(DIA 8 DE DEZEMBRO DE 1848, NA CAPELA PARTICULAR DO
VIGÁRIO, PADRE FRANCISCO XAVIER DE FRANÇA)
- Ah meu Deuse!
Casamento sem
igreja e sem festa, num pode Nhá!
Ancê é fia de
gente arta...
Mia fia ancê
tá doente da cabeça, oia cumé qui tá quente!
Só pode sê
dilirio, minha Noss’ inhora!
- Estou em
pleno juízo, Nhana...
Ninguém qué
qu’ancê casa assim, surrupiada...
- Quem disse
que estão me roubando?
- Entonces pro
mode de que ancê nu casa outro dia?
- Se você não
quer me ajudar, eu agradeço de qualquer maneira sua compreensão e ao silêncio
que te peço...
Outra coisa
que te peço, pare de chorar, por favor...
- Fia, cumé
qui vô te ajudá s’ocê tá mangando d‘eu?
- Ah, Deus
meu! Cumé qui vô acoitá doidice d’ancê Nhá?
- Se vai me
ajudar, mãos a obra e arrume estas roupas na mala.
- Mas nu entra
tudo aqui, Nhá!
- Ponha os
vestidos e a roupa de baixo dentro da
mala, o resto, enfia numa trouxa.
- Meu Deuse!
Fia de coroné
levando roupa na trouxa?
Sinhazinha,
Sinhazinha nu faz isto não!
Onde nóis já
viu botá roupa fina dentro de saco, vê se pode?
Preparando-se
sob a luz do lampião, pois dentro do quarto escurecera, Magdalena colocou o
mesmo vestido da formatura.
Um choro manso
estava aumentando, sufocando a dor de Nhana; eu também estou chorando por
dentro, Nhana!
Chora como eu,
só para dentro!
- Nu güento,
Nhá!
Nu güento,
guardá tanta dô...
As lagrimas
corriam nos olhos das duas.
- Eu não quero
e não posso chorar no dia do meu casamento, o principal da minha vida.
Compreenda
Nhana, não chore!
Passando as
mãos sobre os olhos, a preta parou de chorar.
- Mas ancê vai
só, fia?
- Não Nhana,
vou também com o Eduardo...
- Nu sô boba,
fia.
Pregunto se
ancê nu vai levá ninhuma de nóis?
- Só depois
que a poeira assentar...
Mamãe já me
deu a Miúda,depois venho buscá-la.
- Maise, e
nóis num vai vê ancê casando?
- Não Nhana,
infelizmente ninguém da minha família ou pessoas que amo e que comigo convive.
Das minhas
amigas, somente Maria Theodora que servirá de minha testemunha.
Mais ninguém.
- Pro mode
que, Nhá?
- Eu vou
explicar tudo depois...
Tenho que me
ajuntar aos demais da casa e você fique aqui dentro do quarto para passar as
coisas para o Zaga.
Ele vai entrar
pelo portão do fundo com Miúda e dará um assobio na hora que se aproximar da
janela.
Somente depois
de três pancadinhas na janela, você pode abri-la e passar minha mala.
Eu vou repetir
tudo de novo, presta atenção!
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O movimento
seria feito pelo fundo do beco do Santíssimo, a claridade das estrelas e os
vaga-lumes, já iluminavam o quintal por onde passariam.
Na sala de
visitas, havia uma discussão acirrada, se Herculano Ferreira Pena, nomeado
governador da província de Pernambuco, era ou não filho de Santo Antônio do Rio
Abaixo.
A família Pena
muito ligada ao político e parente José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, começara a emergir na sociedade da região e
no cenário nacional.
Coronel Emery,
sempre brincalhão comentou maldoso:
- Tenha
pena; já chega de penas!
Tem pena até
na cama do português Martinho Joaquim Lourenço...
- O colchão
dele é de pena?
- Dentro do
colchão não, mas em cima, pois sua mulher é a Dna. Anna Joaquina Teixeira
Pena...
- Cuidado,
coronel Emery!
É o português
que abastece sua casa com víveres e quinquilharias...
De
víveres uma ova, pois planto de tudo em
minha roça.
Eu respeito
muito sô Martinho, mas da venda dele, só recebo mesmo quinquilharias...
Naquele dia de
festa, a sala do coronel Thomé regurgitava de gente, mais que as portas da
igreja de Nossa Senhora da Conceição.
O Guarda-Mor
gostava de ver sua casa cheia de amigos e parentes, era entre as 4 paredes da
sua sala, que ficavam sabendo de tudo que ocorria tanto na capital da
província, como também nos arredores de Catas Altas.
Enquanto
discutiam no lado de fora, os homens; na
copa em volta da mesa grande, as mulheres trocavam receitas e feitios de
vestidos...
Na cozinha,
queimando cargueiros de lenhas o fogão aquecido esquentava quitandas e salgados
para serem devorados.
Na intimidade
da casa, as mulheres ao derredor da mesa grande da copa.
No copiar, os
homens tinham a liberdade de conversarem o que as mulheres nunca poderiam
ouvir...
No burburinho
das conversas, ninguém poderia supor o que
estava ocorrendo com uma das filhas do Guarda-Mor.
Magdalena se
sentiu livre e sem problemas para concretizar o seu plano.
Acompanhada de
Nhana e seguindo o negro Zaga, ela saiu pelos fundos, dando uma volta, que
seria impossível dizer para onde ia.
- Tá ali, Nhá
Magdalena!
A mocinha não
via nada no escuro.
- Onde Zaga?
- Por trás da
cerca ela viu uma charrete parada.
Medrosa, Nhana
ainda advertiu:
- Miúda vai
delatá nóis tudo!
- Não vai não,
ela não é besta de comentar nada, pois eu prometi que depois ela iria morar comigo.
- Ancê falou
prela qui vai casá?
Não, ela não
sabe, mas deve ter deduzido que há uma coisa estranha por trás de tudo o que
está ocorrendo.
Amanhã cedo
ela vai ficar sabendo na hora que for arrumar o quarto e der pelo meu sumiço...
- Como ancê
engabelô ela?
- Dizendo que
estava me aprontando para encontrar com Edward na casa do vigário, o que não
deixa de ser verdade.
