Quando os escravos do
Guarda-Mor ficaram sabendo que Magdalena iria para Vila Rica, foi uma
choradeira geral.
- Sinhazinha nu pode largá nos! Escondidos,
rezavam para Senhora do Rosário e São Benedito, pedindo a eles para não deixar
Sinhazinha partir.
As orações não surtiram
efeito, os santos não sensibilizaram com os pedidos, ainda mais, contrariando o
futuro da Nhá...
No início do ano de l.846,
Magdalena partiu para Vila Rica, esperançosa de voltar quando clamasse aos seus
pais a saudade.
Na primeira carta escrita à
sua mãe, insinuava a saudade que sentia dela e de todos os entes queridos.
Revelava que a uma pessoa
em particular, somava as saudades que repartia.
Era difícil residir por 2
anos em Vila Rica ,
distante das pessoas por quem mais amava.
Queixosa, confessava
desesperança do sacrifício que fazia, longe de todos que amava; nem nas orações
encontrava o lenitivo para tanta tristeza; apesar das matérias escolares
tomarem todo o seu tempo.
Zombando de sua sina, dizia:
- Na mais importante cidade
de Minas, a mais triste das criaturas de Deus!
Os tios tentavam distraí-la
com visitas sociais às casas de pessoas amigas, e até nos sobrados onde havia
muitos rapazes.
- Não pense que é por minha
causa tanto desvelo, mãe!
A tia Cocota tem as filhas
para mostrar e casar e eu vou junta como mercadoria que ela expõe nas vitrines
das casas mais importantes daqui.
Fico magoada ao ser
apresentada como mercadoria à venda e sua atitude me vexa, ao contrário das
primas que já estão acostumadas com as atitudes casamenteiras da tia.
Com a proximidade das
festas religiosas da Semana Santa, ela aguardava ansiosa a cerimônia que,
naquele ano seriam realizadas em Antônio Dias , conforme revezamento que se faz
entre as paróquias: Pilar e Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias.
Na carta ressaltava a
diferença entre Catas Altas e Vila Rica; Aí o Sol sempre ardente com seus raios
luminosos, aqui o céu turvo com uma névoa sempre presente, tornando as manhãs
mais retardadas.
Para conhecimento da mãe,
detalhava o roteiro diário de suas obrigações e contava que, a princípio,
sentira dificuldades nos estudos, o que lhe valera notas baixas em determinadas
lições; agora mais ambientada, começara a receber elogios de suas mestras.
As cartas chegavam em Catas Altas com enorme
expectativa por parte da mãe, irmãs e das mucamas, dando notícias dela e da
cidade capital.
A tia e as primas faziam de
tudo para que ela não sentisse a falta dos pais e irmãos, pois as vezes
chorava, mesmo tentando esconder suas lágrimas.
Dona Rita Benedita lia e
relia por seu gosto e a pedido das mucamas.
Lendo-as, sentia remorsos
por tê-la enviado à Vila Rica a pretexto de educá-la, como fizera antes com
Maria Rita e Maria Raymunda, que pediram para serem enviadas ao colégio de Macaúbas
das Irmãs do Recolhimento.
Passados os primeiros meses
da ausência de Magdalena, dona Rita reclamava saudade da filha e da irmã
Cocota.
Capitão Thomé achou por bem
esperar pela entrada do Inverno, ocasião que as estradas ofereciam melhores
condições às tropas e cavaleiros.
Nunca a estação fria
custara tanto a chegar, os dias eram contados com as noites cada vez mais
longas, até que numa madrugada de junho, partiram contornando a Serra do
Caraça.
O sereno ainda caindo,
cobria a folhagem de um manto branco e a visão estava limitada pela serração
ofuscando os campos e a serra do Caraça. Cheiro de terra molhada e capim meloso
impregnando o ar, dona Rita aspirava-o como se alimentasse do jejum da manhã.
- Viajar, só de madrugada!
No piso de pedras da serra,
os animais escorregavam sobre o limo que o sereno dava vida e o capitão mandava
diminuir a marcha; ao lado esquerdo da estrada, a lagoa do Guarda-Mor, mais
negra do que os melros.
Muitas pessoas achavam que
o nome da lagoa provinha do capitão Thomé, ele explicava que deveria ser
homenagem ao Guarda-Mor Inocêncio, um dos primeiros de Catas Altas.
Nos fundos da lagoa, a
serra da Bateia e a direita, o contra-forte da serra do Caraça, por onde iam
margeando.
Subindo serras para galgar
a chapada onde se avistava a fazenda da Alegria, dona Rita já cansada pedia uma
parada para descansar daquela jornada cansativa.
Na fazenda da Alegria,
pararam a contragosto do capitão Thomé.
Dali a Nossa Senhora do
Nazaré do Inficionado, era um pulo, era o lugar que o Guarda-Mor queria parar,
pois lá iriam se hospedar durante a noite.
A fazenda onde o poeta Frei
José de Santa Rita Durão, nascera ficava a meio caminho de Ouro Preto.
Na manhã seguinte após 1
hora de marcha, chegaram a Bento Rodrigues, onde passaram sem apear e continuaram
até Camargos para almoçar.
Vila Rica estava perto, já
se avistava a povoação do Morro de Santana; cavalgando as margens do córrego
Canela, chegariam primeiro a Mariana, para depois de 2 léguas de subidas,
chegarem à Vila Rica.
No Caminho, curiosos
chegavam às janelas com o tropel dos animais ferrados, anunciando cavaleiros;
dona Rita com seu traje de montaria tinha o rosto vermelho protegido pelo
chapéu de abas largas.
A sede era grande e tiveram
que parar nas Águas Férreas para saciarem-se, tanto eles como os animais.
Pegaram o Caminho das Lages
para adentrarem em Vila
Rica.. .
O movimento de cavaleiros e
tropas enchia as ruas e eles desfilavam como se estivessem começando a jornada
naquele instante.
No sábado, o comércio regurgitava de gente e
dona Rita admirava do alto da sua montaria o burburinho da capital...
Exibindo seus novos vestidos, mãe e filha
impressionaram Cocota pelo bom gosto das costureiras, trajes de modelos vindo
da corte.
No domingo foram assistir a
missa das 9,00, na igreja de Santa Quitéria, conforme era chamada por parte da
população o templo erguido pela Ordem dos Irmãos Terceiros do Carmo, o mais
belo conjunto religioso de Vila Rica.
O nome da igreja ainda era
motivo de brigas entre as irmandades: Do Carmo e Santa Quitéria, pois as
primitivas construções naquela colina, eram dedicadas à santa que dava origem
ao monte, Santa Quitéria.
Entronadas no altar mor,
fosse qualquer delas, as imagens orgulhariam do seu templo, tal a beleza de sua
construção.
As esculturas em
pedra-sabão, os Atlantes do coro e a grade interior com talhas em madeira,
chamavam a atenção da menina de Catas Altas, apesar de acostumada com as
belezas da matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Os olhos de dona Rita e
Magdalena corriam admirandos os portais, especialmente o de acesso ao púlpito,
um em cada lado; as balaustradas, os painéis de azulejos da capela-mor, o
brilho dos altares laterais e as pinturas do genial Ataíde.
