Já sabíamos por
informações, que o local da mina era feio e fechado entre montanhas; nossa
primeira visão foi pelo contrário de encantamento ao deparar com a densa mata
ao redor e o vale do riacho do Gongo Soco a banhá-lo.
Parecia uma
terra virgem, apesar de intensamente explorada nos últimos anos do século XVIII
e até as duas primeiras décadas do século XIX.
As matas antes
devassadas haviam se regenerado e cobriam as encostas, escondendo as riquezas
que guardavam por baixo.
Como tudo nos
parecia novo e desconhecido, passávamos os dias de folga percorrendo os lugares
mais distantes, até mesmo fora dos domínios da Imperial Brazilian.
Como solteiro
e jovem, dedicava à empresa l3 horas diárias de trabalho.
Levantava às
5,00 horas e encerrava a jornada diária na mina quando escurecia, entre l8,00
e l9,00 horas, dependendo da claridade
do dia.
Nesta época,
vivendo quase inteiramente integrado a minha comunidade inglesa, desfrutava das
folgas do trabalho o mínimo necessário a um jovem.
Sem moças da
minha idade na colônia, também faltava para mim nas localidades próximas, pois
não falava o português para o relacionamento necessário.
Quando por
ventura visitava as vilas vizinhas, observávamos quanto eram recatadas as mulheres
brasileiras, fugindo até dos nossos olhares, apesar de vê-las curiosas quando
distantes.
Cercadas de
afeto e proteção pelos pais e familiares, quando elas notavam nosso interesse
em admirá-las; de uma maneira hostil fechavam a cara e com atitudes protetoras se isolavam no interior
das casas.
Naturalmente,
tentávamos aproximações quando deparávamos com uma moça que nos despertava
simpatia, coisa difícil de conseguir, pois andavam sempre acompanhadas, além da
barreira de nossas línguas,
Estava sendo
fácil cumprir o juramento feito à Mary...
Quando nós
solteiros ingleses ficávamos sabendo de festas nas vilas próximas, nunca
deixávamos de visitá-las.
Assim fazíamos
com as festas do mês de junho e principalmente com a de São João, padroeiro da
vila do mesmo nome.
Estas festas
tinham similaridade às de: “Dar-tine na Inglaterra.”
Também as
festas de Nossa Senhora do Bonsucesso de Caeté e de Santo Antônio na Vila de
Santa Bárbara.
A bela igreja
de São João Batista do Presídio de Morro Grande, cujo início de construção
datava de 1.764, estava em reformas e preparava-se com gala para festejar o
santo que batizou Jesus.
A população
quase dobrara naquela véspera de 24 de junho de 1.834 e nós participávamos das
festas externas, principalmente ao lado das fogueiras acesas no adro da igreja.
Apesar do
cunho religioso, do lado de fora parecia com as festas de Saint Michael’s na
Inglaterra; o povo cantando, pulando e comendo.
Depois que
levantaram a imagem do santo, no pau que eles dão o nome de mastro, a festa
transformava-se em torneios esportivos e danças as mais variadas.
A pretexto de
pedirem dádivas e espórtulas, as moças vinham ao nosso encontro tentando
prendas para leilão, angariando fundos para término da construção da igreja.
Com gestos e
algumas palavras, pedíamos explicações e elas caiam em nossa artimanha,
retendo-as pôr mais tempo junto de nós.
Já em horas
mais avançadas, seguíamos para casas das “senhoras de vida alegre” um tanto
afastadas da vila e que se chamava Capim Cheiroso.
Desta maneira,
fui me introduzindo no convívio com os brasileiros, fora da nossa comunidade
britânica.
À medida que
ia contatando com eles, sentia quanto injusto fora o preconceito que nos
induziram na Inglaterra a mantê-los a certa distância.
Pelas
informações recebidas, supúnhamos que todos os brasileiros eram incultos, e
analfabetos, entretanto, aqui radicados, víamos que não era tão discrepante a
educação das classes mais altas em comparação a nossa européia.
Graças as festas religiosas, conseguimos
aproximação com as famílias brasileiras, não obstante, a dificuldade da língua
que íamos assimilando.
Da Inglaterra
eu recebia cartas de meus pais, de Francis Hosken, Hanah e Willian, também
parentes, querendo saber como eu estava me sentindo no Brasil.
Hanah e
Willian davam notícias de Mary.
Ela ficara
informada da minha correspondência com eles e procurava saber das minhas...
Quem em St. Keverne podia
guardar confidências?
Quase
completando um ano da minha chegada ao Brasil, recebi uma carta da Inglaterra
surpreendente; abalando minha estrutura já quase montada.
Mary
escrevera-me contando que chegara às suas mãos a mensagem por mim lançada ao
mar.
O milagre
acontecera, quando não mais esperava por ele...
Detalhando
como a garrafa fora pescada em rede no alto mar, por um barco pesqueiro
português e passado a um navio de bandeira inglesa daí às suas mãos.
Dizia que uma
parte da mensagem fora apagada pela exposição ao Sol, porém o inconcebível
conforme os meus próprios dizeres acontecera e ela estava a minha espera nos
1.580 dias de nossa separação.
“ If, by
chance, this letter come to your hands, it’s a mark that destiny had planned it
so...
I
will be waiting for you in our 1.580 days long separation.
Yours, forever yours.
MARY
”
Junto no mesmo
envelope, outra carta assinada por meus pais: James e Anne, falando da saudade
e da falta de notícias minhas durante tanto tempo.
A mãe
comentava o carinho de Mary para com ela e o pai, mostrando-se arrependida pelo
que fizera a ele Edward, por imposição
paterna.
Foi um dia de
recordações, Mary não saia de meus pensamentos naquele sábado de folga em Gongo Soco.
O Verão
chegara e as chuvas caiam sem cessar, dias tristes para nós mineradores,
diminuindo a produção da britagem de minério e conseqüente apuração de ouro.
As águas
derramadas do céu custaram a cessar.
Com o primeiro
dia de estiagem, o Sol apareceu reluzente e os pingos sobre as folhas brilhavam
como diamantes, a pompa da natureza mostrava as árvores infiltradas pelos raios
solares e o verde claro dominando a folhagem lavada pelas chuvas.
O rio Congo
abaixara ao seu leito natural e mostrava as suas margens lavadas pela enchente,
ainda úmida.
Acompanhando a
correnteza, eu descia o rio ora mirando os saltos que dava contra as pedras do
seu leito, ora fazendo pequenos remansos onde em volteios, giravam folhas no
afã de se agarrarem às pedras.
Tropeçando e
escorregando nas pedras de musgo, eu ia sem destino levado pela força da
corrente que batia forte contra minhas pernas.
Longe do acampamento,
parei sobre uma pedra; sentei olhando o poder da criação:
Árvores
enormes sombreavam o rio e seus galhos faziam pontes sobre ele.
O barulho da
correnteza isolava-me de outros ruídos que talvez chegassem até ali, mas que as
murmurantes águas não queriam que eu os escutasse.
Comecei
naquele momento de isolamento, a pensar e recordar os meus últimos meses e anos
de vida...
Que fizera por
mim mesmo?
Poderia
continuar em Gongo Soco
sem uma companheira?
Eu queria
respeitar a palavra dada à Mary, porém a natureza do homem é muito mais forte
que as promessas do coração...
Até então, eu
agüentara a solidão vivendo da saudade dela, mas até quando resistiria aos
apelos da minha virilidade?
Quando eu via
com que alegria meus patrícios casados desfrutavam da vida ali, particularmente
os casais: Samuel e Mary, Jeferre e Anne, com quem mais intimamente convivia;
tinha desejos de escrever à Mary para que ela viesse se juntar a mim...
No templo, nas
festas e nos passeios da comunidade, eu via os casais: Willian Duns Fone, Georg
Vincent Duval, este casado com uma bela polaca e John Roberts e Grace trocando
carícias entre eles e seus filhos.
Cheguei um dia
a sentir correr lágrimas em meus olhos, vendo Georges e Francis Lyon, rolando
na grama em frente da igreja, com suas filhinhas: Adéle e Rose.
Eu tive inveja
daquela cena familiar tão pura e necessária à vida de um homem e eu tão
distante dela...
Quando em
minha vida poderia ter a mesma intimidade com uma esposa e com os filhos que
viéssemos a ter?
Sentia com
aquela visão bucólica uma angustia terrível e meu coração clamava
pela saudade de minha Mary...
Mr. Lyon
gerente da mina, além de ótimo administrador, era também um homem sensível às
necessidades de seus comandados.
Sabendo da
incontinência indesejável dos solteiros, ele nos liberava em alguns fins de
semana, dando-nos condução e adiantamento, para o que ele chamava de -
“merrymakin day“
A mim, faltava
algo mais que os contatos esporádicos entre um homem e uma mulher nos prazeres
efêmeros da carne...
Quase completando
três anos de vida na mineração do Gongo, comecei a notar a exuberância de uma
menina que vivia com os Henewood.
O casal inglês
tinha como governanta em sua casa, uma mulata descendente de um português e de
uma ex-escrava africana; de nome Antônia.
Ela Antônia,
antes de se juntar ao português, trabalhara na casa do ex-gerente da mina, o
senhor João Baptista Ferreira de Souza Coutinho, nada menos que o célebre barão
de Catas Altas.
Tornara-se
livre ainda mocinha, por graça dos serviços prestados por sua mãe à dona Flávia
Florentina, a 2º esposa do barão de Catas Altas.
A mocinha
também, com o mesmo nome da mãe, Antônia, acabara de sair da fase da puberdade e mostrava com suas vestes
simples, o esplendor do seu físico admirável.
Moreninha de
olhos pretos, espigada no seu corpo deleitável, tinha ao contrário dos mestiços
brasileiros, um nariz afilado e sob ele, uma boca de dentes alvos e perfeitos,
mostra do bom trato que recebia na residência dos Henewoods.
As roupas que
vestia eram visivelmente inglesas certamente usadas anteriormente pela esposa
de Mr. Henewood.
Esta quando se
vestia com aqueles tecidos, tinha o cuidado de colocar anáguas para vedar a
transparência da leveza do pano.
A mocinha
Antônia suprimia as anáguas e mostrava por baixo da veste, quase tudo que o
Criador tinha dado de belo à mulher.
As feições
grosseiras que a mãe guardara dos antepassados desaparecera na miscigenação
apurada do branco português com a mulata brasileira.
Nas poucas
vezes que a vira, quer na casa de Henewood, no templo ou pelas vias internas da
vila, eu notara seu olhar fixo sobre os meus olhos; quando eu correspondia, ela
retirava o olhar fingindo observar outros pontos.
Havia entre
nós uma barreira social que nos separavam, porém comecei a sentir uma atração
que era mútua e irresistível.
Durante muito
tempo flertávamos escondidos, não querendo transparecer aos outros o que estava
evidente aos nossos sentimentos.
Ela e eu
sabíamos por onde um e o outro andava e cruzávamos sempre nos mesmos lugares
marcados; um amor platônico e puro nascia entre dois seres carentes, de afeto
íntimo.
Foi numa manhã
de sábado, dia reservado ao Senhor pelos ingleses que se deu aproximação
definitiva:
Eu estava
naquela manhã de plantão, fazendo rondas, reparos, reposições e lubrificações dos
equipamentos e deixara por último a vistoria da barragem que ficava no topo do
morro, mais afastado do acampamento.
Pela distância
e seu isolamento, a minha cavalgada até a barragem era muito mais um
entretenimento do que propriamente um serviço.
Após as
vistorias do aterro e do ladrão de saída do excedente, descia do animal e
caminhava por entre árvores, para ganhar o outro lado junto da mata, onde me
banhava naquelas águas limpas e tranqüilas que apagava o meu cansaço.
Num daqueles
sábados, como o meu turno de trabalho terminava após a vistoria da barragem que
supria a mina, eu ficara deliciando com a água morna, todo imerso no lado da
montante da represa, onde as enxurradas das chuvas faziam uma prainha de areia.
Barragem do Gongo Soco
Ali eu estava
livre de olhares indiscretos, pois poucas pessoas subiam até lá, ainda mais
sabendo que o cemitério antigo e agora reformado estava em frente da barragem.
Estava no
momento verificando as condições do canal, quando ouvi gritos:
- “Help!
Help!.
Olhando para
todos os lados, não atinava para quem pudesse estar ali gritando por socorro
num lugar tão isolado.
Coloquei-me
nas pontas dos pés e gritei:
- Who ask me for help?
- Help! Help!
Somente
ouvindo uma voz feminina respondendo, estranhei aquele apelo:
- Where are
you?
Gritei para que a pessoa me
ouvisse.
- That’s me, look here!!!
- Where are you?
Custei a
divisar uma mão levantada por trás de ramos à esquerda da parte de cima, agora
falando a língua das pessoas da terra:
- Aqui! aqui!!!