Meus encontros
ela já percebeu que são as escondidas, por isto não vai dar pela coisa.
- Mas Nhá, ela
não é boba, e as traias que Zaga levou?
- Eu disse
para ela que eram roupas de cama para minha futura casa no Gongo Soco, o que
também não deixa de ser verdade.
- Nhá, ocê nu
tá com medo?
- Medo de
que, criatura?
- De saí de
casa assim, perecendo fugida?
- Se estivesse
fugindo nem você saberia!
- Nhá, qui
Nossa Senhora Ceição ajude ocê, viu?
- Amem Nhana a
nós todos...
Com a toalete
especial da formatura, Magdalena foi até a sala para cumprimentar as visitas.
- Como você
está bonita, Magdalena?
- Foi o
vestido que mamãe mandou fazer para minha formatura...
- Mas é lindo!
- Você sarou?
- Sim tia.
Tomou o chá,
minha filha?
- Tomei
mamãe...
- Tinha tanta
gente perguntando por você...
- Vou
cumprimentar a todos.
Admirados com
a entrada de Magdalena, eram eles unânimes:
- Que
bom, voce melhorou?
Com cada
visita conversava um pouco e pedia desculpas dizendo que teria que cumprimentar
aos demais, ajudando a fazer as honras da casa.
Para a mãe,
disse que ainda estava sentindo dores de cabeça
e que iria deitar mais cedo.
Ela não
mentia, sua face estava rubra e a testa quente da pressão que passara a sofrer.
Olhando com
ternura para a mãe, ela notou certa angustia nas feições da filha e perguntou:
- Você está
sofrendo alguma coisa?
- Dores de
moça, mãe!
A mãe
encostando as mãos sobre sua testa,
deixou ficar durante um certo tempo e depois diagnosticou:
- Você
realmente está um pouco febril, vai deitar...
Beijando o
rosto da mãe, Magdalena disse:
- Tinha muita
vontade de conversar com a senhora, mas tem tanta gente...
- Vai deitar,
amanhã conversaremos...
- Sua benção,
mãe.
Magdalena
caminhou firme sem voltar para trás, ela tinha medo de denunciar o que estava
por ocorrer.
Apesar de ter
que usar a mesma indumentária, trocou o sapato branco por um par de tamancos,
vestiu uma capa preta do pai e como um vulto negro, atravessou o pomar
acompanhando o negro Zaga.
As folhas
secas onde pisavam, quebravam fazendo o ruído que os pés tentavam evitar.
Os vaga-lumes
passavam deixando rastros de luzes iluminando intermitentes.
- Cuidado
Nhá, veja onde ancê pisa!
Nhana vinha se
arrastando como podia naquela escuridão que as árvores ajudavam a fechar por
completo.
Como Zaga
dissera e Edward prometera, a charrete esperava
por ela junto da cerca do beco do Santíssimo.
Ajudando-a subir,
escondeu-se sob a capa preta do pai.
A carroça deu uma
volta por trás da igreja, esgueirando junto das casas, evitando o meio da
praça, até a casa do vigário.
Quem visse
aquela figura estranha, não poderia supor que era a filha do Guarda Mor.
A bagagem
pesava e o animal fazia um esforço hercúleo para vencer a ladeira que ia dar a
praça, as patas escorregavam sobre as pedras polidas.
O negro desceu
para aliviar o peso e a mula não escorregar no calçamento.
Na frente da
casa do senhor vigário, algumas pessoas conversavam.
Zaga parou
segurando as rédeas do animal; olhou para ver se eram pessoas que o inglês dissera que estariam lá
a sua espera.
Magdalena
chegara a perguntar a razão da parada...
- Tô oiando,
Nhá!
Sô Du falou
co’eu qui só deixasse ancê descê,
despois de oia quem tivesse na porta da casa do sô vigaio.
- Ancê pode
apiá, agora!
- Tá tudo bão,
sinhasinha?
Qui Deus ajude ancê e Nhô Duardo.
- Mas você não
vai assistir nosso casamento?
- Bem qui
quiria, Nhá!
Maise quem vai oia os animás?
Ao encostar a
carroça, Bull apareceu e ela estava trocando o tamanco pelos sapatos da
cerimônia.
- Good evening miss, how are you?
- I’m fine, thank’s, sorry.
Ela estava
tendo dificuldades para tirar a capa que
vestira sobre o vestido.
Bull ia
ajudá-la, quando conseguiu retirá-la e estender sua mão para os cumprimentos.
Bull beijou a sua mão e disse num português quase
perfeito:
- John Bull muito
feliz, ser padrinho casamento e beijar a mão da moça mais bonita de Catas
Altas.
- Edward
Hosken, inglês mais feliz terra de
vocês...
- Bull levou
sua mão direita no bolsinho do paletó, tirou o relógio e disse:
“ It’s seven o’clock in the evening...
Atrás do Bull,
apareceu Maria Theodora.
- Você deveria
ter chegado um pouco antes, para que eu desce um retoque em você!
- Talvez ainda
dê tempo, Theodora!
Olhando-a dos
pés a cabeça, disse aliviada:
- Quase nada,
você está linda!
As duas se
beijaram.
Mas muito
pálida para um momento tão importante, você trouxe ruge?
Magdalena
abanou a cabeça e seu corpo tremia.
Vendo-a
naquele estado de nervosia, Maria Theodora começou a chorar.
- Quem vai se
casar, eu ou você?
Num misto de
riso e choro, Maria Theodora respondeu:
- Claro que é
você, a mais doida das noivas de Catas Altas!
- Em vez de
chorar, ria por mim, pois estou fazendo o que mais queria...
- Seu vestido
é lindo, parece ter sido confeccionado para o casamento!
Na verdade, o
vestido branco ajustava-se a aquela cerimônia simples, dando a noiva, a beleza
física que o noivo tanto admirava.
Uma coroa de
virgem sobre a cabeça e uma camélia, ambas trazidas pela amiga e testemunha,
eram os únicos ornamentos visíveis da noiva.
John Bull
ofereceu os braços para que Magdalena e Maria Theodora apoiassem sobre eles.
Na porta da
casa, a mãe do padre Francisco esperava pelos noivos, recomendação que o
vigário fizera à mãe.