- Que pena!
Nossa Senhora da Conceição
de Catas Altas, ainda inacabada e a de Nossa Senhora do Carmo brilhando com
todo aquele esplendor de acabamento!
Enquanto as visitas
admiravam as belezas da igreja, tia Cocota exibindo as filhas e sua sobrinha,
abria-se em sorrisos para os moços que em alas, aguardavam em pé o início da
missa.
Aquela missa tornara comum
nos domingos para os estudantes; pois as moças casadoiras freqüentavam-na no
horário que permitia dormirem até mais tarde...
Sentindo os olhos curiosos
dos estudantes, Cocota falou baixinho:
- Suspenda a cabeça e anda
como se pisassem em ovos, olhando para o altar mor.
Magdalena seguia os passos
da tia e da mãe, o rubor de sua face, contrastava com a palidez das moças de
Vila Rica, ela estava ainda mais bela, com o ruge natural do Sol de Catas
Altas.
Ao terminar a missa, Cocota
avisou que as meninas esperassem no banco e deu as seguintes instruções:
- Vocês não podem deixar de
corresponder aos cumprimentos dos estudantes; não é necessário falar, basta
oscilar ligeiramente a cabeça, como é de bom tom...
- Meu pai não quer que eu
me exponha tia!
Razão porque estou longe de Catas Altas...
- Não é o que você pensa
minha filha!
Seus pais mandaram você
para cá, exatamente para arranjar um bom partido...
- Oh tia! Parece até que a
senhora não me conhece; eu já tenho o meu bom partido...
Ele não é como esses
bibelôs metidos a doutores, mas um homem de verdade, bastante corajoso para
dizer o que quer e deve sem fazer gracejos como ouvimos desde que saímos de
casa...
A tia desviou de assunto ao
sentir a personalidade da sobrinha; ela sabia o que queria e não seria fácil
fazê-la esquecer o namorado inglês.
De volta para casa, as
primas perguntaram:
- Você viu algum estudante
de seu agrado?
-Não prima, eu vim para
Vila Rica em busca de melhor educação, não para procurar partido...
Com respostas como àquela,
Magdalena foi se fechando por trás de uma armadura que passara a usar; quanto
mais obstinada ao seu amor contrariado, mais se tornava alvo do interesse dos
rapazes de Vila Rica.
Alguns a achavam pedante,
outros, “snobe“ como uma dama inglesa, o que ela exultava em vez de ficar
ofendida, pois viera para se educar para ser esposa de um inglês...
Com o assedio, conseguiu
que os rapazes se aproximassem das primas, que tinham os corações abertos para
o amor.
A admiração por ela acabou
resvalando, o que a deixava livre e feliz...
Depois de certo tempo, os
jovens ficaram sabendo a causa da indiferença de Magdalena ao assédio.
- Ela não era trouxa de
trocar um minerador, por um balconista lusitano; aquele mexia com ouro, os de
cá com o bacalhau português.
Aquele comentário maldoso
chegou aos ouvidos de Magdalena e ela fechou-se ainda mais por trás da máscara
de moça comprometida.
Aos jovens educados à quem
era apresentada, ela se mostrava afável, quando partia deles alguma insinuação
de simpatia, ela podava os sentimentos dizendo naturalmente:
- Tenho um moço parecido
com o senhor a minha espera em Gongo-Soco...
A vinda de Magdalena para
Vila Rica, trouxe às primas um maior convívio social e liberdade, pois a tia
confiava nela, ainda mais sabendo que da parte dela, não permitiria liberdade,
principalmente dos estudantes.
Não era necessário vigiar a
sobrinha e seu exemplo de conduta, serviria de espelho para suas primas.
As meninas da Cocota
sentiam-se mais livres e começaram a freqüentar os salões das casas juntamente
com Magdalena.
Rita Maria e Maria Rita, em
pouco tempo arranjaram namorados e os pais para vigiá-las melhor, convidava os
moços para as tardes do fim de semana.
A mais velha, a Rita estava
aprendendo piano e já dedilhava o teclado com valsas bem executadas, atraindo
moços que a acompanhava com instrumentos de cordas.
Magdalena se sentia feliz
no ambiente alegre da casa da tia e os saraus se repetiam em quase todos os
sábados da semana.
Seis meses depois da
chegada de Magdalena, Rita Maria ficara noiva e provocou uma nova ocupação das
meninas.
Execução do enxoval para o
próximo casamento.
Os estudos e trabalhos
enchiam as horas do dia; o tempo passava rápido com Cocota as filhas e
Magdalena sentadas na varanda da casa.
A tia participava como se
fosse também mocinha da conversa entre elas.
Cocota já comentava que
Magdalena viera trazer o pé de coelho para sua casa.
Nos saraus, as salas se
enchiam e Magdalena descompromissada passara a dar atenção a todos que
participavam das tertúlias.
Para cada um dos
visitantes, ela tinha uma maneira especial para reservar 3 minutos de uma
conversa interessante; conhecia por informações da tia, as famílias dos rapazes
e das visitas assíduas.
Maria Rita a outra prima,
também já namorava firme e esperava o pedido de noivado; com isto, as honras da
casa eram divididas por ela e a tia.
Controlando sabiamente os serviçais,
fazendo-os circularem com as bandejas, era tida por muitos, como filha de dona
Cocota.
Com sua disponibilidade,
apresentava os desconhecidos nas rodas dos amigos; afagava o ego das pessoas
mais velhas e adoçava a boca dos mais jovens com sua preocupação para que eles
se sentissem bem.
Agora não só os moços a
desejavam, também os velhos com filhos para casar, queriam a menina como nora,
tal a desenvoltura como atendia e tratava a todos.
O professor da Escola de
Farmácia, Dr. Manuel José Cabral, não cansava de apresentá-la aos seus alunos,
dizendo:
- Esta meu filho, é ouro em pó.
Bonita, como ela só.
Herdeira, do Guarda-Mor!
O professor já conhecia
Magdalena desde Catas Altas, quando visitara o amigo Dr. Moreira.
Passando as mãos nos cabelos
dela brincava:
- Que pena, eu ter nascido
ha 70 anos atrás!
Você sabe filha, que
conheço o seu pai e o Moreira desde quando éramos rapazes?
Para alegria de Magdalena,
sua mãe como prometera, veio para o noivado da prima, o pai acompanhava a mãe,
pois estava envolvido como delegado dos Círculos Literários que o presidente da
Província realizava anualmente.
Capitão Thomé representava
Catas Altas e Santo Antônio do Rio Abaixo, esta última preste a desmembrar da
cidade de Nossa Senhora da Rainha de Caeté.
As reuniões estavam sendo
realizadas na antiga Casa do Ouvidor, próxima
do Colégio onde estudava Magdalena.
Foram dias agradáveis,
tanto para Magdalena como para os pais.
Eles sentiram que Magdalena
parecia mais mulher nos trajes citadinos, mais maquiada e arrumada dos últimos
tempos em Catas Altas.
