado vendo-o inerte e sem a vida que fazia medo.
- Você não vai me jogar a roupa?
Saltando sobre a cobra levava na mão as vestes que me pedia.
- Para! Não venha até aqui!
Deixe a roupa no chão e volte o rosto para o outro lado...
Obedecendo o pedido me afastei tentando dissimuladamente ver o corpo de quem socorrera.
Apenas portando uma peça, ela tentava desesperadamente se esconder e vestir simultaneamente atrás da ramagem; ao apanhar cada peça, eu divisava seu corpo nu se mostrando por partes.
Os seios pequenos e hirtos pareciam virgens...
No meu deleite sensual, fiquei vidrado aos seus encantos, querendo que a cena eternizasse aos meus olhos.
Cena pouco comum para aquela época; eu completamente abobalhado sem saber como me portar naquelas circunstâncias.
Pela juventude ou por ser tão simples, a mocinha não se perturbou, mostrando-se inteiramente segura de si mesma, sinal que aqueles banhos na barragem eram  comuns.
Preocupado com o bicho, eu não observara direito o rosto da mulher, vendo-o depois de vestida, exclamei:
- É você!
Encabulada e rubra de vergonha, ela perguntou:
- Então não sabia que era eu?
- Claro que não, Como poderia supor que uma moça tivesse a coragem de vir aqui sozinha para nadar!
Comecei a rir lembrando da cena dantesca e ela raivosa reclamou:
- Você é um devasso! Certamente estava aí escondido para me ver...
- Ora! Quem poderia supor que uma mulher tivesse a audácia de vir aqui para se banhar?
- Eu estou chorando e você rindo de mim!
- Se Você me acha um devasso, não vai querer voltar comigo?
- Não, por favor, me espera!  Tenho medo de voltar sozinha...    
Voltando juntos, passamos em frente do cemitério e cortamos a crista da barragem para ganhar o outro lado da estrada que ia dar a vila.
Eu tinha deixado o animal de sela do outro lado; desamarrei a rédea presa a uma árvore e ela perguntou:
- Você vem passear aqui a cavalo?
- Eu não estava passeando, fazia vistoria do meu plantão de sábado...
- Ah!  Então é aqui que você vem quando monta a cavalo?
- Aqui e em outros lugares, vistoriando as instalações...
Pensando comigo mesmo eu descobrira que ela sabia das minhas cavalgadas.
Será que fora proposital seu passeio e banho ali onde eu teria que passar, exatamente naquele horário?
A dúvida ficou em minha cabeça, porém não quis perguntá-la, temendo que ela ficasse evasiva na resposta.
Descendo pela estrada que ligava a vila, eu puxava o animal caminhando ao  seu lado e sentíamos o constrangimento do primeiro encontro.
Tomando coragem eu disse uma coisa que estava engasgada em mim:
- Há muito desejava encontrar-me a sós com você...
  E eu também, disse ela num sotaque de inglês diferente, fitando-me dentro dos olhos.
Admirado da moreninha falar o inglês, eu perguntei:
- Onde aprendeu a minha língua?
- Com seus patrícios, da família de Mr. Henewood...
- Como?
- Minha mãe trabalhava para eles, até que ela veio a falecer, eles depois da sua morte, me adotaram, ficando sob a tutela deles.
O animal que vinha puxado pela rédea resfolegou e ela dando um salto, disse:
- Que susto, nossa!
Você tem um animal para montar e anda a pé!
- Se ele fosse meu e não da Imperial Brazilian, eu teria convidado para descermos sobre ele e não com os pés no chão...
 Você, você monta?
- Claro!  Já fiz viagens à Nossa Senhora da Rainha de Caeté e a Vila de São João Batista do Morro Grande.
Ao despedirmos próximo da casa onde morava, ela pediu:
- Por favor, não conte o que me sucedeu lá na barragem, viu!
Ela e eu riamos...
- Qual o seu nome? Perguntei, olhando em seus olhos.
- Antônia Maria, respondeu ela.
- Quando voltamos a encontrar Antônia Maria?
- Quando quiser, porém sem cobra...
- Você faz rondas todos os sábados?
Era uma deixa para novo encontro na barragem...