- What can one do?
Comecei a
correr para socorrê-la, quando ouvi novos gritos:
- Don’t! I
don’t want. Keep off...
- Se não posso
aproximar, então, para que pede socorro?
A mulher
estava confusa, pedia socorro e me impedia de ir até ela...
- Eu estou
semi-nua, disse a voz entrecortada de soluços.
- Você está o
que?
- Nua, repetiu
a mulher!
Então o que
quer?
Uma vara para
matar uma cobra que não me deixa passar...
- Mas como vou
fazê-la chegar às suas mãos se não posso aproximar?
- Vou agachar
atrás da ramagem e você traga um pau para matá-la e as minhas vestes que estão
aí do seu lado, completou ela...
Rindo, sem
saber com quem conversava, apesar do inglês carregado; quebrei um galho,
desfolhando-o, com meu canivete; caminhei para onde fora indicado o local das
vestes.
A roupa
parecia de senhora adulta e não de moça como imaginava pela voz, não sei se
pela distância, ou pelo pavor, a pronuncia inglesa era diferente.
Caminhei a
passos largos ao encontro da cobra e de quem me pedira socorro.
De lá onde
estava, ela me orientava sem se mostrar por trás dos galhos.
Mais para a
direita, não, não, eu disse para a direita...
Ao
aproximar-me do local, ela gritou:
-
Cuidado! Ela está por aí...
Diminuindo os
passos e com andar cauteloso, olhava para todos os cantos antes de dar
inadvertidamente outro avanço.
Divisei um
rolo com algo mexendo sobre ele e com a cabeça levantada a lingüeta vibrava.
Era uma enorme
cobra na cor cinza com listas de pontinhos brancos e chocalho na cauda, pronta para o bote, virada
para onde vinha o pedido de socorro.
Sinceramente,
eu apavorei ao primeiro instante, tendo pela primeira vez que lutar contra um
animal que desconhecia seus hábitos.
Mais seguro,
pois agora sabia onde estava o perigo, sem fazer barulho e de um só golpe,
desci uma paulada na cabeça do ofídio que acuava a intrusa no seu reduto.
Ela ainda
tentara se escapar, quando voltei a golpeá-la por diversas vezes.
A força das
pauladas ecoava na encosta da serra do Gongo...
“Prac, prac, praaaac...”
- Matou,
gritou a mulher ansiosa!
O corpo
continuava a mexer e eu batendo continuadamente, até que afinal o pau se
quebrou sobre ela.
- Sim, está
morta respondi sem tirar os olhos daquela bicha, termo que davam as grandes
cobras.
Agora, me dera
conta do risco que corria andando desprevenido pela mineração...
Admirado pelo
tamanho do réptil, eu ficara fascinado vendo-o inerte e sem a vida que fazia
medo.
- Você não vai
me jogar a roupa?
Saltando sobre
a cobra levava na mão as vestes que me pedia.
- Para! Não
venha até aqui!
Deixe a roupa
no chão e volte o rosto para o outro lado...
Obedecendo o
pedido me afastei tentando dissimuladamente ver o corpo de quem socorrera.
Apenas
portando uma peça, ela tentava desesperadamente se esconder e vestir
simultaneamente atrás da ramagem; ao apanhar cada peça, eu divisava seu corpo
nu se mostrando por partes.
Os seios
pequenos e hirtos pareciam virgens...
No meu deleite
sensual, fiquei vidrado aos seus encantos, querendo que a cena eternizasse aos
meus olhos.
Cena pouco
comum para aquela época; eu completamente abobalhado sem saber como me portar
naquelas circunstâncias.
Pela juventude
ou por ser tão simples, a mocinha não se perturbou, mostrando-se inteiramente
segura de si mesma, sinal que aqueles banhos na barragem eram comuns.
Preocupado com
o bicho, eu não observara direito o rosto da mulher, vendo-o depois de vestida,
exclamei:
- É você!
Encabulada e
rubra de vergonha, ela perguntou:
- Então não
sabia que era eu?
- Claro que
não, Como poderia supor que uma moça tivesse a coragem de vir aqui sozinha para
nadar!
Comecei a rir
lembrando da cena dantesca e ela raivosa reclamou:
- Você é um
devasso! Certamente estava aí escondido para me ver...
- Ora! Quem
poderia supor que uma mulher tivesse a audácia de vir aqui para se banhar?
- Eu estou
chorando e você rindo de mim!
- Se Você me
acha um devasso, não vai querer voltar comigo?
- Não, por
favor, me espera! Tenho medo de voltar
sozinha...
Voltando
juntos, passamos em frente do cemitério e cortamos a crista da barragem para
ganhar o outro lado da estrada que ia dar a vila.
Eu tinha
deixado o animal de sela do outro lado; desamarrei a rédea presa a uma árvore e
ela perguntou:
- Você vem
passear aqui a cavalo?
- Eu não
estava passeando, fazia vistoria do meu plantão de sábado...
- Ah! Então é aqui que você vem quando monta a
cavalo?
- Aqui e em outros
lugares, vistoriando as instalações...
Pensando
comigo mesmo eu descobrira que ela sabia das minhas cavalgadas.
Será que fora
proposital seu passeio e banho ali onde eu teria que passar, exatamente naquele
horário?
A dúvida ficou
em minha cabeça, porém não quis perguntá-la, temendo que ela ficasse evasiva na
resposta.
Descendo pela
estrada que ligava a vila, eu puxava o animal caminhando ao seu lado e sentíamos o constrangimento do
primeiro encontro.
Tomando
coragem eu disse uma coisa que estava engasgada em mim:
- Há muito
desejava encontrar-me a sós com você...
E eu também, disse ela num sotaque de inglês
diferente, fitando-me dentro dos olhos.
Admirado da
moreninha falar o inglês, eu perguntei:
- Onde
aprendeu a minha língua?
- Com seus
patrícios, da família de Mr. Henewood...
- Como?
- Minha mãe
trabalhava para eles, até que ela veio a falecer, eles depois da sua morte, me
adotaram, ficando sob a tutela deles.
O animal que
vinha puxado pela rédea resfolegou e ela dando um salto, disse:
- Que susto,
nossa!
Você tem um
animal para montar e anda a pé!
- Se ele fosse
meu e não da Imperial Brazilian, eu teria convidado para descermos sobre ele e
não com os pés no chão...
Você, você monta?
- Claro! Já fiz viagens à Nossa Senhora da Rainha de
Caeté e a Vila de São João Batista do Morro Grande.
Ao despedirmos
próximo da casa onde morava, ela pediu:
- Por favor,
não conte o que me sucedeu lá na barragem, viu!
Ela e eu
riamos...
- Qual o seu
nome? Perguntei, olhando em seus olhos.
- Antônia
Maria, respondeu ela.
- Quando
voltamos a encontrar Antônia Maria?
- Quando
quiser, porém sem cobra...
- Você faz
rondas todos os sábados?
Era uma deixa
para novo encontro na barragem...
A mina
começara a mostrar sua generosidade, produzindo mais do que esperavam os
ingleses nos primeiros anos.
A colônia ia
se integrando ao país, e eu à menina Antônia Maria.
Eu pensava que
nossos encontros furtivos fossem ignorados pelos outros ingleses.
Mr. Henewood
um dia me abordou indagando sobre meu interesse por sua enteada.
Mostrei-me
desinteressado pela conversa, principalmente pela satisfação que pedia.
Eu tinha certo
escrúpulo em demonstrar que tinha simpatias por uma moça de cor, meus encontros
com ela não podiam ser bem vistos e eram até levianos, desde que muitos sabiam
que tinha uma namorada comprometida na Inglaterra.
Com o
prestígio que Henewood gozava junto ao capitão Lyon, comissário da mina naquela
época, eu estava cometendo uma tolice.
Não podia
jurar que minhas novas atividades fossem causa do namoro; mas havia certamente
uma relação.
Fui designado
para acompanhar Mr. Henewood, nas pesquisas que ele estava fazendo para a
Companhia Inglesa na região da Serra do Caraça.
Pela minha
experiência, era muito mais útil na extração da mina do que fora,
levantando formações de jazidas auríferas.
Tendo o Gongo
Soco como centro dos nossos estudos, tivemos que fazer croquis dos lugares que
visitávamos, para posterior mapeamento da região.
Começamos pela
região de São Bento e Santo Amaro do Brumal, arraiais próximos à Santo Antônio
do Rio Abaixo, depois a montante dos formadores do rio do mesmo nome, fomos
subindo as encostas da Serra do Caraça; Sumidouro, Quebra Ossos, Catas Altas e
Morro da Água Quente.
As viagens
eram interessantes pelo aspecto da novidade em cada canto, entretanto
cansativas e monótonas ao voltarmos aos nossos acampamentos.
Como solteiro
não podia contestar a designação do Comissário, nem minar o trabalho do meu
provável algoz, Mr. Henewood.
O homem era
sábio e como dizia um provérbio brasileiro, ele matara com uma só cajadada,
dois coelhos que negaceavam aos seus olhos.
Ao lado dele,
estava sendo vigiado e ao mesmo tempo, afastara-me de sua enteada.
Como os
trabalhos estavam sendo frutíferos à empresa, Mr. Henewood presenteou-me com um
negro africano, para as prospecções nas constantes viagens.
Zaga foi o
negro escolhido, quando Henewood mandou que ele me procurasse.
O preto tinha
l,80 de altura e envergadura de um gorila, quando abria seus musculosos braços;
seu apelido apropriado deveria ser “Gorila”, não Zaga.
Tendo olhos de
lince e faro de cachorro perdigueiro, descobria antes de nós, tudo que
procurávamos.
Conhecia por
experiência, as formações dos terrenos e quase sempre acertava onde
provavelmente havia veios auríferos.
Ainda menino,
acompanhara o pai Florismundo cabra “surunga“ que chegara a capataz no tempo do
Barão de Catas Altas.
Garanhão por
excelência, este tal Florismundo teve em seu tempo, carta branca para rondar as
senzalas do Barão e da Baroneza dona Flávia Florentina.
Zaga herdou do
pai a fraqueza pelas negras, vício que o Barão estimulava, pois as crias de
Florismundo eram tão parracudas como
ele.
O tal velho
preto contava que, nas savanas da África, sua terra; o pai tinha tantas
mulheres quantas rezes os mandingas pudessem criar.
- Sô Dú:
quero sê memo como meu vô!
Brincando eu
perguntava:
- Onde Você
vai arranjar tantas cabeças de gado, Zaga!
- Muié nu
farta, Nhô!
- Não aqui no
Gongo, Zaga...
- Muié e capim
cheroso, dá tudo qui é lugá, sô Du!
Prancê comê tem que batê asa como fogo-pagou
e aposá noutra rama.
- Mas onde
estão as ramas deste capim?
- Ô Nhô!
entonces ancê nu sabe?
- Não Zaga não
sei onde há!
- Perece qui
ancê tá mangano d’eu?
E a fia do
Godeme?
- Filha de
quem?
- Do Godeme,
sô Renê-Renê...
- Não é Renê,
já falei Zaga, é Henewood!
- Língua minha
nu fala. Rennnnnru...
Prá mim sô Dú, ele é godelo.
- Então por
ser inglês, sou também godelo?
- Ou Nhô! ancê
é e nu é...
- Como não
sou?
- Prá eu,
sinhô é Nhô Dú, prosôtro pode inté sê godelo, galego, mondrongo...
O negro em
pouco tempo afeiçoara-se a minha pessoa...
Com aquela
conversa de mulheres com Zaga, começei a pensar:
Se o Zaga,
antes de trabalhar com ele no Gongo Soco, já sabia de seus encontros com
Antônia, quem na Vila, não saberia?
Pela
constância junto de mim em meus trabalhos e servindo-me até nos momentos de
lazer, o negro passou a ser meu cão de fila.
Sua fidelidade
aumentou, quando recebeu de minhas mãos, um animal de montaria arriado.
Coisa que não
era facultado aos negros que andavam a pé, acompanhando seus senhores brancos.
A empresa
relutara em ceder-me mais um animal, porém fiz ver a eles que necessitando do
preto nas prospecções, sua marcha à pé, retardaria minhas jornadas diárias de
trabalho.
Zaga passou a
ter status entre os da mesma cor e apesar de não manifestar seu reconhecimento
de viva voz, mostrava por outros atos, sua dedicação à minha pessoa.
Com a presença
constante de Zaga, as coisas facilitaram.
Eu não tinha
mais preocupações quanto a minha própria segurança pessoal; o anjo estava
sempre ao meu lado guarnecendo-me.
Até nas
pequenas coisas de meus afazeres
pessoais, o negro estava ali para resolvê-las.
Se me faltava
afeto dos meus pais, tão distantes; ao meu lado estava Zaga querendo adivinhar
o que precisava.
Quando ele me
via amuado, procurava por todas as maneiras me tirar do mergulho nas tristezas.