Cocota elogiava a sobrinha
e revelava o sucesso dela nas rodas dos moços de Vila Rica.
A mãe quis saber se ela
manifestara interesse por algum em particular.
- Não, foi a resposta da
Cocota.
Também não houve tempo para
que ela esquecesse o inglês!
Dona Rita meditava se o
afastamento de Magdalena bastaria para fazê-la esquecer o inglês.
A filha chegara a confessar
que assistindo as aulas naqueles dias, tinha a vontade de fugir para se
encontrar com a mãe, tanto era o prazer de curtir sua presença em Vila Rica.
Edward através de Zaga
ficara sabendo que os pais de Magdalena foram visitá-la e era a oportunidade
que ele teria para se encontrar com as mucamas da casa do Capitão Thomé.
Ele queria não só saber das
notícias da namorada, como também poderia comunicar-se com ela.
A negrinha inteligente e
viva, ao ver o inglês, disse encabulada:
- Ah meu Deus, é ocê sô Dú!
Qui pena, Nhá não tá cá!
- Eu sei Miss Miúda, que
ela está Vila Rica...
Falando devagar para a
negrinha entender, pediu para que ela desse o endereço de sua Nhá.
- Ou sô Dú, eu não sei, mas
Nhá Theodora pode falá prancê...
Oia, se ancê iscrivinha
pr’ela, tem qui sê pru mãos dos’outos...
- Como assim?
- Ancê vai inté a casa de
Nhá Theodora e pede pr’ela juntá carta de mecê com dela...
- Você quer dizer que, se
eu mandar uma carta direta assinada com meu nome, ela não receberá?
- Isto Nhô Dú, ancê
intendeu e a minina nu sabe qui a tia Cocota tá coiteira.
Edward procurou Maria
Theodora, que se dispôs a ajudá-lo da seguinte maneira:
O texto da missiva teria a
primeira e a última página da carta, escrita por ela Theodora, carta de amigas;
as demais do miolo, Eduardo preencheria com o seu cunho pessoal.
A carta resposta seria
enviada a ela da mesma forma, com dois textos, um para Theodora, outra para ele
Eduardo.
Foi com esta artimanha que
os dois passaram a se corresponder por longo tempo, mostrando Magdalena a tia
Cocota a carta que Maria Theodora enviava, excluindo as folhas intermediárias
do namorado.
A tia achava natural o
volume da correspondência que ia e vinha de Catas Altas, lia toda a missiva da
Theodora, bem como as respostas de Magdalena.
A primeira que veio parar
nas mãos de Magdalena, ela não sabia da combinação entre a amiga e o namorado.
Ao passar as folhas,
encontrou a letra diferente e notou com surpresa que era de Edward.
O coração começou a bater
acelerado como se tivesse tomado um choque.
Dissimulada, afastou-se da
sala onde abrira a carta e foi para seu quarto ler o que mais interessava, na
intimidade.
Ela tremia e com o coração
disparado, não conseguia ler o que Edward escrevera, exclusivamente para ela.
Pálida, trêmula e com a
vista obscurecida, ela teve receio de cair e sentou-se sobre sua cama.
Ela necessitava de se
acalmar para poder ler a carta; tornou a levantar e aproximou-se da janela para
respirar.
A névoa que cobrira sua
visão foi clareando e ela insistindo com os olhos bem abertos, leu:
“- My
darling,
This day is a great day for us!
I think this place is my place.
.....................................................
.....................................................
Não adiantava continuar a ler o que ele havia
escrito em inglês e saltou todo o trecho lendo abaixo, a versão em português:
Minha declaração não é somente de saudade, é
também de profundo amor acumulado com o tempo da sua ausência.
Perdoa-me pela ousadia de
escrevê-la da maneira astuciosa que Theodora engendrou, mas sei que é a única
forma de fazer chegar até você as minhas palavras.
Da mesma maneira, estou aguardando
a sua resposta e me escreva dizendo se devo ou não alongar minhas cartas,
temeroso como estou de avolumar a correspondência e ela chamar a atenção de
quem não deve...
Estou pensando em visitá-la aí em Vila Rica , quando
ocorrer dias seguidos de feriados e dias santificados; preciso da sua autorização e a marca para encetá-la...
Não me esqueça, estarei eternamente
junto de você.
Seu muito seu,
Edward Hosken
Comovida e com os olhos
molhados, levou a carta junto ao coração, seu corpo tremia; no seu quarto,
permaneceu lendo e relendo aquelas folhas que ele tocara e grafara palavras tão
ao seu gosto.
No papel de carta impresso
na Inglaterra, imagens campestres da vida rural inglesa e o perfume impregnado
dando cunho pessoal de quem a escreveu...
Ao ser chamada para o
almoço, a tia notou sua palidez e o silêncio que ela guardava.
- Notícias más, minha
filha!
- Não, tia!
Pelo contrário, recebi uma
carta da Theodora, cheia de lembranças e novidades, o que me fez até chorar; eu
quero que a senhora leia.
Retirando a carta do
porta-seio entregou-a para que a tia lesse.
- Você deveria estar
alegre, entretanto chora minha filha!
- É saudade tia, muita
saudade...
Magdalena não completou a
frase que traduzia sua magoa e teve que sair da mesa em prantos.
Compreensiva e tomada de
pena, a tia e as primas seguiram os passos de Magdalena, tentando acalmá-la.
- Chora meu bem!
Não tenha vergonha, nós
compreendemos a sua dor...
Ela que deveria estar
radiante pela carta recebida, fora atingida e seu coração sangrava.
Sofrendo a mais gostosa das
dores, ela lembrava das últimas palavras que ele escrevera:
“Não me esqueças estarei
eternamente junto de você..."
Da carta o que mais marcara
foi a sua indagação, perguntando quando poderia vir à Vila Rica; era felicidade
demais para ela...
Na resposta ela marcaria a
data de 1 e 2 de novembro para o encontro, entremeando os feriados com o fim da
semana.
Apesar de ainda distantes
eram os únicos dias que dariam a Edward, três folgas consecutivas.
As cartas trocadas viajavam
de l5 em l5 dias, alternadamente, através do
“courier “ que a Mineradora mantinha entre Gongo Soco e Vila Rica,
passando pela região de Catas Altas, onde a Imperial Brazilian Mining Association,
estava pesquisando formações de jazidas.
Magdalena mostrava as
escondidas às cartas do inglês, pedindo sigilo absoluto; elas não entendiam
como conseguia traduzi-las, já que estavam escritas na língua dele.
Mistério que perdurou por
muito tempo, pois a prima não quis contar que vinha anexa, uma versão
portuguesa.
Foi pelo interesse de
aprender o inglês, que ela ia introduzindo nas cartas enviadas a ele, palavras
e frases que ele mesmo tinha utilizado e remetidas a ela.
Assimilação que ia dando
certo e Edward entusiasmado com o progresso da namorada.
Quando ela errava, na
resposta vinham as retificações e explicações, para que ela não nos incidisse
mesmos erros.