A mina começara a mostrar sua generosidade, produzindo mais do que esperavam os ingleses nos primeiros anos.
A colônia ia se integrando ao país, e eu à menina Antônia Maria.
Eu pensava que nossos encontros furtivos fossem ignorados pelos outros ingleses.
Mr. Henewood um dia me abordou indagando sobre meu interesse por sua enteada.
Mostrei-me desinteressado pela conversa, principalmente pela satisfação que pedia.
Eu tinha certo escrúpulo em demonstrar que tinha simpatias por uma moça de cor, meus encontros com ela não podiam ser bem vistos e eram até levianos, desde que muitos sabiam que tinha uma namorada comprometida na Inglaterra.
Com o prestígio que Henewood gozava junto ao capitão Lyon, comissário da mina naquela época, eu estava  cometendo uma tolice.
Não podia jurar que minhas novas atividades fossem causa do namoro; mas havia certamente uma relação.
Fui designado para acompanhar Mr. Henewood, nas pesquisas que ele estava fazendo para a Companhia Inglesa na região da Serra do Caraça.
Pela minha experiência, era muito mais útil na extração da mina do que fora, levantando  formações de jazidas  auríferas.
Tendo o Gongo Soco como centro dos nossos estudos, tivemos que fazer croquis dos lugares que visitávamos, para posterior mapeamento da região.
Começamos pela região de São Bento e Santo Amaro do Brumal, arraiais próximos à Santo Antônio do Rio Abaixo, depois a montante dos formadores do rio do mesmo nome, fomos subindo as encostas da Serra do Caraça; Sumidouro, Quebra Ossos, Catas Altas e Morro da Água Quente.  
As viagens eram interessantes pelo aspecto da novidade em cada canto, entretanto cansativas e monótonas ao voltarmos aos nossos acampamentos.
Como solteiro não podia contestar a designação do Comissário, nem minar o trabalho do meu provável algoz, Mr. Henewood.
O homem era sábio e como dizia um provérbio brasileiro, ele matara com uma só cajadada, dois coelhos que negaceavam aos seus olhos.
Ao lado dele, estava sendo vigiado e ao mesmo tempo, afastara-me de sua enteada.
Como os trabalhos estavam sendo frutíferos à empresa, Mr. Henewood presenteou-me com um negro africano, para as prospecções nas constantes viagens.
Zaga foi o negro escolhido, quando Henewood mandou que ele me procurasse.
O preto tinha l,80 de altura e envergadura de um gorila, quando abria seus musculosos braços; seu apelido apropriado deveria ser “Gorila”, não Zaga.
Tendo olhos de lince e faro de cachorro perdigueiro, descobria antes de nós, tudo que procurávamos.
Conhecia por experiência, as formações dos terrenos e quase sempre acertava onde provavelmente havia veios auríferos.
Ainda menino, acompanhara o pai Florismundo cabra “surunga“ que chegara a capataz no tempo do Barão de Catas Altas.
Garanhão por excelência, este tal Florismundo teve em seu tempo, carta branca para rondar as senzalas do Barão e da Baroneza dona Flávia Florentina.
Zaga herdou do pai a fraqueza pelas negras, vício que o Barão estimulava, pois as crias de Florismundo eram tão parracudas  como ele.
O tal velho preto contava que, nas savanas da África, sua terra; o pai tinha tantas mulheres quantas rezes os mandingas pudessem criar.
-  Sô Dú:  quero sê memo como meu vô!
Brincando eu perguntava:
- Onde Você vai arranjar tantas cabeças de gado, Zaga!
- Muié nu farta,  Nhô!
- Não aqui no Gongo, Zaga...
- Muié e capim cheroso, dá tudo qui é lugá, sô Du!
  Prancê comê tem que batê asa como fogo-pagou e aposá noutra rama.
- Mas onde estão as ramas deste capim?
- Ô Nhô! entonces ancê nu sabe?
- Não Zaga não sei onde há!
- Perece qui ancê tá mangano d’eu?
E a fia do Godeme?
- Filha de quem?
- Do Godeme, sô Renê-Renê...
- Não é Renê, já falei Zaga, é Henewood!
- Língua minha nu fala. Rennnnnru...
 Prá mim sô Dú, ele é godelo.
- Então por ser inglês, sou também godelo?
- Ou Nhô! ancê é e nu é...
- Como não sou?
- Prá eu, sinhô é Nhô Dú, prosôtro pode inté sê godelo, galego, mondrongo...
O negro em pouco tempo afeiçoara-se a minha pessoa...
Com aquela conversa de mulheres com Zaga, começei a pensar:
Se o Zaga, antes de trabalhar com ele no Gongo Soco, já sabia de seus encontros com Antônia, quem na Vila, não saberia?
Pela constância junto de mim em meus trabalhos e servindo-me até nos momentos de lazer, o negro passou a ser meu cão de fila.
Sua fidelidade aumentou, quando recebeu de minhas mãos, um animal de montaria arriado.
Coisa que não era facultado aos negros que andavam a pé, acompanhando seus senhores brancos.
A empresa relutara em ceder-me mais um animal, porém fiz ver a eles que necessitando do preto nas prospecções, sua marcha à pé, retardaria minhas jornadas diárias de trabalho.
Zaga passou a ter status entre os da mesma cor e apesar de não manifestar seu reconhecimento de viva voz, mostrava por outros atos, sua dedicação à minha pessoa.
Com a presença constante de Zaga, as coisas facilitaram.
Eu não tinha mais preocupações quanto a minha própria segurança pessoal; o anjo estava sempre ao meu lado guarnecendo-me.
Até nas pequenas  coisas de meus afazeres pessoais, o negro estava ali para resolvê-las.
Se me faltava afeto dos meus pais, tão distantes; ao meu lado estava Zaga querendo adivinhar o que precisava.
Quando ele me via amuado, procurava por todas as maneiras me tirar do mergulho nas tristezas.
Um dia vendo-me assim, disse-me de supetão:
- Nêgo sabe qui Nhô percisa!
- Vô mostá prá ancê o xibiu maise mió qui tem por acá...
Achei que o negro se referia aos pequenos diamantes para cortar coisas duras e me interessei em ver o que ele queria me mostrar.
Sem que nenhuma palavra fosse dita, pegamos nossos animais na cocheira e descemos pelas margens do rio Gongo.
Prá onde o negro me levava?
Fomos parar perto do povoado do São João do Socorro.
Abrindo uma tranqueira, mostrou uma casinha e disse:
- Tá ali perto, Nhô...
Eu não via ninguém do lado de fora da casa, fechada.
- Não tem ninguém aqui, Zaga!
- Ancê já viu cofre de xibiu no terreiro?
Bateu na porta e apareceu uma preta esquisita, com muitas jóias e toda pintada.
- Bão dia Zirina,  Nhá Esteves tá na casa dela?
- Tá, meu Malungo!
Eu não sabia que Zaga tinha outro apelido...
Ao bater na outra casa, aparece na janela um rosto jovem e Zaga cumprimentou-a;
- Sinhá Esteves! bãos dias prá ancê...
- Bom dia Negro Zaga, o que trás você ao Socorro?
- A fromusura de sinhá!
- Ela não é pro seus beiços, negro atrevido!
- Nego, sabe Nha!
 Nu é prá eu não,  mas pra este home qui qué conhecê ancê!
- Quem é o moço?
- Um dos chefes da mina, sinhá Esteves!
Sô Duardo!
- Muita satisfação em conhecê-lo sô Eduardo.
- Good morning, Miss.
- Ah! Nhá Esteves, ele não fala dereito...
- Para o que  veiu, pode  até ser  mudo...
Sô Du tá apendendo agora, é perciso falá de vagá prele entendê, viu!
Sinhá, sô Dú tá de banzo e percisando duma rapariga como ancê, sumente a arataca qui vosmecê tem, pode esvaziá a moringa dele...
- Deixa sô Eduardo comigo e vai prá sua negra Zirina...
- Oh, Nhô! ancê tá em fonte nascida, pura inté de bêbê, viu!
- Some negro! Não precisa tocar na fonte  para mostrar a água...
Vai, vai, Zirina tá te esperando...
Esteves era uma mulata de feições delicadas, semente de um mascate português e de dona Martha, ex amasia do coronel Câmara.
Mulata de pele lisa, olhos e cabelos pretos tão alisados, que expostos ao Sol refletia como se fosse diamante preto.
Dentes alvos, nariz empinado mostrava a cabeça digna de seu corpo.
Eduardo quando a viu, ficou encantado e admirado de encontrar no sopé da Serra do Gongo, uma mulher da vida, tão bonita.
Ao pegar em suas mãos, arrastando-o para dentro, eu tremia e parecia que iria queimar no fogo que me abrasava.
Muito vagarosamente, ela dizia para ele quem era e a vida que levava.
Da sala ele via uma enorme cama de Peroba, recoberta de um “quilt” vermelho, tal como nas casas chiques da Inglaterra, e na França davam o nome de “adredon“
- Foi um dos seus patrícios quem mandou montar esta casa para mim, senhor Eduardo!
Eu vivo como o senhor, das rendas das lavras de Gongo Soco.
Com gestos ela acompanhava suas palavras para que pudessem ser entendidas.
- Vamos ter uma noite só nossa...
Novamente comecei a me queimar no fogo da abstinência e me entreguei aos carinhos que há muito abdicara.
Deixara passar em jejum não por vontade própria, mas pelas dificuldades da língua e dos costumes; eu estava voltando a normalidade de um jovem, carente de afetos e das necessidades fisiológicas...
Acordei de madrugada, alguém batia na janela dizendo:
- Acorda sô Dú! Acorda, são 4,00 horas da minhã.
Assustado, despertei com minhas mãos entre as pernas de alguém, não sabia onde estava e nem enxergava quem dormira ao meu lado...
Uma voz feminina e sonolenta me falava coisas  em português, atordoado eu não sabia o que  ela dizia...
Lembrei que dormira  com Esteves e suas mãos me afagavam nos lugares mais íntimos.
- Fica, fica, foram as palavras que consegui compreender...
Comecei a levantar e ela me puxou para trás, minha mão direita apoiava sobre suas cochas que irradiavam umcalor que me faltara durante tanto tempo....
- Sô Dú! sô Dú, já é tarde...
Realmente era tarde, para que eu não deixasse de apagar  pela segunda vez, o fogo que me queimara durante tanto tempo...
Transformado em outro homem, eu me levantei apressado e ao mesmo tempo dominado pelo relax que sentia...
Quanto tempo eu passara sem os afagos íntimos de uma mulher!
Os trabalhos diários começavam às 5,00 horas da manhã e eu ainda  preso ao visgo do desejo...
Caminhando de volta ao acampamento da mineração, tentava comparar o que sentira com a Esteves e uma outra que me fizera homem na Cornualha.
O clima no Brasil conspirava contra nossa virilidade, ou a favor se tivéssemos como abrandá-la.
Era impossível viver longe delas...
Zaga estava a minha espera no terreiro da casa da Esteves; segurando o cabresto do meu animal, dizendo:
- Temo qui avoar sô Dú; pé aqui e outo lá!
Ao levantar a cabeça para montar, uma enorme estrela de rabo iluminava a serra do Gongo.
Apontei para o céu e mostrei ao Zaga.
- Mia mãe!  qui é quilo, sô Dú?
Será qui Mabamba não gostou de nóis vir acá?
- Quem é Mabamba, Zaga?
- É esperíto da mardade, sô Dú!
- Aquilo Zaga é um cometa, resto de estrelas que vaga pelo céu.
- Nu tô falando qui é isperíto da mardade vagabundando!
- Nada disso Zaga, nós já sabíamos pelas informações da Inglaterra que o Halley voltaria neste ano de 1.835; 76 anos depois de 1.759.
- Cumé qui ancê sabe nome dele e qu,ele ia vortar?
Eu estava rindo da ignorância do negro e olhando para a feérica iluminação do cometa com sua enorme cauda.
Nunca vira tanta beleza no céu!
Aquela madrugada deveria durar para sempre...
- Quem insinô prá Nhô, coisas do céu?
- Lendo, Zaga!
- Nos papés ancê prendeu, isto?
- Sim, neles e na escola...
Apesar de trabalhar ultimamente, fora de Gongo-Soco, sempre que possível voltava à sede para trazer resultados das prospecções geológicas.
Retornava numa sexta-feira a tarde, muito cansado e com sono, pois despertara cedo para providenciar as ordens de serviço no acampamento do Arranca Toco, próximo ao arraial do Brumado.
A mineração de ouro naquele lugar, fora intensa no século passado e a barranca do rio de Santana do Brumado, mostrava os efeitos das catas revolvidas pelos faiscadores.
Ainda havia muito a explorar e minerar naquela região; Descemos dos animais e eu peguei a bateinha que me acompanhava para todos os lugares que ia.
Tirei a roupa e me enfiei na água fria que descia da Serra do Caraça; menos de 10 minutos e depois de diversas lavadas mexendo a bateia, constatei folhetas de ouro  no fundo.
Henewood observava da margem a minha pesquisa; vendo um curioso observando o que fazíamos;
Sem que desse sinais que o havia visto, falou num inglês rápido:
- Hosken,  who is that guy?
 Look how he is looking at us!
Eu já notara o tal jovem me observando e virando para Henewood, disse num português pausado:
- Naaada, naaaada, portugueses  levar todo ouro...
Eu fingia com minhas palavras na negativa, a verdade era outra; no fundo da bateia, vestígios promissores de boa lavra para minerar nos próximos anos.
Henewood tinha além da experiência, conhecimentos altamente técnicos, ele sabia que cada uma das grandes jazidas auríferas daquela região, tinha peculiaridades diferentes, porém forneciam um modelo geológico protótipo metalogenético.
Era confiado nas suas teorias que marcávamos nos mapas os possíveis pontos de explorações futuras.  
Henewood não ficara satisfeito com a primeira amostragem...
- “Isto é pr’eu fazê sô Dú, ancês nu tá bituado com águas de sezão!”
Zaga adiantando-se com sua bateia afundou-a por diversas vezes dentro do leito de areia carreada pelas chuvas.

Estava quente do lado de fora, porém a água corrente e fria, não permitiria larvas dos mosquitos transmissores da maleta.
Girando aquele instrumento que os africanos dominavam tão bem e com a própria água do riacho, decantou as impurezas que não interessavam.
Com os olhos vivos e um sorriso entre os dentes brancos, o negro com o dedo indicador da mão direita, separava e mostrava o que ficara brilhando no fundo da gamela. 
- Ouro de primeira disse Henewood, pelas amostras das bateadas assim tão  rápidas, ainda há uma boa cata aqui...
  A região demonstrava ser ainda muito rica, apesar das explorações que ocorreram ali l00 anos antes.