Um dia
vendo-me assim, disse-me de supetão:
- Nêgo sabe
qui Nhô percisa!
- Vô mostá prá
ancê o xibiu maise mió qui tem por acá...
Achei que o
negro se referia aos pequenos diamantes para cortar coisas duras e me
interessei em ver o que ele queria me mostrar.
Sem que
nenhuma palavra fosse dita, pegamos nossos animais na cocheira e descemos pelas
margens do rio Gongo.
Prá onde o
negro me levava?
Fomos parar
perto do povoado do São João do Socorro.
Abrindo uma
tranqueira, mostrou uma casinha e disse:
- Tá ali
perto, Nhô...
Eu não via
ninguém do lado de fora da casa, fechada.
- Não tem
ninguém aqui, Zaga!
- Ancê já viu
cofre de xibiu no terreiro?
Bateu na porta
e apareceu uma preta esquisita, com muitas jóias e toda pintada.
- Bão dia
Zirina, Nhá Esteves tá na casa dela?
- Tá, meu
Malungo!
Eu não sabia
que Zaga tinha outro apelido...
Ao bater na
outra casa, aparece na janela um rosto jovem e Zaga cumprimentou-a;
- Sinhá
Esteves! bãos dias prá ancê...
- Bom dia
Negro Zaga, o que trás você ao Socorro?
- A fromusura
de sinhá!
- Ela não é
pro seus beiços, negro atrevido!
- Nego, sabe Nha!
Nu é prá eu não, mas pra este home qui qué conhecê ancê!
- Quem é o
moço?
- Um dos
chefes da mina, sinhá Esteves!
Sô Duardo!
- Muita
satisfação em conhecê-lo sô Eduardo.
- Good morning, Miss.
- Ah! Nhá
Esteves, ele não fala dereito...
- Para o
que veiu, pode até ser
mudo...
Sô Du tá
apendendo agora, é perciso falá de vagá prele entendê, viu!
Sinhá, sô Dú
tá de banzo e percisando duma rapariga como ancê, sumente a arataca qui vosmecê
tem, pode esvaziá a moringa dele...
- Deixa sô
Eduardo comigo e vai prá sua negra Zirina...
- Oh, Nhô!
ancê tá em fonte nascida, pura inté de bêbê, viu!
- Some negro!
Não precisa tocar na fonte para mostrar
a água...
Vai, vai,
Zirina tá te esperando...
Esteves era
uma mulata de feições delicadas, semente de um mascate português e de dona
Martha, ex amasia do coronel Câmara.
Mulata de pele
lisa, olhos e cabelos pretos tão alisados, que expostos ao Sol refletia como se
fosse diamante preto.
Dentes alvos,
nariz empinado mostrava a cabeça digna de seu corpo.
Eduardo quando
a viu, ficou encantado e admirado de encontrar no sopé da Serra do Gongo, uma
mulher da vida, tão bonita.
Ao pegar em suas
mãos, arrastando-o para dentro, eu tremia e parecia que iria queimar no fogo
que me abrasava.
Muito
vagarosamente, ela dizia para ele quem era e a vida que levava.
Da sala ele via
uma enorme cama de Peroba, recoberta de um “quilt” vermelho, tal como nas casas
chiques da Inglaterra, e na França davam o nome de “adredon“
- Foi um dos
seus patrícios quem mandou montar esta casa para mim, senhor Eduardo!
Eu vivo como o
senhor, das rendas das lavras de Gongo Soco.
Com gestos ela
acompanhava suas palavras para que pudessem ser entendidas.
- Vamos ter
uma noite só nossa...
Novamente
comecei a me queimar no fogo da abstinência e me entreguei aos carinhos que há
muito abdicara.
Deixara passar
em jejum não por vontade própria, mas pelas dificuldades da língua e dos
costumes; eu estava voltando a normalidade de um jovem, carente de afetos e das
necessidades fisiológicas...
Acordei de
madrugada, alguém batia na janela dizendo:
- Acorda sô
Dú! Acorda, são 4,00 horas da minhã.
Assustado,
despertei com minhas mãos entre as pernas de alguém, não sabia onde estava e
nem enxergava quem dormira ao meu lado...
Uma voz
feminina e sonolenta me falava coisas em
português, atordoado eu não sabia o que
ela dizia...
Lembrei que
dormira com Esteves e suas mãos me
afagavam nos lugares mais íntimos.
- Fica, fica,
foram as palavras que consegui compreender...
Comecei a
levantar e ela me puxou para trás, minha mão direita apoiava sobre suas cochas
que irradiavam umcalor que me faltara durante tanto tempo....
- Sô Dú! sô
Dú, já é tarde...
Realmente era
tarde, para que eu não deixasse de apagar
pela segunda vez, o fogo que me queimara durante tanto tempo...
Transformado
em outro homem, eu me levantei apressado e ao mesmo tempo dominado pelo relax
que sentia...
Quanto tempo
eu passara sem os afagos íntimos de uma mulher!
Os trabalhos
diários começavam às 5,00 horas da manhã e eu ainda preso ao visgo do desejo...
Caminhando de
volta ao acampamento da mineração, tentava comparar o que sentira com a Esteves
e uma outra que me fizera homem na Cornualha.
O clima no
Brasil conspirava contra nossa virilidade, ou a favor se tivéssemos como
abrandá-la.
Era impossível
viver longe delas...
Zaga estava a
minha espera no terreiro da casa da Esteves; segurando o cabresto do meu
animal, dizendo:
- Temo qui
avoar sô Dú; pé aqui e outo lá!
Ao levantar a
cabeça para montar, uma enorme estrela de rabo iluminava a serra do Gongo.
Apontei para o
céu e mostrei ao Zaga.
- Mia
mãe! qui é quilo, sô Dú?
Será qui
Mabamba não gostou de nóis vir acá?
- Quem é
Mabamba, Zaga?
- É esperíto
da mardade, sô Dú!
- Aquilo Zaga
é um cometa, resto de estrelas que vaga pelo céu.
- Nu tô
falando qui é isperíto da mardade vagabundando!
- Nada disso
Zaga, nós já sabíamos pelas informações da Inglaterra que o Halley voltaria
neste ano de 1.835; 76 anos depois de 1.759.
- Cumé qui
ancê sabe nome dele e qu,ele ia vortar?
Eu estava
rindo da ignorância do negro e olhando para a feérica iluminação do cometa com
sua enorme cauda.
Nunca vira
tanta beleza no céu!
Aquela
madrugada deveria durar para sempre...
- Quem insinô
prá Nhô, coisas do céu?
- Lendo, Zaga!
- Nos papés
ancê prendeu, isto?
- Sim, neles e
na escola...
Apesar de
trabalhar ultimamente, fora de Gongo-Soco, sempre que possível voltava à sede
para trazer resultados das prospecções geológicas.
Retornava numa
sexta-feira a tarde, muito cansado e com sono, pois despertara cedo para
providenciar as ordens de serviço no acampamento do Arranca Toco, próximo ao
arraial do Brumado.
A mineração de
ouro naquele lugar, fora intensa no século passado e a barranca do rio de
Santana do Brumado, mostrava os efeitos das catas revolvidas pelos faiscadores.
Ainda havia
muito a explorar e minerar naquela região; Descemos dos animais e eu peguei a
bateinha que me acompanhava para todos os lugares que ia.
Tirei a roupa
e me enfiei na água fria que descia da Serra do Caraça; menos de 10 minutos e
depois de diversas lavadas mexendo a bateia, constatei folhetas de ouro no fundo.
Henewood
observava da margem a minha pesquisa; vendo um curioso observando o que fazíamos;
Sem que desse
sinais que o havia visto, falou num inglês rápido:
- Hosken, who
is that guy?
Look how he is
looking at us!
Eu já notara o
tal jovem me observando e virando para Henewood, disse num português pausado:
- Naaada,
naaaada, portugueses levar todo ouro...
Eu fingia com minhas
palavras na negativa, a verdade era outra; no fundo da bateia, vestígios
promissores de boa lavra para minerar nos próximos anos.
Henewood tinha
além da experiência, conhecimentos altamente técnicos, ele sabia que cada uma
das grandes jazidas auríferas daquela região, tinha peculiaridades diferentes,
porém forneciam um modelo geológico protótipo metalogenético.
Era confiado
nas suas teorias que marcávamos nos mapas os possíveis pontos de explorações
futuras.
Henewood não
ficara satisfeito com a primeira amostragem...
- “Isto é
pr’eu fazê sô Dú, ancês nu tá bituado com águas de sezão!”
Zaga adiantando-se com sua bateia afundou-a
por diversas vezes dentro do leito de areia carreada pelas chuvas.
Estava quente
do lado de fora, porém a água corrente e fria, não permitiria larvas dos
mosquitos transmissores da maleta.
Girando aquele
instrumento que os africanos dominavam tão bem e com a própria água do riacho,
decantou as impurezas que não interessavam.
Com os olhos
vivos e um sorriso entre os dentes brancos, o negro com o dedo indicador da mão
direita, separava e mostrava o que ficara brilhando no fundo da gamela.
- Ouro de
primeira disse Henewood, pelas amostras das bateadas assim tão rápidas, ainda há uma boa cata aqui...
A região demonstrava ser ainda muito rica,
apesar das explorações que ocorreram ali l00 anos antes.
Há muito eu não via Antônia Maria; voltando
na sexta-feira para Gongo Soco, eu pensei em procurá-la, porém, o cansaço e o
adiantado da hora não permitiu que eu saísse para encontrá-la.
Já deitado e cochilando, ouvi seguidos toques
na porta do meu quarto; sabia que não era Zaga pois quando deitava, ele evitava
penetrá-lo.
Ainda sonolento, esperei por novas batidas ou
a voz de quem queria entrar.
Novo toque e preguiçosamente com a voz
arrastada de sono, disse:
- Entre!
A porta se abriu e através da fresta, a luz
da lua iluminava um vulto de mulher.
Só poderia ser sonho!
- Edward, Edward!
Rolei meu
corpo e fixei meus olhos contra a porta.
- Você aqui?
- Se você não
pode ir me ver que posso fazer, senão vir até você!
Minha surpresa
era tanta, que esquecera no relance que não usava roupas quando dormia, nos
dias quentes residindo no Brasil.
Ela com a
escuridão interior não notou minha nudez inconveniente; nem eu levado pelo
impulso do despertar repentino.
Foi no
encontro de nosso abraço, que sentimos o que já era tarde.
Ela sentiu meu
corpo másculo, através do volume que ela mesma fizera crescer em mim.
Uma onda de
beijos não aplacava a fome dos nossos desejos e minha mão direita corria
lascívia sobre a pele morena, entregue às carícias de meus afagos.
Nossa
juventude afogava na ânsia das carícias e as barreiras ruíram na avalanche do
prazer...
A poda feita
aos nossos sentimentos, brotava agora redobrada na Primavera de nossos sonhos.
Foram horas
inesquecíveis de prazer naquela noite não dormida...
Antônia era
tudo que me faltava no Brasil, desde que chegara.
Não fora por
minha própria vontade que quebrara o juramento à Mary; o destino prepara coisas
que algumas vezes, nem nós mesmos esperamos.
Uma menina de
16 anos tornara-se mulher nos braços do inglês de 25 e ele não sentia nenhuma culpa
pelo que acontecera...
A sociedade da
pequena vila dos ingleses, tal como vivia, não podia pedir explicações aos
jovens amantes.
O mau exemplo
campeava desde o mais alto cargo de Comissariado, até ao menor de seus
empregados.
Vila de
forasteiros, fechada na sua própria redoma, seus membros não tinham a quem dar satisfações.
O Comissário
Guilherme Yory Henewood, mesmo como tutor de Antônia, como passei a chamá-la,
não podia recriminar os jovens, ele não tinha postura moral para tanto, apesar do alto cargo de sua
investidura.
Uma
indiferença perdurou entre o Comissário e eu, principalmente quando fiquei
sabendo que ele tentara com Jeferre e Zaga a desviar minha atenção por Antônia.
Eu reconhecia
em Henewood, um grande administrador e conhecedor profundo de mineração,
inclusive com publicações editadas na Inglaterra, porém tinha algumas enormes fraquezas:
Entre elas,
sua obsessão por mulheres.
Sua fama se
tornou famosa, comprovada pelos registros de batistérios das igrejas, onde a
prole de filhos naturais deixados era impossível de se contar na região por
onde passava.
Depois daquela
aventura de Antônia, difícil era saber a razão precipitada da sua iniciativa de
vir ao meu encontro...
Quando Willian
e Anne Jeferre ficaram sabendo que Antônia estava morando comigo, inicialmente
falaram com os meus parentes para me aconselhar
da loucura que estava cometendo e
me chamaram em sua casa para uma conversa reservada.