- Seja bem
vinda a nossa casa, minha filha!
-
Obrigada, dona Maria Clara!
- Meu filho
não falou quem ia se casar, pensei que era gente das imediações...
- A discrição
como ele agiu dona Maria Clara, revela o quanto é confiável atendendo ao meu
pedido.
- Meu filho
apenas pediu-me que recebesse uma moça que se casaria aqui e em vista das
circunstâncias, desse o apoio necessário.
- Eu não
poderia imaginar que fosse você, Magdalena!
- Fico muito
grata pela presença da senhora e que Deus a abençoe.
- Eu é que
devo pedir por você, minha filha!
- Na falta das
bênçãos de meus pais recebo às suas dona Clara, como se fosse as de minha mãe.
Dona Maria Clara
ficou ao lado dela, esperando a entrada do noivo.
As l8,55
horas, Edward entrou acompanhado pelo tenente José Domingos Gomes e do padre
Justino.
Foi o padre
Justino que explicou aos presentes a razão insólita do casamento naquela hora
da noite e numa capela tão reservada.
“-Se faltava a beleza e a ostentação a uma
cerimônia que deveria ser pública e na igreja da matriz, havia o que é mais
importante na união de um casal:
O desejo dos
noivos em constituir família.”
Declarou que,
sendo amigo dos pais da noiva, não se conformaria que o casamento fosse realizado em Gongo Soco , numa igreja
não católica.
Para comprovante do que dizia, leu para os
presentes a carta recebida do reverendo Cuming,
pastor da igreja Anglicana do
Gongo Soco.
Chamando os
noivos junto ao oratório, pediu-lhes o juramento de que, dispensados com fiança
dos proclamas, declarassem ambos que:
Eram solteiros
e desimpedidos para consumarem perante a igreja Católica, a união desejada por
eles.
Que ele:
Edward Hosken, perante a sua fé, jurava aceitar Maria Magdalena Mendes Campello,
como sua legítima esposa, prometendo respeitá-la e amá-la por toda a sua vida e
com o livre arbítrio para continuar
a professar a fé Católica, Apostólica,
Romana.
Repetindo as
mesmas palavras do padre, por fim declarou:
- Eu Edward
Hosken, cidadão inglês de nascimento, juro perante esta sagrada bíblia que:
Maria
Magdalena Mendes Campello, depois de casada, passará a assinar:
Maria Magdalena
Mendes Campello Hosken, e tem sob meu juramento e em nome de Deus, a livre
condição para professar a fé religiosa em que foi batizada.
Com as mãos
sobre a bíblia e o rosto demonstrando um semblante fechado, Eduardo ouviu o
padre dizendo:
- Que os
noivos subam ao altar deste oratório e em nome de Deus recebam as alianças:
- Ó Deus, por
vós unis Edward Hosken e Maria Mendes Campello Hosken e que este símbolo da
aliança, seja de eterno amor e respeito mutuo.
Olha, senhor!
Com sua bondade para vossos servos que agora se unem.
Fazei que seu
jugo seja de amor e de paz; e que fiel e casta a seu esposo, seja também a
Cristo.
Que também
seja firme na fé e submissa aos mandamentos de Deus.
- Ó Deus, estejais
com eles, como estivestes com Maria e José no dia de suas bodas e que os frutos
desta união, sejam eternos para alcançarem a graça de verem os filhos de seus
filhos até a terceira geração...
Você Eduardo,
você Maria Magdalena, estão unidos para sempre; e o que Deus uniu, jamais seja
desunido...
Cumprimentando
os noivos, pediu a seguir:
- Por favor,
aguardem em seus lugares para as
assinaturas.
Padre
Francisco Xavier de França tomando um livro, fez os seguintes assentamentos:
“Certifico que as folhas 167 do
livro G-9, de assentamento de casamentos desta paróquia de Catas Altas do Mato
Dentro, registrei aos oito de dezembro de mil oitocentos e quarenta e oito,
pelas 7 horas da tarde, na Ermida de minha residência, depois de dispensados
com fiança dos proclamos e do temi do Advento, pelo Exmo. Revmo. Provedor e
Vigário Geral, Francisco Justino Gonçalves Viegas, se receberão in facie
Eclesiae por palavras do presente, claras e absolutas, Edward Hosken e D. Maria
Magdalena;
Aquele de nação Inglesa, filho
legítimo de Jammes Hosken e Anne Hosken, e batizado na cidade de Mariana, esta
filha legítima do Guarda Mor Thomé Fernandes Mendes Campello e de dona Rita de
Cássia, ambos meus fregueses, ficando para receberem as bênçãos no tempo
competente, “ era ut supra “
Assino: O vigário Francisco
Xavier de França
Catas Altas 8 de dezembro de
l.848.
Ver cópia da certidão do
casamento no Anexo nº 9
Afinal, as
bênçãos não foram dadas na cerimônia, os noivos não perceberam; restava aos
nubentes a benção prometida pelo reverendo Cuming em Gongo Soco.
Para a
sociedade de Catas Altas, eles estavam casados, para a igreja católica, o ato
só se confirmaria depois de cumprido o que comprometera o noivo.
Os demais
presentes aguardavam o casal do lado da ermida, exceto as testemunhas que
ficaram para assinar como testemunhas, sendo eles:
Tenente José
Domingos Gomes
e
Francisco Justino
Gonçalves
Se não houve
festividade, pelo menos existiu calor e simpatia dos presentes para com os
noivos.
Maria Theodora
chorava copiosamente; casando-se Maria Magdalena iria morar fora e ela perderia
sua melhor amiga e confidente.
Zaga vendo os
dois do lado de fora, tirou o chapéu e
disse de uma maneira simplória:
- Inté
qu’infim, ancês casaram, luvado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo!
Nhô nu vorta
maise prá sua terra!
O negro se sentia
aliviado, pois, casando-se Edward não voltaria
para a Inglaterra.
- Como tô filiz!
Junto dele
estava o menino John Hosken acompanhando a cerimônia que nunca assistira, era a
primeira, exatamente do seu pai...
Meio sem
jeito, não sabia como proceder com uma
estranha como esposa de seu pai.