  Há muito eu não via Antônia Maria; voltando na sexta-feira para Gongo Soco, eu pensei em procurá-la, porém, o cansaço e o adiantado da hora não permitiu que eu saísse para encontrá-la.
  Já deitado e cochilando, ouvi seguidos toques na porta do meu quarto; sabia que não era Zaga pois quando deitava, ele evitava penetrá-lo.
  Ainda sonolento, esperei por novas batidas ou a voz de quem queria entrar.
  Novo toque e preguiçosamente com a voz arrastada de sono, disse:
- Entre!
  A porta se abriu e através da fresta, a luz da lua iluminava um vulto de mulher.
 Só poderia ser sonho!
 - Edward, Edward!
Rolei meu corpo e fixei meus olhos contra a porta.
- Você aqui?
- Se você não pode ir me ver que posso fazer, senão vir até você!
Minha surpresa era tanta, que esquecera no relance que não usava roupas quando dormia, nos dias quentes residindo no Brasil.
Ela com a escuridão interior não notou minha nudez inconveniente; nem eu levado pelo impulso do despertar repentino.
Foi no encontro de nosso abraço, que sentimos o que já era tarde.
Ela sentiu meu corpo másculo, através do volume que ela mesma fizera crescer em mim.
Uma onda de beijos não aplacava a fome dos nossos desejos e minha mão direita corria lascívia sobre a pele morena, entregue às carícias de meus afagos.
Nossa juventude afogava na ânsia das carícias e as barreiras ruíram na avalanche do prazer...
A poda feita aos nossos sentimentos, brotava agora redobrada na Primavera de nossos sonhos.
Foram horas inesquecíveis de prazer naquela noite não dormida...
Antônia era tudo que me faltava no Brasil, desde que chegara.
Não fora por minha própria vontade que quebrara o juramento à Mary; o destino prepara coisas que algumas vezes, nem nós mesmos esperamos.
Uma menina de 16 anos tornara-se mulher nos braços do inglês de 25 e ele não sentia nenhuma culpa pelo que acontecera...
A sociedade da pequena vila dos ingleses, tal como vivia, não podia pedir explicações aos jovens amantes.
O mau exemplo campeava desde o mais alto cargo de Comissariado, até ao menor de seus empregados.
Vila de forasteiros, fechada na sua própria redoma, seus membros não tinham a quem dar satisfações.
O Comissário Guilherme Yory Henewood, mesmo como tutor de Antônia, como passei a chamá-la, não podia recriminar os jovens, ele não tinha postura  moral para tanto, apesar do alto cargo de sua investidura.
Uma indiferença perdurou entre o Comissário e eu, principalmente quando fiquei sabendo que ele tentara com Jeferre e Zaga a desviar minha atenção por  Antônia.
Eu reconhecia em Henewood, um grande administrador e conhecedor profundo de mineração, inclusive com publicações editadas na Inglaterra,  porém tinha algumas  enormes fraquezas:
Entre elas, sua obsessão por mulheres.
Sua fama se tornou famosa, comprovada pelos registros de batistérios das igrejas, onde a prole de filhos naturais deixados era impossível de se contar na região por onde passava.
Depois daquela aventura de Antônia, difícil era saber a razão precipitada da sua iniciativa de vir ao meu encontro...
Quando Willian e Anne Jeferre ficaram sabendo que Antônia estava morando comigo, inicialmente falaram com os meus parentes para me aconselhar  da loucura que estava cometendo e  me chamaram em sua casa para uma conversa reservada.
Havia em todos eles uma preocupação que eu achava exagerada, pois era solteiro e senhor do meu nariz...
Ninguém gosta de estranhos envolvendo suas vidas, e eles sabiam que nem meus parentes quiseram abordar o assunto da minha convivência com Antônia; porém o casal amigo tinha o direito de manifestar suas preocupações com a minha atitude precipitada.
Eram eles para mim, pessoas muito queridas, representando os meus pais que deixara na Inglaterra, além de exemplos como  casal  bem estruturado.
Ao dizerem de suas preocupações, perguntaram-me se escrevera para meus pais relatando o fato.
Eu fui sincero ao contar como amasiamos e a sua razão.
- Que jovem pode viver por tanto tempo celibatário, como eu?
Nós estamos completando quatro anos e meio de vida no Gongo Soco, e eu quase abstinente nesta fase que nós os homens mais necessitamos  de uma companheira.
Levados pelos meus argumentos e ponderando do que reclamava tentaram amenizar a situação, aconselhando-me:
Se você não pode viver sem mulher em sua vida atual, e  já que estão vivendo em concubinato,  pelo menos evitem filhos!
- Como perguntei a eles?
-Nós vamos dar alguns conselhos para você e Antônia.
- Nós, quem?
- Eu e Anne.
- E se ela não aceitar?
- Anne saberá convencê-la da necessidade.
Durante alguns anos conseguimos seguir as orientações de Willian e Anne, vivendo com esplendor nossa vida de amantes.
Ficamos até conhecendo plantas brasileiras que evitavam filhos e abortavam; os indígenas conheciam sua eficácia e transmitiram aos brancos a ciência indígena.
Antônia aprendera através de sua mãe as beberragens, mas não  sabia como apanhar ou adquirir  a planta ectrótica.
 Zaga conseguiu o que ela queria.
Fazendo o uso diário, passaram-se tantos meses, que ela achara não mais engravidar.
Eliminando a ingestão da infusão, ficara tranqüila durante muito tempo.
Por sorte sua, Edward geralmente estava fora nos períodos de suas ovulações.
Numa certa época de 1.836, eu passara a notar que Antônia estava mais mulher, seu corpo encorpara e a exuberância dos seios mostrava una fêmea sedutora; ela naquela época realmente estava mais bonita do que quando a conhecera.
Anne, foi a primeira a perceber a transformação e chegara a perguntá-la se estava seguindo a risca seus conselhos...
- Ah! Eu parei de tomar o chá...
Edward fica mais tempo fora do Gongo, que achei não mais necessitar da beberagem.
- Olha o que você está aprontando, menina!