Havia em todos
eles uma preocupação que eu achava exagerada, pois era solteiro e senhor do meu
nariz...
Ninguém gosta
de estranhos envolvendo suas vidas, e eles sabiam que nem meus parentes
quiseram abordar o assunto da minha convivência com Antônia; porém o casal
amigo tinha o direito de manifestar suas preocupações com a minha atitude
precipitada.
Eram eles para
mim, pessoas muito queridas, representando os meus pais que deixara na
Inglaterra, além de exemplos como
casal bem estruturado.
Ao dizerem de
suas preocupações, perguntaram-me se escrevera para meus pais relatando o fato.
Eu fui sincero
ao contar como amasiamos e a sua razão.
- Que jovem
pode viver por tanto tempo celibatário, como eu?
Nós estamos
completando quatro anos e meio de vida no Gongo Soco, e eu quase abstinente
nesta fase que nós os homens mais necessitamos
de uma companheira.
Levados pelos
meus argumentos e ponderando do que reclamava tentaram amenizar a situação,
aconselhando-me:
Se você não
pode viver sem mulher em sua vida atual, e
já que estão vivendo em concubinato,
pelo menos evitem filhos!
- Como
perguntei a eles?
-Nós vamos dar
alguns conselhos para você e Antônia.
- Nós, quem?
- Eu e Anne.
- E se ela não
aceitar?
- Anne saberá
convencê-la da necessidade.
Durante alguns
anos conseguimos seguir as orientações de Willian e Anne, vivendo com esplendor
nossa vida de amantes.
Ficamos até
conhecendo plantas brasileiras que evitavam filhos e abortavam; os indígenas
conheciam sua eficácia e transmitiram aos brancos a ciência indígena.
Antônia
aprendera através de sua mãe as beberragens, mas não sabia como apanhar ou adquirir a planta ectrótica.
Zaga conseguiu o que ela queria.
Fazendo o uso
diário, passaram-se tantos meses, que ela achara não mais engravidar.
Eliminando a
ingestão da infusão, ficara tranqüila durante muito tempo.
Por sorte sua,
Edward geralmente estava fora nos períodos de suas ovulações.
Numa certa
época de 1.836, eu passara a notar que Antônia estava mais mulher, seu corpo
encorpara e a exuberância dos seios mostrava una fêmea sedutora; ela naquela
época realmente estava mais bonita do que quando a conhecera.
Anne, foi a
primeira a perceber a transformação e chegara a perguntá-la se estava seguindo
a risca seus conselhos...
- Ah! Eu parei
de tomar o chá...
Edward fica
mais tempo fora do Gongo, que achei não mais necessitar da beberagem.
- Olha o que
você está aprontando, menina!
Em 1.837, o governo
para estimular maior produção das minas, baixara o imposto e coincidentemente, o veio
principal e as galerias da mina do Gongo
Soco estavam produzindo até 50 quilos de
ouro|dia.
Estava
sobrando dinheiro naquela época, daí as prospecções que a Companhia mandara
fazer nas jazidas de Boa Vista, Bananal, Morro d’água Quente, Socorro,
Campestre, Cata Preta e Inficionado,
todas próximas de Catas Altas.
Nos últimos
meses daquele ano e em
plena Primavera , as chuvas impediam nossos serviços nos
campos abertos e voltamos à sede que
estava em atividade jamais esperada.
Foram dias
prazeiosos não só para mim, como também para toda comunidade que exultava com
os resultados das extrações.
Eu e Antônia
aproveitando os dias quentes e de folga, fazíamos longas caminhadas pela margem
do rio Gongo.
Ao chegarmos a
uma clareira distante da vila, parávamos para nadar nos pocinhos que a
corredeira do rio fazia.
Num destes
passeios, Antônia ficando livre de suas roupas, mostrou seu ventre mais
volumoso, quase cobrindo o sulco de sua cintura.
O rosto com a
pele mais fina, os lábios cheios como romãs abertas ao viço do seu esplendor; a
princípio achara que tais mudanças eram frutos de nossa vida saudável nos
constantes passeios.
Imaturo como
era, desconhecia biologicamente a vida da mulher.
Lembrando dos
conselhos dos Jeferres, é que despertei para a possibilidade de Antônia ter se
engravidado.
- Há quanto
tempo não tens?
A palavra
portuguesa me faltou e eu disse em inglês: “Menses! “
Ela não
conhecia a expressão inglesa e tentei, “ menstruation”
Esta é tão
semelhante a portuguesa, que ela entendeu ...
- Não me
lembro!
Ficou pensando
e depois de certo tempo, lembrou e disse: Dois meses mais ou menos...
- Você está
grávida!
- Eu grávida?
Claro! A Anne
pela experiência poderá nos dizer o que se passa com sua natureza...
Ela
aproximando-se de mim, pegou a minha mão
e levou-a ao seu ventre.
- Será, querido?
Realmente, o
ventre estava mais levantado e eu alisava gostosamente aquela parte íntima de
seu corpo.
- Não faça
isto, alguém pode estar olhando!
- Ora! Você
não tem escrúpulos de ficar despida e se envergonha que eu faça um carinho sobre seu ventre?
- Primeiro, eu
não estou me exibindo, pois estamos
cobertos pela ramagem; segundo, se alguém nos tiver espiando é pecado dele, não
meu...
Quanto as intimidades, deixamos
para o interior das quatro
paredes...
Ao sentir a
possibilidade de Antônia estar grávida, a vaidade de ser pai, afastara as
conseqüências da nossa irresponsabilidade de amantes.
Éramos muito
jovens para pensar nas possibilidades de um filho manchado pela falta do
matrimônio.
Anne ao saber
dos enjôos e a ausência de regras de Antônia, comentou:
- Só falta os
desejos das grávidas!
Era realmente
uma gravidez de 2 meses, Dr. Cuming confirmara no exame.
Antônia se
sentia bem mais feliz do que eu, arranjando o enxoval do filho que carregava no
seu ventre.
Para ela o
pequenino ser, seria a companhia certa nos dias incertos das minhas ausências
na Vila do Gongo.
Vila pequena
onde tudo era comentado e sabido, a notícia da gravidez de Antônia se espalhou.
Eu sentia
quando chegava em minha casa depois da jornada diária;
Um prazer
especial em tocar no seu corpo, saber
que ali havia parte de mim mesmo crescendo em seu ventre e tomando os mesmos
traços meus e dela.
Ouvindo minhas
palavras, ela se entregava aos meus
afagos, e minha mão corria de leve sobre o ventre agora maternal.
A noite sempre
a sós naquele tempo, sua roupa íntima deixava ver as curvas côncavas e convexas
que me excitavam.
- Você se
sente feliz, querida?
Nossas bocas
coladas não permitia a resposta e ela abanando a cabeça mostrava o que sentia.
Abraçados,
tombava para que eu a cavalgasse na forma mais plena da posse e da entrega.
As vezes,
queixava-se: - Você está pesado!
Antes no
deleite de nosso amor, até que gostava com o
peso a esmagá-la e rolava na cama
para que eu caísse no mesmo nível da sua luxúria...
Sua gravidez
não arrefecera meu ímpeto, pelo contrário, Antônia era muito mais mulher
condicionando-se para a maternidade.
Suas roupas
passaram a não servir e mandei que fizesse novas; atendendo ao meu pedido,
providenciou um novo enxoval para suas roupas íntimas e vestidos.
Logo que
começou a receber as encomendas, eu pedia para vê-las.
Ela escondia
ou me mostrava somente sobre suas mãos.
- Assim
não! Quero vê-las em seu corpo...
Tentando se
esquivar do meu pedido, justificava:
- São balofas
demais, querido! Elas me enfeiam...
- Não importa,
eu quero vê-las em seu corpo, se ficarem feias você poderá tirá-las.
Antônia
entrava em nosso quarto, fechava a porta e se aprontava para voltar a aparecer
como eu queria.
A demora me
tentava ainda mais na expectativa da apresentação.
Sem nenhuma
cinta e anáguas por baixo, seu corpo mais gordinho bamboleava nas passadas que
dava ao meu encontro.
A conselho de
Anne, ela escolhera roupas leves de textura fina e próprias para o calor,
menos absolvidas pela gordura de sua
gravidez.
Sem nada por
baixo, suas formas se mostravam como a chama de lampião vista por fora da
manga.
Tentação que
queimava a minha mão ao tocar naquela chama viva...
- Você quer
ver as roupas, ou pretexto para ver e tocar em meu corpo?
A medida que
ela chegava aos 8 meses, seu corpo avolumara
e passara a ter dificuldades para fazer os serviços domésticos.
Tentei
convencê-la em arranjar uma dama de companhia com sua tia, ela não quis,
dizendo que iria afetar à nossa intimidade.
Em parte havia
razão para o que dispensava, nós andávamos a vontade dentro de casa, sem
preocupar-nos com o desconforto de indumentárias que tiravam a nossa inteira
liberdade.
Para evitar
sobrecarregá-la de afazeres, passei a receber alimentos da casa de hospedes da
vila e por 2 vezes por semana, vinha uma
mulher lavar nossas roupas.
Antônia
dispunha com esta medida, mais tempo para cuidar do enxoval do neném e andar,
como recomendara Dr. Cuming.
Era sua
companheira nos exercícios de caminhadas, sua amiga Anne; algumas vezes subiam
até a represa que a fazia lembrar como ocorrera
seu relacionamento com ele
Edward.
Antônia
contara para Anne Jeferre como fora pega na barragem...
Anne ria da
maneira engraçada como Antônia relatara sua cômica apertura.
Você não
presumira que mais cedo ou mais tarde, seria pega por alguém?
- No sábado,
hora do ofício religioso! Ninguém passeava antes do final ...
Era a
terceira vez, e se não fosse a
maldita cobra, ninguém descobriria meus
banhos ali.
- Que maldita
nada!
Não fosse ela, a maçã poderia até aprodecer no
pé...
Risos!
O peso de Antônia chegara a um
ponto, que não era mais possível continuar
sem uma pessoa para ajudá-la dentro
da casa.
Anne
convencera a mandar buscar uma pessoa para ajudá-la nos afazeres.
domésticos.
Zaga
prontificou-se para buscar uma negra livre, que há mais anos trabalhara ali com
a família do Barão.
Genoveva
surgiu na vila, trazida por Zaga numa segunda-feira.
Macuma nascida
próxima a Lagoa das Antas, ela fora ex escrava de dona Laura a mulher do Barão
e ganhou carta de alforria por serviços prestados à família.
Negra alta e
ainda com os dentes perfeitos, revelara ter absolvido todos os ensinamentos da
casa da Baronesa; sua liberdade pouco valera, pois não tinha meios para
sobreviver sem emprego.
A região onde
concederam licença para fazer sua choça era de minério e pouca terra de cultura.
Logo que veio
recomendada por Zaga, foi pouco solicitada e não se conformava de ficar tanto
tempo sem fazer nada; ia para o quintal e plantava frutas e hortaliças.
A medida que Antônia chegava a data marcada
para o parto, Genoveva foi tomando conta
de todos os trabalhos caseiros, revelando qualidades e virtudes adquiridas
quando mocinha.
Edward devia a
ela e ao Dr. Cuming, muita gratidão pelo que fizeram para salvar Antônia e o
neném, quando esta caiu escorregando na lama junto da sua casa.
Meu assedio à
Antônia diminuíra com a aproximação do parto e passara a conviver das
lembranças da última Primavera, estação encantadora; eu me enchera de vida
vendo o seu desabrochar.
Recordava de
nossos passeios lado a lado, e os afagos provocativos que ela me fazia.
Enquanto
andávamos pelos campos ela ia colhendo flores nativas e eu absolvido com o
cachimbo que fumava, controlando-o para que não se apagasse com o vento.
Ao chegar a
frente de nossa casa, ela entrava para
se lavar e eu ficava do lado de fora, esperando que o fumo virasse
cinzas...
Ao entrar,
Antônia já tinha se lavado e perfumada esperava por mim.
Quando
terminava a jornada dos trabalhos da mina, lá mesmo tomávamos o banho retirando
a poeira, suor e as vezes a graxa ou o óleo.
Chegávamos em
casa limpos e com a mesma roupa que
saiamos, deixando na mina as que vestíamos para o trabalho diário.
Para relaxar os pés, aproveitava a água do
banho de Antônia abluindo-me da poeira que levantávamos durante o passeio.
Aquele ritual
brasileiro que eu aprendi com Antônia, vinha através das gerações, copiando os
costumes e sabedoria dos hebreus.
Lavar os pés
como último ato do dia, além de promover asseio, aliviava as tenções e ativava
a circulação sangüínea.
Na Inglaterra
não havia tal hábito e nem razão, pois o frio não deixava o corpo transpirar.
Outro costume
que logo com a minha chegada, deparara com as mulheres brasileiras:
Os trajes tão
diversos das mulheres inglesas; Na Inglaterra, compridos fechados e geralmente
de tecidos grossos, no Brasil: Curtos, decotados e finos.