Magdalena foi abraçá-lo dizendo:
- Meu filho,
eu quero ser sua amiga...
Há anos ele
não sentia o contato íntimo de uma mulher.
Ele tremia e
não sabia o que fazer e dizer...
Magdalena olhava em seus olhos e abraçada a
ele, confessou:
- John, Talvez
eu não possa ser uma mãe como você deseja, porém farei tudo para que você se
sinta feliz ao meu lado, assim como preciso de você como meu filho e amigo...
Ela teve
vontade de beijá-lo, mas teve medo de constrangê-lo.
Estendendo os
braços, deu as mãos para os dois Hoskens que seriam daquele dia em diante, sua
família...
Eduardo queria
dirigir a carroça, mas vendo que o peso era demais para o burro, desceu, deu as
rédeas para o filho e disse:
- A
responsabilidade é sua de conduzir minha noiva...
Vamos de
vagar, pois vocês e as malas estão pesando muito.
Cavalgando ao
lado da carroça, ele via com que satisfação o menino tomara o encargo de levar
sua nova mãe ao lar.
O céu cheio de
estrelas clareara a noite que começara escura e incoberta, depois as nuvens
dispersaram e surgiu um céu limpo e iluminado.
O tropel dos
cascos dos animais embalava o menino que adormecera apoiado no ombro da
madastra.
Magdalena
sentia o ar puro da noite, através da brisa soprada do lado Norte, a serra
impedia que o vento Sul, incomodasse os viajantes da noite.
O resfolegar
dos animais e o trote, assustava os animais noctívagos e os curiangos só se levantavam do chão, quando menos
esperavam...
As ferraduras
ressoavam com o impacto contra as pedras do caminho, tirando chispas que
iluminavam como relâmpago o chão onde pisavam.
A dor de
cabeça de Magdalena desaparecera e nenhum sentimento de culpa viajava com ela.
Viagem de
núpcias completamente diferente como sonhara...
Em vez do
contato com o noivo, ela tinha abraçada ao seu lado, o filho dele que ganhara
ao se casar com Edward.
Estranha entre
estranhos, o amor superara as barreiras das incompreensões e ela tinha plena
certeza que seria muito feliz como esposa do cavaleiro que trotava ao seu lado.
A lua saíra e
iluminava a estrada, os pensamentos de Magdalena estavam voltados para a cena
do seu casamento.
Ao dar entrada
na ermida do padre Xavier, contra a luz das velas, ela o viu ajoelhado sobre o
genuflexório e sua sombra projetando-se na parede.
Uma pequena
imagem de Nossa Senhora da Conceição e um crucifixo, eram as únicas imagens
sobre o oratório.
Forrando o
pequeno altar, uma toalha bordada de linho, mostrando uma alvura singular.
Sobre ela,
dançavam as chamas das velas empurradas pelo vento que entrava pela porta.
O cheiro de
incenso, certamente queimado por dona Maria Clara espalhara por toda a capela.
Rezando de
costas, padre Xavier não se abalava com a leitura do breviário e era notória
aos olhos de Magdalena, a sobrepeliz branca e rendada, contrastando com a
batina preta sob ela.
Nada mais
restara de lembrança da cerimônia do seu casamento, ela queria guardar na
memória, mas a tensão fora enorme; nem as palavras proferidas pelo oficiante...
Tudo apagara
na comoção de seus sonhos; fazendo um esforço, juntava pedaços do que vira e
ouvira.
Quando entrara
na capela, ao lado de Edward, o filho dele olhava embasbacado para ela.
Aquilo marcara
e ela se lembrava...
Muito mais
tarde, John disse, que:
Achou estranho
um homem vestido de mulher e o ambiente iluminado a velas, recendendo a cera e
incenso.
Nas minas onde
andava com o pai, não se usavam velas, mas lamparinas e lanternas alimentadas
por carbureto.
Absorta em
seus pensamentos, Edward aproximou-se o mais que pode da charrete e apontando o
povoado e as casas, disse:
- Estamos
chegando, querida!
A casa estava
inteiramente fechada; com o barulho dos animais, alguém lá de dentro abriu uma
fresta na janela e perguntou:
- Quem vem lá?
- É nóis
Genoveva, anunciou Zaga.
- Nóis, quem?
- Sô Du e
famia!
Latidos
tardios de cães denunciavam a nossa chegada.
Descendo de
sua montaria, Eduardo veio ajudar a Magdalena descer da charrete.
- Carregue
primeiro o John, disse ela.
- Zaga, toma o
John das mãos de Magdalena e leva-o direto para a cama.
O menino estava
inteiramente debruçado sobre o colo da madrasta e ela se sentia bem,
sustentando-o como verdadeira mãe.
Ao retirar dos
braços da madastra, o menino acordou assustado e perguntou:
- Pra onde
estão me levando?
- Para nossa
casa, John...
Era uma voz
estranha ao ouvi-la; e ele não sabia se sonhara, ou tudo aquilo era realidade.
Que era o Zaga
que o carregava, ele tinha certeza, mas a voz de quem era?
John não mais
ouvia a voz estranha, Edward carregava a noiva para dentro da casa onde
passariam a Lua de Mel.
Zaga deixara o
menino sobre a cama do seu quarto.
Ao voltar para
buscar as coisas de sinhá Magdalena, viu o inglês carregando-a como se fosse
uma menina...
O negro não
disse nada ao passar por eles, mas pensava:
- Nu é
minininha, pra qui sô Du tá carregando ela?
Genoveva
assustara ao ver uma mulher sendo carregada pelo marido, murmurando baixinho,
com os lábios se abrindo:
“ Hum! hum! nu
tá dromindo, pra qui carregá sinhá? “
Magdalena
pedia para que Edward a colocasse no chão, reprovando a intimidade a vista dos
escravos.
- E assim que
se introduz uma dama em seu lar na Inglaterra; demonstração para que os
subalternos também carregue os desejos delas...
Ao tentar
passar pela porta da entrada, Edward carregava-a sentada em seus braços; ele
teve que torcer o corpo para que ambos passassem pelo vão.
Magdalena esperneava;
-“Wait a minute, my darling!”