Em 1.837, o governo para estimular maior produção das minas, baixara  o imposto e coincidentemente, o veio principal e as galerias  da mina do Gongo Soco estavam  produzindo até 50 quilos de ouro|dia.
Estava sobrando dinheiro naquela época, daí as prospecções que a Companhia mandara fazer nas jazidas de Boa Vista, Bananal, Morro d’água Quente, Socorro, Campestre, Cata Preta e Inficionado,  todas próximas de  Catas Altas.
Nos últimos meses daquele ano e em plena Primavera, as chuvas impediam nossos serviços nos campos abertos e voltamos à  sede que estava em  atividade jamais esperada.
Foram dias prazeiosos não só para mim, como também para toda comunidade que exultava com os resultados das extrações.
Eu e Antônia aproveitando os dias quentes e de folga, fazíamos longas caminhadas pela margem do rio Gongo.
Ao chegarmos a uma clareira distante da vila, parávamos para nadar nos pocinhos que a corredeira do rio fazia.
Num destes passeios, Antônia ficando livre de suas roupas, mostrou seu ventre mais volumoso, quase cobrindo o sulco de sua cintura.
O rosto com a pele mais fina, os lábios cheios como romãs abertas ao viço do seu esplendor; a princípio achara que tais mudanças eram frutos de nossa vida saudável nos constantes passeios.
Imaturo como era, desconhecia biologicamente a vida da mulher.
Lembrando dos conselhos dos Jeferres, é que despertei para a possibilidade de Antônia ter se engravidado.
- Há quanto tempo não tens?
A palavra portuguesa me faltou e eu disse em inglês: “Menses! “
Ela não conhecia a expressão inglesa e tentei, “ menstruation”
Esta é tão semelhante a portuguesa, que ela entendeu ...
- Não me lembro!
Ficou pensando e depois de certo tempo, lembrou e disse: Dois meses mais ou menos...
- Você está grávida!
- Eu grávida?
Claro! A Anne pela experiência poderá nos dizer o que se passa com sua natureza...
Ela aproximando-se de mim, pegou a minha  mão e levou-a ao seu ventre.
- Será,  querido?
Realmente, o ventre estava mais levantado e eu alisava gostosamente aquela parte íntima de seu corpo.
- Não faça isto, alguém pode estar olhando!
- Ora! Você não tem escrúpulos de ficar despida e se envergonha que eu  faça um carinho sobre seu ventre?
- Primeiro, eu não estou me exibindo,  pois estamos cobertos pela ramagem; segundo, se alguém nos tiver espiando é pecado dele, não meu...
Quanto  as intimidades,  deixamos  para o interior  das quatro paredes...
Ao sentir a possibilidade de Antônia estar grávida, a vaidade de ser pai, afastara as conseqüências da nossa irresponsabilidade de amantes.
Éramos muito jovens para pensar nas possibilidades de um filho manchado pela falta do matrimônio.
Anne ao saber dos enjôos e a ausência de regras de Antônia, comentou:
- Só falta os desejos das grávidas!
Era realmente uma gravidez de 2 meses, Dr. Cuming confirmara no exame.
Antônia se sentia bem mais feliz do que eu, arranjando o enxoval do filho que carregava no seu ventre.
Para ela o pequenino ser, seria a companhia certa nos dias incertos das minhas ausências na Vila do Gongo.
Vila pequena onde tudo era comentado e sabido, a notícia da gravidez de Antônia se espalhou.
Eu sentia quando chegava em minha casa depois da jornada diária;
Um prazer especial em tocar no seu corpo,  saber que ali havia parte de mim mesmo crescendo em seu ventre e tomando os mesmos traços meus  e dela.
Ouvindo minhas palavras,  ela se entregava aos meus afagos, e minha mão corria de leve sobre o ventre agora maternal.
A noite sempre a sós naquele tempo, sua roupa íntima deixava ver as curvas côncavas e convexas que me excitavam.
- Você se sente feliz, querida?
Nossas bocas coladas não permitia a resposta e ela abanando a cabeça mostrava o que  sentia.
Abraçados, tombava para que eu a cavalgasse na forma mais plena da posse e da entrega.
As vezes, queixava-se: - Você está pesado!
Antes no deleite de nosso amor, até que gostava com o  peso a esmagá-la  e rolava na cama para que eu caísse no mesmo nível da sua luxúria...
Sua gravidez não arrefecera meu ímpeto, pelo contrário, Antônia era muito mais mulher condicionando-se para a maternidade.
Suas roupas passaram a não servir e mandei que fizesse novas; atendendo ao meu pedido, providenciou um novo enxoval para suas roupas íntimas e vestidos.
Logo que começou a receber as encomendas, eu pedia para vê-las.
Ela escondia ou me mostrava somente  sobre suas mãos.
- Assim não!  Quero vê-las em seu corpo...
Tentando se esquivar do meu pedido, justificava:
- São balofas demais, querido! Elas me enfeiam...
- Não importa, eu quero vê-las em seu corpo, se ficarem feias você poderá tirá-las.
Antônia entrava em nosso quarto, fechava a porta e se aprontava para voltar a aparecer como eu queria.
A demora me tentava ainda mais na expectativa da apresentação.
Sem nenhuma cinta e anáguas por baixo, seu corpo mais gordinho bamboleava nas passadas que dava ao meu encontro.
A conselho de Anne, ela escolhera roupas leves de textura fina e próprias para o calor, menos  absolvidas pela gordura de sua gravidez.
Sem nada por baixo, suas formas se mostravam como a chama de lampião vista por fora da manga.
Tentação que queimava a minha mão ao tocar naquela chama viva...
- Você quer ver as roupas, ou pretexto para ver e tocar em meu corpo?
A medida que ela chegava aos 8 meses, seu corpo avolumara  e passara a ter dificuldades para fazer os serviços domésticos.
Tentei convencê-la em arranjar uma dama de companhia com sua tia, ela não quis, dizendo que iria afetar à nossa intimidade.
Em parte havia razão para o que dispensava, nós andávamos a vontade dentro de casa, sem preocupar-nos com o desconforto de indumentárias que tiravam a nossa inteira liberdade.
Para evitar sobrecarregá-la de afazeres, passei a receber alimentos da casa de hospedes da vila e por 2 vezes por semana,  vinha uma mulher lavar nossas roupas.
Antônia dispunha com esta medida, mais tempo para cuidar do enxoval do neném e andar, como recomendara Dr. Cuming.
Era sua companheira nos exercícios de caminhadas, sua amiga Anne; algumas vezes subiam até a represa que a fazia lembrar como ocorrera  seu relacionamento com  ele Edward.
Antônia contara para Anne Jeferre como fora pega na barragem...
Anne ria da maneira engraçada como Antônia relatara sua cômica  apertura.
Você não presumira que mais cedo ou mais tarde, seria pega por alguém?
- No sábado, hora do ofício religioso! Ninguém passeava antes do final ...
Era a terceira  vez, e se não fosse a maldita  cobra, ninguém descobriria meus banhos ali.     
- Que maldita nada!
 Não fosse ela, a maçã poderia até aprodecer no pé...
 Risos!
                 O peso de Antônia chegara a um ponto, que não era mais possível continuar
           sem uma pessoa para ajudá-la dentro da casa.
Anne convencera a mandar buscar uma pessoa para ajudá-la nos afazeres.  
domésticos.
Zaga prontificou-se para buscar uma negra livre, que há mais anos trabalhara ali com a família do Barão.
Genoveva surgiu na vila, trazida por Zaga numa segunda-feira.
Macuma nascida próxima a Lagoa das Antas, ela fora ex escrava de dona Laura a mulher do Barão e ganhou carta de alforria por serviços prestados à família. 
Negra alta e ainda com os dentes perfeitos, revelara ter absolvido todos os ensinamentos da casa da Baronesa; sua liberdade pouco valera, pois não tinha meios para sobreviver sem emprego.
A região onde concederam licença para fazer sua choça era de minério e pouca terra de cultura.
Logo que veio recomendada por Zaga, foi pouco solicitada e não se conformava de ficar tanto tempo sem fazer nada; ia para o quintal e plantava frutas e hortaliças.
 A medida que Antônia chegava a data marcada para o parto, Genoveva foi  tomando conta de todos os trabalhos caseiros, revelando qualidades e virtudes adquiridas quando mocinha.
Edward devia a ela e ao Dr. Cuming, muita gratidão pelo que fizeram para salvar Antônia e o neném, quando esta caiu escorregando na lama junto da sua casa.
Meu assedio à Antônia diminuíra com a aproximação do parto e passara a conviver das lembranças da última Primavera, estação encantadora; eu me enchera de vida vendo o seu desabrochar.
Recordava de nossos passeios lado a lado, e os afagos provocativos que ela me fazia.
Enquanto andávamos pelos campos ela ia colhendo flores nativas e eu absolvido com o cachimbo que fumava, controlando-o para que não se apagasse com o vento.
Ao chegar a frente de nossa casa, ela entrava para  se lavar e eu ficava do lado de fora, esperando que o fumo virasse cinzas...
Ao entrar, Antônia já tinha se lavado e perfumada esperava por mim.
Quando terminava a jornada dos trabalhos da mina, lá mesmo tomávamos o banho retirando a poeira, suor e as vezes a graxa ou o óleo.
Chegávamos em casa limpos e com a mesma  roupa que saiamos, deixando na mina as que vestíamos para o trabalho diário.
 Para relaxar os pés, aproveitava a água do banho de Antônia abluindo-me da poeira que levantávamos durante o passeio.
Aquele ritual brasileiro que eu aprendi com Antônia, vinha através das gerações, copiando os costumes e sabedoria dos hebreus.
Lavar os pés como último ato do dia, além de promover asseio, aliviava as tenções e ativava a circulação sangüínea.
Na Inglaterra não havia tal hábito e nem razão, pois o frio não deixava o corpo transpirar.
Outro costume que logo com a minha chegada, deparara com as mulheres brasileiras:
Os trajes tão diversos das mulheres inglesas; Na Inglaterra, compridos fechados e geralmente de tecidos grossos, no Brasil: Curtos, decotados e finos.
Quando fazia comparações entre as brasileiras e as patrícias, eu me lembrava de Mary com suas vestes severas, próprias de clima frio e das imposições religiosas.
Lembrando de Mary, eu me penitenciava:
Porquê reatara com ela?
Seria amor próprio ferido!
Com o tempo e a distância, somente o sentimento de pena me fazia relembrá-la; minha infantilidade talvez ainda a amarrasse ao meu juramento.
Quatro anos passados, será que ela ainda me esperava?
Havia minha promessa de voltar à Inglaterra após 5 anos...
Antônia sabia que havia em mim e em quase todos os ingleses do Gongo, a opção para voltar à nossa terra, o que acontecia a quase todos depois de findo o contrato.  Alguns já comentavam o regresso.
Com a descoberta dos novos veios e a perspectiva de pleno êxito nas explorações; A maioria dos ingleses adiaram o retorno, ampliando a validade do contrato até então existente.
Antônia que antes vivia sobressaltada por uma possível volta minha à Inglaterra, sentia-se aliviada, principalmente por carregar um filho meu em seu ventre.
Mais do que a maioria dos meus patrícios, eu me afeiçoara ao país, pois tinha uma companheira da terra, enquanto os outros, tinham esposas inglesas, desejosas de criar os filhos, junto dos avós.
Fora este o motivo da volta dos Hoskens que vieram na 1ª leva e eu fiquei só no Gongo Soco.
Minhas constantes viagens de explorações encantavam meu espírito aventureiro, vendo um mundo tão diferente do que nascera e acolhedor em todos os sentidos.
Aqui não havia Inverno, era Primavera o ano todo; a variedade de frutos, comida, mulheres e liberdade até religiosa, chamava a nossa atenção de  forasteiros.
A direção da Mina sabia do meu prazer por viagens e voltara a me escalar para dar continuidade aos serviços de prospecção na serra do Caraça.
Verificando os terrenos, concluímos que em todo o contorno da serra do Caraça, havia formação pirítifera e aurífera, o que não era nenhuma novidade, pois ali fora extraído no século passado, grande quantidade de ouro.
Marcamos no mapa os pontos mais interessantes, com visível possibilidade de veios ricos.
Aquelas prospecções geológicas eram importantes para a Imperial Brazilian Mining Association, pois levantava dados das origens das principais mineralizações auríferas, dando a conhecer as formações e os ambientes onde se formavam no centro da Província de Minas.
Sabíamos que teríamos que conhecer primeiro, as características ambientais do modelo metalogenético, seguros do que revelavam os estudos, firmávamos  bases dos parâmetros onde poderíamos fixar os acampamentos de explorações futuras. 
Trocávamos de acampamentos à medida que avançávamos de Norte para o Sul a varredura dos rios e barrancas, onde os depósitos sedimentosos, mostravam boa quantidade de grupiara.
Zaga mais do que nós ingleses, mostrava-se inquieto com nossos deslocamentos e dizia que tínhamos virado tatus.
Seu sexto sentido, sempre antevendo coisas, alertáva para as chuvas torrenciais que iriam cair e a premonição de que deveríamos voltar com  urgência  à Gongo Soco.
Já tinha conhecimento através de muitos patrícios, das superstições dos africanos com referência às suas crenças e pressentimentos, não era magia negra, mas uma intuição muito comum a eles.
Durante a noite, trovejara muito e relacionei a conduta de Zaga ao medo de raios; ele tentou me explicar que havia “caitana “ no ar e qui Nhô deveria voltar.
Eu não sabia o que era caitana e perguntei o que significava aquela palavra.
- Mundurunga na boca dos mano preto...
Eu fiquei na mesma, nem caitana, nem mundurunga!
Sentindo que eu não dava atenção devida, reclamou:
- Nhô! Nóis percisa vorta, tô cum zabumbeira nosovido, arguem tá chamano eu e ancê...
Fosse outra ocasião não daria ouvidos à sua conversa, mas como Antônia ficara sob observação por parte do Dr. Cuming, fiquei numa dúvida se falava ou não com Henewood.
Com os repiquetes rolando do alto da serra, resolvi alertá-lo sobre os problemas que teríamos com a chuva, presos ao acampamento e sem poder fazer nada.
Ele ficou pensando e olhando para o céu.
De repente resolveu:
- Vamos levantar o acampamento e picar nas cumbucas...
Para ele todo animal se chamava cumbuca.
Voltávamos em marcha forçada, cruzando por São Bento, São João e Socorro sem parar; a aruega descia manhosa encharcando-nos como os baixios dos rios.
Apesar dos respingos contra nossos rostos e refugos dos animais, incomodados com o vento contra, continuávamos na marcha que nos levaria para casa.
Os animais conheciam o caminho e tínhamos que sofrear o ímpeto do galope.
Quem não gosta de voltar aos pagos?
Pensando em Antônia, já delineava o que faria logo depois de abraçá-la.
O banho, a comida quente e os lençóis cheirando a flor de laranjeira e a fronha a macela.
 Depois, o calor morno de sua barriga enorme me afastando dos chamegos  que deixara de receber por tanto tempo...
Como era bom voltar, sabendo que lá estava alguém esperando; mesmo trabalhando na mina do Gongo Soco, ela ficava a minha espera,  arrumada com suas vestes de passeio para caminharmos, como fazíamos todas as tardes.
Saiamos pela vila andando, procurando estradas menos movimentadas; só voltávamos com o findar da tarde e com as primeiras estrelas pirilampeando como se piscassem marotas ao nos verem tão entregues...
Quantas vezes eu não tinha dito para ela, como era bom viver num clima tropical, onde podíamos desfrutar o ano inteiro daquela benesse da natureza.
- Sua terra não é assim, Edward?
Eu voltava com as mesmas explicações, dizendo da inclemência do clima da Europa e da minha terra.
Nesta Primavera de l.837, parecia haver mais vaga-lumes no ar que as estrelas no céu; por onde andávamos o caminho era iluminado por eles.
Quantas vezes, contrariado eu não chamei a atenção de Antônia por ficar a prender os bichinhos dentro da sua mão pescadora.
Com a mão direita fechada, ela me mostrava entre as frestas dos dedos, o pirilampear do inseto.
Zangado eu pedia para soltá-lo; era mais lindo voando livre e iluminando o céu, que preso iluminando sua curiosidade ...
Aquela feericidade complementava com a magia do coaxar dos sapos, rãs e o estridular dos grilos.
Quando um dia expliquei para Antônia o motivo de toda a agitação dos animais na Primavera, ela saiu com esta:
- Os homens deveriam ser como eles, incendiando de luz e sons as noites de amor da nossa vida...
Ela não tinha em mente, ou não sabia, que a eles só era dado um período pequeno para a fase de acasalamento, nós criaturas humanas, todos os dias de nossas vidas...

