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CAPÍTULO XII O CASAMENTO DE EDWARD HOSKEN E MARIA MAGDALENA MENDES CAMPELLO


(DIA 8 DE DEZEMBRO DE 1848, NA CAPELA PARTICULAR DO VIGÁRIO, PADRE FRANCISCO XAVIER DE FRANÇA)

 - Ah meu Deuse!
Casamento sem igreja e sem festa, num pode Nhá!
Ancê é fia de gente arta...
Mia fia ancê tá doente da cabeça, oia cumé qui tá quente!
Só pode sê dilirio, minha Noss’ inhora!
- Estou em pleno juízo, Nhana...
Ninguém qué qu’ancê casa assim, surrupiada...
- Quem disse que estão me roubando?
- Entonces pro mode de que ancê nu casa outro dia?
- Se você não quer me ajudar, eu agradeço de qualquer maneira sua compreensão e ao silêncio que te peço...
Outra coisa que te peço, pare de chorar, por favor...
- Fia, cumé qui vô te ajudá  s’ocê tá mangando  d‘eu?
- Ah, Deus meu! Cumé qui vô acoitá doidice d’ancê Nhá?
- Se vai me ajudar, mãos a obra e arrume estas roupas na mala.
- Mas nu entra tudo aqui, Nhá!
- Ponha os vestidos e a roupa de baixo dentro da  mala, o resto, enfia numa trouxa.
- Meu Deuse!
Fia de coroné levando roupa na trouxa?
Sinhazinha, Sinhazinha nu faz isto não!
Onde nóis já viu botá roupa fina dentro de saco, vê se pode?
Preparando-se sob a luz do lampião, pois dentro do quarto escurecera, Magdalena colocou o mesmo vestido da formatura.
Um choro manso estava aumentando, sufocando a dor de Nhana; eu também estou chorando por dentro, Nhana!
Chora como eu, só para dentro!
- Nu güento, Nhá!
Nu güento, guardá tanta dô...
As lagrimas corriam nos olhos das duas.
- Eu não quero e não posso chorar no dia do meu casamento, o principal da minha vida.
Compreenda Nhana, não chore!
Passando as mãos sobre os olhos, a preta parou de chorar.
- Mas ancê vai só, fia?
- Não Nhana, vou também com o Eduardo...
- Nu sô boba, fia.
Pregunto se ancê nu vai levá ninhuma de nóis?
- Só depois que a poeira assentar...
Mamãe já me deu a Miúda,depois venho buscá-la.
- Maise, e nóis num vai vê ancê casando?
- Não Nhana, infelizmente ninguém da minha família ou pessoas que amo e que comigo convive.
Das minhas amigas, somente Maria Theodora que servirá de minha testemunha.
Mais ninguém.
- Pro mode que, Nhá?
- Eu vou explicar tudo depois...
Tenho que me ajuntar aos demais da casa e você fique aqui dentro do quarto para passar as coisas para o Zaga.
Ele vai entrar pelo portão do fundo com Miúda e dará um assobio na hora que se aproximar da janela.
Somente depois de três pancadinhas na janela, você pode abri-la e passar minha mala.
Eu vou repetir tudo de novo, presta  atenção!
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O movimento seria feito pelo fundo do beco do Santíssimo, a claridade das estrelas e os vaga-lumes, já iluminavam o quintal por onde passariam.
Na sala de visitas, havia uma discussão acirrada, se Herculano Ferreira Pena, nomeado governador da província de Pernambuco, era ou não filho de Santo Antônio do Rio Abaixo.
A família Pena muito ligada ao político e parente José Feliciano  Pinto Coelho da Cunha,  começara a emergir na sociedade da região e no cenário nacional.
Coronel Emery, sempre brincalhão comentou maldoso:
- Tenha pena;  já chega de penas!
Tem pena até na cama do português Martinho Joaquim Lourenço...
- O colchão dele é de pena?
- Dentro do colchão não, mas em cima, pois sua mulher é a Dna. Anna Joaquina Teixeira Pena...
- Cuidado, coronel Emery!
É o português que abastece sua casa com víveres e quinquilharias...
De víveres  uma ova, pois planto de tudo em minha roça.
Eu respeito muito sô Martinho, mas da venda dele, só recebo mesmo quinquilharias...
Naquele dia de festa, a sala do coronel Thomé regurgitava de gente, mais que as portas da igreja de Nossa Senhora da Conceição.
O Guarda-Mor gostava de ver sua casa cheia de amigos e parentes, era entre as 4 paredes da sua sala, que ficavam sabendo de tudo que ocorria tanto na capital da província, como também nos arredores de Catas Altas.
Enquanto discutiam no lado de fora, os homens;  na copa em volta da mesa grande, as mulheres trocavam receitas e feitios de vestidos...
Na cozinha, queimando cargueiros de lenhas o fogão aquecido esquentava quitandas e salgados para serem devorados.
Na intimidade da casa, as mulheres ao derredor da mesa grande da  copa.
No copiar, os homens tinham a liberdade de conversarem o que as mulheres nunca poderiam ouvir...
No burburinho das conversas, ninguém poderia supor o que  estava ocorrendo com uma das filhas do Guarda-Mor.
Magdalena se sentiu livre e sem problemas para concretizar o seu plano.
Acompanhada de Nhana e seguindo o negro Zaga, ela saiu pelos fundos, dando uma volta, que seria impossível dizer para onde ia.
- Tá ali, Nhá Magdalena!
A mocinha não via nada no escuro.
- Onde Zaga?
- Por trás da cerca ela viu uma charrete parada.
Medrosa, Nhana ainda advertiu:
- Miúda vai delatá nóis tudo!
- Não vai não, ela não é besta de comentar nada, pois eu prometi que depois ela  iria morar comigo.
- Ancê falou prela qui vai casá?
Não, ela não sabe, mas deve ter deduzido que há uma coisa estranha por trás de tudo o que está ocorrendo.
Amanhã cedo ela vai ficar sabendo na hora que for arrumar o quarto e der pelo meu sumiço...
- Como ancê engabelô ela?
- Dizendo que estava me aprontando para encontrar com Edward na casa do vigário, o que não deixa de ser verdade.
Meus encontros ela já percebeu que são as escondidas, por isto não vai dar pela coisa.
- Mas Nhá, ela não é boba, e as traias que Zaga levou?
- Eu disse para ela que eram roupas de cama para minha futura casa no Gongo Soco, o que também não deixa de ser verdade.
- Nhá, ocê nu tá com medo?
- Medo de que,  criatura?
- De saí de casa assim, perecendo fugida?
- Se estivesse fugindo nem você saberia!
- Nhá, qui Nossa Senhora Ceição ajude ocê, viu?
- Amem Nhana a nós todos...
Com a toalete especial da formatura, Magdalena foi até a sala para cumprimentar as visitas.
- Como você está bonita, Magdalena?
- Foi o vestido que mamãe mandou fazer para minha formatura...
- Mas  é lindo!
- Você sarou?
- Sim tia.
Tomou o chá, minha filha?
- Tomei mamãe...
- Tinha tanta gente perguntando por você...
- Vou cumprimentar a todos.
Admirados com a entrada de Magdalena, eram eles unânimes:
- Que bom,  voce melhorou?