Já dentro de
casa, ele disse para que Zaga e Genoveva ouvissem:
- Esta é minha
Magdalena, a dona desta casa!
Alojada nos
braços do esposo, Magdalena olhava com surpresa as boas vindas que Genoveva
preparara para ela:
Dependuradas
nos quatros cantos da sala, pendiam nos galhos secos, floridas orquídeas da
Primavera de 1.848.
Admirando-as
ela dizia:
- Que lindas
Edward!
“- É pra ancê,
fia!“
Foi Zaga qui
juntô na serra e nóis cuidou delas...
- Obrigada
Genoveva!
Obrigada Zaga,
pelo lindo presente de casamento.
- Intonces Nhá
sabe o nome deu?
- É claro,
Genoveva!
Edward fala
muito em você...
- É memo, Nhá?
Inté qui
achava qu’ele nu ligava pr’eu!
- Não diga
isto, Genoveva!
Edward sempre
confiou em você, haja vista que John estava sob os seus cuidados.
- Ah, Nha!
Ancê nu sabe o
trabaio qui dá o capetinha...
Memo assim
gosto do meu diabinho!
Oh fia! Ancê é
maise bonita qui sô Du falô qu’eu...
- Beleza não
põe mesa, Genoveva!
- Mas sô Du tá
pono, Nhá!
Eta Godeme
filiz!
- Quem é
feliz, Genoveva?
- Sô Du, fia!
- Ancê é um
patuá pr’ele!
- Onde ele vai
colocar o patuá, Genoveva?
- Ora fia! nu
coração, uai!
Edward que
entrava pela última vez das idas e vindas, reclamou:
“ - I’m hungry, Genoveva... “
- Já tá na
mesa da cozinha, Nhô!
Magdalena
estranhou a negra entendendo a língua inglesa, esquecendo-se que ela há muitos anos trabalhava na Mina, onde só se
falava com os brancos, a língua deles.
- Nhá, o banho
tá arrumado, n’hora qui ancê quisé é só pidi prá virá a água quente na bacia
qui tá no quarto...
Magdalena foi
até o quarto onde iria dormir pela primeira vez o casal.
No chão, uma
enorme bacia esperava por ela.
Ela lembrou do
seu “tonneau“ tipo francês que o pai mandara confeccionar em Vila Rica , como sentiria
sua falta.
Acarrega pra
eu a água quente e aponha na gamela do quarto de Nhá, Zaga!
Magdalena
notou que havia ordem e colaboração entre os escravos e que Genoveva
correspondia a suas expectativas.
- Adepois ancê
vai lavá também, Nhô?
- É claro,
Genoveva, estou cheio de poeira e suor...
Com a chegada
de Magdalena, a escrava antiga sentia a necessidade de ter ao seu lado, uma pessoa
para ajudá-la durante o tempo que o casal permanecesse no Morro da Água Quente.
Uma negrinha
espigada e esfregando os olhos, apareceu na sala desconfiada.
- Sus
Cristo...
- Que menina é
esta, Genoveva?
A negrinha
assustada e de cabeça baixa, encolhida em seu próprio corpo, tentava dobrar os
pés a um ângulo de l80 graus, o que a Magdalena parecia ser impossível.
- Ela é fia de
gente que ganhô carta de ingenuidade!
- Carta de
que, Genoveva?
- Arforria,
Nhô!
Qui vale sê livre, se nu tem qui comê...
- Qual é o
nome dela, Genoveva?
- Pericida...
- Menina
Aparecida, você quer ficar aqui para
ajudar?
Ela não falou,
mas a cabeça acionada mostrava que a resposta era sim.
- Ocê, nu sabe
falá, minina?
A cabeça
tornou a confirmar sem que ela abrisse a boca.
Seu corpo
tremia não do frio, conforme estava vestida sob um pano de saco de aniagem, por
baixo não se via mais nada, senão a pele
preta mostrando seus contornos.
Genoveva olhou
incrédula para o chão e ia ralhar, quando Magdalena calmamente foi em socorro
da pretinha.
- Deixa
Genoveva é vergonha e medo das caras estranhas; com o tempo vamos educá-la...
- Mas Nhá, nem
bicho do mato mija na frente dos’outos!
- Deixa que
ela vá dormir Genoveva.
- Some, some bicho...
A menina saiu
correndo e chorando.
- Ela está muito
grande para andar somente com o camisolão que veste, precisamos arranjar roupas
para cobri-la decentemente.
- Tá tudo
costumado assim, Nhá!
Se ancê fô lá
na cafua deles, vai vê gente maió do qui Pericida sem roupa ninhuma!
- Eles nu tem
o qui comê, Nhá!
Cumé qui vai
arranjá trapo pra vesti?
- Nós vamos
dar um jeito, a menina não pode ficar andando por aí com estes trapos, seu corpo está praticamente
nu... Magdalena trouxera pouca roupa e escolhera as mais úteis para se vestir
no campo e na Mina.
Genoveva
admirava o enxoval da noiva e disse virando para a nova patroa:
- Nhá, qui boniteza! Nem no Gongo as muié tem roupa
como ancê!
Não era
possível desfazer toda a mala naquela hora tardia da noite, somente peças da
roupa de cama foram retiradas do baú; também não era desejo de sua dona
desarrumá-lo.
Edward dava
ordens ao Zaga antes de se lavar para
depois ir deitar.
Bem mais tarde
ao abrir a porta do quarto de núpcias, Magdalena já dormia um sono pesado.
Desapontado,
mas reconhecendo o estado de cansaço e preocupações por que passara a noiva,
foi deitar-se como um homem solteiro.
O movimento do
interior da casa custou a cessar e lá fora os galos cantando no silêncio da
madrugada, anunciavam um novo dia de uma nova era para o casal.
Fora um dia
inteiramente diferente do que sonhara, ela ali tão perto, entretanto, mal
roçava as mãos sobre o corpo inerte; Magdalena dormia e ele não ousava
acordá-la...
Enquanto ouvia
o ressonar da esposa, não conseguia fazer o mesmo, desperto por desejos
inconfessáveis.
A manhã do dia
9 de dezembro foi acordá-los já tarde e com o Sol bem desperto, tênue claridade
entrava pelo forro e frestas das janelas.