As 6 léguas que nos separavam do Gongo, estava sendo feita em marcha apressada, de vez em quando os animais paravam para arrancarem o meloso ou outro capim nos barrancos e Zaga gritava furioso:
- Fio dasunha, suvanca de espinhela caída, cê nu tá veno qui tamo aperreado!
O rio Gongo estava transbordando pelas margens e tomando as vezes a estrada aberta há tão pouco pela Companhia Inglesa de Mineração.
Pena, a enxurrada lambia os aterros destruindo-os e tínhamos que dar voltas!
Ás 2,00 horas da tarde chegamos a vila e na cocheira havia um recado para que mandassem um mensageiro a minha procura em Brumado ou Morro d’água Quente.
D. Antônia tinha sido levada para o hospital.
Zaga me acompanhou para voltar com os animais, a medida que chegávamos perto, comecei a tremer e as cãibras que estava sentindo durante a viagem, desapareceram.
Na porta do hospital, Genoveva chorava copiosamente e tentando me barrar, dizia:
- Dotô nu qué qui vos mecê e gente ninhuma entra acolá...
Eu saí correndo sem saber onde estava Antônia.
É aqui, Nhô! Seu mazombinho tá aqui...
Um choro de criancinha aliviou minha perturbação; separado da mãe ele estava sendo limpo pela parteira da vila.
Assustada vendo-me, sem dizer coisa com coisa, apontava com o dedo:
- Tá lá!  Tá lá!
Só podia referir-se onde estava Antônia; cobrindo a visão de seu rosto, Dr. Cuming tentava deter a hemorragia...
Foi a última coisa que me lembro ter visto naquele dia azarado; O choque foi tão grande que o torpor me abateu numa inércia inqualificável...
Durante vários dias, sempre tinha alguém ao meu lado, tentando explicar o que para mim era inexplicável.
Um dia acordando pela manhã, percebi que não estava em minha cama nem em minha casa; levantei e dei de cara com Anne.
- Ah, meu filho!
Ela chorava, passando as suas mãos por minha cabeça.
Ninguém precisaria me dizer nada, eu entendera o que ocorrera...
Willian tinha me levado para sua residência, Genoveva e Anne tentavam acalentar uma criancinha nos braços.
O choro me despertou para a realidade que eu não queria relembrar...
A última coisa que recordara foi ter saído correndo de dentro da casa, tomando o rumo que o instinto me indicava.
Eu não via e não sentia o que fazia.
Anne mandou que o Zaga fosse atrás, mas não tolhesse os meus passos.
Subindo pela estrada da barragem, fui parar dentro da amurada do cemitério.
Uma cova coberta de flores me dizia onde estava Antônia.
Já escurecendo, Zaga que permanecera junto de mim, sem dizer uma palavra, me abraçou e em voz soluçante, disse-me:
-Nhô,  tô chorando como ancê, maise Tonha nu qué qui nois fica aqui!
Nhosinho tá chorando pelo leite dele.
Nóis nu pode esquecê qu’ele nu tem o calô dela!
Uma revolta e um sentimento de repulsa se interpunha entre mim e a criança; ele fora a causa da minha perda e sofrimento.
Logo ele, que esperávamos com tantos desejos...
Nunca mais voltei a minha casa, Willian e Anne providenciaram a mudança do que era nosso para a residência deles.
Até o nome eles escolheram para o menino:  “ John.”
Foi no trabalho que encontrei consolo pelo que sofria; Willian e Anne procuravam afastar de mim as tristezas do meu coração, enquanto o neném, cada vez mais fazia acendê-las.
Tentava tudo para afastar a dor da saudade, eu não queria esquecê-la; apenas afastar o vazio que ia em mim.
Dormindo, Antônia aparecia em meus sonhos corporificada e quando o prazer da sua presença começava a tomar os meus sentidos, eu acordava sem ver sua partida...
Minha mão estendida apoiava sobre o outro lado vazio e as lágrimas molhavam o enxoval que ela mesma fizera.
Enquanto sofria calado, tentando afastar recordações tão doces, a vila inglesa exultava com os resultados das últimas apurações de ouro.
Naqueles dias de 1.839, sob a administração do comissário Skerrett, a produção era tão auspiciosa, que a notícia vazou e o jornal  O UNIVERSAL DE OURO PRETO  noticiou o seguinte fato em l2 de Outubro:

                “ As apurações das lavras do Gongo Soco tem sido extraordinárias.
 Em 11 dias seguidos, extraíram-se 628 libras e dez Onças de Tróia de 60.368 oitavas de ouro; o  metal valendo mais de Cento e Quarenta Contos. “
  
Era a comprovação oficial do jornal da capital da província, espalhando aos 4 cantos, o êxito dos ingleses.
Se a mina continuasse com a mesma perenidade, em pouco tempo Edward poderia voltar à Inglaterra como planejara.   Os prêmios e a experiência valeriam muito em sua terra, pois os relatórios e balanços acusavam:

“ Nos  l2 primeiros anos de apuração, a Cia Inglesa retirou 30.000 lbs. de ouro, ou 1.200:000 lbs. St. que renderam 2.000:000 contos ao Governo brasileiro e mais l20 contos por direitos de exportação.
Aos acionistas, neste mesmo período de 12 anos, obtiveram l0 lbs. St. de bonificação por ação.
O fundo de reserva da Companhia subiu a 50.000  Libras  esterlinas. “

Os anos de vivência profissional em Gongo Soco dera a ele Edward e seus patrícios um referencial para novos empregos se assim quisessem.
O tempo correra sem que eles percebessem, envolvidos l3 a l4 horas diárias com a mina, o tempo que sobrava era muito pequeno para dedicação à família ou a si mesmo, como era o caso de Edward.
Para ele, seria a hora de definição; continuaria ou voltaria para Inglaterra como fizeram os outros Hoskens?
Não seria fácil naqueles dias de prosperidade e plena extração, conseguir sem muita luta sua demissão.
Seu primeiro passo para desligamento definitivo, seria pedir transferência  para as lavras da região do Caraça; a medida que o vínculo com a comunidade do Gongo, fosse diminuindo, seria mais fácil o rompimento contratual.
Enquanto a mina ia cada vez mais extraindo ouro na paz da sua colônia, o país atravessava um período crítico na política partidária dos dois  partidos.
Acirradas lutas entre Libertadores e Conservadores desequilibrava a política imperial
Os Conservadores representavam o interesse da aristocracia territorial, em cujas bases se firmavam os grandes latifundiários, donos dos escravos.
Os Liberais, a burguesia da cidade com o espírito revolucionário social,  antepunham abertamente contra a escravatura.
Nós ingleses, pouca ou nenhuma importância dávamos às tais lutas que se travavam na capital do Império.
Mal informados, sequer sabíamos que o deflagrador do  estopim estava ali tão perto do Gongo Soco.
José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, natural da Vila Nova da Rainha de Caeté, além de nosso vizinho, era como nós, minerador de ouro.
Algumas vezes vinha até a Mina do Gongo Soco para aconselhar-se a nós ou pedir alguma ajuda técnica. Eu me tornara seu amigo, tantas vezes fora emprestado pela mineradora para socorrê-lo.
Apesar da conturbação política lá fora, continuávamos assoberbados com a mina e a única coisa que me desviava a atenção do trabalho, eram os pensamentos e sonhos com Antônia.
Faltava-me a fé para acreditar que seu espírito estava vivo...
Isolado como sentia no Gongo Soco, eu necessitava de um corpo onde a matéria fosse palpável e eu pudesse tocar como a saudade pedia...
O cepticismo era patente em mim, porém uma coisa me perturbava: Os sonhos contínuos, não seriam uma manifestação da alma?
Atormentado pela dor e convivendo com ela no mesmo ambiente onde vivêramos não me conformava e tentava fugir do cenário que nos fora comum.
Procurei o novo Comissário Mr. George Vincent Duval e disse a ele o quanto estava sendo doloroso para mim, permanecer ali em Gongo-Soco.
Ligado por antiga amizade, ele aconselhou-me a esperar um pouco, pois a Companhia estava interessada em minerar na região do Caraça, onde Mr. Yory e eu, havíamos feito uma  proveitosa prospecção.
Acrescentando disse-me: - Fica sabendo Hosken, que já tenho autorização para início dos serviços na Serra do  Caraça e Mr. Yory terá muito prazer em contar com sua pessoa junto dele.
Para a mineradora, seria de grande interesse estender as lavras por outros campos, garantido reservas futuras de jazidas e para mim a concretização do que pedira a Mr. Duval.
Nesta época, Catas Altas tinha 2 correntes de manifestação com a provável volta da mineração em suas terras:
Uma a favor da mineração e outra contrária, os padres e os donos de terras de lavoura e pastoreio.
Padre Mendes do púlpito advertia aos menos desavisados:

“ Esta Companhia do Gongo Soco, engordada  pela riqueza do buraco rico que ela nos deixa, em troca das libras que ela envia para a Inglaterra.
O salário oferecido aos operários atrai forasteiros; de toda parte chegam levas, e em curto espaço de tempo, o diretor da Companhia passará  a ser um novo rei,  não da Inglaterra, mas dos beócios tão numerosos, como os  filhos de Israel,  junto às fraldas do Sinai, durante a ausência de Moisés.
Decorrerão  meses e anos; a ambição ou amor de um lucro mal calculado, cegará a  muitos,  que esquecendo-se dos seus quintais, chácaras e campos, não terão em vista senão ouro a receber no fim de um mês.
Ouro insuficiente para as despesas mensais, e a manutenção de suas casas; antes como o animal da Gabriela, correram atrás da sombra e assim comprometeram o certo, correndo atrás do duvidoso. 
Suas plantações destruídas, sua criação aniquilada, sua mulher triste, ou sem desenvoltura,  suas filhas corrompidas e sem crédito na boca da botija. ”

Entre os que se manifestavam contra, os padres que previam o que sucederia ao povo com a nova  invasão da horda de faiscadores que chegavam.
E do púlpito e nas reuniões sociais, continuava o padre a alertar:

“  A inconstância nasce com o homem; e no decorrer do tempo este verme desterra do lar doméstico o bem estar tão relativo aos filhos de Eva.
Por estes campos de Catas Altas, viviam seus habitantes remediadamente com os recursos da criação de gado e produtos do café, elementos estes, sucessores do antigo ouro, quando caiu sobre esta freguesia uma epidemia assoladora e eficaz  da morte de tão próspera fonte de riqueza. “

Procuremos descrevê-la:

“ O Major Ignácio Mendes e sócios, senhores da Fazenda Bananal ( Morro d’água Quente),  Morro das Almas, Cuiabá e etc., venderam, e muitos afirmam que arrendaram estas propriedades  no ano da Graça de ( 1.836 ) a uma Companhia Inglesa, a Gongo Soco, pelo prazo de 50 anos, com a condição de devolução aos herdeiros dos vendedores, no fim desses anos, ou antes, em caso de serem por ela, Companhia, abandonadas as lavras, porém bem conservadas como estavam, em 1.836. “

A profecia prevista no púlpito chegou anos mais tarde tão avassaladoras como as palavras dos profetas:  Isaías, Jeremías e Ezequiel.
Antes que se findasse o prazo da concessão para exploração do ouro  por 50 anos, o Morro d’água Quente, ferido e exposto, mostraria  as vísceras de uma operação desastrosa.  