Com cada visita conversava um pouco e pedia desculpas dizendo que teria que cumprimentar aos demais, ajudando a fazer as honras da casa.
Para a mãe, disse que ainda estava sentindo dores de cabeça  e que iria deitar  mais cedo.
Ela não mentia, sua face estava rubra e a testa quente da pressão que passara a sofrer.
Olhando com ternura para a mãe, ela notou certa angustia nas feições da filha e perguntou:
- Você está sofrendo alguma coisa?
- Dores de moça, mãe!
A mãe encostando as mãos sobre sua testa,  deixou ficar durante um certo tempo e depois diagnosticou:
- Você realmente está um pouco febril, vai deitar...
Beijando o rosto da mãe, Magdalena disse:
- Tinha muita vontade de conversar com a senhora, mas tem tanta gente...
- Vai deitar, amanhã conversaremos...
- Sua benção, mãe.
Magdalena caminhou firme sem voltar para trás, ela tinha medo de denunciar o que estava por ocorrer.
Apesar de ter que usar a mesma indumentária, trocou o sapato branco por um par de tamancos, vestiu uma capa preta do pai e como um vulto negro, atravessou o pomar acompanhando o negro Zaga.
As folhas secas onde pisavam, quebravam fazendo o ruído que os pés tentavam evitar.
Os vaga-lumes passavam deixando rastros de luzes iluminando intermitentes.
- Cuidado Nhá,  veja onde ancê pisa!
Nhana vinha se arrastando como podia naquela escuridão que as árvores ajudavam a fechar por completo.
Como Zaga dissera e Edward prometera, a charrete esperava  por ela junto da cerca do beco do Santíssimo.
Ajudando-a subir, escondeu-se sob a capa preta do pai.
A carroça deu uma volta por trás da igreja, esgueirando junto das casas, evitando o meio da praça, até a casa do vigário.
Quem visse aquela figura estranha, não poderia supor que era a filha do Guarda Mor.
A bagagem pesava e o animal fazia um esforço hercúleo para vencer a ladeira que ia dar a praça, as patas escorregavam sobre as pedras polidas.
O negro desceu para aliviar o peso e a mula não escorregar no calçamento.
Na frente da casa do senhor vigário, algumas pessoas conversavam.
Zaga parou segurando as rédeas do animal; olhou para ver se eram  pessoas que o inglês dissera que estariam lá a sua espera.
Magdalena chegara a perguntar a razão da parada...
- Tô oiando, Nhá!
Sô Du falou co’eu qui só deixasse ancê descê,  despois de oia quem tivesse na porta da casa do sô vigaio.
- Ancê pode apiá, agora!
- Tá tudo bão, sinhasinha?
   Qui Deus ajude ancê e Nhô Duardo.
- Mas você não vai assistir nosso casamento?
- Bem qui quiria, Nhá!
  Maise quem vai oia os animás?
Ao encostar a carroça, Bull apareceu e ela estava trocando o tamanco pelos sapatos da cerimônia.
- Good evening miss, how are you?
- I’m fine, thank’s, sorry.
Ela estava tendo dificuldades  para tirar a capa que vestira sobre o vestido.
Bull ia ajudá-la, quando conseguiu retirá-la e estender sua mão para os cumprimentos.
Bull  beijou a sua mão e disse num português quase perfeito:
- John Bull muito feliz, ser padrinho  casamento e  beijar a mão da moça mais bonita de Catas Altas.
- Edward Hosken, inglês mais feliz  terra de vocês...
- Bull levou sua mão direita no bolsinho do paletó, tirou o relógio e disse:
“ It’s seven o’clock in the evening...
Atrás do Bull, apareceu Maria Theodora.
- Você deveria ter chegado um pouco antes, para que eu desce um retoque em você! 
- Talvez ainda dê tempo, Theodora!
Olhando-a dos pés a cabeça, disse aliviada:
- Quase nada, você está linda!
As duas se beijaram.
Mas muito pálida para um momento tão importante, você trouxe ruge?
Magdalena abanou a cabeça e seu corpo tremia.
Vendo-a naquele estado de nervosia, Maria Theodora começou a chorar.
- Quem vai se casar, eu ou você?
Num misto de riso e choro,  Maria Theodora respondeu:
- Claro que é você, a mais doida das noivas de Catas Altas!
- Em vez de chorar, ria por mim, pois estou fazendo o que mais queria...
- Seu vestido é lindo, parece ter sido confeccionado para o casamento!
Na verdade, o vestido branco ajustava-se a aquela cerimônia simples, dando a noiva, a beleza física que o noivo tanto admirava.
Uma coroa de virgem sobre a cabeça e uma camélia, ambas trazidas pela amiga e testemunha, eram os únicos ornamentos visíveis da noiva.
John Bull ofereceu os braços para que Magdalena e Maria Theodora apoiassem  sobre eles.
Na porta da casa, a mãe do padre Francisco esperava pelos noivos, recomendação que o vigário fizera à mãe.
- Seja bem vinda a nossa  casa, minha filha!
- Obrigada,  dona Maria Clara!
- Meu filho não falou quem ia se casar, pensei que era gente das imediações...
- A discrição como ele agiu dona Maria Clara, revela o quanto é confiável atendendo ao meu pedido.
- Meu filho apenas pediu-me que recebesse uma moça que se casaria aqui e em vista das circunstâncias, desse o apoio necessário.
- Eu não poderia imaginar que fosse você, Magdalena!
- Fico muito grata pela presença da senhora e que Deus a abençoe.
- Eu é que devo pedir por você, minha filha!
- Na falta das bênçãos de meus pais recebo às suas dona Clara, como se fosse as de minha mãe.
Dona Maria Clara ficou ao lado dela, esperando a entrada do noivo.
As l8,55 horas, Edward entrou acompanhado pelo tenente José Domingos Gomes e do padre Justino.
Foi o padre Justino que explicou aos presentes a razão insólita do casamento naquela hora da noite e numa capela tão reservada.
 “-Se faltava a beleza e a ostentação a uma cerimônia que deveria ser pública e na igreja da matriz, havia o que é mais importante na união de um casal:
O desejo dos noivos em constituir família.”
Declarou que, sendo amigo dos pais da noiva, não se conformaria que o casamento fosse  realizado em Gongo Soco, numa igreja não católica.
Para  comprovante do que dizia, leu para os presentes a carta recebida do reverendo Cuming,  pastor da igreja  Anglicana do Gongo Soco.
Chamando os noivos junto ao oratório, pediu-lhes o juramento de que, dispensados com fiança dos proclamas, declarassem  ambos que:
Eram solteiros e desimpedidos para consumarem perante a igreja Católica, a união desejada por eles.
Que ele: Edward Hosken, perante a sua fé, jurava aceitar Maria Magdalena Mendes Campello, como sua legítima esposa, prometendo respeitá-la e amá-la por toda a sua vida e com o livre arbítrio para  continuar a  professar a fé Católica, Apostólica, Romana.

