As noites na
casa dos ingleses no Morro da Água Quente eram calmas e sossegadas para o casal
Edward e Magdalena.
Eles esperavam
John dormir para saírem pelas proximidades da pracinha.
Andando de
mãos dadas sob a luz do luar, conversando especialmente sobre a vida deles.
Edward sabia
quase tudo sobre o passado da esposa, pois a família dela guardava tradições
que eram conhecidas por todo mundo na localidade.
Já, sua vida
pessoal pouca coisa era sabida.
Magdalena
tornara-se interessada não só por sua vida, mas também queria saber como era a
terra do esposo, seus hábitos e costumes.
- Você Edward,
sabe tudo sobre minha vida, já a sua, e dos seus familiares e da Inglaterra,
desconheço por completo.
- Não fácil para estrangeiro contar vida sua outra
língua, Magdalena!
- Eu sei que
não deve ser fácil, mas você já fala razoavelmente o português e nunca me contou histórias de sua família,
sua terra e seus costumes.
- Ah! Eu conto você!
“Minha terra Magdalena, é Minas Gerais; Inglaterra,
só mais plana, verdes campos e não serras e matas como aqui.
Minas centro
Brasil, Cornualha é sul Inglaterra.
Aqui riqueza
solo é ferro, ouro e pedras cor, lá a hulha negra.
Casas Brasil e
Minas, feitas adobes de barro, minha terra, tudo pedra.
Brasileiro com
muitas matas, não fazer jardim casas, lá toda casa rodeada de jardins gramados.
Não casa Inglaterra
sem verde, seja jardins ou paredes
cobertas pelas heras.
Como inglês
pensa ser Lorde, todas casas campo, tem
parte alta que brasileiro chama (tower)
para domínar visão, seu proprietário.
Nas telhados mora mochos caçadores ratos e pragas lavouras.
- Que vocês
chamam de mochos?
- É ave, coruja
brasileira.
Aqui, casarões
construídos madeira e barro desmoronar feios,
ruínas com tempo, lá fica muitos,
muitos anos, pois ingleses faz casa de
pedra...
Casas de
campo, ficar sempre meio de terreno geométrico, formado por quadrados,
retângulos e losângos divididos por muros pedras e plantas vivas.
É bonito ver
alto o desenho que fazer os terrenos cores diferentes verdes, onde estradas
batidas terra, separar como fita na cor ocre.
Enquanto
Edward falava sobre sua terra, Magdalena ficava livre de seus impulsos amorosos
e ela dava corda para que ele ficasse preso as suas lembranças.
Foi num
daqueles passeios a noite, que esgotadas as recordações, Edward gaguejando teve
a audácia de perguntar à esposa se as mulheres
da sociedade brasileira eram feitas de pedra.
- Por que
Edward?
- Você, mulher
brasileira tem coisas que eu não saber!
- Como assim?
- Nós casados
muitas dias e Magdalena não quer eu juntar mais perto!
O que pensar
minha mulher, querida?
- Eu tenho
medo de estar em pecado, Edward!
- É pecado
homem e mulher casado amar, Magdalena!
Eu duvidar nos
casados perante lei e olhar de Deus!
A maneira
envolvente como falava e o carinho como ele a seduzia, acabou envolvendo-a ao
desejo irrefreável dele...
Ela estava
receptiva ao que mais desejava e as coisas acabaram acontecendo sob a luz das
estrelas que iluminavam o céu, numa noite clara...
Sentados sobre
as pedras claras junto do riacho ela se deixou levar pela continência de ambos.
Perdendo a
noção onde estavam na sombra da noite, nem a lua que nascia poderia desviar a
atenção deles, tão envolvidos na ânsia de seus desejos até então refreados...
Um explodir
arrebatador chegara antes que ela sentisse a violação; beijando-a ela ouvia as
palavras mais doces que poderia escutar:
- I want you so much, darling!
Não só ele
queria, ela também esperara por tanto tempo o que refreara até então para
tormento de seus escrúpulos...
Ela
completamente inocente, pensara que se fizera mulher com aquele calor e o
explodir de ambos.
Uma professora
do colégio onde estudara, numa certa aula explicara que a maternidade vinha
através do contato dos corpos do homem e da mulher.
O eufemismo
para quem ignorava a reprodução, bastara no entender da menina pura e casta, que ela se tornara
mulher...
Já Edward
pedia desculpas e ela achara que tudo se consumara sem que ela tivesse sentido
o prazer como ele sentira...
Os mesmos vaga-lumes
e grilos que povoavam as noites do Gongo Soco, quando ele e Antônia saiam a passear
pelo acampamento da Mina, pareciam a Edward estarem ali para testemunharem um
ato de que se sentia envergonhado...