Quando fazia
comparações entre as brasileiras e as patrícias, eu me lembrava de Mary com
suas vestes severas, próprias de clima frio e das imposições religiosas.
Lembrando de
Mary, eu me penitenciava:
Porquê reatara
com ela?
Seria amor
próprio ferido!
Com o tempo e
a distância, somente o sentimento de pena me fazia relembrá-la; minha
infantilidade talvez ainda a amarrasse ao meu juramento.
Quatro anos
passados, será que ela ainda me esperava?
Havia minha
promessa de voltar à Inglaterra após 5 anos...
Antônia sabia
que havia em mim e em quase todos os ingleses do Gongo, a opção para voltar à
nossa terra, o que acontecia a quase todos depois de findo o contrato. Alguns já comentavam o regresso.
Com a
descoberta dos novos veios e a perspectiva de pleno êxito nas explorações; A
maioria dos ingleses adiaram o retorno, ampliando a validade do contrato até
então existente.
Antônia que
antes vivia sobressaltada por uma possível volta minha à Inglaterra, sentia-se
aliviada, principalmente por carregar um filho meu em seu ventre.
Mais do que a
maioria dos meus patrícios, eu me afeiçoara ao país, pois tinha uma companheira
da terra, enquanto os outros, tinham esposas inglesas, desejosas de criar os
filhos, junto dos avós.
Fora este o
motivo da volta dos Hoskens que vieram na 1ª leva e eu fiquei só no Gongo Soco.
Minhas constantes
viagens de explorações encantavam meu espírito aventureiro, vendo um mundo tão
diferente do que nascera e acolhedor em todos os sentidos.
Aqui não havia
Inverno, era Primavera o ano todo; a variedade de frutos, comida, mulheres e
liberdade até religiosa, chamava a nossa atenção de forasteiros.
A direção da
Mina sabia do meu prazer por viagens e voltara a me escalar para dar
continuidade aos serviços de prospecção na serra do Caraça.
Verificando os
terrenos, concluímos que em todo o contorno da serra do Caraça, havia formação
pirítifera e aurífera, o que não era nenhuma novidade, pois ali fora extraído
no século passado, grande quantidade de ouro.
Marcamos no
mapa os pontos mais interessantes, com visível possibilidade de veios ricos.
Aquelas
prospecções geológicas eram importantes para a Imperial Brazilian Mining
Association, pois levantava dados das origens das principais mineralizações
auríferas, dando a conhecer as formações e os ambientes onde se formavam no
centro da Província de Minas.
Sabíamos que
teríamos que conhecer primeiro, as características ambientais do modelo
metalogenético, seguros do que revelavam os estudos, firmávamos bases dos parâmetros onde poderíamos fixar os
acampamentos de explorações futuras.
Trocávamos de
acampamentos à medida que avançávamos de Norte para o Sul a varredura dos rios
e barrancas, onde os depósitos sedimentosos, mostravam boa quantidade de
grupiara.
Zaga mais do
que nós ingleses, mostrava-se inquieto com nossos deslocamentos e dizia que
tínhamos virado tatus.
Seu sexto
sentido, sempre antevendo coisas, alertáva para as chuvas torrenciais que iriam
cair e a premonição de que deveríamos voltar com urgência
à Gongo Soco.
Já tinha
conhecimento através de muitos patrícios, das superstições dos africanos com
referência às suas crenças e pressentimentos, não era magia negra, mas uma
intuição muito comum a eles.
Durante a
noite, trovejara muito e relacionei a conduta de Zaga ao medo de raios; ele tentou
me explicar que havia “caitana “ no ar e qui Nhô deveria voltar.
Eu não sabia o
que era caitana e perguntei o que significava aquela palavra.
- Mundurunga
na boca dos mano preto...
Eu fiquei na
mesma, nem caitana, nem mundurunga!
Sentindo que
eu não dava atenção devida, reclamou:
- Nhô! Nóis
percisa vorta, tô cum zabumbeira nosovido, arguem tá chamano eu e ancê...
Fosse outra
ocasião não daria ouvidos à sua conversa, mas como Antônia ficara sob observação
por parte do Dr. Cuming, fiquei numa dúvida se falava ou não com Henewood.
Com os
repiquetes rolando do alto da serra, resolvi alertá-lo sobre os problemas que
teríamos com a chuva, presos ao acampamento e sem poder fazer nada.
Ele ficou
pensando e olhando para o céu.
De repente
resolveu:
- Vamos levantar
o acampamento e picar nas cumbucas...
Para ele todo
animal se chamava cumbuca.
Voltávamos em
marcha forçada, cruzando por São Bento, São João e Socorro sem parar; a aruega
descia manhosa encharcando-nos como os baixios dos rios.
Apesar dos
respingos contra nossos rostos e refugos dos animais, incomodados com o vento
contra, continuávamos na marcha que nos levaria para casa.
Os animais
conheciam o caminho e tínhamos que sofrear o ímpeto do galope.
Quem não gosta
de voltar aos pagos?
Pensando em
Antônia, já delineava o que faria logo depois de abraçá-la.
O banho, a
comida quente e os lençóis cheirando a flor de laranjeira e a fronha a macela.
Depois, o calor morno de sua barriga enorme me
afastando dos chamegos que deixara de
receber por tanto tempo...
Como era bom
voltar, sabendo que lá estava alguém esperando; mesmo trabalhando na mina do
Gongo Soco, ela ficava a minha espera,
arrumada com suas vestes de passeio para caminharmos, como fazíamos
todas as tardes.
Saiamos pela
vila andando, procurando estradas menos movimentadas; só voltávamos com o
findar da tarde e com as primeiras estrelas pirilampeando como se piscassem
marotas ao nos verem tão entregues...
Quantas vezes
eu não tinha dito para ela, como era bom viver num clima tropical, onde
podíamos desfrutar o ano inteiro daquela benesse da natureza.
- Sua terra
não é assim, Edward?
Eu voltava com
as mesmas explicações, dizendo da inclemência do clima da Europa e da minha
terra.
Nesta
Primavera de l.837, parecia haver mais vaga-lumes no ar que as estrelas no céu;
por onde andávamos o caminho era iluminado por eles.
Quantas vezes,
contrariado eu não chamei a atenção de Antônia por ficar a prender os bichinhos
dentro da sua mão pescadora.
Com a mão
direita fechada, ela me mostrava entre as frestas dos dedos, o pirilampear do
inseto.
Zangado eu
pedia para soltá-lo; era mais lindo voando livre e iluminando o céu, que preso
iluminando sua curiosidade ...
Aquela
feericidade complementava com a magia do coaxar dos sapos, rãs e o estridular
dos grilos.
Quando um dia
expliquei para Antônia o motivo de toda a agitação dos animais na Primavera,
ela saiu com esta:
- Os homens
deveriam ser como eles, incendiando de luz e sons as noites de amor da nossa
vida...
Ela não tinha
em mente, ou não sabia, que a eles só era dado um período pequeno para a fase
de acasalamento, nós criaturas humanas, todos os dias de nossas vidas...
As 6 léguas
que nos separavam do Gongo, estava sendo feita em marcha apressada, de vez em
quando os animais paravam para arrancarem o meloso ou outro capim nos barrancos
e Zaga gritava furioso:
- Fio dasunha,
suvanca de espinhela caída, cê nu tá veno qui tamo aperreado!
O rio Gongo
estava transbordando pelas margens e tomando as vezes a estrada aberta há tão
pouco pela Companhia Inglesa de Mineração.
Pena, a
enxurrada lambia os aterros destruindo-os e tínhamos que dar voltas!
Ás 2,00 horas
da tarde chegamos a vila e na cocheira havia um recado para que mandassem um
mensageiro a minha procura em Brumado ou Morro d’água Quente.
D. Antônia
tinha sido levada para o hospital.
Zaga me
acompanhou para voltar com os animais, a medida que chegávamos perto, comecei a
tremer e as cãibras que estava sentindo durante a viagem, desapareceram.
Na porta do
hospital, Genoveva chorava copiosamente e tentando me barrar, dizia:
- Dotô nu qué
qui vos mecê e gente ninhuma entra acolá...
Eu saí
correndo sem saber onde estava Antônia.
É aqui, Nhô! Seu
mazombinho tá aqui...
Um choro de
criancinha aliviou minha perturbação; separado da mãe ele estava sendo limpo
pela parteira da vila.
Assustada
vendo-me, sem dizer coisa com coisa, apontava com o dedo:
- Tá lá! Tá lá!
Só podia
referir-se onde estava Antônia; cobrindo a visão de seu rosto, Dr. Cuming
tentava deter a hemorragia...
Foi a última
coisa que me lembro ter visto naquele dia azarado; O choque foi tão grande que
o torpor me abateu numa inércia inqualificável...
Durante vários
dias, sempre tinha alguém ao meu lado, tentando explicar o que para mim era
inexplicável.
Um dia
acordando pela manhã, percebi que não estava em minha cama nem em minha casa;
levantei e dei de cara com Anne.
- Ah, meu
filho!
Ela chorava,
passando as suas mãos por minha cabeça.
Ninguém
precisaria me dizer nada, eu entendera o que ocorrera...
Willian tinha
me levado para sua residência, Genoveva e Anne tentavam acalentar uma
criancinha nos braços.
O choro me
despertou para a realidade que eu não queria relembrar...
A última coisa
que recordara foi ter saído correndo de dentro da casa, tomando o rumo que o
instinto me indicava.
Eu não via e não
sentia o que fazia.
Anne mandou
que o Zaga fosse atrás, mas não tolhesse os meus passos.
Subindo pela
estrada da barragem, fui parar dentro da amurada do cemitério.
Uma cova
coberta de flores me dizia onde estava Antônia.
Já
escurecendo, Zaga que permanecera junto de mim, sem dizer uma palavra, me
abraçou e em voz soluçante, disse-me:
-Nhô, tô chorando como ancê, maise Tonha nu qué qui
nois fica aqui!
Nhosinho tá
chorando pelo leite dele.
Nóis nu pode
esquecê qu’ele nu tem o calô dela!
Uma revolta e
um sentimento de repulsa se interpunha entre mim e a criança; ele fora a causa
da minha perda e sofrimento.
Logo ele, que
esperávamos com tantos desejos...
Nunca mais
voltei a minha casa, Willian e Anne providenciaram a mudança do que era nosso
para a residência deles.
Até o nome eles
escolheram para o menino: “ John.”
Foi no
trabalho que encontrei consolo pelo que sofria; Willian e Anne procuravam
afastar de mim as tristezas do meu coração, enquanto o neném, cada vez mais
fazia acendê-las.
Tentava tudo para
afastar a dor da saudade, eu não queria esquecê-la; apenas afastar o vazio que
ia em mim.
Dormindo,
Antônia aparecia em meus sonhos corporificada e quando o prazer da sua presença
começava a tomar os meus sentidos, eu acordava sem ver sua partida...
Minha mão
estendida apoiava sobre o outro lado vazio e as lágrimas molhavam o enxoval que
ela mesma fizera.
Enquanto
sofria calado, tentando afastar recordações tão doces, a vila inglesa exultava
com os resultados das últimas apurações de ouro.
Naqueles dias
de 1.839, sob a administração do comissário Skerrett, a produção era tão
auspiciosa, que a notícia vazou e o jornal
O UNIVERSAL DE OURO PRETO
noticiou o seguinte fato em l2 de Outubro:
“ As apurações das lavras do Gongo Soco tem sido extraordinárias.
Em 11 dias seguidos, extraíram-se 628 libras e dez Onças
de Tróia de 60.368 oitavas de ouro; o
metal valendo mais de Cento e Quarenta Contos. “
Era a
comprovação oficial do jornal da capital da província, espalhando aos 4 cantos,
o êxito dos ingleses.
Se a mina
continuasse com a mesma perenidade, em pouco tempo Edward poderia voltar à
Inglaterra como planejara. Os prêmios e
a experiência valeriam muito em sua terra, pois os relatórios e balanços
acusavam:
“ Nos l2 primeiros anos de
apuração, a Cia Inglesa retirou 30.000 lbs . de ouro, ou 1.200:000 lbs. St. que
renderam 2.000:000 contos ao Governo brasileiro e mais l20 contos por direitos
de exportação.
Aos acionistas, neste mesmo período de 12 anos, obtiveram l0 lbs. St.
de bonificação por ação.
O fundo de reserva da Companhia subiu a 50.000 Libras
esterlinas. “
Os anos de
vivência profissional em Gongo Soco dera a ele Edward e seus patrícios um
referencial para novos empregos se assim quisessem.
O tempo
correra sem que eles percebessem, envolvidos l3 a l4 horas diárias com a mina,
o tempo que sobrava era muito pequeno para dedicação à família ou a si mesmo,
como era o caso de Edward.