Ela gastava tempo para
associar nas suas cartas, as mesmas palavras e frases que ele usava, mas era
inteiramente seguro e gostoso dizer coisas que só ela sabia o que significava.
Algumas ficavam sem nexo,
porém os verbos davam sentido no que ela desejava exprimir amorosamente; o
dicionário que ele mandara de presente era usado e abusado.
Frase que Magdalena sempre repetia:
“- My love, have me darling!!! “
Os encontros dos dois em Vila Rica foram pautados
de riscos, correrias e apreensões, porém cheios de aventuras, como são as
coisas proibidas.
Nos encontros, deixaram
selado o pacto de se casarem, fossem quais fossem as resoluções paternas.
A barreira da incompreensão
do pai, não obstaria a avalanche do querer de ambos...
O instinto materno indicava
que as filhas e Magdalena escondiam algum segredo; por que a sobrinha se
trancava com as primas no quarto?
O desprezo pela corte dos
moços estudantes de Vila Rica devia ter uma razão...
Quando as meninas estavam
juntas, repentinamente interrompiam a conversa e dissimuladamente mudavam de
assunto; elas deviam estar escondendo coisas.
O esmero de Magdalena na
maquiagem na véspera de Todos os Santos chamara a atenção da tia.
Não era sem motivo, pensava
dona Cocota; ela passou a vigiar com mais atenção os movimentos da sobrinha e
ficava alerta à conversa das três...
No dia 3l de outubro,
Cocota descobriu o que pressentia.
Magdalena correspondia com
o inglês através de cartas que vinham de Catas Altas da amiga Maria Theodora,
ela era a intermediária entre eles.
A princípio, não queria
acreditar que pudesse estar nas cartas de Maria Theodora os segredinhos de
Magdalena; foi por descuido da sobrinha deixando uma carta na gaveta do seu
criado, que a tia Cocota descobriu a artimanha.
Como responsável pela
sobrinha em sua casa, pensava que atitude tomar naquela circunstância.
Antes de falar com
Magdalena, teve uma conversa particular com as filhas e elas não tiveram como
esconder a cumplicidade.
- Que fazer?
Como guardiã da sobrinha e
investida da autoridade, teria que tomar uma providência:
Procuraria o vigário do
Pilar para conciliar-se com ele, antes de abordar à sobrinha, pois sabia que,
qualquer atitude precipitada, poderia por as coisas a perder entre ela e a
sobrinha e até com os pais de Magdalena.
A experiência do velho
padre aconselhava a deixar as coisas como estavam, pois a oposição quanto
maior, mais atiçava os namorados...
De mais a mais, o moço
morava distante de Vila Rica, não podendo vê-la, daí, porquê se alarmar com o
caso em banho-maria?
A primeira coisa que ela
Cocota deveria fazer era mostrar a sobrinha que
sabia de todo o engodo, não devendo continuar com a farsa.
Dali para frente, se a
sobrinha quisesse continuar com as cartas, deveria enviá-las diretamente ao
namorado e vice-versa, evitando intermediação de terceiros entre eles.
Aliviada com os sábios
conselhos recebidos do padre, Cocota teve uma conversa aberta com a sobrinha.
Magdalena a princípio
envergonhada pediu desculpas a tia e se abriu inteiramente aos segredos do seu
amor com Eduardo.
Com a atitude prudente da
tia, tornou-se conselheira da menina.
A correspondência em inglês
poderia ser cancelada, pois não havia mais razão do assim proceder; entretanto,
Magdalena continuou escrevendo o máximo que podia na língua dele, para aprendê-la.
A ultima carta recebida
antes do encontro marcado em
Vila Rica , estava toda escrita em inglês, para que Magdalena
fizesse por esforço próprio, sua tradução.
Maneira de forçá-la ao
convívio da língua inglesa.
No fim de 1.846, os pais
ainda não haviam definido se a filha Magdalena passaria as férias em Catas Altas , ou
ficaria em Vila Rica.
Uma carta consulta enviada
a Cocota, indagava se as férias de Magdalena em sua terra poderiam trazer
transtornos ao seu estudo...
Com uma resposta favorável,
dizendo que seria até um prêmio à menina, ao seu esforço e comportamento,
Cocota ainda acrescentara:
- Magdalena é uma mulher já
feita, ela sabe o que deve ou não fazer, àquelas palavras não era só dela, pois
consultara o vigário do Pilar quanto à maneira de tratar a sobrinha nos seus
envolvimentos amorosos.
Ele o padre fora taxativo
em suas palavras:
“-Quanto maior a oposição
dos pais aos amores dos filhos, tanto maior a resistência, se não houver
comedimento e uma razão plausível para impedi-los".
Nada melhor, para esquecer no
coração, à distância dos olhos...
A carta de Cocota deixou os
pais tranqüilos e a autorização seguiu para Vila Rica.
Com a programação de suas
férias definidas, Magdalena escreveu para Edward, dando as coordenas para os
futuros encontros no período que permanecesse em sua terra.
A prima Rita Maria faria
companhia a ela em Catas
Altas , pois a outra prima estava envolvida com o enxoval que
deveria estar pronto para o casamento em fevereiro, antes da quaresma.
O fim do ano letivo fora
festivo com a formatura de Maria Rita, a primeira da família a se tornar
normalista; Magdalena participou ativamente dos festejos, principalmente do
baile das formadas.
Nos últimos dias de
Novembro, junto com a tropa do português: Martinho Martins Lourenço, o
Guarda-Mor Thomé enviou dois animais de sela e dois burros de carga para
trazerem as meninas e suas bagagens.
Junto, seguia o escravo
Sebastião sob as ordens do Sô Martinho, arrieiro acostumado a enfrentar os
caminhos entre Catas Altas e Vila Rica.
Não podendo sair de Catas
Altas naqueles dias, autorizava por escrito a entrega das meninas aos cuidados
do senhor Martinho, comerciante de tropas e amigo, que fazia aquela viagem
constantemente.
O velho lusitano na volta
procurava não forçar a marcha, poupando as meninas dos incômodos sacolejos dos
animais ao galope.
O trecho forçando a marcha
poderia ser feito num dia, mas acompanhando os tropeiros, teriam que pernoitar
em Infeccionada, dividindo a viagem pelo meio.
Na fazenda de Santa Rita de
propriedade do Capitão Manuel Pedro Cotta, parente, amigo e açoriano como ele,
pois nascera em Santa
Bárbara das Nove Ribeiras, pernoitariam, ficando sô Martinho
e as meninas na comodidade do casarão e os tropeiros no rancho da fazenda.
As meninas não queriam
dividir a viagem, sô Martinho sabia que elas não agüentariam uma marcha picada
naquelas subidas e descidas pelos morros e serras até Catas Altas.
Capitão Pedro Cotta
fazendeiro com grandes propriedades de terras na região da serra da Alegria
alojava todas as tropas que passavam a caminho de Vila Rica em seu rancho.
Sendo ele familiar da sua esposa, dona Anna
Joaquina Teixeira Penna, era o local mais adequado para se alojar com as
meninas que estavam sob sua responsabilidade.