Os mesmos sons
das águas borbulhantes e em queda do riacho do Gongo...
Ao voltarem,
muitos dos moradores do povoado já dormiam apenas animais vadios perambulavam
pelo adro.
Só mesmo os
amantes ainda estavam acordados, pois ao alvor da madrugada, os que mineravam
teriam que estar despertos para a cata do ouro.
O menino John
gozava suas férias escolares junto com o pai e a nova mãe que ele arranjara.
Genoveva
reclamava que ele só dava atenção à Magdalena, esquecendo-se que antes ele
atormentava o dia inteiro...
As minas a céu
aberto estavam produzindo bem, mais dadivosas do que esperavam os ingleses.
O Comissário
Mr. G. V. Duval exultava com os resultados da mineração da região do Caraça
como ele designava em seus relatórios.
O
gerenciamento de Mr. Yory seu subalterno correspondia ao que se esperava de sua
administração nas catas junto da serra.
Mr. Duval
ficara surpreso com o casamento de Edward Hosken e a moça daquela região, pois ele chegara
a manifestar desejos de voltar à
Inglaterra.
Raro eram os
ingleses que se casavam com brasileiras, mas as moças daquela região deviam ter
um visgo, pois era o terceiro patrício que se casava de papel passado em Catas Altas.
Será que os
ingleses estavam perdendo o juízo na sua maneira de pensar?
A má fama,
especialmente dos nascidos na Cornualha, iria acabar com tantos casamentos que
estavam ocorrendo no Brasil?
Na Inglaterra
o conceito de aventureiros e baderneiros dava uma fama de parias aos anglos-xasões...
De origem
germânica, região do Reno, os Saxões chegaram à Inglaterra levados pelos
generais comandantes: Hengist e Horsa.
Desembarcados
no Sul Este, espalharam-se dominando o condado de Kent e chegaram a Oeste e a
Norte da Bretanha.
A força
conquistadora dos aventureiros deixara marcas nas gerações posteriores que se
implantaram no sul da Inglaterra.
Apesar das inúmeras
invasões ocorridas na ilha britânica, desde os Fenícios, os saxões foram os que deixaram maior
influência na formação de seu povo.
Os brasileiros
que passaram a conviver com os homens do Gongo Soco, sentiam o orgulho e a
autoridade própria da raça de suas origens.
Foi com as
qualidades e defeitos deste povo, que Magdalena passara a conviver
Integrando-se
a colônia inglesa e passando a maior parte das horas do dia, junto das senhoras
inglesas, ela aprendeu a difícil tarefa como estranha no ninho, ser uma
perfeita “LADYSHIP” Assimilando os modos de John, com quem convivia, aprendia a
conhecer também o marido que trabalhava l3 horas nas extrações das minas.
John sentia
que tudo que perdera com a morte de Anne Jeferre, sua mãe de criação, voltara a
desfrutar com o zelo da madastra, a terceira mãe em sua vida.
Nos dias que
passara no Morro d’Água Quente, procurara afastar seu pensamento tudo que lhe
ocorrera.
Por que padre
Francisco não quis dar a bênção nupcial?
Logo ela tão
sua amiga e que o ajudava em todos os seus pedidos!
As novidades
da vida de esposa e de dona do lar, arrumando a casa e acabando pequenas coisas
do seu enxoval, tomava todo o seu tempo.
Quando só, uma
nostalgia invadia seus pensamentos.
Saudade dos pais, dos irmãos de suas coisas dentro
da casa onde nascera.
Não adiantava
querer afastar um sentimento enraizado que nem os animais esqueciam.
Quando se
lembrava da escola onde dava suas aulas, ficava triste de ter se afastado
daquela ocupação que lhe dava prazer.
Ela começou a
sentir medo de perder em definitivo o gosto de lecionar.
Para preencher
as horas de sua solidão dentro de casa, pediu licença à Edward para visitar as
famílias dos mineradores do Morro d’Água Quente.
Com a
autorização do esposo, saia com Genoveva percorrendo o acampamento, dando
conselhos alimentares e de higiene as mães necessitadas.
Missionária
levando socorro e lenitivo aos doentes, purgava seus pecados, que para sua
consciência eram grandes demais.
Nos poucos
dias que permaneceu em Água Quente granjeara simpatias que anos depois,
transformaram-se em sólidas amizades.
A menina
Aparecida era sua guia, visitando as casas do lugarejo e as pessoas que ela
apresentavA retribuição de seus cuidados e o interesse
Às pessoas que
ela deu apoio, começaram a bater em sua porta, trazendo prendas pra Nha
Magdalena.
Frutas,
hortaliças, ovos e aves, chegavam às suas mãos.