Magdalena
acordara primeiro, estranhando a cama e o lugar; virada contra a porta, rolou
na cama para situar melhor onde estava.
Encostou-se em
algo estranho que mexeu ao seu toque.
Ela lembrou;
Estava casada desde o dia anterior, Edward dormia ao seu lado.
Enfiou as mãos
sob as cobertas, e tentou levá-la até a
cabeça.
Tentativa
frustrada de esconder-se com recato.
Edward rolara
e mantinha o seu corpo sobre parte da colcha, apesar de descoberta com a
camisola exposta, ela era a mesma donzela do dia anterior.
O marido
dormia e portara-se como verdadeiro cavalheiro; admirada olhava o esposo no seu
sono inconsciente e teve a tentação de beijá-lo agradecida pelo respeito à sua
intimidade.
O recato
impedia a força do seu desejo.
Ele não era
como propalavam os que conviviam com os ingleses, principalmente os nascidos na
Cornualha.
Acordada, teve
vontade de levantar, mas não sabia se esta poderia ser a atitude da noiva.
Quanta
etiqueta desconhecia da vida de casada, principalmente como portar-se na noite
de núpcias.
Se levantasse
primeiro, ele dormindo não perceberia seus movimentos na troca da camisola por
um vestido.
Com isto,
evitaria os olhares indiscretos que ela não permitiria.
Assim pensando
e sem fazer ruídos e gestos bruscos, desvencilhou-se das cobertas e pé ante-pé,
tentou aproximar-se do baú onde encontrava a sua roupa.
Escolheu um
vestido próprio para o campo, agachou-se e começou a se despir da camisola para
troca pela veste do dia.
A barra do seu
vestido agarrou na tampa aberta e ela desceu ruidosa.
Despida,
cobrindo com as mãos o corpo nu, abaixou as mãos para cobrir o púbis e deixou a
descoberto os seios pequenos e duros.
Na aflição do
seu recato, tentava cobrir seu corpo o
que as duas mãos não conseguiam...
Edward com os
olhos bem abertos mirava, encantado os castos movimentos da esposa virgem.
- Não olhe
para mim, Edward!
O inglês
sorria da inocência de sua esposa e ele sentiu seu corpo ganhando volume
repentinamente sob os lençóis da cama.
- Por favor,
não olhe!
Virando o
rosto para o outro lado, explicava para Magdalena:
- Você é minha
esposa estamos casados, querida!
- Mas isto não
lhe dá o direito de ficar me olhando deste jeito...
- Não permito
e não quero, disse ela brava.
- Posso
levantar Magdalena?
- Não, não, só
se estiver composto, do contrário vou
sair primeiro.
- O homem deve
levantar primeiro, querida!
De ceroula, ia
levantando quando ela apavorada disse:
- Não, não
Eduardo!
- Eu estou
composto, querida!
Para ela a
roupa íntima do marido era como se estivesse nu, para ele, não havia nudez
coberto como estava...
Vestindo
rapidamente uma camisa, não concebia como sua
esposa poderia ser tão casta.
Posso te
beijar querida?
- Só depois
que me vestir...
- Nos somos casados, Magdalena!
- I’m not sure,
Edward!
- Ao deitar me
lembrei que não recebemos a benção matrimonial.
- O que?
- A benção
para os que se casam!
- That’s
impossible, Magdalena!
I’m sure, the father put into it the records.
- Estamos
casados oficialmente, não religiosamente...
- We’ve got the Reverend Cuming’s blessings...
- Eu receber
“letter” dele...
Onde está esta
carta em que ele dá as bênçãos?
Edward foi
buscá-la para que ela se sentisse abençoada por Deus.
O argumento do
noivo tinha fundamento, realmente o reverendo escrevia a ele dando suas bênçãos
e prometendo confirmação em cerimônia junto da colônia inglesa, no Gongo Soco.
Aquela carta
aliviara Magdalena! pois se sentia como vivendo a primeira noite de casados em
concúbito.
Acabara para
Magdalena o escrúpulo que estaria se insurgindo contra Deus, pois o reverendo
Cuming, tal como os padres tinha poderes divinos para abençoa-los.
Alem do mais,
lembrara que ao subir ao altar da capela, o padre Xavier dissera:
- “Ó Deus, por
vós unis ...”
Se ele o padre
invocara a Deus para uni-los, a benção estava dada...
- Edward, você
sabe?
Nós estamos
casados e abençoados, pois o próprio padre invocou as bênçãos de Deus...
- Certainly my darling!
- Please, shut the windows.
- Yes darling.
Edward empurrando
as bandeiras da janela deixou entrar a claridade que vinha lá de fora.
O dia estava
radioso, o sol invadia o quarto e um perfume de campo chegava até eles
carregado pelo vento.
Magdalena
sorria; os dois abraçaram-se.
- Imagine, eu
casada!
- Nos estamos
casados, Deus nos abençoe...
- Please, go back to sllep!
Ele queria que
ela voltasse para a cama.
- Tenho muita
coisa a fazer com a bagagem ainda por desfazer...
Os dois em pé
dentro do quarto flertavam e ele confessava desapontado com a noite de núpcias.
- Nós
estávamos cansados, Edward!
- Nós, não;
você Magdalena...
Levantando-a
pelos braços cumprimento-a:
- Good morning, my darling!
Suspensa pelos
braços dele, ele a esmagava no fogo do desejo...
- Thanks for this wonderful
night!
Ele ria pela
“noite linda” que ela agradecia; nada acontecera, ela dormira...
- Foi melhor
assim querido! nós estávamos cansados e tensos com o casamento como ocorreu...
- Como demorou
a chegar este dia!
Do lado de
fora da casa, John brigava com Genoveva.
Ele queria
acordar Magdalena para mostrá-la onde nascia a fonte d,água quente...
Colocando a
cabeça pela janela, Magdalena viu o menino e disse:
- O que você
quer me mostrar, John?
- A água
quente, Ma-ma...
Magdalena não
sabia se ele gaguejava seu nome, ou tentava chamá-la por mãe...
Carinhosa,
percebendo que poderia ser a manifestação de um ex-órfão reencontrando sua mãe,
disse para ele:
- Você pode me
chamar pela maneira que quiser, mas ficaria muito feliz se me chamasse de mãe.