Repetindo as mesmas palavras do padre, por fim declarou:

- Eu Edward Hosken, cidadão inglês de nascimento, juro perante esta sagrada bíblia que:
Maria Magdalena Mendes Campello, depois de casada, passará a assinar:
Maria Magdalena Mendes Campello Hosken, e tem sob meu juramento e em nome de Deus, a livre condição para professar a fé religiosa em que foi batizada.
Com as mãos sobre a bíblia e o rosto demonstrando um semblante fechado, Eduardo ouviu o padre dizendo:
- Que os noivos subam ao altar deste oratório e em nome de Deus recebam as alianças:
- Ó Deus, por vós unis Edward Hosken e Maria Mendes Campello Hosken e que este símbolo da aliança, seja de eterno amor e respeito mutuo.
Olha, senhor! Com sua bondade para vossos servos que agora se unem.
Fazei que seu jugo seja de amor e de paz; e que fiel e casta a seu esposo, seja também a Cristo.
Que também seja firme na fé e submissa aos mandamentos de Deus.
- Ó Deus, estejais com eles, como estivestes com Maria e José no dia de suas bodas e que os frutos desta união, sejam eternos para alcançarem a graça de verem os filhos de seus filhos até a terceira geração...

Você Eduardo, você Maria Magdalena, estão unidos para sempre; e o que Deus uniu, jamais seja desunido...
Cumprimentando os noivos, pediu a seguir:
-  Por favor,  aguardem em seus lugares para  as assinaturas.

Padre Francisco Xavier de França tomando um livro, fez os seguintes assentamentos:
 
“Certifico que as folhas 167 do livro G-9, de assentamento de casamentos desta paróquia de Catas Altas do Mato Dentro, registrei aos oito de dezembro de mil oitocentos e quarenta e oito, pelas 7 horas da tarde, na Ermida de minha residência, depois de dispensados com fiança dos proclamos e do temi do Advento, pelo Exmo. Revmo. Provedor e Vigário Geral, Francisco Justino Gonçalves Viegas, se receberão in facie Eclesiae por palavras do presente, claras e absolutas, Edward Hosken e D. Maria Magdalena;   
Aquele de nação Inglesa, filho legítimo de Jammes Hosken e Anne Hosken, e batizado na cidade de Mariana, esta filha legítima do Guarda Mor Thomé Fernandes Mendes Campello e de dona Rita de Cássia, ambos meus fregueses, ficando para receberem as bênçãos no tempo competente, “ era ut supra “
  
Assino: O vigário Francisco Xavier de França
 
               Catas Altas 8 de dezembro de l.848.

Ver cópia da certidão do casamento no Anexo nº  9

Afinal, as bênçãos não foram dadas na cerimônia, os noivos não perceberam; restava aos nubentes a benção prometida pelo reverendo Cuming em Gongo Soco.
Para a sociedade de Catas Altas, eles estavam casados, para a igreja católica, o ato só se confirmaria depois de cumprido o que comprometera  o noivo.
Os demais presentes aguardavam o casal do lado da ermida, exceto as testemunhas que ficaram para assinar como testemunhas, sendo eles:
 
                            Tenente José Domingos Gomes
                                                   e
                             Francisco Justino Gonçalves