Constrangida,
pedia que retribuíssem o seu carinho apenas com orações e amizade, pois era
tudo que precisava.
A demonstração
de afeto daquela gente era patente através das crianças; bastava sair de casa
para arregimentar meninos que nunca vira.
Nos primeiros
dias era chamada de “Muié do Godeme” depois Sá Magdalena e finalmente Nha
Magdalena.
O lugar apesar
de triste e pobre como a maioria das localidades de mineração, era acolhedor.
No pouco tempo
que estivera ali, socorrera acidentados do garimpo, inclusive um que ficara
soterrado por um barranco de grupiara.
Ela e Genoveva
cuidaram de limpar a vítima e curar as feridas abertas; Gemendo de dor com a
limpeza de água salgada, cobriram as escoriações com folhas de “Bela-Margarida“
que na região são geralmente conhecidas por boninas.
Planta muito
usada na cura de feridas, pois é vulnerária.
Edward não via
com os mesmos olhos samaritanos de Magdalena a caridade que ela fazia.
Segundo a sua
mentalidade, havia pessoas para atender aos diversos níveis sociais, e aquele
que Magdalena estava percorrendo, não era o deles.
O pequeno
espaço de tempo que passaram no Morro, pelo menos fizera que ela esquecesse o
drama do seu casamento da maneira que fora.
A carta
deixada por ela aos pais, explicava sua atitude; sabia da tristeza que causaria
a eles e por isto pedia perdão por magoá-los.
Prometia que
passada a tormenta, voltaria como o filho pródigo.
No fim da
carta escrevera:
- Não se
sintam ofendidos e mais pobres por perder uma filha, pois prometo torná-los
mais ricos com o novo filho que conquistarei
para os senhores...
Os olhos de
dona Rita se encheram de lágrimas e revolta ao tomar conhecimento da carta.
O fato estava
consumado, nada mais poderia fazer...
No seu modo de
pensar, o marido fora culpado pela intransigência ao casamento com o inglês,
Magdalena chegara a clamar contra a objeção deles.
Não suportando
ao disse-que-disse, o Guarda-Mor e a esposa foram passar uns dias no retiro da
Bonifácia, certos que a filha e o inglês tinham ido para Gongo-Soco.
Lá estavam a
salvo dos comentários e da dor de uma
ferida aberta...
O arraial não
esqueceria o fato e para muitos o Inglês era sem dúvida, um vilão;
“Demo
ante-Cristo,”, pois não professava a religião católica...
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Há duas
semanas Edward e Magdalena estavam morando na Vila do Gongo Soco; ambiente
completamente estranho à ela, mas da
intimidade do marido,
As residências
da vila inglesa, instaladas na encosta do morro, e junto ao leito do riacho do
Gongo, tinham um encanto especial para Magdalena
Simples, porém
bem construídas em estruturas modernas para o padrão da época, Magdalena se
sentia como se estivesse numa vila européia, tal como descrevia Edward quando
falava sobre sua terra.
As residências
realçavam especialmente pela pintura das paredes externas na cor Oxido de
Ferro, tal qual o minério de canga da região, porém as esquadrias brancas davam
uma mágica aparência ao conjunto, rodeado por gramados.
O verde e as
cercas brancas vistas do alto do Morro davam a quem via nítida impressão de uma
autentica vila inglesa.
Junto das
casas da vila: A igreja, a escola e o hospital e mais afastada a residência do
administrador, com seus quintais, currais e cobertas.
A estrada
correndo paralela ao rio Congo até certo ponto depois uma ponte cruzava o
caminho sobre o rio que descia encachoeirado.
O prédio do
hospital de inúmeras janelas, construído em duas alas; separando as enfermarias
e salas da administração e enfermagem, da cozinha, refeitório e lavanderia.
A primeira
impressão de Magdalena foi de encantamento com a nova vila, completamente
diferente da barroca, Catas Altas.
A ordem como
regia a vida dos moradores, a severidade do controle do portão da vila e
nenhuma pessoa na janela das casinhas, mostrava como eram ocupadas e
determinadas em seus afazeres.
Fosse a sua
terra, ao chegarem estariam as janelas ocupadas por olhares indiscretos e
alguém perguntando quem eram e de onde
vinham.
Já anoitecendo,
as primeiras pessoas que vieram dar boas vindas ao casal, foram:
Mr. Gooddair,
o missionário, o médico Dr. Cuming e o comissário geral Mr. Duval.
Magdalena
recebeu das mãos do Dr. Cuming um formulário que deveria ser preenchido por
ela, onde constava:
Nome de
nascimento, filiação, escolaridade, doenças sofridas, vacinações e até o que
gostaria de fazer nas horas vagas do dia a dia.