Ao sair do
quarto notou como a casa estava florida, orquídeas para todos os cantos.
Do lado de
fora, a 250 metros ,
brilhava em tons de prata o Morro da Água Quente, que nada mais é que a própria
serra do Caraça.
Lapas de
pedras da encosta refletiam o sol com brilhos que machucavam os olhos; Uma
manada de pássaros voava pousando nas hastes verdes da ramagem.
Com o peso dos:
Papa-arroz, curiós e tico-ticos, os pendões do capim em flor, tombavam
flexíveis, dando sementes para que eles se fartassem delas.
Como era
bonita a serra!
Deus criara o
homem para que ele pudesse valorizar a beleza da sua criação...
Enamorada do
que via, ela sentia que era para isto que se casara com o homem que amava.
Eles teriam
muitos filhos para glorificar o poder do Criador...
Aquela casa de
hospedes dos ingleses que era conhecida por eles como: “Country house” não oferecia condições para
uma estadia prolongada, pois também recebia
diferentes hospedes da mineração.
Sua fachada
dava frente para a capela branca de janelas e portas azuis.
Os empregados
e escravos da mina moravam num alojamento mais distante, exatamente onde Edward
mandava buscar a água para os banhos, pois era além de limpa, morna e levava pouco tempo para acabar
de esquentar.
Depois de
alimentarem-se pela manhã, Edward foi para onde faziam catas e Magdalena saiu
com o John, para que ela conhecesse melhor o povoado.
- Corre
moleza!
Vê se me pega,
corria o menino olhando para trás.
A água do
Diabo fica lá, olha!
- Que água é
esta, John?
- A do Diabo,
pois nasce quente como as coisas do
inferno!
Passando pelo
lado da capela de Nossa Senhora das Mercês, chegaram, as bases do contra forte
da serra, o riacho dos Lençóis nascia nos olhos d’água que brotavam entre as
lajes.
Vendo que a
madastra apertara os passos, pois corria, ele de repente desapareceu do plano
em que caminhavam.
- John,
John, onde está você?
O menino pulou
para o berço do riacho e desceu correndo pela vala onde corriam as águas.
Coberto pelo
talvegue, não via para onde fora.
- John, oh John!
É esta a água
quente?
O enteado que
desaparecera pela frente, cutucava a
madastra por detrás; estou sentindo que não só a água, mas você também é parte
do diabinho que andou por aqui.
De onde você
saiu?
O menino
ria...
- Prova o
calor e o gosto d’água...
O gosto é o mesmo
de outras fontes, mas quente...
É por isto que
aqui se chama Morro da Água Quente.
O menino não
era o mesmo da noite anterior, como mudara!
A água que
corria aqui era tanta, que dava para agente tomar banho nadando.
- Quem te
contou isto?
- Genoveva que
conhece todo mundo aqui?
- E quem
contou para ela?
- Sei lá,
alguma velha...
Devia ser
gostoso tomar banho quente sem precisar esquentar a água, né?
Ah! Como eu
ficaria o dia inteiro dentro dela...
Magdalena
começou a reparar a paisagem do lugar que um dia fizera história.
A sua frente,
a serra enorme toda escavada por faiscadores; desnuda brilhando sob os raios do
sol,.
Um brilho de
metal reluzente que chegava a cegar os olhos.
O cinza
fulgurante escamoteado espalhava-se pelo paredão indo até o pico mais alto
dominando toda a região.
Mais para o
lado esquerdo, as pontas íngremes dos rochedos das Três Marias em procissão.
Magdalena
extasiada olhava para o alto, quando John chamou a sua atenção:
- Olha
Magdalena, olha a igrejinha de frente.
Surpresa ao
vê-lo dizendo o seu nome, ele a considerava como uma amiga que o pai lhe dera;
mães eram as 2 que haviam partido:
Mãe Antônia e
mãe Anne Jeferre...
- Você que é o
sabe tudo, a que santo é dado o nome desta igreja?
- Santo
nenhum, uai!
Ela é a capela
de Nossa Senhora das Mercês.
Magdalena
gravava em sua memória aquela visão, da pequena capela.
Baixinho rezou
em silêncio:
Oh! Nossa
Senhora, é da sua mercê que estou necessitada...
Pequena e
simples, a fachada com um portal amplo em comparação com a sua dimensão; Duas
janelas retangulares com fingidas sacadinhas de peças torneadas e quase junto
ao vértice do telhado de 2 águas, um circulo de ventilação com os furos
formando uma cruz de malta.
Da sua
simplicidade, era tudo que seu arquiteto planejara...
A capela não
precisava de ostentação, Deus dera ao local, coisas extraordinárias que seu
projetista construtor, não quisera
confrontar.
Dias depois
Magdalena ficou sabendo de alguns detalhes da sua construção.
Padre
Pantaleão Nunes de França que a erguera em 29 de março de l.767, era um
sacerdote culto, filho do Sargento Mor Pantaleão e tio avô do seu médico: Dr.
Moreira.
Com o gosto
pelas coisas do Senhor, o sacerdote plantara seus alicerces no meio de um
terreno plano, onde por perto já havia algumas casas.
Com o tempo,
outras edificações foram sendo erguidas em torno do templo, formando uma linda
pracinha retangular.
O pequeno adro
gramado moldurando a igrejinha, era bastante amplo para ser visto até do alto
da Santa Quitéria a três quilômetros em linha reta.
O Sol da manhã
daquele Verão parecia arder como se uma fogueira estivesse acesa sobre nossas
cabeças, os raios do Sol chapavam sobre as rochas do sopé da serra.
Escravos
cavuqueiros queimavam cavando a base da montanha; suados e desnudos, Magdalena
teve pena de vê-los entregues à tarefa de buscar o ouro em terrenos tão
ingratos.
Exploração em
falda da montanha que o inglês não gostava de fazer. pois demandava tempo com
ferramentas inadequadas a dureza da formação geológica.
Não havia
ciência e qualquer minerador poderia feitorar a lavra, dispensando um técnico
qualificado.
O preto
Antônio que viera do Gongo-Soco, capatazeava a cavucagem.