Se não houve festividade, pelo menos existiu calor e simpatia dos presentes para com os noivos.
Maria Theodora chorava copiosamente; casando-se Maria Magdalena iria morar fora e ela perderia sua melhor amiga e confidente.
Zaga vendo os dois do lado de fora, tirou o chapéu  e disse de uma maneira simplória:
- Inté qu’infim, ancês casaram, luvado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo!
Nhô nu vorta maise prá sua terra!
O negro se sentia aliviado, pois, casando-se Edward não voltaria  para a Inglaterra.
- Como tô filiz!
Junto dele estava o menino John Hosken acompanhando a cerimônia que nunca assistira, era a primeira, exatamente do seu pai...
Meio sem jeito,  não sabia como proceder com uma estranha como esposa de seu pai.
 Magdalena foi abraçá-lo dizendo:
- Meu filho, eu quero ser sua amiga...
Há anos ele não sentia o contato íntimo de uma mulher.
Ele tremia e não sabia o que fazer e dizer...
 Magdalena olhava em seus olhos e abraçada a ele, confessou:
- John, Talvez eu não possa ser uma mãe como você deseja, porém farei tudo para que você se sinta feliz ao meu lado, assim como preciso de você como meu  filho e amigo...
Ela teve vontade de beijá-lo, mas teve medo de constrangê-lo.
Estendendo os braços, deu as mãos para os dois Hoskens que seriam daquele dia em diante, sua família...
Eduardo queria dirigir a carroça, mas vendo que o peso era demais para o burro, desceu, deu as rédeas para o filho e disse: 
- A responsabilidade é sua de conduzir minha noiva...
Vamos de vagar, pois vocês e as malas estão pesando muito.
Cavalgando ao lado da carroça, ele via com que satisfação o menino tomara o encargo de levar sua nova mãe ao lar.
O céu cheio de estrelas clareara a noite que começara escura e incoberta, depois as nuvens dispersaram e surgiu um céu limpo e iluminado.
O tropel dos cascos dos animais embalava o menino que adormecera apoiado no ombro da madastra.
Magdalena sentia o ar puro da noite, através da brisa soprada do lado Norte, a serra impedia que o vento Sul, incomodasse os viajantes da noite.
O resfolegar dos animais e o trote, assustava os animais noctívagos e os curiangos  só se levantavam do chão, quando menos esperavam...
As ferraduras ressoavam com o impacto contra as pedras do caminho, tirando chispas que iluminavam como relâmpago o chão onde pisavam.
A dor de cabeça de Magdalena desaparecera e nenhum sentimento de culpa viajava com ela.
Viagem de núpcias completamente diferente como sonhara...
Em vez do contato com o noivo, ela tinha abraçada ao seu lado, o filho dele que ganhara ao se casar com  Edward.
Estranha entre estranhos, o amor superara as barreiras das incompreensões e ela tinha plena certeza que seria muito feliz como esposa do cavaleiro que trotava ao seu lado.
A lua saíra e iluminava a estrada, os pensamentos de Magdalena estavam voltados para a cena do seu casamento.
Ao dar entrada na ermida do padre Xavier, contra a luz das velas, ela o viu ajoelhado sobre o genuflexório e sua sombra projetando-se na parede.
Uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição e um crucifixo, eram as únicas imagens sobre o oratório.
Forrando o pequeno altar, uma toalha bordada de linho, mostrando uma alvura singular.
Sobre ela, dançavam as chamas das velas empurradas pelo vento que entrava pela porta.     
O cheiro de incenso, certamente queimado por dona Maria Clara espalhara por toda a capela.
Rezando de costas, padre Xavier não se abalava com a leitura do breviário e era notória aos olhos de Magdalena, a sobrepeliz branca e rendada, contrastando com a batina preta sob ela.
Nada mais restara de lembrança da cerimônia do seu casamento, ela queria guardar na memória, mas a tensão fora enorme; nem as palavras proferidas pelo oficiante...
Tudo apagara na comoção de seus sonhos; fazendo um esforço, juntava pedaços do que vira e ouvira.
Quando entrara na capela, ao lado de Edward, o filho dele olhava embasbacado para ela.
Aquilo marcara e ela se lembrava...
Muito mais tarde, John disse, que:
Achou estranho um homem vestido de mulher e o ambiente iluminado a velas, recendendo a cera e incenso.
Nas minas onde andava com o pai, não se usavam velas, mas lamparinas e lanternas alimentadas por carbureto.
Absorta em seus pensamentos, Edward aproximou-se o mais que pode da charrete e apontando o povoado e as casas, disse:
- Estamos chegando, querida!
A casa estava inteiramente fechada; com o barulho dos animais, alguém lá de dentro abriu uma fresta na janela e perguntou:
- Quem vem lá?
- É nóis Genoveva, anunciou Zaga.
- Nóis, quem?
- Sô Du e famia!
Latidos tardios de cães denunciavam a nossa chegada.
Descendo de sua montaria, Eduardo veio ajudar a Magdalena descer da charrete.
- Carregue primeiro o John, disse ela.
- Zaga, toma o John das mãos de Magdalena e leva-o direto para a cama.
O menino estava inteiramente debruçado sobre o colo da madrasta e ela se sentia bem, sustentando-o como verdadeira mãe.
Ao retirar dos braços da madastra, o menino acordou assustado e perguntou:
- Pra onde estão me levando?
- Para nossa casa, John...
Era uma voz estranha ao ouvi-la; e ele não sabia se sonhara, ou tudo aquilo era realidade.
Que era o Zaga que o carregava, ele tinha certeza, mas a voz de quem era?
John não mais ouvia a voz estranha, Edward carregava a noiva para dentro da casa onde passariam a Lua de Mel.
Zaga deixara o menino sobre a cama do seu quarto.
Ao voltar para buscar as coisas de sinhá Magdalena, viu o inglês carregando-a como se fosse uma menina...
O negro não disse nada ao passar por eles, mas pensava:
- Nu é minininha, pra qui sô Du tá carregando ela?