Para ele,
seria a hora de definição; continuaria ou voltaria para Inglaterra como fizeram
os outros Hoskens?
Não seria
fácil naqueles dias de prosperidade e plena extração, conseguir sem muita luta
sua demissão.
Seu primeiro
passo para desligamento definitivo, seria pedir transferência para as lavras da região do Caraça; a medida
que o vínculo com a comunidade do Gongo, fosse diminuindo, seria mais fácil o
rompimento contratual.
Enquanto a
mina ia cada vez mais extraindo ouro na paz da sua colônia, o país atravessava
um período crítico na política partidária dos dois partidos.
Acirradas
lutas entre Libertadores e Conservadores desequilibrava a política imperial
Os
Conservadores representavam o interesse da aristocracia territorial, em cujas
bases se firmavam os grandes latifundiários, donos dos escravos.
Os Liberais, a
burguesia da cidade com o espírito revolucionário social, antepunham abertamente contra a escravatura.
Nós ingleses,
pouca ou nenhuma importância dávamos às tais lutas que se travavam na capital
do Império.
Mal
informados, sequer sabíamos que o deflagrador do estopim estava ali tão perto do Gongo Soco.
José Feliciano
Pinto Coelho da Cunha, natural da Vila Nova da Rainha de Caeté, além de nosso
vizinho, era como nós, minerador de ouro.
Algumas vezes
vinha até a Mina do Gongo Soco para aconselhar-se a nós ou pedir alguma ajuda
técnica. Eu me tornara seu amigo, tantas vezes fora emprestado pela mineradora
para socorrê-lo.
Apesar da
conturbação política lá fora, continuávamos assoberbados com a mina e a única
coisa que me desviava a atenção do trabalho, eram os pensamentos e sonhos com
Antônia.
Faltava-me a fé
para acreditar que seu espírito estava vivo...
Isolado como
sentia no Gongo Soco, eu necessitava de um corpo onde a matéria fosse palpável
e eu pudesse tocar como a saudade pedia...
O cepticismo
era patente em mim, porém uma coisa me perturbava: Os sonhos contínuos, não
seriam uma manifestação da alma?
Atormentado
pela dor e convivendo com ela no mesmo ambiente onde vivêramos não me
conformava e tentava fugir do cenário que nos fora comum.
Procurei o
novo Comissário Mr. George Vincent Duval e disse a ele o quanto estava sendo
doloroso para mim, permanecer ali em Gongo-Soco.
Ligado por
antiga amizade, ele aconselhou-me a esperar um pouco, pois a Companhia estava
interessada em minerar na região do Caraça, onde Mr. Yory e eu, havíamos feito
uma proveitosa prospecção.
Acrescentando
disse-me: - Fica sabendo Hosken, que já tenho autorização para início dos
serviços na Serra do Caraça e Mr. Yory
terá muito prazer em contar com sua pessoa junto dele.
Para a
mineradora, seria de grande interesse estender as lavras por outros campos,
garantido reservas futuras de jazidas e para mim a concretização do que pedira
a Mr. Duval.
Nesta época,
Catas Altas tinha 2 correntes de manifestação com a provável volta da mineração
em suas terras:
Uma a favor da
mineração e outra contrária, os padres e os donos de terras de lavoura e
pastoreio.
Padre Mendes
do púlpito advertia aos menos desavisados:
“ Esta Companhia do Gongo Soco, engordada pela riqueza do buraco rico que ela nos
deixa, em troca das libras que ela envia para a Inglaterra.
O salário oferecido aos operários atrai forasteiros; de toda parte
chegam levas, e em curto espaço de tempo, o diretor da Companhia passará a ser um novo rei, não da Inglaterra, mas dos beócios tão
numerosos, como os filhos de
Israel, junto às fraldas do Sinai,
durante a ausência de Moisés.
Decorrerão meses e anos; a
ambição ou amor de um lucro mal calculado, cegará a muitos,
que esquecendo-se dos seus quintais, chácaras e campos, não terão em
vista senão ouro a receber no fim de um mês.
Ouro insuficiente para as despesas mensais, e a manutenção de suas
casas; antes como
o animal da Gabriela, correram atrás da sombra e assim comprometeram o certo,
correndo atrás do duvidoso.
Suas plantações destruídas, sua criação aniquilada, sua mulher triste,
ou sem desenvoltura, suas filhas
corrompidas e sem crédito na boca da botija. ”
Entre os que
se manifestavam contra, os padres que previam o que sucederia ao povo com a
nova invasão da horda de faiscadores que
chegavam.
E do púlpito e
nas reuniões sociais, continuava o padre a alertar:
“
A inconstância nasce com o homem; e no decorrer do tempo este verme
desterra do lar doméstico o bem estar tão relativo aos filhos de Eva.
Por estes campos de Catas Altas,
viviam seus habitantes remediadamente com os recursos da criação de gado e
produtos do café, elementos estes, sucessores do antigo ouro, quando caiu sobre
esta freguesia uma epidemia assoladora e eficaz
da morte de tão próspera fonte de riqueza. “
Procuremos
descrevê-la:
“ O Major Ignácio Mendes e
sócios, senhores da Fazenda Bananal ( Morro d’água Quente), Morro das Almas, Cuiabá e etc., venderam, e
muitos afirmam que arrendaram estas propriedades no ano da Graça de ( 1.836 ) a uma Companhia
Inglesa, a Gongo Soco, pelo prazo de 50 anos, com a condição de devolução aos
herdeiros dos vendedores, no fim desses anos, ou antes, em caso de serem por
ela, Companhia, abandonadas as lavras, porém bem conservadas como estavam, em
1.836. “
A profecia
prevista no púlpito chegou anos mais tarde tão avassaladoras como as palavras
dos profetas: Isaías, Jeremías e
Ezequiel.
Antes que se
findasse o prazo da concessão para exploração do ouro por 50 anos, o Morro d’água Quente, ferido e
exposto, mostraria as vísceras de uma
operação desastrosa.
Quando ocorreu a autorização para exploração das minas de
Catas Altas, pela Imperial Brazilian Mining Association, veio imposta
uma cláusula:
Toda a despesa seria feita com os próprios
recursos advindos do Gongo Soco, inclusive a vila para acomodação dos trabalhadores.
Edward Hosken,
mais tarde lembraria:
Com minhas
atenções voltadas para planejamentos, fazíamos relatórios e constantes viagens
nas bacias: Ribeirão Santa Bárbara, e Rio Piracicaba, onde já tínhamos
prospectado.
No dia 29 de
setembro de 1.840, sem saber que era um
dia festivo em Catas Altas ,
viajamos para lá com a finalidade de
conversar com o Guarda-Mor Thomé Fernandes Mendes Campello, assuntos de
interesse da Companhia.
Lá chegando
com o Zaga, demos de cara com a praça cheia e o povo comemorando uma festa.
A milícia
desfilava pelas ruas, que aclamada pela população, estava concentrando-se
exatamente na casa para onde encaminhávamos.
Pela pompa dos
festejos, deveria ser uma comemoração extraordinária.
Zaga indagando
para algumas pessoas a razão da festa, espantados perguntaram-nos:
- “Oxem!
entonces o Godeme nu sabe?
O cú de boi é pru mode qui minino imperadô,
virô homem...
- Como podia
uma criança virar homem de uma hora para outra!
- Inda maise,
completava o tal negro:
Além dele tê
ficado maió, hoje é dia de São Miguer Arcanje...
O que
explicavam os negros, não clareara o motivo do desfile, foguetes e a pompa que
estávamos assistindo.
Fomos
obrigados a esperar por longo tempo, para que alguém nos esclarecesse com mais
detalhes o que se passava em
Catas Altas.
Não podendo
procurar naquelas circunstâncias o senhor Guarda-Mor, resolvi enquanto esperava
o desenrolar da festa, entrar na igreja matriz, que me despertara tanto encanto
ao passarmos por Catas Altas pela primeira vez.
A igreja
estava enfeitada de flores e ainda com os candelabros e tocheiras acesas.
Acabara de ser
realizado um "Te Deum“ em ação de graças à Maioridade do Imperador, e as
comemorações pelo dia de São Miguel Arcanjo, padroeiro dos milicianos.
Estava
explicado para mim a razão dos festejos em Catas Altas.
Minha formação
inglesa era francamente imperialista, entretanto, achara um absurdo um menino
de l5 anos, assumir as rédeas do Império.
Tivemos que
esperar o esvaziamento da praça e do sobrado para chegarmos até a calçada da residência do coronel Thomé Mendes
Campello.
Durante a
espera eu lembrei que naquele mesmo dia deveria estar havendo também uma
festa no mosteiro de “Saintly Michael “ perto da minha terra na
Inglaterra, em homenagem á São Miguel.
Encostado nos
animais, eu e Zaga apreciávamos entretidos às diversas rodinhas que se
formavam, tanto no adro da igreja, como em frente da casa que eu teria que
entrar.
Alguém vindo
por trás, bateu no meu ombro e disse num sotaque bem inglês:
- Good morning, how are you ?
Voltei a
cabeça para quem me cumprimentava em inglês
Era muita
coincidência um homem ali , falando a
minha língua!
John Bull, o
inglês hoteleiro de Catas Altas...
Que satisfação
encontrar naquele lugar um patrício!
- What are you
doing here?
- I’d like to
speak to Mr. Thomé...
Arrastando-me
com toda a sua força, foi abrindo espaços diante da residência do Guarda-Mor e
entrou pela porta a dentro dizendo em inglês para quem não entendia a nossa
língua:
- Sorry, let me
pass.
Lembrou que as
pessoas não entendiam, repetia num português arrastado:
- Com licença.
Deixe passar! Com licença...
Eu já conhecia
Mr. Thomé Fernandes Mendes Campello, o que precisava para chegar até ele, era
aquela ponte da qual me serviria para quebrar a inconveniência de procurá-lo
naquele dia de gala.
Como era dia de festa, as casas estavam
abertas às visitas e na residência do Guarda-Mor era um entrar e sair de gente
que me causava espanto.
Não foi fácil
romper a muralha de gente a nossa frente.
Eu fui infeliz
na escolha daquela data para vir a Catas Altas.
Seguindo John
Bull, fomos parar na sala de visitas do manda chuva que estava rodeado de
Sargentos-Mores, Ajudantes de Campo, Timbaleiros, Alferes e Cabos.
Esbarrando em
gente, principalmente homens, eu vi no centro de uma roda a figura que
procurava; enquanto esperava os cumprimentos dos que estavam a nossa frente,
perguntei à John Bull qual era a importância do Guarda-Mor nas comunidades.
Ele me
explicou em detalhes:
Cada
localidade de maior importância, tem seu Capitão-Mor, nomeado pelo governador
da capitania; é o caso do capitão Thomé, aqui em Catas Altas.
Como
representante do governo, cabe a ele a chefia da Guarda Nacional do Império,
que foi criada para substituir as milícias, ordenanças e tropas municipais das
Companhias de Guardas, criadas em 18 de agosto
do ano de 1.831; geralmente compostas de 60 homens válidos e a Companhia
de Ordenanças, composta de negros escravos.
A guardamoria
fiscaliza as cobranças dos impostos, as entradas e saídas dos bens da Coroa e
são eles que controlam as datas, podendo
concedê-las ou retomá-las.
A festa de São
Miguel, padroeiro das guardas, é comemorada todos os anos aqui e patrocinada
pelo chefe da Guarda, que é o capitão Thomé.
Agora entendia
o motivo do burburinho na localidade e na casa do Guarda-Mor.
Para chegar
até ao Capitão Thomé, tivemos que esperar por longo tempo e ao ser apresentado
por John Bull, ele franziu a testa e olhando-me disse:
- O menino não
me é estranho!
Já passou por
aqui com outros ingleses? Como eu ainda tinha dificuldades de verter ao
português, John Bull fazia-se de interprete.
- O senhor tem
boa memória Capitão!
Ele riu com a
tradução de John Bull e respondeu:
- Sou velho de
idade, porém moço para muitas coisas...
Na verdade,
contara-me depois o Bull que ele é que devia ter o seu nome, pois a palavra
bull em inglês significava “ touro. “
O homem era um
verdadeiro reprodutor tantos eram os filhos naturais espalhados por Catas Altas.
Ao saber do
meu objetivo de procurá-lo, disse:
- O senhor não
pode deixar para amanhã a nossa conversa de serviço?
- Claro
capitão Thomé!
- Depois das
6,00 horas da manhã, aqui em minha casa senhor Eduardo...
Agradecendo,
ia despedindo-me quando ele prendendo o meu braço disse:
- A conversa
de negócios é prá amanhã moço, mas às de fidalguia Deus não impede e até
recomenda que seja a qualquer hora, mesmo nos dias santificados...