Quando ocorreu  a autorização para exploração das minas de Catas Altas, pela Imperial Brazilian Mining Association,  veio imposta  uma cláusula:
 Toda a despesa seria feita com os próprios recursos advindos do Gongo Soco, inclusive a vila para acomodação dos trabalhadores.

Edward Hosken, mais tarde lembraria:
Com minhas atenções voltadas para planejamentos, fazíamos relatórios e constantes viagens nas bacias: Ribeirão Santa Bárbara, e Rio Piracicaba, onde já tínhamos prospectado.
No dia 29 de setembro de 1.840,  sem saber que era um dia festivo em Catas Altas, viajamos  para lá com a finalidade de conversar com o Guarda-Mor Thomé Fernandes Mendes Campello, assuntos de interesse da Companhia.
Lá chegando com o Zaga, demos de cara com a praça cheia e o povo comemorando uma festa.
A milícia desfilava pelas ruas, que aclamada pela população, estava concentrando-se exatamente na casa para onde encaminhávamos.
Pela pompa dos festejos, deveria ser uma comemoração extraordinária.
Zaga indagando para algumas pessoas a razão da festa, espantados perguntaram-nos:
- “Oxem! entonces o Godeme nu sabe?
O  cú de boi é pru mode qui minino imperadô, virô homem...
- Como podia uma criança virar homem de uma hora para outra!
- Inda maise, completava o tal negro:
Além dele tê ficado maió, hoje é dia de São Miguer Arcanje...
O que explicavam os negros, não clareara o motivo do desfile, foguetes e a pompa que estávamos assistindo.
Fomos obrigados a esperar por longo tempo, para que alguém nos esclarecesse com mais detalhes o que se passava em Catas Altas.
Não podendo procurar naquelas circunstâncias o senhor Guarda-Mor, resolvi enquanto esperava o desenrolar da festa, entrar na igreja matriz, que me despertara tanto encanto ao passarmos por Catas Altas pela primeira vez.
A igreja estava enfeitada de flores e ainda com os candelabros e tocheiras acesas.
Acabara de ser realizado um "Te Deum“ em ação de graças à Maioridade do Imperador, e as comemorações pelo dia de São Miguel Arcanjo, padroeiro dos milicianos.
Estava explicado para mim a razão dos festejos em Catas Altas.
Minha formação inglesa era francamente imperialista, entretanto, achara um absurdo um menino de l5 anos, assumir as rédeas do Império.
Tivemos que esperar o esvaziamento da praça e do sobrado para chegarmos até a calçada  da residência do coronel Thomé Mendes Campello.
Durante a espera eu lembrei que naquele mesmo dia deveria estar havendo também uma festa  no mosteiro de  “Saintly Michael “ perto da minha terra na Inglaterra, em homenagem á São Miguel.
Encostado nos animais, eu e Zaga apreciávamos entretidos às diversas rodinhas que se formavam, tanto no adro da igreja, como em frente da casa que eu teria que entrar.
Alguém vindo por trás, bateu no meu ombro e disse num sotaque bem inglês:
- Good morning, how are you ?
Voltei a cabeça para quem me cumprimentava em inglês
Era muita coincidência um homem  ali , falando a minha  língua!
John Bull, o inglês  hoteleiro de Catas Altas...       
Que satisfação encontrar naquele lugar um patrício!
- What  are you doing here?
- I’d  like to speak to Mr. Thomé...
Arrastando-me com toda a sua força, foi abrindo espaços diante da residência do Guarda-Mor e entrou pela porta a dentro dizendo em inglês para quem não entendia a nossa língua:
-  Sorry, let me pass.
Lembrou que as pessoas não entendiam, repetia num português arrastado:
- Com licença. Deixe passar!  Com licença...
Eu já conhecia Mr. Thomé Fernandes Mendes Campello, o que precisava para chegar até ele, era aquela ponte da qual me serviria para quebrar a inconveniência de procurá-lo naquele dia de gala.
 Como era dia de festa, as casas estavam abertas às visitas e na residência do Guarda-Mor era um entrar e sair de gente que me causava espanto.
Não foi fácil romper a muralha de gente a nossa frente.
Eu fui infeliz na escolha daquela data para vir a Catas Altas.
Seguindo John Bull, fomos parar na sala de visitas do manda chuva que estava rodeado de Sargentos-Mores, Ajudantes de Campo, Timbaleiros, Alferes e Cabos.
Esbarrando em gente, principalmente homens, eu vi no centro de uma roda a figura que procurava; enquanto esperava os cumprimentos dos que estavam a nossa frente, perguntei à John Bull qual era a importância do Guarda-Mor nas comunidades.
Ele me explicou em detalhes:
Cada localidade de maior importância, tem seu Capitão-Mor, nomeado pelo governador da capitania; é o caso do capitão Thomé, aqui em Catas Altas.
Como representante do governo, cabe a ele a chefia da Guarda Nacional do Império, que foi criada para substituir as milícias, ordenanças e tropas municipais das Companhias de Guardas, criadas em 18 de agosto  do ano de 1.831; geralmente compostas de 60 homens válidos e a Companhia de Ordenanças, composta de negros escravos.
A guardamoria fiscaliza as cobranças dos impostos, as entradas e saídas dos bens da Coroa e são eles que controlam as  datas, podendo concedê-las ou retomá-las.
A festa de São Miguel, padroeiro das guardas, é comemorada todos os anos aqui e patrocinada pelo chefe da Guarda, que é o capitão Thomé.

Agora entendia o motivo do burburinho na localidade e na casa do Guarda-Mor.
Para chegar até ao Capitão Thomé, tivemos que esperar por longo tempo e ao ser apresentado por John Bull, ele franziu a testa e olhando-me disse:
- O menino não me é estranho!
Já passou por aqui com outros ingleses? Como eu ainda tinha dificuldades de verter ao português, John Bull fazia-se de interprete.
- O senhor tem boa memória Capitão!
Ele riu com a tradução de John Bull e respondeu:
- Sou velho de idade, porém moço para muitas coisas...
Na verdade, contara-me depois o Bull que ele é que devia ter o seu nome, pois a palavra bull em inglês significava “ touro. “
O homem era um verdadeiro reprodutor tantos eram os filhos naturais  espalhados por Catas Altas.
Ao saber do meu objetivo de procurá-lo, disse:
- O senhor não pode deixar para amanhã a nossa conversa de serviço?
- Claro capitão Thomé!
- Depois das 6,00 horas da manhã, aqui em minha casa senhor Eduardo...
Agradecendo, ia despedindo-me quando ele prendendo o meu braço disse:
- A conversa de negócios é prá amanhã moço, mas às de fidalguia Deus não impede e até recomenda que seja a qualquer hora, mesmo nos dias santificados...
Levando-nos para o interior da casa ia conversando e pegando no meu ombro, falou:
- Voz mecê vai conhecer minha dona, a senhora dona Rita de Cássia Mendes Campello, o Bull já conhece a fera, disse brincando, mas Voz mecê ainda não.
É  a melhor cozinheira das Minas Gerais!
Era um reconhecimento franco e usual dos homens brasileiros às suas dedicadas esposas. Apesar dos poucos direitos exercidos pela mulher brasileira naquela época; eram elas que administravam com sabedoria os lares, principalmente as distribuições dos serviços da escravatura feminina.
Mas, não competiam e nem contestavam as ordens do patriarca, mesmo sabendo que as vezes dentro da sua propriedade, as mucamas disputavam com ela, a virilidade de seu esposo.
Dna. Rita passava nos dias de festa que o esposo patrocinava, grandes apertos, pois toda a Catas Altas e imediações, vinham a sua casa cumprimentá-los.
Por sua influência e pela clã que o capitão Paulo Fernandes Mendes Campello lhe passara ao morrer, ele o filho Thomé,  tornara-se o cabeça da grande família.
Edward ao ser apresentado à sua esposa, notara que ele dissera  com certa reverência:
- Esta é minha esposa, dona Rita...
Aquele tratamento de dona ou minha dona, despertara a curiosidade de Edward.
- Qual o motivo para os brasileiros reverenciarem-se às suas esposas?
Bull não entendeu o que perguntara e eu expliquei com novas palavras:
- No Brasil, os homens casados ao dirigirem-se as  esposas, dizem:  donas...
Ah! eu sei o que você pergunta, também eu notei o tratamento cerimonioso.
Perguntando um dia ao reverendo provedor e vigário geral, Francisco Justino Gonçalves Viegas, qual o motivo deste distanciamento entre os casais brasileiros, ele me explicou:
- Primeiro: É a maneira de elevar a sua mulher esposa legítima, perante as outras  mulheres de que ele é dono e desfruta como escravas.
 Segundo: Impondo primazias e respeito a quem de direito deve exercer o mando da casa, já que as outras amantes escravas, são caprichos momentâneos dele, em seus desfrutes...
- Mas as esposas permitem tal desrespeito dentro do próprio lar?
- Quem tem 10 a l2 filhos para olhar, na imensidão de seus solares, não tem tempo de vigiar o marido; e algumas se sentem aliviadas no repartir a propriedade...
Entre o mulherio e escravos que serviam os convidados, uma mocinha branca as dirigia com habilidade, apesar da aparência ainda púbere.
Minha atenção foi despertada ao vê-la dando ordens e apontando discretamente certos pontos; ela apontava para a minha roda, quando vendo que eu a fitava, retirou os olhos e apressadamente o dedo.
Segui conversando com meus pares sem tirar à atenção dela, por três vezes cruzamos nossos olhares, havia um “feedback” entre nós...
Bull notando minha desatenção pela conversa da rodinha começou a vigiar o que me prendia fora dela.
- Sabe quem é a mocinha, disse ele?
- Não sei, disse eu, porém é muito bonita e me chama a atenção...
- Ela é filha do Guarda-Mor, homem!
Miss Maria Magdalena Mendes Campello...
Ela deve ter notado que falávamos da sua pessoa e imediatamente retirou-se da nossa visão.
No esplendorosa mocidade, devendo contar entre l5 a l6 anos de idade, seu rosto lindo estava emoldurado por cabelos curtos divididos exatamente ao meio da cabeça.
Ao lado direito cobrindo o cabelo sobre a orelha, orquídeas presas; nas orelhas, pingentes de pérola e sobre o colo, um colar de pérolas dando 2 voltas sobre o seu pescoço.
Uma blusa com decote amplo em “V“ deixando destacadas as jóias que portava e o feitio com  fitas terminando em laços, alternando com nesgas de tafetá do mesmo tecido da saia.
Fingindo esconder o grande decote, uma capinha que permitiria a menina, entrar nas igrejas tão exigentes da época.
A saia eu não as tinha sob meus olhos, encoberta pelos inúmeros convidados, mas de vez em quando deixava transparecer que era de tafetá, caindo em pregas verticais perpendiculares às faixas da blusa e indo esbarrar no piso, como recomendava a toalete.
As faixas, rendas e laços, desmaiando em cores suaves sobre o tafetá em única tonalidade.
Há muito ele não via mulheres tão bem vestidas; sem que me apresentassem, mostraram-me as outras filhas do Guarda-Mor, tão atarefadas quanto a irmã.
Eu tinha sede e parecendo que a Miss Magdalena adivinhara, mandou que uma escrava nos servisse um delicioso refresco;
Nossos olhos tornaram a cruzar num flerte prolongado, ela não retirara como das outras vezes o seu mirar.
Ela estava na mais deliciosa idade do desabrochar da vida.
Deliciado, eu não reparei uma escrava enchendo novamente de refresco o meu copo, e desviei ligeiramente a minha mão.
Foi o bastante para que o líquido caísse sobre a minha roupa de campanha, o caqui de minerador.
Vendo o que se passava,  ela veio desculpar-se e eu disse sorrindo:
- É o castigo por ter vindo em sua casa nestes trajes...
Bull traduziu para ela; eu podia ter dito algumas daquelas palavras de viva voz, mas tive medo de errar no meu português vacilante.
- O senhor não fala nossa língua?
- Yes, ou, ou, excuse-me eu fala uma outra palavra...
O pequeno acidente proporcionou a mim e a ela , um contato maior.
Ela tentava enxugar a minha roupa com um guardanapo; sua mão vacilante e trêmula corria sobre a parte onde caíra o refresco, seus gestos íngenuos revelavam o quanto ainda era imatura...