Genoveva assustara ao ver uma mulher sendo carregada pelo marido, murmurando baixinho, com os lábios se abrindo:
“ Hum! hum! nu tá dromindo, pra qui carregá sinhá? “
Magdalena pedia para que Edward a colocasse no chão, reprovando a intimidade a vista dos escravos.
- E assim que se introduz uma dama em seu lar na Inglaterra; demonstração para que os subalternos também  carregue os  desejos delas...
Ao tentar passar pela porta da entrada, Edward carregava-a sentada em seus braços; ele teve que torcer o corpo para que ambos passassem pelo vão.
Magdalena esperneava;
-“Wait a minute, my darling!”
Já dentro de casa, ele disse para que Zaga e Genoveva ouvissem:
- Esta é minha Magdalena, a dona desta casa!
Alojada nos braços do esposo, Magdalena olhava com surpresa as boas vindas que Genoveva preparara para ela:
Dependuradas nos quatros cantos da sala, pendiam nos galhos secos, floridas orquídeas da Primavera de 1.848.
Admirando-as ela dizia:
- Que lindas Edward!
“- É pra ancê, fia!“
Foi Zaga qui juntô na serra e nóis cuidou delas...
- Obrigada Genoveva!
Obrigada Zaga, pelo lindo presente de casamento.
- Intonces Nhá sabe o nome deu?
- É claro, Genoveva!
Edward fala muito em você...
- É memo, Nhá?
Inté qui achava qu’ele nu ligava pr’eu!
- Não diga isto, Genoveva!
Edward sempre confiou em você, haja vista que John estava sob os seus cuidados.
- Ah, Nha!
Ancê nu sabe o trabaio qui dá o capetinha...
Memo assim gosto do meu diabinho!
Oh fia! Ancê é maise bonita qui sô Du falô qu’eu...
- Beleza não põe mesa, Genoveva!
- Mas sô Du tá pono, Nhá!
Eta Godeme filiz!
- Quem é feliz, Genoveva?
- Sô Du, fia!
- Ancê é um patuá pr’ele!
- Onde ele vai colocar o patuá, Genoveva?
- Ora fia! nu coração, uai!
Edward que entrava pela última vez das idas e vindas, reclamou:
“ - I’m hungry, Genoveva...
- Já tá na mesa da cozinha, Nhô!
Magdalena estranhou a negra entendendo a língua inglesa, esquecendo-se que ela  há muitos anos trabalhava na Mina, onde só se falava com os brancos, a  língua deles.
- Nhá, o banho tá arrumado, n’hora qui ancê quisé é só pidi prá virá a água quente na bacia qui tá no quarto...
Magdalena foi até o quarto onde iria dormir pela primeira vez o casal.
No chão, uma enorme bacia esperava por ela.
Ela lembrou do seu “tonneau“ tipo francês que o pai mandara confeccionar em Vila Rica, como sentiria sua falta.
Em Gongo Soco se não houvesse igual a sua, pediria Edward para mandar fazer uma semelhante.
Acarrega pra eu a água quente e aponha na  gamela  do quarto de Nhá, Zaga!
Magdalena notou que havia ordem e colaboração entre os escravos e que Genoveva correspondia a suas expectativas.
- Adepois ancê vai lavá também, Nhô?
- É claro, Genoveva, estou cheio de poeira e suor...
Com a chegada de Magdalena, a escrava antiga sentia a necessidade de ter ao seu lado, uma pessoa para ajudá-la durante o tempo que o casal permanecesse no Morro da Água Quente.
Uma negrinha espigada e esfregando os olhos, apareceu na sala desconfiada.
- Sus Cristo...
- Que menina é esta, Genoveva?
A negrinha assustada e de cabeça baixa, encolhida em seu próprio corpo, tentava dobrar os pés a um ângulo de l80 graus, o que a Magdalena parecia ser impossível.
- Ela é fia de gente que ganhô carta de ingenuidade!
- Carta de que, Genoveva?
- Arforria, Nhô!
 Qui vale sê livre, se nu tem qui comê...
- Qual é o nome dela, Genoveva?
- Pericida...
- Menina Aparecida, você quer ficar aqui para  ajudar?
Ela não falou, mas a cabeça acionada mostrava que a resposta era sim.
- Ocê, nu sabe falá, minina?
A cabeça tornou a confirmar sem que ela abrisse a boca.
Seu corpo tremia não do frio, conforme estava vestida sob um pano de saco de aniagem, por baixo não se via mais nada,  senão a pele preta mostrando seus contornos.
Genoveva olhou incrédula para o chão e ia ralhar, quando Magdalena calmamente foi em socorro da pretinha.
- Deixa Genoveva é vergonha e medo das caras estranhas; com o tempo vamos educá-la...
- Mas Nhá, nem bicho do mato mija na frente dos’outos!
- Deixa que ela vá dormir Genoveva.
- Some, some bicho...
A menina saiu correndo e chorando.
- Ela está muito grande para andar somente com o camisolão que veste, precisamos arranjar roupas para cobri-la decentemente.
- Tá tudo costumado assim, Nhá!
Se ancê fô lá na cafua deles, vai vê gente maió do qui Pericida sem roupa ninhuma!
- Eles nu tem o qui comê, Nhá!
Cumé qui vai arranjá trapo pra vesti?
- Nós vamos dar um jeito, a menina não pode ficar andando por aí  com estes trapos, seu corpo está praticamente nu... Magdalena trouxera pouca roupa e escolhera as mais úteis para se vestir no campo e na Mina.
Genoveva admirava o enxoval da noiva e disse virando para a nova patroa:
- Nhá,  qui boniteza! Nem no Gongo as muié tem roupa como ancê!
Não era possível desfazer toda a mala naquela hora tardia da noite, somente peças da roupa de cama foram retiradas do baú; também não era desejo de sua dona desarrumá-lo.
Edward dava ordens ao Zaga antes de se lavar para  depois ir deitar.
Bem mais tarde ao abrir a porta do quarto de núpcias, Magdalena já dormia um sono pesado.
Desapontado, mas reconhecendo o estado de cansaço e preocupações por que passara a noiva, foi deitar-se como um homem solteiro.
O movimento do interior da casa custou a cessar e lá fora os galos cantando no silêncio da madrugada, anunciavam um novo dia de uma nova era para o casal.
Fora um dia inteiramente diferente do que sonhara, ela ali tão perto, entretanto, mal roçava as mãos sobre o corpo inerte; Magdalena dormia e ele não ousava acordá-la...
Enquanto ouvia o ressonar da esposa, não conseguia fazer o mesmo, desperto por desejos inconfessáveis.