Levando-nos
para o interior da casa ia conversando e pegando no meu ombro, falou:
- Voz mecê vai
conhecer minha dona, a senhora dona Rita de Cássia Mendes Campello, o Bull já
conhece a fera, disse brincando, mas Voz mecê ainda não.
É a melhor cozinheira das Minas Gerais!
Era um
reconhecimento franco e usual dos homens brasileiros às suas dedicadas esposas.
Apesar dos poucos direitos exercidos pela mulher brasileira naquela época; eram
elas que administravam com sabedoria os lares, principalmente as distribuições
dos serviços da escravatura feminina.
Mas, não
competiam e nem contestavam as ordens do patriarca, mesmo sabendo que as vezes
dentro da sua propriedade, as mucamas disputavam com ela, a virilidade de seu
esposo.
Dna. Rita
passava nos dias de festa que o esposo patrocinava, grandes apertos, pois toda
a Catas Altas e imediações, vinham a sua casa cumprimentá-los.
Por sua
influência e pela clã que o capitão Paulo Fernandes Mendes Campello lhe passara
ao morrer, ele o filho Thomé, tornara-se
o cabeça da grande família.
Edward ao ser
apresentado à sua esposa, notara que ele dissera com certa reverência:
- Esta é minha
esposa, dona Rita...
Aquele
tratamento de dona ou minha dona, despertara a curiosidade de Edward.
- Qual o
motivo para os brasileiros reverenciarem-se às suas esposas?
Bull não
entendeu o que perguntara e eu expliquei com novas palavras:
- No Brasil,
os homens casados ao dirigirem-se as
esposas, dizem: donas...
Ah! eu sei o
que você pergunta, também eu notei o tratamento cerimonioso.
Perguntando um
dia ao reverendo provedor e vigário geral, Francisco Justino Gonçalves Viegas, qual
o motivo deste distanciamento entre os casais brasileiros, ele me explicou:
- Primeiro: É
a maneira de elevar a sua mulher esposa legítima, perante as outras mulheres de que ele é dono e desfruta como
escravas.
Segundo: Impondo primazias e respeito a quem
de direito deve exercer o mando da casa, já que as outras amantes escravas, são
caprichos momentâneos dele, em seus desfrutes...
- Mas as
esposas permitem tal desrespeito dentro do próprio lar?
- Quem tem 10 a l2 filhos para olhar, na
imensidão de seus solares, não tem tempo de vigiar o marido; e algumas se
sentem aliviadas no repartir a propriedade...
Entre o
mulherio e escravos que serviam os convidados, uma mocinha branca as dirigia
com habilidade, apesar da aparência ainda púbere.
Minha atenção
foi despertada ao vê-la dando ordens e apontando discretamente certos pontos;
ela apontava para a minha roda, quando vendo que eu a fitava, retirou os olhos
e apressadamente o dedo.
Segui
conversando com meus pares sem tirar à atenção dela, por três vezes cruzamos
nossos olhares, havia um “feedback” entre nós...
Bull notando
minha desatenção pela conversa da rodinha começou a vigiar o que me prendia
fora dela.
- Sabe quem é
a mocinha, disse ele?
- Não sei, disse
eu, porém é muito bonita e me chama a atenção...
- Ela é filha
do Guarda-Mor, homem!
Miss Maria
Magdalena Mendes Campello...
Ela deve ter
notado que falávamos da sua pessoa e imediatamente retirou-se da nossa visão.
No
esplendorosa mocidade, devendo contar entre l5 a l6 anos de idade, seu rosto
lindo estava emoldurado por cabelos curtos divididos exatamente ao meio da
cabeça.
Ao lado
direito cobrindo o cabelo sobre a orelha, orquídeas presas; nas orelhas,
pingentes de pérola e sobre o colo, um colar de pérolas dando 2 voltas sobre o
seu pescoço.
Uma blusa com
decote amplo em “V“ deixando destacadas as jóias que portava e o feitio
com fitas terminando em laços,
alternando com nesgas de tafetá do mesmo tecido da saia.
Fingindo
esconder o grande decote, uma capinha que permitiria a menina, entrar nas
igrejas tão exigentes da época.
A saia eu não
as tinha sob meus olhos, encoberta pelos inúmeros convidados, mas de vez em
quando deixava transparecer que era de tafetá, caindo em pregas verticais
perpendiculares às faixas da blusa e indo esbarrar no piso, como recomendava a
toalete.
As faixas,
rendas e laços, desmaiando em cores suaves sobre o tafetá em única tonalidade.
Há muito ele
não via mulheres tão bem vestidas; sem que me apresentassem, mostraram-me as
outras filhas do Guarda-Mor, tão atarefadas quanto a irmã.
Eu tinha sede
e parecendo que a Miss Magdalena adivinhara, mandou que uma escrava nos
servisse um delicioso refresco;
Nossos olhos
tornaram a cruzar num flerte prolongado, ela não retirara como das outras vezes
o seu mirar.
Ela estava na
mais deliciosa idade do desabrochar da vida.
Deliciado, eu
não reparei uma escrava enchendo novamente de refresco o meu copo, e desviei
ligeiramente a minha mão.
Foi o bastante
para que o líquido caísse sobre a minha roupa de campanha, o caqui de
minerador.
Vendo o que se
passava, ela veio desculpar-se e eu
disse sorrindo:
- É o castigo
por ter vindo em sua casa nestes trajes...
Bull traduziu
para ela; eu podia ter dito algumas daquelas palavras de viva voz, mas tive
medo de errar no meu português vacilante.
- O senhor não
fala nossa língua?
- Yes, ou, ou,
excuse-me eu fala uma outra palavra...
O pequeno
acidente proporcionou a mim e a ela , um contato maior.
Ela tentava
enxugar a minha roupa com um guardanapo; sua mão vacilante e trêmula corria
sobre a parte onde caíra o refresco, seus gestos íngenuos revelavam o quanto
ainda era imatura...
Meus olhos
presos aos seus, desejavam que o tempo estacasse, prolongando indefinidamente a
intimidade acidental.
- Desculpe-me
senhor, que desajeitada é a mucama!
- Eu pensava o
que falar com ela para que não se afastasse repentinamente de mim...
-Oh! me feliz,
muito feliz aqui casa sua...
- Como o
senhor pode estar feliz, molhado como
pinto!
- What do you mean by “wet as a chick" Miss?
Ela ria e não
sabia o que ele dissera, apenas entendera a palavra “pinto “
Bull veio em
meu socorro e explicou:
- Molhado como
pinto é a mesma coisa que “Soaking wet...”
Edward
compreendeu a razão por que ela ria e também caiu na gargalhada em pleno salão.
O pai notando
a repentina intimidade entre a filha e os estrangeiros, veio saber o que
acontecera...
- Não foi
nada, Capitão! Apenas um gesto imprudente do meu patrício...
Falando em
inglês e sorrindo; o Guarda Mor não poderia entender nada do que os visitantes
diziam entre sí e a filha continuando a rir sem conseguir explicar ao pai o que acontecera.
Impecavelmente
trajado com o uniforme da Guarda Nacional, recoberto de botões dourados, eu
sentia como se estivesse diante de altas patentes do Império.
Farda igual,
só vira na Inglaterra, chapéu cheio de plumas e sutaches; nas costuras dos
bolsos, cruzetas.
A braguilha
recoberta de filetes de ouro.
A túnica
aberta como casaca, deixava transparecer a gravata branca, usada nas ocasiões
solenes em que se associava desfiles e
atos cívicos geralmente em lugares internos.
Nos desfiles
ou nas campanhas, Bull me dizia que ele
usava a túnica como dólmã, realçando ainda mais os alamares brilhantes na cor
de ouro.
Empertigado e
vaidoso, recebia cumprimentos, inclusive os meus traduzidos por John Bull.
A prosa com o
Guarda-Mor, fizera afugentar a filha e eu desapontado, tentava sustentar a
conversa em que o Bull servia como interprete.
Enalteciamos o
desfile da Guarda e a recepção e quando ele sentiu que iamos partir, disse:
- Por favor,
vou apresentar-lhes minha esposa dona Rita Benedita, ela é muito sensível aos
elogios.
Outra vez eu
ouvia a palavra dona, referindo-se a esposa.
Dona Rita
Benedita dava atenção a um casal que também se despedia da anfitriã.
Informado pelo
próprio marido da sua natural vaidade aos encômios, desmanchei em louvores que
Bull traduzia.
- Se o moço
estrangeiro gostou da minha casa; meu senhor marido se sentirá honrado com
novas visitas em dias menos tumultuados.
Ah! Como
deliciei com o convite da própria anfitriã; portas abertas para novamente
voltar a ver a menina Magdalena.
Numa roda de
jovens eu a vi segurando a mão de um moço; tive ciúmes e até perda de esperança
ao vê-los tão íntimos.
Perguntei ao
Bull quem era ele:
É o Fernando o de farda a direita e ao seu
lado, Francisco Mendes Campello, ambos filhos do Guarda-Mor.
- Ele tem
muitos filhos, Bull?
- Tantos, que
talvez não saiba o nome de todos...
Os dá roda,
são: Fernando, Maria Magdalena, Francisco, Maria Raymunda e Bizita.
- Bizita é
nome?
- É o apelido
que dão a Maria Rita...
Eu começara a
interessar pela família do Guarda-Mor, gente de estirpe e bonita.
Já tinha
despedido dos donos da casa, mas faltava quem mais me interessava.
Constrangia-me
ir até a roda para despedir apenas de um dos filhos que fora apresentado.
Magdalena viu
que eu me retirava, e saiu da roda subindo uma escada que ia dar ao andar
superior.
Nova
desilusão, ela fugia sem dar-me a oportunidade de uma despedida.
Do lado de
fora da casa, Zaga me esperava impaciente e muito mais os animais amarrados por
tanto tempo.
Caminhei em
direção da montaria, dando as costas para a fachada do sobrado; ao virar para
montar e subir, dei meus olhos voltados nos de Magdalena.
Encostada na
sacadinha, ela estava ali para ver minha partida.
Uma sensação
de euforia e tremura dominava o meu corpo, seus olhos não fugiam como
acontecera dentro de casa; montado no animal, eu estava bem mais próximo da
sacada e ela mostrava-se por inteira.
Tirei o
chapéu, levantei um pouco sobre minha cabeça e reverenciei com certa mesura a bela mocinha que me olhava
partir.
Ela riu do meu
afetado galanteio, tive vontade de jogar beijos em sinal da minha admiração,
mas o gesto seria impróprio...
No Brasil as
senhoras dificilmente correspondiam os cumprimentos públicos; Tão recatadas são
elas nos seus severos costumes.
A
espontaneidade do seu sorriso, aceitando meu galanteio, revelava a maneira
diferente como fora educada; coisa rara entre as brasileiras, escondidas de
seus complexos e medrosas de se mostrarem a pessoas estranhas da família.
Eu tentava
retardar o maior tempo possível, segurando a rédea do animal, Zaga esporeava
sua mula, fazendo-a dar duas voltas de 360 graus.
- Calma Zaga,
o hotel do Bull é ali !
Lá de cima ela
deve ter pressentido o que eu dissera para o negro.
Novo sorriso de despedida.
- Nêgo sabe
qui tá li memo Nhô!
Tô aperriano a
bicha prela senti quim tá pro riba!
Zaga notando a
razão da minha lentidão, disse encarando-me:
- Nhô me
adescurpa, pru mode que nós nu fiquemo hoje aqui?
- Nós vamos
ficar Zaga...
O galope
apagou da minha imagem, o rosto da mocinha, porém ficou o sorriso que iria prender-me
por toda a vida...
Os animais
suados e resfolegando, sabiam o caminho para o Hotel do Bull; paramos para descer e eles foram levados por Zaga até
ao cocho d’água do fundo do hotel.
Ao voltar Zaga
me disse:
- Nhô tá
percisando de Muié!
E qui muié sô
Dú!
Nu há patuá de
patacão d,ouro qui vale maise qui aquela muié!.
Desmontados, e
entrando no Hotel uma má notícia me deixou abalado:
Outro patrício
morrera e fora enterrado no Gongo Soco.
Willian Duns
Fone, fora fazer companhia à Antônia no cemitério dos ingleses.
Cada colega
que perdíamos, era como se fosse um irmão, e a comunidade guardava luto por
longo tempo; todos nós queríamos ser enterrados na Inglaterra, não ali tão
distante dos nossos parentes.
Naquele fim de
semana, voltaria ao Gongo Soco para prestar homenagem a Willian e visitar
também o túmulo de Antônia, bem como rever meu filho John que estava em casa de
Jeferre e Anne.
As viagens por
aqueles caminhos que ligavam a Serra do Gongo à Serra do Caraça, estavam
ficando monótonas, de tanto percorrermos o mesmo roteiro.
Ao descer no
hotel do Bull, a primeira coisa que pedi, foi um banho.
- De imersão
na bacia, ou na ducha?