Meus olhos presos aos seus, desejavam que o tempo estacasse, prolongando indefinidamente a intimidade acidental.
- Desculpe-me senhor, que desajeitada é a mucama!
- Eu pensava o que falar com ela para que não se afastasse repentinamente de mim...
-Oh! me feliz, muito feliz aqui casa sua...
- Como o senhor pode estar feliz,  molhado como pinto!
- What do you mean by “wet as a chick"  Miss?
Ela ria e não sabia o que ele dissera, apenas entendera a palavra “pinto “
Bull veio em meu socorro e explicou:
- Molhado como pinto é a mesma coisa que “Soaking wet...”
Edward compreendeu a razão por que ela ria e também caiu na gargalhada em pleno salão.
O pai notando a repentina intimidade entre a filha e os estrangeiros, veio saber o que acontecera...
- Não foi nada, Capitão! Apenas um gesto imprudente do meu patrício...
Falando em inglês e sorrindo; o Guarda Mor não poderia entender nada do que os visitantes diziam entre sí e a filha continuando a rir sem conseguir  explicar ao pai o que acontecera.
Impecavelmente trajado com o uniforme da Guarda Nacional, recoberto de botões dourados, eu sentia como se estivesse diante de altas patentes do Império.
Farda igual, só vira na Inglaterra, chapéu cheio de plumas e sutaches; nas costuras dos bolsos, cruzetas.
A braguilha recoberta de filetes de ouro.
A túnica aberta como casaca, deixava transparecer a gravata branca, usada nas ocasiões solenes  em que se associava desfiles e atos cívicos geralmente em lugares internos.
Nos desfiles ou nas campanhas,  Bull me dizia que ele usava a túnica como dólmã, realçando ainda mais os alamares brilhantes na cor de ouro.
Empertigado e vaidoso, recebia cumprimentos, inclusive os meus traduzidos por John Bull.
A prosa com o Guarda-Mor, fizera afugentar a filha e eu desapontado, tentava sustentar a conversa em que o Bull servia como interprete.
Enalteciamos o desfile da Guarda e a recepção e quando ele sentiu que iamos partir, disse:
- Por favor, vou apresentar-lhes minha esposa dona Rita Benedita, ela é muito sensível aos elogios.
Outra vez eu ouvia a palavra dona, referindo-se a esposa.
Dona Rita Benedita dava atenção a um casal que também se despedia da anfitriã.
Informado pelo próprio marido da sua natural vaidade aos encômios, desmanchei em louvores que Bull traduzia.
- Se o moço estrangeiro gostou da minha casa; meu senhor marido se sentirá honrado com novas visitas em dias menos tumultuados.
Ah! Como deliciei com o convite da própria anfitriã; portas abertas para novamente voltar a ver a menina Magdalena.
Numa roda de jovens eu a vi segurando a mão de um moço; tive ciúmes e até perda de esperança ao vê-los tão íntimos.
Perguntei ao Bull quem era ele:
 É o Fernando o de farda a direita e ao seu lado, Francisco Mendes Campello, ambos filhos do Guarda-Mor.
- Ele tem muitos filhos, Bull?
- Tantos, que talvez não saiba o nome de todos...
Os dá roda, são: Fernando, Maria Magdalena, Francisco, Maria Raymunda e Bizita.
- Bizita é nome?
- É o apelido que dão a Maria Rita...
Eu começara a interessar pela família do Guarda-Mor, gente de estirpe e bonita.
Já tinha despedido dos donos da casa, mas faltava quem mais me interessava.
Constrangia-me ir até a roda para despedir apenas de um dos filhos que fora apresentado.
Magdalena viu que eu me retirava, e saiu da roda subindo uma escada que ia dar ao andar superior.
Nova desilusão, ela fugia sem dar-me a oportunidade de uma despedida.
Do lado de fora da casa, Zaga me esperava impaciente e muito mais os animais amarrados por tanto tempo.
Caminhei em direção da montaria, dando as costas para a fachada do sobrado; ao virar para montar e subir, dei meus olhos voltados nos de Magdalena.
Encostada na sacadinha, ela estava ali para ver minha partida.
Uma sensação de euforia e tremura dominava o meu corpo, seus olhos não fugiam como acontecera dentro de casa; montado no animal, eu estava bem mais próximo da sacada e ela mostrava-se por inteira.
Tirei o chapéu, levantei um pouco sobre minha cabeça e reverenciei com  certa mesura a bela mocinha que me olhava partir.
Ela riu do meu afetado galanteio, tive vontade de jogar beijos em sinal da minha admiração, mas o gesto seria impróprio...
No Brasil as senhoras dificilmente correspondiam os cumprimentos públicos; Tão recatadas são elas nos seus severos costumes.
A espontaneidade do seu sorriso, aceitando meu galanteio, revelava a maneira diferente como fora educada; coisa rara entre as brasileiras, escondidas de seus complexos e medrosas de se mostrarem a pessoas estranhas da família.  
Eu tentava retardar o maior tempo possível, segurando a rédea do animal, Zaga esporeava sua mula, fazendo-a dar duas voltas de 360 graus.
- Calma Zaga, o hotel do Bull é ali !
Lá de cima ela deve ter pressentido o que eu dissera para o negro.
 Novo sorriso de despedida.
- Nêgo sabe qui tá li memo Nhô!
Tô aperriano a bicha prela senti quim tá pro riba!
Zaga notando a razão da minha lentidão, disse encarando-me:
- Nhô me adescurpa, pru mode que nós nu fiquemo hoje aqui?
- Nós vamos ficar Zaga...
O galope apagou da minha imagem, o rosto da mocinha, porém ficou o sorriso que iria prender-me por toda a vida...
Os animais suados e resfolegando, sabiam o caminho para o Hotel do Bull; paramos  para descer e eles foram levados por Zaga até ao cocho d’água do fundo do hotel.
Ao voltar Zaga me disse:
- Nhô tá percisando de Muié!
E qui muié sô Dú!
Nu há patuá de patacão d,ouro qui vale maise qui aquela muié!.
Desmontados, e entrando no Hotel uma má notícia me deixou abalado:
Outro patrício morrera e fora enterrado no Gongo Soco.
Willian Duns Fone, fora fazer companhia à Antônia no cemitério dos ingleses.
Cada colega que perdíamos, era como se fosse um irmão, e a comunidade guardava luto por longo tempo; todos nós queríamos ser enterrados na Inglaterra, não ali tão distante dos nossos parentes.
Naquele fim de semana, voltaria ao Gongo Soco para prestar homenagem a Willian e visitar também o túmulo de Antônia, bem como rever meu filho John que estava em casa de Jeferre e Anne.
As viagens por aqueles caminhos que ligavam a Serra do Gongo à Serra do Caraça, estavam ficando monótonas, de tanto percorrermos o mesmo roteiro.
Ao descer no hotel do Bull, a primeira coisa que pedi, foi um banho.
- De imersão na bacia, ou na ducha?
Na ducha disse eu, querendo que a rapidez do banho me desse o descanso que precisava.
Depois da ducha no andar térreo, subi para o meu quarto querendo cama, ao fechar as duas janelas do grande quarto, apareceu o Bull perguntando a que horas queria o jantar...
Se você me permitir, a hora que eu acordar depois da sesta.
Desejando um bom sono, ele retirou-se e antes perguntou se eu já fora informado que morrera o inglês Duns Fone no Gongo Soco.
- Sim, com muito pesar, pois éramos companheiros desde a Inglaterra.
Antes de fechar a segunda janela, Bull notou a minha admiração pela beleza externa, e disse:
- É o pico do Sol!
- Eu sei, Catas Altas possui coisas maravilhosas!
- Entre elas uma moça, não é verdade?
- Sim, Maria Magdalena Mendes Campello...
Enquanto dormia, o resto da tarde estava sendo festejado pela população.
Acordei já escurecendo e a festa prolongava-se com serestas homenageando o Imperador e o padroeiro das milícias.
Saí até a praça, tentando por todos os meios, rever a mocinha que despertara novamente meus sentimentos amorosos.
Nada conseguindo, mesmo depois da benção noturna que levava tanta gente à igreja, voltei para dormir no Hotel.
O sono custou a chegar e quando veio, estava envolto em sonhos; Antônia pedia que eu voltasse ao Gongo.
Se os espíritos têm deslizes, Antônia enciumada não queria minha permanência em Catas Altas.
Acordei tarde, a claridade do Sol, já passava pelas frestas das janelas.
Tomei apressadamente o café da manhã e saindo do lado de fora do hotel, vi John Bull sentado nos degraus da escada, conversando com Zaga e um outro negro, encilhando os animais.
Acabei de cumprimentá-los e fui despertado pelo passar de uma liteira conduzida por escravos.
- É dona Rita e a filha Magdalena, Edward!
O cortinado não permitia ver as pessoas, o Bull conhecia os escravos e a liteira.
Levantando a voz para ser notada, perguntei:
- Ou Zaga, os animais estão prontos?
O cortinado abriu suficientemente para mostrar no seu interior o rosto de Magdalena.
Mais uma vez, fora correspondido; tirando o chapéu e em voz alta cumprimentei:
- Good morning,  miss...
Eu me lembrei que estava no Brasil e ela não falava minha língua; era tarde, os negros carregavam já distante  para que eu consertasse a versão em português.
O xale de seda sobre a cabeça e os ombros, deixara descoberto um rosto lindo de mulher...
Fechando a conta do Hotel, ao me despedir de Bull, disse:
- Reserve sempre quando eu aqui voltar, este quarto para mim.
- Quando perguntou o Bull?
- Sempre que puder....
Alem das boas acomodações, o patrício conhecia o paladar dos ingleses e o gosto pelas  bebidas que ele mesmo destilava.
A pequena cavalgada me levara à casa do Guarda-Mor, diversas pessoas aguardavam a vez de serem atendidas, o dia santo da véspera aumentara o número dos que recorriam a ele.
Apesar do pequeno tempo que demandaria nossa conversa, pois o Manifesto da Mina dizia o que precisava, tive que esperar.
Ao me ver e cumprimentar, respondi com afabilidade suas palavras e apresentei o documento que me levara até ele.
Vendo-o e tomando conhecimento do seu conteúdo, disse-me constrangido:
- Ora senhor Hosken! Eu não sabia que era só isto, o motivo da sua visita.
Se o senhor tivesse me falado, teria despachado o senhor ontem mesmo, pois a resposta depende de estudos e vistorias...
- Não se incomoda, Capitão!
O tempo aqui foi bem empregado, além do mais, tive a oportunidade de conhecer a família do senhor.
- A resposta do manifesto levará tempo, pois irá para Vila Rica, à esfera superior á minha...
Despedindo-me, agradeci a acolhida do dia anterior e ele por delicadeza, prometeu:
- Pode voltar daqui à 4 semanas, vou pedir urgência para os senhores.
Ao sair do sobrado, voltei os olhos para as janelas do nível superior, sob o caixilho suspenso e no meio da janela talvez do seu quarto, Magdalena discretamente sorria para mim.
Tirando o meu chapéu e ainda vacilante cumprimentei-a em bom português:
- Bom, bom dia Miss; abanando a cabeça ela correspondia...
No Brasil dificilmente as senhoras correspondem aos cumprimentos, tão recatadas são elas nos seus severos costumes.
Montando ligeiro e querendo apressar os animais, Zaga esporeava a mula, quando falei:
- Calma Zaga, Quebra Ossos é ali!
- Nêgo sabe, Nhô!
Tô aperriando a bicha prá mode de que ela espia quem tá pro riba!
Eu não tinha pressa, Magdalena da sacada de ferro acompanhava minha partida.
Meus olhos continuavam presos naquela doce visão e eu esperava que ela  ficasse durante toda a caminhada; da sacada ela me olhava, esperando  que eu desaparecesse na ladeira.
Zaga notando a minha lentidão e os olhos voltados para trás, disse:
- Nhô me adescurpa, pro mode que nu fiquemo maise aqui?
- Se pudesse Zaga!
O negro riu e disse:
- Nhô tá percisando de muié, e qui muié sô Du!
Patuá iguar ancê nu acha nem na Vila Rica!