A manhã do dia 9 de dezembro foi acordá-los já tarde e com o Sol bem desperto, tênue claridade entrava pelo forro e frestas das janelas.
Magdalena acordara primeiro, estranhando a cama e o lugar; virada contra a porta, rolou na cama para situar melhor onde estava.
Encostou-se em algo estranho que mexeu ao seu toque.
Ela lembrou; Estava casada desde o dia anterior, Edward dormia ao seu lado.
Enfiou as mãos sob as cobertas, e tentou levá-la  até a cabeça.
Tentativa frustrada de esconder-se com recato.
Edward rolara e mantinha o seu corpo sobre parte da colcha, apesar de descoberta com a camisola exposta, ela era a mesma donzela do dia anterior.
O marido dormia e portara-se como verdadeiro cavalheiro; admirada olhava o esposo no seu sono inconsciente e teve a tentação de beijá-lo agradecida pelo respeito à sua intimidade.
O recato impedia a força do seu desejo.
Ele não era como propalavam os que conviviam com os ingleses, principalmente os nascidos na Cornualha.
Acordada, teve vontade de levantar, mas não sabia se esta poderia ser a atitude da noiva.
Quanta etiqueta desconhecia da vida de casada, principalmente como portar-se na noite de núpcias.
Se levantasse primeiro, ele dormindo não perceberia seus movimentos na troca da camisola por um vestido.
Com isto, evitaria os olhares indiscretos que ela não permitiria.
Assim pensando e sem fazer ruídos e gestos bruscos, desvencilhou-se das cobertas e pé ante-pé, tentou aproximar-se do baú onde encontrava a sua roupa.
Escolheu um vestido próprio para o campo, agachou-se e começou a se despir da camisola para troca pela veste do dia.
A barra do seu vestido agarrou na tampa aberta e ela desceu ruidosa.
Despida, cobrindo com as mãos o corpo nu, abaixou as mãos para cobrir o púbis e deixou a descoberto os seios pequenos e duros.
Na aflição do seu recato, tentava cobrir seu corpo  o que as duas mãos não conseguiam...
Edward com os olhos bem abertos mirava, encantado os castos movimentos da esposa virgem.
- Não olhe para mim, Edward!
O inglês sorria da inocência de sua esposa e ele sentiu seu corpo ganhando volume repentinamente sob os lençóis da cama.
- Por favor, não olhe!
Virando o rosto para o outro lado, explicava para Magdalena:
- Você é minha esposa estamos casados, querida!
- Mas isto não lhe dá o direito de ficar me olhando deste jeito...
- Não permito e não quero, disse ela brava.
- Posso levantar Magdalena?
- Não, não, só se estiver composto, do contrário vou  sair primeiro.
- O homem deve levantar primeiro, querida!
De ceroula, ia levantando quando ela apavorada disse:
- Não, não Eduardo!
- Eu estou composto, querida!
Para ela a roupa íntima do marido era como se estivesse nu, para ele, não havia nudez coberto como estava...
Vestindo rapidamente uma camisa, não concebia como sua  esposa poderia ser tão casta.
Posso te beijar querida?
- Só depois que me vestir...
- Nos somos casados, Magdalena!
- I’m not sure, Edward!
- Ao  deitar me  lembrei que não recebemos a benção matrimonial.
- O que?
- A benção para os que se casam!
- That’s  impossible, Magdalena!
I’m sure, the father put into it the records.
- Estamos casados oficialmente, não religiosamente...
- We’ve got the Reverend Cuming’s blessings...
- Eu receber “letter” dele...
Onde está esta carta em que ele dá as bênçãos?
Edward foi buscá-la para que ela se sentisse abençoada por Deus.
O argumento do noivo tinha fundamento, realmente o reverendo escrevia a ele dando suas bênçãos e prometendo confirmação em cerimônia junto da colônia inglesa, no Gongo Soco.
Aquela carta aliviara Magdalena! pois se sentia como vivendo a primeira noite de casados em concúbito.
Acabara para Magdalena o escrúpulo que estaria se insurgindo contra Deus, pois o reverendo Cuming, tal como os padres tinha poderes divinos  para abençoa-los.
Alem do mais, lembrara que ao subir ao altar da capela, o padre Xavier dissera:
- “Ó Deus, por vós unis ...”
Se ele o padre invocara a Deus para uni-los, a benção estava dada...
- Edward, você sabe?
Nós estamos casados e abençoados, pois o próprio padre invocou as bênçãos de Deus...
- Certainly my darling!
- Please, shut the windows.
- Yes darling.
Edward empurrando as bandeiras da janela deixou entrar a claridade que vinha lá de fora.
O dia estava radioso, o sol invadia o quarto e um perfume de campo chegava até eles carregado pelo vento.
Magdalena sorria; os dois abraçaram-se.
- Imagine, eu casada!
- Nos estamos casados, Deus nos abençoe...
- Please, go back to sllep!  
Ele queria que ela voltasse para a cama.
- Tenho muita coisa a fazer com a bagagem ainda por desfazer...
Os dois em pé dentro do quarto flertavam e ele confessava desapontado com a noite de núpcias.
- Nós estávamos cansados, Edward!
- Nós, não; você Magdalena...
Levantando-a pelos braços cumprimento-a:
- Good morning, my darling!
Suspensa pelos braços dele, ele a esmagava no fogo do desejo...
 - Thanks for this wonderful night!
Ele ria pela “noite linda” que ela agradecia; nada acontecera,  ela dormira...
- Foi melhor assim querido! nós estávamos cansados e tensos com o casamento como ocorreu...
- Como demorou a chegar este dia!
Do lado de fora da casa, John brigava com Genoveva.
Ele queria acordar Magdalena para mostrá-la onde nascia a fonte d,água quente...
Colocando a cabeça pela janela, Magdalena viu o menino e disse:
- O que você quer me mostrar, John?
- A água quente, Ma-ma...
Magdalena não sabia se ele gaguejava seu nome, ou tentava chamá-la por mãe...
Carinhosa, percebendo que poderia ser a manifestação de um ex-órfão reencontrando sua mãe, disse para ele:
- Você pode me chamar pela maneira que quiser, mas ficaria muito feliz se me chamasse de mãe.