Apesar de mocinhas,
Magdalena e Rita Maria já conheciam o capitão há muitos anos, pois Santa Rita
Durão, onde ficavam as terras do capitão, eram vizinhas e caminho entre Catas
Altas e Vila Rica.
Região alta e de vez em
quando avistavam a serra do Caraça vista do lado Sul, a serração ia subindo e
deixando as partes mais altas cobertas por ela.
Com demonstração de
alegria, Magdalena perguntou:
- Sô Martinho, é a serra do
Caraça?
- E ela mesma, filha!
As terras do nosso irmão
Lourenço, deste lado, são tão belas como é vista em Catas Altas.
- O senhor conheceu o irmão
Lourenço?
- Claro, minha filha!
Além de vizinhos, patrícios
e amigos, somos por parte de nossos pais, também parentes; o Lourenço dele é o
mesmo do meu pai.
Minhas tropas abastecem o
Colégio dos meninos há bastante tempo.
Ver anexo
nº 10.
O irmão, segundo me
contaram, pertencia a família de Antônio Pereira, parente de Voz mecê por parte
da Vossa mãe; também parente dos 2 lados do casal, Dr. Manoel Moreira de
Figueiredo Vasconcelos e sua dona.
- Engraçado, sô Martinho!
Pelo visto, somos todos
parentes em Catas Altas ?
- Claro!
Somos todos portugueses,
uns com mais, outros com menos pelos e pecados debaixo do sovaco, é o caso do
irmão Lourenço, fugindo do Marquês de Pombal e outros como o degas aqui,
deixando de assinar o sobrenome Ayres.
-Uai! Então o senhor não é
Martins Lourenço?
- Sou, de certos tempos
para cá, desde que o moço Francisco Jorge Ayres, assassinou o nosso parente em
comum, Manoel Godinho Pereira na cidade de Coimbra por volta de 1.720; aquilo
foi uma vergonha danada...
O vexame da sua cabeça
espetada a praça de São Bartolomeu nos obrigou a trocar o sobrenome, não
bastasse o que fez o Francisco Jorge; depois na Conjuração Mineira, foi a vez
do Coronel do Regimento da Cavalaria, o José Ayres Gomes, condenado ao degredo
perpétuo em Inhambane, sul de Moçambique na África.
Como “Voz mecês" estão
percebendo, os filhos de Adão ainda continuam fazendo besteiras sujando o nome
dos pais!
- Mas, sô Martinho, o
coronel Ayres Gomes foi um herói da Inconfidência!
- Hoje, minha filha!
Voz mecês não imaginam o
que ele e seus familiares sofreram por ocasião da Devassa e continuaram
sofrendo depois com o degredo...”
Por estas e por outras,
registro os meus filhos com nomes diferentes, para que um não venha a sujar o
nome do outro.
- Mas, sô Martinho!
Como o senhor vai conservar
a identidade dos seus filhos para a posteridade?
- Que se perca a identidade
minha filha, mas que mantenham a cabeça sobre o pescoço!
Magdalena sabia que muita
gente como sô Martinho, fazia o mesmo registrando os filhos com sobrenomes
diferentes, principalmente logo depois da Inconfidência Mineira.
Para eles, que se danassem
os genealogistas juntando retalhos, contanto que preservassem a vida dos
filhos.
- Sô Martinho, o senhor
nasceu no Brasil?
- Não, minha filha!
Esta é uma história tão
grande como esta serra por onde cavalgamos!
- Como assim, sô Martinho?
Tirando o chapéu de palha
que cobria sua cabeça, colocou-o sobre o colo, e com uma cara de quem não
gostara do assunto, disse:
- Sou português sem ter
nascido em Portugal, sou europeu sem ter nascido no continente europeu, nasci
ao largo do continente africano, sem ser natural da África.
- Isto é uma charada ou
brincadeira do senhor?
- É quase uma charada
menina!
Meu nome vem de ( Mar ) e
de ( Tina ou tinna ) onde se lava, daí a origem do meu nome, MARTINHO...
-Uai!
- Então, de onde o senhor
é?
- Sou do arquipélago dos
Açores, num lugar chamado Alto dos Aires do Vale das Pedras, freguesia de São
Thiago, bispado de Funchal.
De onde nasci avista-se todo o belo litoral
formado de inúmeras ilhotas.
- Como o senhor, ou seus
pais foram parar lá?
- Ah, menina! São histórias
que a vida nos prega e tentamos esquecer...
O Sol já ia a pino, quando
a serra surgiu bem a vista.
A tropa acelerava a marcha
e os animais empinavam as orelhas tentando
ouvir os sons familiares e resfolegando o olor do capim cheiroso.
Qualquer cavaleiro, mesmo o
que não conhecesse Catas Altas, perceberia que estava aproximando-se do seu
destino.
Magdalena apontando para a
direita mostrou para Rita Maria o casario de sua terra, os animais não mais
respeitavam as rédeas.
Os tropeiros começaram a
blasfemar como se os gritos fizessem pará-los.
As duas meninas faziam
ouvidos moucos aos impropérios ditos por eles, o que não conseguiam era afastar
o bodum tresandando da tropa e dos guias.
Molhados de suor os homens
corriam e tanto mais avançavam tentando conter a corrida dos animais mais acelerava
em disparada os burros e as mulas.
O velho Martinho, zangado
com o galopar maluco, teve que passar à frente dos arrieiros para conter a
madrinha em disparada.
As meninas faziam o que
podiam, para se manterem em cima, já que os freios elas haviam perdido para
segurarem na cabeça do selim.
Sem reclamarem, pareciam
verdadeiras amazonas, equilibrando-se sobre os selins e mantendo os calçados
entre o louro, desprezando os estribos soltos e saltitantes.
- As meninas estão de
parabéns, tive medo de vê-las jogadas ao chão!
Cavalgar com as pernas
abertas sobre o arreio, ajuda a se firmar, é o caso dos cavaleiros, mas nestes
selotes, não é fácil às damas!
Sob os chapéus de abas
largas, os rostos assustados e vermelhos denotavam mais saúde que cansaço.
Martinho mandou que o
tropeiro Tião tocasse o cargueiro com a bagagem das meninas para frente,
juntando-se aos animais delas ao dele.
O resto da tropa fosse
direto para o sobrado dos Martins.
Pessoalmente teria que
entregar as meninas ao seu destino.
Foi com grande dificuldade
que elas conseguiram se livrar do lombo de suas montarias; Sô Martinho cruzou
os dedos das duas mãos para que Maria Rita apoiasse sobre eles.
A mocinha pendeu para o
lado segurando a cabeça do selim e apoiando o pé esquerdo sobre as mãos do
português; as mantas e o arreio escorregaram sobre o pelo suado e escorregadio
do animal e ela veio com seu peso sobre os ombros do velho.
- Aí, Jesus!
Que carga perigosa e
pesada...
Magdalena mais acostumada
descia sozinha, quando Miúda surgiu no portão ao lado.
- É Nhá, é Nhá chegando
gentes!
Qui bão, ela chegô!
- Ancê é Nhá Maria Rita?
- Não, sou a Rita Maria...