Na ducha disse
eu, querendo que a rapidez do banho me desse o descanso que precisava.
Depois da
ducha no andar térreo, subi para o meu quarto querendo cama, ao fechar as duas
janelas do grande quarto, apareceu o Bull perguntando a que horas queria o
jantar...
Se você me
permitir, a hora que eu acordar depois da sesta.
Desejando um
bom sono, ele retirou-se e antes perguntou se eu já fora informado que morrera
o inglês Duns Fone no Gongo Soco.
- Sim, com
muito pesar, pois éramos companheiros desde a Inglaterra.
Antes de
fechar a segunda janela, Bull notou a minha admiração pela beleza externa, e
disse:
- É o pico do
Sol!
- Eu sei, Catas
Altas possui coisas maravilhosas!
- Entre elas
uma moça, não é verdade?
- Sim, Maria
Magdalena Mendes Campello...
Enquanto
dormia, o resto da tarde estava sendo festejado pela população.
Acordei já
escurecendo e a festa prolongava-se com serestas homenageando o Imperador e o
padroeiro das milícias.
Saí até a
praça, tentando por todos os meios, rever a mocinha que despertara novamente
meus sentimentos amorosos.
Nada
conseguindo, mesmo depois da benção noturna que levava tanta gente à igreja,
voltei para dormir no Hotel.
O sono custou
a chegar e quando veio, estava envolto em sonhos; Antônia pedia que eu voltasse
ao Gongo.
Se os
espíritos têm deslizes, Antônia enciumada não queria minha permanência em Catas Altas.
Acordei tarde,
a claridade do Sol, já passava pelas frestas das janelas.
Tomei
apressadamente o café da manhã e saindo do lado de fora do hotel, vi John Bull
sentado nos degraus da escada, conversando com Zaga e um outro negro,
encilhando os animais.
Acabei de
cumprimentá-los e fui despertado pelo passar de uma liteira conduzida por
escravos.
- É dona Rita e
a filha Magdalena, Edward!
O cortinado
não permitia ver as pessoas, o Bull conhecia os escravos e a liteira.
Levantando a
voz para ser notada, perguntei:
- Ou Zaga, os
animais estão prontos?
O cortinado
abriu suficientemente para mostrar no seu interior o rosto de Magdalena.
Mais uma vez,
fora correspondido; tirando o chapéu e em voz alta cumprimentei:
- Good morning,
miss...
Eu me lembrei
que estava no Brasil e ela não falava minha língua; era tarde, os negros
carregavam já distante para que eu
consertasse a versão em português.
O xale de seda
sobre a cabeça e os ombros, deixara descoberto um rosto lindo de mulher...
Fechando a
conta do Hotel, ao me despedir de Bull, disse:
- Reserve
sempre quando eu aqui voltar, este quarto para mim.
- Quando
perguntou o Bull?
- Sempre que
puder....
Alem das boas
acomodações, o patrício conhecia o paladar dos ingleses e o gosto pelas bebidas que ele mesmo destilava.
A pequena
cavalgada me levara à casa do Guarda-Mor, diversas pessoas aguardavam a vez de
serem atendidas, o dia santo da véspera aumentara o número dos que recorriam a
ele.
Apesar do
pequeno tempo que demandaria nossa conversa, pois o Manifesto da Mina dizia o
que precisava, tive que esperar.
Ao me ver e
cumprimentar, respondi com afabilidade suas palavras e apresentei o documento
que me levara até ele.
Vendo-o e
tomando conhecimento do seu conteúdo, disse-me constrangido:
- Ora senhor
Hosken! Eu não sabia que era só isto, o motivo da sua visita.
Se o senhor
tivesse me falado, teria despachado o senhor ontem mesmo, pois a resposta
depende de estudos e vistorias...
- Não se
incomoda, Capitão!
O tempo aqui
foi bem empregado, além do mais, tive a oportunidade de conhecer a família do
senhor.
- A resposta
do manifesto levará tempo, pois irá para Vila Rica, à esfera superior á
minha...
Despedindo-me,
agradeci a acolhida do dia anterior e ele por delicadeza, prometeu:
- Pode voltar
daqui à 4 semanas, vou pedir urgência para os senhores.
Ao sair do
sobrado, voltei os olhos para as janelas do nível superior, sob o caixilho
suspenso e no meio da janela talvez do seu quarto, Magdalena discretamente
sorria para mim.
Tirando o meu
chapéu e ainda vacilante cumprimentei-a em bom português:
- Bom, bom dia
Miss; abanando a cabeça ela correspondia...
No Brasil
dificilmente as senhoras correspondem aos cumprimentos, tão recatadas são elas
nos seus severos costumes.
Montando
ligeiro e querendo apressar os animais, Zaga esporeava a mula, quando falei:
- Calma Zaga,
Quebra Ossos é ali!
- Nêgo sabe,
Nhô!
Tô aperriando
a bicha prá mode de que ela espia quem tá pro riba!
Eu não tinha
pressa, Magdalena da sacada de ferro acompanhava minha partida.
Meus olhos
continuavam presos naquela doce visão e eu esperava que ela ficasse durante toda a caminhada; da sacada
ela me olhava, esperando que eu
desaparecesse na ladeira.
Zaga notando a
minha lentidão e os olhos voltados para trás, disse:
- Nhô me
adescurpa, pro mode que nu fiquemo maise aqui?
- Se pudesse
Zaga!
O negro riu e
disse:
- Nhô tá
percisando de muié, e qui muié sô Du!
Patuá iguar
ancê nu acha nem na Vila Rica!
Com meia hora
de galope, chegamos a Quebra Ossos, onde passaria para verificar umas sondagens
que nós ingleses estávamos fazendo ali.
O bicame bem
estragado, dava-me a noção de quanto teríamos que trabalhar para refazê-lo;
Mesmo danificado pelo tempo, ainda era uma obra digna dos escravos que
ergueram-no.
Já no
acampamento sobre um gramado, voltaram a nos dar a notícia da morte de Willian,
outro patrício morrera no Brasil e fora enterrado na vila do Gongo, fazendo
companhia à Antônia.
No sábado
voltamos ao Gongo Soco, o movimento era bem menor naquele dia da semana.
Fomos diretos
para o morro do cemitério, o muro de cantaria e a mata ao seu redor, dava ao
lugar isolado, uma paz reconfortante a todos que tinham ali, entes enterrados.
Na crista da
barragem, eu me lembrei do dia do enterro de Antônia, desvairado como estava,
eu via uma infinidade de pernas caminhando de cabeça para baixo, dentro da
represa.
Como agora andava,
via o reflexo das minhas pernas e o meu corpo dentro dela; Minha sombra
vacilava dentro d’agua, desfigurada ao sabor das marolas provocadas pelo vento.
Como é frágil
a nossa imagem!
Eu orava por
Antônia e Willian, permanecendo por longo tempo ao lado das duas covas.
Depois,
recordando o que me dera Antônia quando viva;
Agora
eternamente distante de mim.
Não bastava a
criança que ela me deixara, faltava algo mais...
Voltando a
passos lentos, mirava o lado direito da lâmina d'agua da barragem; sobre ela, a
sombra da mata que ia ficando para trás, a mesma que recobria a serra do Gongo
- Soco.
Um sabiá
marcava com sua presença, cantando afinado o despedir da tarde; o silêncio era
quebrado por meus passos e o trinado daquela ave maravilhosa, parecia cultuar o
ambiente.
Se Willian
Duns Fone, mostrara durante a sua vida, tanto amor à natureza, ela retribuía
com o mesmo amor e reciprocidade.
Eu que até
então sentia pena e saudade da impassividade dos corpos que partiam, tão cedo
desta vida, comecei a dar sentido até da morte;
ali naquele momento seus espíritos estavam vivos, talvez no canto do sabiá, ou quem sabe num Jequitibá, que da
semente renascia a vida...
Para os
adultos e crianças ali enterradas, não havia mais sofrimentos, eu, é que sofria
por eles.
Olhando para
uma sepultura de uma criança, me lembrei do John Hosken que estava vivo e eu
aparentemente morto para ele.
Antônia tão
perto de mim, devia estar abrindo a
minha consciência para o que ela me dera e eu até então indiferente, não
percebera.
Ela estava
viva, através do corpo de nosso filho John.
Eu sentia como
se censurado fosse por sua alma.
Minhas
recordações voltaram ao dia que nos conhecemos, naquele mesmo lugar.
Por causa
dela, matara uma cobra cascavel em seu próprio habitat.
Uma nova consciência
nascera em mim sobre o direito da vida; a víbora tinha tanto direito como o
sabiá, criaturas que Deus nos deu para engrandecer sua obra.
Um controlando
a povoação, o outro povoando de sons divinos os ouvidos das criaturas.
Saindo do
cemitério dos ingleses, como era
chamado, fui direto para casa do Willian, ele ainda deveria estar na ronda do
sábado.
Anne como
sempre bem vestida, cabelos presos por um longo lenço, me recebeu de braços
abertos.
- Quanto tempo
filho!
Que milagre
sua presença aqui...
Sua admiração
cheia de amor, mostrava quanto eu estava sendo ingrato com minha ausência.
Seus olhos
cheios de lágrimas fizeram os meus também molharem; não precisávamos dizer
nada, nossos sentimentos eram compartilhados pela dor que sofrêramos.
Abraçando-a sentia
nossos corações baterem desenfreados; não era a amiga, mas minha mãe que
estreitava com tanta ternura, quanto tempo não desfrutava desta intimidade
maternal!
- Filho, não
fuja de nós como tens feito!
Suas palavras
magoadas tinham razão de serem ditas, porém ela sabia quanto era duro voltar à sua casa...
- John,
John! Venha cá gritava Anne chamando o
meu filho.
Eu vi a
criança correndo vacilante em seus passos cambaleantes.
- What do you want,
mamma?
Ao ouvi-lo
referir-se a Anne como mãe, meu coração disparou e caminhei de encontro a ele
para abraça-lo como nunca fizera.
- É seu pai,
John!
Olhando com
aqueles mesmos olhos de Antônia, ele me encarava desconfiado, eu era para ele
um desconhecido...
Um sentimento
de culpa me fez ver que ele tinha razão de me ver como um desconhecido....
Zaga tinha
feito para ele uma carrocinha puxada por um burrinho, tudo de madeira; a
confecção encantou o menino e ele aproximou-se para recebê-la.
- Thanks,
sir...
Para ele eu
era um senhor, não o pai.
Seu inglês
ainda claudicante era razoável, apesar da convivência com Genoveva que
misturava as línguas.
As deturpações
do linguajar do menino preocupava-me; John sofria as conseqüências do conviver
com ingleses e da negra Genoveva.
Fitando-me com
seus olhos encarados, perguntou:
- Is it for me?
- Yes, my son;
- Let me have it, please...
Duas coisas me
encantaram naquele momento; eu ter me dirigido a ele, chamando-o de filho e ele
ao ver o presente, dizer:
- Isto é para
mim?
Dai-me, por favor...
Apesar da
pouca idade, ele ia sendo educado de uma maneira como desejaria que fosse se
ele estivesse comigo.
Anne e Jeferre
revelaram-se como verdadeiros pais.
A tarde após a
chegada da mina, Jeferre já de banho tomado e de roupa de passeio, convidou-me
para sair com eles e o meu filho.
Foi uma nova
descoberta dos meus sentimentos ao vê-lo caminhando junto de nós, só sem amparo
de ninguém, vendo o mundo vasto ao seu derredor.
Enquanto Anne
vigiava de perto, Jeferre e eu relembrávamos
a nossa vida na Inglaterra.
Sempre
caminhando a nossa frente, Anne não abandonava o menino; tudo que chamava a
sua atenção, ele apanhava transformando
em brinquedos.
As mãos de
Anne enchiam-se de pedrinhas, flores, folhas e gravetos.
Ele já não era
só meu; Aos seus olhos e coração, Anne e Jeferre eram os verdadeiros pais; O
sentimento de tristeza que sempre me abatia, sumira naqueles dias passados na
casa deles; eu via que meu filho estava amparado por duas pessoas excepcionais.
Antes de
partir na madrugada de segunda feira, voltando ao serviço de campo na Serra do
Caraça, Anne trouxe o John para que eu me despedisse dele.
Esfregando os
olhos e abrindo preguiçosamente a boca, John balbuciava coisas que eu não
entendia; o sono ainda dominava o seu corpinho e Ana dizia para ele:
- The father will leave.
Em vez de
olhar para mim, ao ser informado por Anne que ia embora, seus olhos fixaram-se
em Jeferre, aquilo me doeu mais uma vez...
Pai é o ser
que cria, reconhecia vendo-o abraçado ao Jeferre; para mim. era mais um golpe
do desenlace do que acontecera à Antônia.
Beijava seu
rostinho, quando ele se afastou zangado com meus fios de barba molestando-o...
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