Ao sair do quarto notou como a casa estava florida, orquídeas para todos os cantos.
Do lado de fora, a 250 metros, brilhava em tons de prata o Morro da Água Quente, que nada mais é que a própria serra do Caraça.
Lapas de pedras da encosta refletiam o sol com brilhos que machucavam os olhos; Uma manada de pássaros voava pousando nas hastes verdes da ramagem.
Com o peso dos: Papa-arroz, curiós e tico-ticos, os pendões do capim em flor, tombavam flexíveis, dando sementes para que eles se fartassem delas.
Como era bonita a serra!
Deus criara o homem para que ele pudesse valorizar a beleza da sua  criação...
Enamorada do que via, ela sentia que era para isto que se casara com o homem que amava.
Eles teriam muitos filhos para glorificar o poder do Criador...
Aquela casa de hospedes dos ingleses que era conhecida por eles como:  “Country house” não oferecia condições para uma estadia prolongada, pois também recebia  diferentes hospedes da mineração.
Sua fachada dava frente para a capela branca de janelas e portas azuis.
Os empregados e escravos da mina moravam num alojamento mais distante, exatamente onde Edward mandava buscar a água para os banhos, pois era além de limpa,  morna e levava pouco tempo para acabar de  esquentar.
Depois de alimentarem-se pela manhã, Edward foi para onde faziam catas e Magdalena saiu com o John, para que ela conhecesse melhor o povoado.
- Corre moleza!
Vê se me pega, corria o menino olhando para trás.
A água do Diabo fica lá, olha!
- Que água é esta, John?
- A do Diabo, pois nasce quente como as coisas  do inferno!
Passando pelo lado da capela de Nossa Senhora das Mercês, chegaram, as bases do contra forte da serra, o riacho dos Lençóis nascia nos olhos d’água que brotavam entre as lajes.
Vendo que a madastra apertara os passos, pois corria, ele de repente desapareceu do plano em que caminhavam.
- John, John,  onde está você?
O menino pulou para o berço do riacho e desceu correndo pela vala onde corriam as águas.
Coberto pelo talvegue, não via para onde fora.
- John, oh John!
É esta a água quente?
O enteado que desaparecera pela frente,  cutucava a madastra por detrás; estou sentindo que não só a água, mas você também é parte do diabinho que andou por aqui.
De onde você saiu?
O menino ria...
- Prova o calor e o gosto d’água...
O gosto é o mesmo de outras fontes, mas quente...
É por isto que aqui se chama Morro da  Água Quente.
O menino não era o mesmo da noite anterior, como mudara!
A água que corria aqui era tanta, que dava para agente tomar banho nadando.
- Quem te contou isto?
- Genoveva que conhece todo mundo aqui?
- E quem contou para ela?
- Sei lá, alguma velha...
Devia ser gostoso tomar banho quente sem precisar esquentar a água, né?
Ah! Como eu ficaria o dia inteiro dentro dela...
Magdalena começou a reparar a paisagem do lugar que um dia fizera história. 
A sua frente, a serra enorme toda escavada por faiscadores; desnuda brilhando sob os raios do sol,.
Um brilho de metal reluzente que chegava a cegar os olhos.
O cinza fulgurante escamoteado espalhava-se pelo paredão indo até o pico mais alto dominando toda a região.
Mais para o lado esquerdo, as pontas íngremes dos rochedos das Três Marias em procissão.
Magdalena extasiada olhava para o alto, quando John chamou a sua atenção:
- Olha Magdalena, olha a igrejinha de frente.
Surpresa ao vê-lo dizendo o seu nome, ele a considerava como uma amiga que o pai lhe dera; mães eram as 2 que haviam partido:
Mãe Antônia e mãe Anne Jeferre...
- Você que é o sabe tudo, a que santo é dado o nome desta igreja?
- Santo nenhum, uai!
Ela é a capela de Nossa Senhora das Mercês.
Magdalena gravava em sua memória aquela visão, da pequena capela.
Baixinho rezou em silêncio:
Oh! Nossa Senhora, é da sua mercê que estou necessitada...
Pequena e simples, a fachada com um portal amplo em comparação com a sua dimensão; Duas janelas retangulares com fingidas sacadinhas de peças torneadas e quase junto ao vértice do telhado de 2 águas, um circulo de ventilação com os furos formando uma cruz de malta.
Da sua simplicidade, era tudo que seu arquiteto planejara...
A capela não precisava de ostentação, Deus dera ao local, coisas extraordinárias que seu projetista construtor, não quisera  confrontar.
Dias depois Magdalena ficou sabendo de alguns detalhes da sua construção.
Padre Pantaleão Nunes de França que a erguera em 29 de março de l.767, era um sacerdote culto, filho do Sargento Mor Pantaleão e tio avô do seu médico: Dr. Moreira.
Com o gosto pelas coisas do Senhor, o sacerdote plantara seus alicerces no meio de um terreno plano, onde por perto já havia algumas casas.
Com o tempo, outras edificações foram sendo erguidas em torno do templo, formando uma linda pracinha retangular.
O pequeno adro gramado moldurando a igrejinha, era bastante amplo para ser visto até do alto da Santa Quitéria a três quilômetros em linha reta.
O Sol da manhã daquele Verão parecia arder como se uma fogueira estivesse acesa sobre nossas cabeças, os raios do Sol chapavam sobre as rochas do sopé da serra.
Escravos cavuqueiros queimavam cavando a base da montanha; suados e desnudos, Magdalena teve pena de vê-los entregues à tarefa de buscar o ouro em terrenos tão ingratos.
Exploração em falda da montanha que o inglês não gostava de fazer. pois demandava tempo com ferramentas inadequadas a dureza da formação geológica.
Não havia ciência e qualquer minerador poderia feitorar a lavra, dispensando um técnico qualificado.
O preto Antônio que viera do Gongo-Soco, capatazeava a cavucagem.
A extração do ouro no Morro d’água Quente entrara numa fase pouco produtiva, as chuvas prejudicavam as escavações, o mesmo ocorrendo com os outros lugares próximos da Serra do Caraça.