Tudo é Rita Nhá, qui bão
q’ancê também veio!
Rita ainda ria de sua
trapalhada sobre o corpo do português, quando a prima perguntou:
Que foi prima?
Meu pé agarrou no estribo e
forçando para desgarrá-lo, o arreio deslizou sobre o pelo e me jogou sobre os
braços de sô Martinho.
Antes no braço do velho,
que no chão duro minha filha!
Dona Rita veio receber as
meninas, as duas de costas aos seus olhos não definiam qual delas era a filha;
aquela roupa de montaria quase igual e com os chapéus não permitia
reconhecê-las, apesar de uma delas ter saído do seu ventre.
- Aqui estamos senhora dona
Rita, seus tesouros tais como recebi em Vila Rica !
Velho como sou, nunca vi
tanta ternura em raparigas tão moiçolas...
- É bondade do senhor, sô
Martinho!
- Pois, pois, dona Rita é
com pena que passo à Voz mercê tão ricas jóias!
- Vamos entrar e tomar um
café com as meninas...
Oh! Com que prazer tomaria vosso café dona Rita!
Os tropeiros estão a me
esperar e as meninas estão como eu, cansadas.
Prometo vir aqui beber o
café da senhora quando minha Donana estiver com este gajo!
As meninas achavam graça na
pronuncia carregada do português, ele por ter vindo já velho, nunca
pronunciaria a língua como os brasileiros...
Despedindo-se, sô Martinho
montou em seu animal e partiu para casa, deixando uma algazarra que aumentava à
medida que iam chegando os vizinhos do Guarda-Mor.
Apoiadas em Miúda e Nhana,
elas mal podiam andar; os pés e as pernas beliscavam com cãibras, não
permitindo estirar os músculos doloridos.
O sobrado recendia a flor
de laranjeira, Magdalena sentindo o perfume disse:
- Como é bom voltar ao lar!
Lembrando que estava junto
da prima, consertou as palavras, dizendo:
Eu sentia a mesma coisa
quando retornava a sua casa, depois de muito tempo.
No quarto preparado para as
duas meninas, as camas de Jacarandá torneadas, com guarnições para os
acortinados, estavam arrumadas e a cortina aberta só de um lado, caindo em ângulo
com a base aberta para o chão.
Numa das camas, as peças
com monogramas bordados: “M. M. M. C."
Na cômoda do toalete, por
cima do mármore, jarros de louça inglesa, estojos e porta-retratos.
Delicadamente, dona Rita
mandara colocar um porta-retratos com fotos das duas primas ainda crianças.
Rita Maria pegou o retrato,
olhou e perguntou:
- Onde foi tirado?
- Na porta da sua casa em Vila Rica.. .
Como tudo está tão
diferente!
Nem eu mesma saberia dizer
quem eram as meninas!
- O banho está preparado,
avisava dona Rita para a sobrinha, quer ajuda da Miúda?
Não, não é necessário tia!
Eu não tenho estas regalias
em minha casa; mucama como Miúda, só aqui em Catas Altas.
Para a fazenda da Santana
de propriedade do Guarda-Mor, dona Rita mandou recado para o capitão Tomé
informando que a filha e sobrinha tinham chegado.
Magdalena sentiu no abraço
do pai, a força de sua musculatura e da saudade, coisa rara entre os antigos ao
exteriorizarem seus sentimentos.
- Aí, pai, meu braço dói!
- Que foi?
- Cãibras...
- Nhana! gritou ele; traga
compressas quentes para aliviar a dor de Magdalena...
Ao chegar o jarro com a
água fervendo ele enfiou o pano para encharcá-lo e depois envolvê-lo na filha.
- Isto é coisa de mulher,
Thomé!
Deixa que eu cuide dela...
Mãe e filha entraram para o
quarto e o pai ficou do lado de fora, fazendo mil perguntas.
- Ou, Thomé!
Deixe a menina restabelecer
e tomar seu banho, depois, pergunte o que quiser!
O Guarda-Mor não era de
atender pedidos, mas naquele momento ele via que a esposa tinha razão.
Indo a caminho da cozinha,
deu ordens para que levassem pitadas de sal para as meninas chuparem para acalentar as
cãibras.
Santo remédio, como
recomendava Dr. Moreira...
Terminado o banho, as malas
já estavam desfeitas e as roupas separadas no armário ou recolhidas no cesto
para que fossem lavadas.
Nhana e Miúda esvaziavam a
banheira de madeira, curiosas para ouvirem as novidades das sinhazinhas.
O tempo passara rápido e
coisas para contar, inúmeras.
Tarde da noite, Magdalena
pode abrir os presentes para os pais, amigas e mucamas.
A mesa grande da sala de
jantar estava coberta de despojos dos embrulhos; abertos pela mãe ao ganhar o
seu terço bento pelo bispo de Mariana e o echarpe.
Para o pai, uma bolsa e um
chicote com o cabo incrustado em prata.
As mucamas mostravam os tercinhos e santinhos comprados no comércio de Mariana.
Maria Theodora ganhou um
missal pequeno e um santinho do anjo São Gabriel, onde por trás, Magdalena
escreveu:
“Ao meu anjo da guarda,
sempre fiel e amigo, este missal de
recordação...“
Em baixo da dedicatória
escrevera:
Maria Magdalena Mendes Campello, (por
enquanto) ...
Dentro, a imagem de São
Gabriel com as asas abertas e numa montagem do estúdio fotográfico, o rosto da
Maria Theodora ainda menina.
Ao ver o presente e o
significado dele, a amiga não se conteve de emoção.
Abraçadas e chorando, não
deram aos presentes a razão das lágrimas em vez de sorrisos...
Entre si, sabiam porque
choravam; passada a emoção, Maria Theodora queria saber como conseguira o seu
retratinho.
- Num estúdio de
fotografias de Vila Rica, onde achei por acaso, procurando fotos de recordações
desta minha terra.
O que ela omitiu, foi que
entre as fotografias do estúdio, encontrara o que mais interessava, o retrato
de Edward.
Como foi bom o adormecer
daquele dia, estando em seu quarto, sua cama e junto das pessoas que ela mais
amava: Os pais, irmãos e mucamas que ajudaram sua mãe a cria-la.
Tal como na casa ao chegar,
a roupa de cama estava impregnada do perfume de laranjeira.
O sono veio fácil, apesar
de ainda ouvirem vozes na sala e ela dormira rezando a Ave-Maria do terço que
segurava.
A mãe apagando o candeeiro,
saiu com as mucamas segurando um outro, que ia tremulante fazendo sombras
bizarras nas paredes e nos tetos por onde caminhavam.
Catas Altas dormia sonolenta, refazendo dos tempos agitados da
cata do ouro...
Na sala, o relógio de coluna batia compassado,
mais rápido do que o ressonar das meninas nos seus sonhos coloridos.
Os segundos do tic-tac,
tic-tac, ressoavam a cada movimento do pêndulo indo e voltando.