Com meia hora de galope, chegamos a Quebra Ossos, onde passaria para verificar umas sondagens que nós ingleses estávamos fazendo ali.
O bicame bem estragado, dava-me a noção de quanto teríamos que trabalhar para refazê-lo; Mesmo danificado pelo tempo, ainda era uma obra digna dos escravos que ergueram-no.
Já no acampamento sobre um gramado, voltaram a nos dar a notícia da morte de Willian, outro patrício morrera no Brasil e fora enterrado na vila do Gongo, fazendo companhia à Antônia.
No sábado voltamos ao Gongo Soco, o movimento era bem menor naquele dia da semana.
Fomos diretos para o morro do cemitério, o muro de cantaria e a mata ao seu redor, dava ao lugar isolado, uma paz reconfortante a todos que tinham ali, entes enterrados.
Na crista da barragem, eu me lembrei do dia do enterro de Antônia, desvairado como estava, eu via uma infinidade de pernas caminhando de cabeça para baixo, dentro da represa.
Como agora andava, via o reflexo das minhas pernas e o meu corpo dentro dela; Minha sombra vacilava dentro d’agua, desfigurada ao sabor das marolas provocadas pelo vento.
Como é frágil a nossa imagem!
Eu orava por Antônia e Willian, permanecendo por longo tempo ao lado das duas covas.
Depois, recordando o que me dera Antônia quando viva;
Agora eternamente distante de mim.
Não bastava a criança que ela me deixara, faltava algo mais...
Voltando a passos lentos, mirava o lado direito da lâmina d'agua da barragem; sobre ela, a sombra da mata que ia ficando para trás, a mesma que recobria a serra do Gongo - Soco.
Um sabiá marcava com sua presença, cantando afinado o despedir da tarde; o silêncio era quebrado por meus passos e o trinado daquela ave maravilhosa, parecia cultuar o ambiente.
Se Willian Duns Fone, mostrara durante a sua vida, tanto amor à natureza, ela retribuía com o mesmo amor e reciprocidade.
Eu que até então sentia pena e saudade da impassividade dos corpos que partiam, tão cedo desta vida, comecei a dar sentido até da morte;  ali naquele momento seus espíritos estavam vivos, talvez no canto  do sabiá, ou quem sabe num Jequitibá, que da semente renascia a vida...
Para os adultos e crianças ali enterradas, não havia mais sofrimentos, eu, é que sofria por eles.
Olhando para uma sepultura de uma criança, me lembrei do John Hosken que estava vivo e eu aparentemente morto para ele.
Antônia tão perto de mim,  devia estar abrindo a minha consciência para o que ela me dera e eu até então indiferente, não percebera.
Ela estava viva, através do corpo de nosso filho John.
Eu sentia como se censurado fosse por sua alma.
Minhas recordações voltaram ao dia que nos conhecemos, naquele  mesmo lugar.
Por causa dela, matara uma cobra cascavel em seu próprio habitat.
Uma nova consciência nascera em mim sobre o direito da vida; a víbora tinha tanto direito como o sabiá, criaturas que Deus nos deu para engrandecer sua obra.
Um controlando a povoação, o outro povoando de sons divinos os ouvidos das criaturas.
Saindo do cemitério dos ingleses, como  era chamado, fui direto para casa do Willian, ele ainda deveria estar na ronda do sábado.
Anne como sempre bem vestida, cabelos presos por um longo lenço, me recebeu de braços abertos.
- Quanto tempo filho!
Que milagre sua presença aqui...
Sua admiração cheia de amor, mostrava quanto eu estava sendo ingrato com minha ausência.
Seus olhos cheios de lágrimas fizeram os meus também molharem; não precisávamos dizer nada, nossos sentimentos eram compartilhados pela dor que sofrêramos.
Abraçando-a sentia nossos corações baterem desenfreados; não era a amiga, mas minha mãe que estreitava com tanta ternura, quanto tempo não desfrutava desta intimidade maternal!
- Filho, não fuja de nós como tens feito!
Suas palavras magoadas tinham razão de serem ditas, porém ela sabia quanto era  duro voltar à sua casa...
- John, John!  Venha cá gritava Anne chamando o meu filho.
Eu vi a criança correndo vacilante em seus passos cambaleantes.
- What do you want,  mamma?
Ao ouvi-lo referir-se a Anne como mãe, meu coração disparou e caminhei de encontro a ele para abraça-lo como nunca fizera.
- É seu pai, John!
Olhando com aqueles mesmos olhos de Antônia, ele me encarava desconfiado, eu era para ele um desconhecido...
Um sentimento de culpa me fez ver que ele tinha razão de me ver como um desconhecido....
Zaga tinha feito para ele uma carrocinha puxada por um burrinho, tudo de madeira; a confecção encantou o menino e ele aproximou-se para recebê-la.
- Thanks, sir...
Para ele eu era um senhor, não o pai.
Seu inglês ainda claudicante era razoável, apesar da convivência com Genoveva que misturava as línguas.
As deturpações do linguajar do menino preocupava-me; John sofria as conseqüências do conviver com ingleses e da negra Genoveva.
Fitando-me com seus olhos encarados, perguntou:
- Is it for me?
- Yes, my son;
- Let me have it, please...
Duas coisas me encantaram naquele momento; eu ter me dirigido a ele, chamando-o de filho e ele ao ver o presente, dizer:
- Isto é para mim? 
Dai-me,  por favor...
Apesar da pouca idade, ele ia sendo educado de uma maneira como desejaria que fosse se ele estivesse comigo.
Anne e Jeferre revelaram-se como verdadeiros pais.
A tarde após a chegada da mina, Jeferre já de banho tomado e de roupa de passeio, convidou-me para sair com eles e o meu filho.
Foi uma nova descoberta dos meus sentimentos ao vê-lo caminhando junto de nós, só sem amparo de ninguém, vendo o mundo vasto ao seu derredor.
Enquanto Anne vigiava de perto, Jeferre e eu relembrávamos  a nossa vida na Inglaterra.
Sempre caminhando a nossa frente, Anne não abandonava o menino; tudo que chamava a sua  atenção, ele apanhava  transformando  em brinquedos.
As mãos de Anne enchiam-se de pedrinhas, flores, folhas e gravetos.
Ele já não era só meu; Aos seus olhos e coração, Anne e Jeferre eram os verdadeiros pais; O sentimento de tristeza que sempre me abatia, sumira naqueles dias passados na casa deles; eu via que meu filho estava amparado por duas pessoas excepcionais.
Antes de partir na madrugada de segunda feira, voltando ao serviço de campo na Serra do Caraça, Anne trouxe o John para que eu me despedisse dele.
Esfregando os olhos e abrindo preguiçosamente a boca, John balbuciava coisas que eu não entendia; o sono ainda dominava o seu corpinho e Ana dizia para ele:
- The father will leave.
Em vez de olhar para mim, ao ser informado por Anne que ia embora, seus olhos fixaram-se em Jeferre, aquilo me doeu mais uma vez...
Pai é o ser que cria, reconhecia vendo-o abraçado ao Jeferre; para mim. era mais um golpe do desenlace do que acontecera à Antônia.
Beijava seu rostinho, quando ele se afastou zangado com meus fios de barba molestando-o...


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