Edward tendo em vista as diversas frentes de pesquisas e extrações, deslocava-se continuamente do Morro.
Magdalena sem o que fazer, dava maior atenção ao enteado, enciumando Genoveva, a quem o menino recorria até então na ausência do pai.
Numa daquelas manhãs, a madastra saíra com John e Aparecida, para conhecer a mãe da menina, gente antiga do lugar.
Através do pai de Aparecida, confirmara o que o John tinha dito sobre a antiga fonte termal do Morro.
Ele ainda menino, banhara-se na fonte quente e conforme suas próprias palavras:
“ - Dona! Nada mió prus moleques chambuqueiros como nóis, ficá brincano na água quente; inté os maió vinha lavá as muçumba... “
Magdalena perguntou a razão por que desaparecera a água quente.
- Nu sei dereito, dona!
Mas, Florimundo meu pai falou qui foi pru mode de fogo...
- Fogo não resseca água de uma fonte!
- Seca Nhá, fogo de dinamite...
-Ah! Isto sim, a fonte certamente  encontrou  furna provocada pela explosão...
- Ou Nhá, o nêgo  nu sabe se ela topou o tar de Furna; maise se foi ele o fio da puta qui  sumiu qu’ ela, os malungos divia ter capado ele...
Tumbém tem mano preto qui fala, qui água isquentava nas entranhas dos inferno e pade santo véio benzê ela...
Despois da benzeção, ela isfriô e a cambada de mulangos que tumava banho nela tudo pelado como Adão, sumiu como capeta some d’água benta!
John que estava atento ao que contava o negro, perguntou:
- Ou moço! Mas o padre teve coragem de benzer a água quente  para ela acabar?
Não fio! O pade Pantaleão pidiu é prus home nu tumá banho como Adão, pois o Santíssimo tava vivo no artar, memo ali perto da igreja de Nossa Sinhora Mecês.
- Que pena!
- Pena memo fio, foi a excomunhão, pois a água além de minguá  isfriô de veze.
Dizia o pai véio qui inté pade Pantaleão tumava banho nela, cubrido de batina véia.
Magdalena acompanhava com o olhar o vale onde correra outrora o riacho que agora definhara e descia em meandros pela baixada.
Antes a margem era toda coberta de mata e o rio Maquiné se  escondia sob as sombras frondosas; l00 anos depois da descoberta de Catas Altas, a devastação mineradora deixara as marcas da depredação.
Além do desmatamento, riachos desviados de seu curso para lavagem do cascalho, a erosão comendo as encostas e os vales.
A mesma devastação de um século antes voltara com os ingleses e o marido era um dos responsáveis que castigava a serra como pião carreiro,  aferroando o lombo  daquele manso  marruá que nunca reclamava...
Sorte dos picos mais altos, cocurutos onde os homens não conseguiam alcançar; altaneiros continuavam erguidos, quase intocados...
Até quando, conseguiriam sobreviver a sanha devastadora das mãos humanas?
Quantos riachos não nasciam da serra e corriam  no seu sopé?
Magdalena contava nos dedos: Paraçois, Maquiné, Pitanguy, Chico Carré, ribeirão dos Coqueiros, Retiro, todos formadores do rio Valéria, tributário do  Piracicaba.
Do lado Oeste, região do Colégio do Caraça e do povoado do Brumado, os riachos: Quebra Ossos, Brumadinho, Caraça e o Conceição, afluentes do rio Brumal que vai se juntar na barra de São Bento, ao rio São João, formando o rio Santa Bárbara.
Águas que brotam de grotas e minas, alimentando lagoas e uma infinidade de riachos encachoeirados pelo lado Oeste da Catas Altas, descendo pelas terras de Santa Bárbara.
De Santa Bárbara para baixo, matas fechadas de um verde estonteante, refletidas no verde lodo do lençol que vai engrossando, à medida que desce rumo ao Atlântico.
As terras do Caraça ficaram para o Oeste, sob o manto de uma floresta virgem e os rios: Santa Bárbara e Piracicaba, nascidos próximos, vão se juntar antes de São José da Lagoa, para depois, formarem  o rio Doce.
Mata ainda mais fechada num terreno fértil, sem as pedras das montanhas do centro das minas e caminhando para os baixios das margens do Rio Doce.
Rio paraíso de mosquitos, onde as grandes lagoas escondidas pelas matas, resguardavam a pureza das tribos indígenas  do contato do homem branco.
Lugares onde os brancos não se aventuravam, tementes das febres palustres  transmitidas pelos mosquitos da malária.
Matas fechadas não permitindo a entrada dos machados dos desbravadores paulistas, e depois dos aventureiros faiscadores.
Estas não eram as terras procuradas pelos mineradores ingleses e Edward Hosken fugia delas, sabendo o quanto eram danosas as picadas dos mosquitos.
Para felicidade dos homens da Cornualha, as regiões altas onde mineravam, tinham um clima ameno e saudável aos europeus.
Clima de contínua Primavera, onde o Sol aparecia 365 dias do ano.
Catas Altas especialmente oferecia aos seus habitantes a amenidade que o corpo humano pede, para uma longa vida como era comum na região.
De águas puras e cristalinas, sossegada e ordeira, não era a localidade propícia aos médicos;
Em Catas Altas a longevidade era tão comum, que as mulheres de 50 a 60 anos ainda conservavam impropriamente o nome de: “MENINAS“
As meninas do adro, as meninas do Rosário e as do Bonfim...
Maria Magdalena Mendes Campello Hosken estava trocando com o seu casamento, a doce e sadia vida de sua terra, para viver longe dela, mas ao lado do seu grande amor:
 
                      O inglês EDWARD  HOSKEN.        

Um comentário:

  1. Boa tarde! Que maravilha ler este texto histórico. Saberia me dizer qual é o nome completo do Dr. Moreira citado no texto? eu tenho os irmãos moreira sobrinhos netos do Padre Pantaleão já digitados no site mas não sei qual é o doutor.
    Obirgado desde já se puder ajudar
    aristeu soaresdec@gmail.com

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