A extração do
ouro no Morro d’água Quente entrara numa fase pouco produtiva, as chuvas
prejudicavam as escavações, o mesmo ocorrendo com os outros lugares próximos da
Serra do Caraça.
Edward tendo
em vista as diversas frentes de pesquisas e extrações, deslocava-se
continuamente do Morro.
Magdalena sem
o que fazer, dava maior atenção ao enteado, enciumando Genoveva, a quem o menino
recorria até então na ausência do pai.
Numa daquelas
manhãs, a madastra saíra com John e Aparecida, para conhecer a mãe da menina,
gente antiga do lugar.
Através do pai
de Aparecida, confirmara o que o John tinha dito sobre a antiga fonte termal do
Morro.
Ele ainda
menino, banhara-se na fonte quente e conforme suas próprias palavras:
“ - Dona! Nada
mió prus moleques chambuqueiros como nóis, ficá brincano na água quente; inté
os maió vinha lavá as muçumba... “
Magdalena
perguntou a razão por que desaparecera a água quente.
- Nu sei
dereito, dona!
Mas,
Florimundo meu pai falou qui foi pru mode de fogo...
- Fogo não
resseca água de uma fonte!
- Seca Nhá, fogo
de dinamite...
-Ah! Isto sim,
a fonte certamente encontrou furna provocada pela explosão...
- Ou Nhá, o
nêgo nu sabe se ela topou o tar de
Furna; maise se foi ele o fio da puta qui
sumiu qu’ ela, os malungos divia ter capado ele...
Tumbém tem
mano preto qui fala, qui água isquentava nas entranhas dos inferno e pade santo
véio benzê ela...
Despois da
benzeção, ela isfriô e a cambada de mulangos que tumava banho nela tudo pelado
como Adão, sumiu como capeta some d’água benta!
John que
estava atento ao que contava o negro, perguntou:
- Ou moço! Mas
o padre teve coragem de benzer a água quente
para ela acabar?
Não fio! O
pade Pantaleão pidiu é prus home nu tumá banho como Adão, pois o Santíssimo
tava vivo no artar, memo ali perto da igreja de Nossa Sinhora Mecês.
- Que pena!
- Pena memo
fio, foi a excomunhão, pois a água além de minguá isfriô de veze.
Dizia o pai
véio qui inté pade Pantaleão tumava banho nela, cubrido de batina véia.
Magdalena
acompanhava com o olhar o vale onde correra outrora o riacho que agora
definhara e descia em meandros pela baixada.
Antes a margem
era toda coberta de mata e o rio Maquiné se
escondia sob as sombras frondosas; l00 anos depois da descoberta de
Catas Altas, a devastação mineradora deixara as marcas da depredação.
Além do
desmatamento, riachos desviados de seu curso para lavagem do cascalho, a erosão
comendo as encostas e os vales.
A mesma
devastação de um século antes voltara com os ingleses e o marido era um dos
responsáveis que castigava a serra como pião carreiro, aferroando o lombo daquele manso
marruá que nunca reclamava...
Sorte dos
picos mais altos, cocurutos onde os homens não conseguiam alcançar; altaneiros
continuavam erguidos, quase intocados...
Até quando,
conseguiriam sobreviver a sanha devastadora das mãos humanas?
Quantos
riachos não nasciam da serra e corriam
no seu sopé?
Magdalena
contava nos dedos: Paraçois, Maquiné, Pitanguy, Chico Carré, ribeirão dos
Coqueiros, Retiro, todos formadores do rio Valéria, tributário do Piracicaba.
Do lado Oeste,
região do Colégio do Caraça e do povoado do Brumado, os riachos: Quebra Ossos,
Brumadinho, Caraça e o Conceição, afluentes do rio Brumal que vai se juntar na
barra de São Bento, ao rio São João, formando o rio Santa Bárbara.
Águas que
brotam de grotas e minas, alimentando lagoas e uma infinidade de riachos
encachoeirados pelo lado Oeste da Catas Altas, descendo pelas terras de Santa
Bárbara.
De Santa
Bárbara para baixo, matas fechadas de um verde estonteante, refletidas no verde
lodo do lençol que vai engrossando, à medida que desce rumo ao Atlântico.
As terras do
Caraça ficaram para o Oeste, sob o manto de uma floresta virgem e os rios:
Santa Bárbara e Piracicaba, nascidos próximos, vão se juntar antes de São José
da Lagoa, para depois, formarem o rio
Doce.
Mata ainda
mais fechada num terreno fértil, sem as pedras das montanhas do centro das
minas e caminhando para os baixios das margens do Rio Doce.
Rio paraíso de
mosquitos, onde as grandes lagoas escondidas pelas matas, resguardavam a pureza
das tribos indígenas do contato do homem
branco.
Lugares onde
os brancos não se aventuravam, tementes das febres palustres transmitidas pelos mosquitos da malária.
Matas fechadas
não permitindo a entrada dos machados dos desbravadores paulistas, e depois dos
aventureiros faiscadores.
Estas não eram
as terras procuradas pelos mineradores ingleses e Edward Hosken fugia delas,
sabendo o quanto eram danosas as picadas dos mosquitos.
Para
felicidade dos homens da Cornualha, as regiões altas onde mineravam, tinham um
clima ameno e saudável aos europeus.
Clima de
contínua Primavera, onde o Sol aparecia 365 dias do ano.
Catas Altas
especialmente oferecia aos seus habitantes a amenidade que o corpo humano pede,
para uma longa vida como era comum na região.
De águas puras
e cristalinas, sossegada e ordeira, não era a localidade propícia aos médicos;
As meninas do
adro, as meninas do Rosário e as do Bonfim...
Maria Magdalena
Mendes Campello Hosken estava trocando com o seu casamento, a doce e sadia vida
de sua terra, para viver longe dela, mas ao lado do seu grande amor:
O inglês EDWARD HOSKEN.
Boa tarde! Que maravilha ler este texto histórico. Saberia me dizer qual é o nome completo do Dr. Moreira citado no texto? eu tenho os irmãos moreira sobrinhos netos do Padre Pantaleão já digitados no site mas não sei qual é o doutor.
ResponderExcluirObirgado desde já se puder ajudar
aristeu soaresdec@gmail.com