Naquele dia a sombra da
noite fora mais curta, Catas Altas acordava ensolarada ao som dos sinos de
Nossa Senhora da Conceição anunciando as badaladas das “Ave-Marias”
Libertas dos compromissos
diários com os estudos, as mocinhas viajantes dormiram até mais tarde, no
terceiro dia de férias...
Ao despertarem, achavam que
ainda era cedo, pois na casa ninguém ousava falar mais alto ou provocar um
barulho despertador.
Como era diferente o
acordar entre Vila Rica e Catas Altas!
Lá, o barulho das tropas e
dos transeuntes pela calçada, ali o dorminhoco dia despertando sem nenhuma
pressa...
Depois da primeira refeição
da manhã, caminharam pelo quintal escolhendo frutas e Miúda carregando-as para
as sinhazinhas.
Livre das pessoas com quem
não podiam se abrir, Magdalena perguntou para Miúda:
- Você tem notícias de
Edward, Miúda?
- Sim Nhá, o godeme da
pusada falô pr’eu, qui sô Dú tem vindo acá e preguntado p’rancê...
- Miúda, logo que você
tiver um tempinho, vá ao Hotel do Bull e diga a ele que cheguei e ficarei aqui
até a festa dos Reis Magos; Magos e não magros, ouviu?
Entendeu o que eu disse?
Repete para não esquecer...
- Nhá manda falá pr’ele qui
ancê tá aqui, inté festa de Reis Magos; e não magros, ouviu?
- Presta atenção Miúda!
Estarei aqui até a festa de
Reis Magos...
- Ah! Reis Magos...
- Isto Miúda, vai repetindo
para não esquecer:
Até a festa de Reis
Magos...
Saindo pelos fundos, Miúda
foi ao Hotel do inglês para deixar o recado.
Visitando amigas da rua,
fazendas e sítios, a primeira semana de férias voava, apesar da falta de
noticias do Edward.
Sábado pela manhã, Zaga
através de Maria Theodora, avisara que Edward tinha chegado e ia se encontrar
com ela no pomar da pousada do Bull.
Como chegaram bem tarde da
noite, poucas pessoas sabiam da estadia dele Edward no Hotel.
Sem sair do quarto, ficara
prisioneiro voluntário do silêncio que deveria fazer em quanto durasse sua
estadia em Catas Altas.
Aquilo para um inglês era
humilhante, mas pagava a pena sofrer, tendo em vista o contato que teria com a
namorada.
Bull para completar a
cumplicidade com seu patrício, mandara esconder os animais do inglês num pasto
retirado da vila.
Magdalena, Rita Maria e
Theodora, estavam saindo para passear todas as manhãs, de maneira que,
desgarrando das companheiras ninguém poderia dar por conta da sua fugida para
se encontrar com Edward.
Foram poucas horas de
envolvimento, porém jamais esquecidos pelos dois namorados no pomar do Bull.
O ambiente, a paz dos dois
e os pássaros deram a eles tudo que pediam naquele encontro tão diferente.
Debaixo de uma mangueira,
marcaram o casamento para 8 de dezembro de l.848, com ou sem a autorização do
pai de Magdalena.
Ela já teria terminado o
curso e na época já maior de idade.
Quanto ao enxoval, ele
Edward providenciaria se não recebessem a autorização.
Edward observando Magdalena
notara quanto mais se tornara mulher naquelas vestes metropolitanas, de talhe
com cintura alta e saia solta.
Os seios presos pelo
espartilho, aumentavam a graça do colete, mostrando o esplendor do manequim.
- Não me olhe assim,
Eduardo!
- Como queres que eu a
olhe?
- Discretamente, como me
olhavas outrora!
- Como posso olhar como
antes, se a saudade aumentou e não agüento sufocá-la?
Os olhos verdes do inglês,
fixos nos de Magdalena, devoravam a imagem que tinha a sua frente.
Para Magdalena parecia uma
eternidade o flertar que chegava até a intimidá-la.
Ela sentia que havia muito
mais que o flerte dos olhos; havia nele um desejo contido e ela começou a
tremer pelo que podia acontecer ali tão sós...
Abaixando os olhos, ele segurou
seu rosto para que ele não fugisse...
- Não, não, Eduardo!
O arrebatamento dele e a
rapidez como agiu, não permitiu que o rosto
se afastasse e ela sentiu o gosto do seu beijo...
Envolvida pelos braços, seu
corpo tremia e ele não deixava com sua força, que ela se afastasse do seu
desejo...
- I love you, darling!!!
- Sorry Edward, I don’t
understand...
- Como não me entende se
você me responde em inglês?
Admirado da resposta em sua
língua, estreitou-a ainda mais colado ao seu corpo.
“ - I,m lost! “
Na verdade, não só ele, mas
ambos estavam irreversivelmente perdidos...
Marcados por encontros e
desencontros, os dois sabiam que o amor entre eles, era maior que todos os
contratempos, e que, quanto mais tentassem podar seus sentimentos, maior seria
a atração irresistível que os uniam.
Magdalena tentava
separar-se dele, presa em seus braços, pedia:
- Eu tenho que ir querido!
- “ Once for all ! ”
Para você nunca haverá
a última vez!
Se ela continuasse estática
e não se afastasse, nunca chegaria a última vez...
Não haverá a última vez,
querida!
Você estará sempre junto de
mim, veja!
No camafeu aberto, ele
mostrava o rosto dela dentro da jóia; há muito estamos juntos e você nem sabia!
Os olhos estavam presos e
os corpos afastando-se.
Numa volta repentina, ele a
viu correndo sem mais voltar os olhos...
Rita Maria e Theodora
queriam saber como fora o encontro, ela tinha muita coisa para revelar às
amigas, sem, entretanto chegar aos pormenores...
Magdalena voltou à Vila
Rica e a rotina de estudante veterana, tomando todo o tempo dos dias da semana.
Já habituada, não sentira
tanta falta de casa, como no ano anterior.
Com o camafeu preso a uma
corrente de ouro, ela sentia o seu roçar sobre os seios, tão perto dela!
Em fins de Outubro, quando
os pais receberam o convite oficial para a formatura, foi um dia de festa...
Antecipando a data marcada
para diplomação da turma de Magdalena, os pais seguiram para Vila Rica, pois
teriam que providenciar as roupas da festa.
Entre as formandas, bem
poucas naquela época, estava a filha do Guarda- Mor, no seu vestido branco de
formatura.
A igreja de Nossa Senhora
do Carmo, onde foram diplomadas, estava repleta de autoridades, o corpo docente
e discente com seus familiares tomando toda a nave.
Entre as autoridades, José
Feliciano Pinto Coelho da Cunha, deputado pela região de Caeté e Santa Bárbara,
primo do capitão Domingos Pereira da Cunha; o coronel Antônio de Figueiredo
Neves, companheiro revolucionário de l.842 e membro da 1ª Junta do Governo
Provincial.
Todos ligados por laços
familiares ao povo de Catas Altas e Santa Bárbara.
Ao final da cerimônia da
entrega dos diplomas, o deputado Feliciano Pinto Coelho, veio cumprimentar a
família do Guarda-Mor, e especialmente a filha que se formava.
Magdalena era concunhada de
seu primo Domingos, seu cabo eleitoral em Catas Altas.
Por coincidência, todos os
deputados estavam naqueles dias em
Vila Rica , recebiam também a diplomação pela 7ª Legislatura
que correspondia ao mandato de 1.848
a l.849.
Para Magdalena, nada melhor
que a presença dos deputados, dando pompas especiais à cerimônia de formatura.
Depois do encerramento da
seção, fora apresentada aos irmãos: Theóphílo Benedito Ottoni e Christiano
Ottoni, este último, lente famoso das
ciências matemáticas e com prestígio incomum entre os estudantes.
O Presidente Provincial,
Dr. Quintiliano José da Silva, sentado numa cadeira entronada, ao contrário das
outras autoridades, permanecera sentado, desculpando-se de problemas nas
pernas.
Magdalena não esqueceria
nunca, o seu constrangimento ao se levantar perante a assembléia para receber o
diploma e a tia Cocota sem nenhuma cerimônia, dizendo:
- Cabeça erguida e passos
firmes...
Vermelha, emocionada e
segura pela tia, tentava caminhar, mas a saia estava presa nas mãos dela...
Mesmo com o pequeno
acidente, caminhou firme e airosa como havia ensaiado.
As mãos trêmulas, uma
segurando o diploma, a outra disponível aos cumprimentos das autoridades
convidadas à mesa.
Era uma das primeiras
turmas que se formavam normalistas pela Escola.
No adro da igreja, recebiam
cumprimentos, quando Magdalena deparou com a figura de Theóphilo Ottoni,
Como parecia com o namorado
Eduardo Hosken, apesar de mais velho e de gastado por tantas lutas, conservava
os mesmos traços da fotografia em que o vira pela 1ª vez.
Os pais orgulhosos
esperavam na porta da igreja a saída dos formandos; aplausos numa euforia
estrondosa, eram abafados pelos foguetes.
Quem mais se manifestava
era os estudantes das outras escolas, na expectativa de um olhar ou o flertar
de uma das normalistas.
Ao abraçar Rita Maria, ela
furtivamente passou um pequeno embrulho,
segredando:
- Abra somente em seu
quarto, ele veio de Gongo-Soco...
Não era necessário dizer
mais nada, ela sabia quem estava mandando o presente.
À noite ao deitar, foi
abri-lo; por fora, papel de presente envolvendo um estojo de veludo e dentro,
um anel de ouro com um brilhante.
No cartão a mensagem:
Querida,
Parabéns pela formatura, minha presença fica
marcada pela aliança.
Peço que me deixe colocá-la no dia 8 de
dezembro de l.848 em
Catas Altas.
Com muita saudade e amor,
Edward Hosken
P.S. - O pastor Dr. Cuming, em nome de Deus já
deu a benção às alianças...
Á noite juntamente com os pais, tia e primas,
foi ao encontro de despedida das
formandas, era a primeira vez que dançaria num salão de festas em Vila Rica.
Vestindo uma casaca nova, o
Guarda-Mor foi seu par na valsa das formandas.
Como fora chique ser levada
de braços dados pelo pai até ao meio do salão; ele não teve jeito de repetir a
contradança com ela; os estudantes tomaram conta das formandas.
A mãe e a tia Cocota,
acompanhavam assustadas o assedio dos moços rodeando as formandas.
Recebendo galanteios, com
certa finura respondiam em tom de brincadeira e ironia as propostas dos moços.
Encerrado o baile, Magdalena
e os parentes voltaram para casa já tarde da madrugada.
As ruas estavam vazias e os
lampiões mal iluminavam a calçada onde pisavam, como fazia falta a liteira de
sua mãe...
A tia Cocota, viúva há mais
anos, perdera as mordomias do tempo em que o marido era vivo, inclusive a
liteira.
Felizmente para Magdalena,
uma escrava da tia ia carregando os presentes que recebera; de sapato alto, seria difícil
equilibrar-se no calçamento irregular das ladeiras de Vila Rica.
Ao chegarem em casa,
Magdalena e as primas foram direto para o quarto, havia uma ansiedade enorme
para verem os presentes ganhos por ela, principalmente um, enviado pelo
namorado inglês.
Aliviadas das vestes,
trocadas por camisolas, sentaram nas camas para abrirem os embrulhos, que eram
passados um a um para admiração das primas.
Um em especial ficou retido
na mão de Magdalena.
- Abre, abre!
Nós queremos ver...
O coração batia
descompassado e as primas notaram a agitação dela.
Dentro do estojo forrado de
veludo, um par de alianças de ouro brilhava sob a luz dos lampiões.
- Que lindas!
Você está noiva?
- Não gritem! Não denunciem
o meu noivado...
Pausadamente leu o conteúdo
do cartão e a confirmação do seu noivado.
- Que presente fabuloso,
prima!
Você merece, ainda mais no
dia de hoje!
Enlaçadas as três meninas
pulavam num saltar que retumbava pelo assoalho.
- Parabéns, Magdalena!
Nós também estamos muito
felizes!
A demora dentro do quarto,
apesar da tardia hora, despertou a curiosidade dos demais da casa, que também
queriam comemorar com a filha e sobrinha, suas formaturas.
- Nós estávamos abrindo os
presentes, daí a demora...
- Mas nós também queremos
ver o que vocês ganharam...
Uma mucama foi buscar os
presentes, o estojo com as alianças ficaram guardados, era o de maior valor,
porém não poderia ser mostrado...
Havia uma alegria
contagiante entre os familiares e as meninas guardavam um segredo em
conspiração solidária.
A menina de Catas Altas estava
despedindo-se de Vila Rica.
Como passara rápidos
aqueles dois anos...
A maioria das formandas
continuaria morando em Vila
Rica , Magdalena voltava à sua terra natal.
O ano longe das pessoas que
mais amava fora útil e proveitoso para a mocinha que a principio não queria
sair para estudar.
Acabara naquele dia os
passeios a Ponte Seca da rua que ia dar na Igreja do Pilar; a caminhada até
Água Limpa, a Ponte da Barra, ao nicho da Ladeira do Vira-Saia, onde rezava
perante a cruz, que ela chamava de seus martírios.
Não haveria mais passeios
que Edward diria em inglês:
“ No more walking on the streets... “
As comemorações do dia de
São Francisco de Assis e Santa Efigênia e as procissões da Semana Santa,
principalmente a da Ressurreição pela madrugada passando pelas ruas entapetadas
de flores e folhas.
Mas, pagava a pena deixar
tudo àquilo para regressar a sua terra; Catas Altas era o paraíso onde nascera,
queria residir e constituir sua família.
Não havia para ela, lugar
mais bonito; a serra do Caraça, era cenário permanente de seus sonhos e o pico
do Sol, namorado eterno vigiando a noiva
lá em baixo.
Refletindo sobre os 2 anos
que passara fora.
Valera a pena?
Claro, ela sentia-se mais
mulher e preparada para enfrentar a vida de casada, o sacrifício de viver
durante 730 dias longe de Edward.
Para felicidade dela, a
separação trouxe ainda mais amor e fidelidade às promessas de ambos.
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