Não acostumada
aos hábitos dos estrangeiros que vinham para o
Brasil, achou que estavam imiscuindo em sua vida particular e ficara sem
saber se devia ou não responder a certas perguntas.
Edward teve
que explicar que era uma rotina a todos os emigrados que chegavam ao país e que
a Companhia Mineradora procedia da mesma forma
com os que chegavam de fora da Vila.
A residência onde
iriam morar era a quarta contada de cima para baixo.
Não havia
diferenças entre as casas da vila.
Com os móveis
nos lugares, a roupa de cama estendida sobre o leito, as toalhas dispostas no
toalheiro, parecia uma recepção em hotel, não a residência que iriam ocupar.
Havia uma
ordem e limpeza digna de se ver; o capricho dos ingleses diferençava de tudo
que acostumara a ver até então.
Na casa de
hospedes do Morro d’Água Quente, tudo era da Companhia Inglesa, ali a roupa de cama e mesa eram deles, como informara Edward.
- Foi você que
comprou, Eduardo?
- Lembre-se
para seu próprio bem:
- Na vila você
só deve falar em inglês, é uma maneira de se esforçar para aprender melhor o
inglês, ainda principiante.
Magdalena
lembrara que Edward tinha dito que o seu enxoval fora comprado por lady Anne
Jeferre.
Ao se encontrarem
com Mr. Cuming, a primeira coisa que ele perguntou:
- O padre
vigário de Catas Altas casou vocês?
- Civilmente
reverendo, apenas no civil, alegando que a benção seria dada depois do Advento.
- Não é
possível!
Como se chama
o reverendo?
Ele havia
esquecido o seu nome e Magdalena prontificou-se a lembrá-lo:
- Padre Francisco Xavier.
- Mas ele fez
isto com você, lady Magdalena?
-
Infelizmente, reverendo Cuming.
- Saturday, Edward!
Saturday we will get married...
There’s nothing to be worried, you will be a married
woman by Saturday.
Magdalena
ficou aliviada ao saber que sábado receberia as bênçãos tão esperadas por eles.
Ainda mais,
elas seriam dadas perante a comunidade que se reunia semanalmente.
Uma coisa
importante eles deveriam saber:
- Quem une os
casais são eles mesmos, os religiosos apenas abençoam a união, portanto
Magdalena não deveria se preocupar com os rituais religiosos.
Como já havia
o registro do casamento deles em
Catas Altas , apenas faltava ao ato sacramental, às bênçãos de
Deus que ele reverendo como todo sacerdote, tinha o poder e a missão de dar...
Tanto como os
padres católicos, sou teólogo e sei o que posso ou não fazer.
Magdalena
ouvia com atenção o que reverendo Cuming dizia.
- Você entendeu
tudo que ele disse Magdalena?
- “Yes, now I’m calm.
Eduardo
traduzia o que reverendo Cuming, falava.
A rapidez como
pronunciava as palavras, não dava tempo para que Magdalena vertesse com
facilidade o inglês para o português.
Aquilo seria
uma constante nos primeiros tempos de contato com os ingleses.
Que alívio
para Magdalena! Acabariam seus escrúpulos de estar vivendo em pecado mortal com
Edward.
Um tanto
envergonhada, pediu a ele para perguntar ao reverendo se poderia usar para a
cerimônia a mesma veste branca que usara
em Catas Altas.
- Por que não,
minha filha!
Se a veste for
branca, melhor ainda, pois traduzirá sua
pureza ao se casar em sua terra, pois a cerimônia daqui será uma extensão da
primeira que não foi concluída...
Com a tradução
feita por Edward, ela agradeceu a compreensão do reverendo.
O cansaço da
viagem a cavalo do Morro d’Água Quente até o Gongo, desapareceu com as palavras
animadoras do pastor inglês.
O tempo era
curto para os preparos da cerimônia que se realizaria no sábado, tendo que
arranjar sua casa e atender as visitas que vinham dar as boas vindas.
Ela, Genoveva
e Zaga multiplicavam-se para colocarem as coisas em seus lugares.
No Gongo o Sol
aparecia mais tarde, escondido pelas montanhas e o contrário acontecia no opor,
desaparecendo mais cedo.
A vila ficava
dentro de um vale, abrigada por montanhas; os dias eram curtos e na noite da
chegada, foram dormir cedo, cansados da marcha a cavalo.
No dia 24 de
dezembro, véspera do Natal, eles estariam recuperados para a festa; a primeira
depois de casados e ela longe da sua família.
O que eles não
tiveram em Catas Altas ,
na cerimônia do casamento, a comunidade do Gongo Soco ofereceria para os
noivos; um ritual ao estilo da Cornualha comemorando o Natal e um casamento de
um dos seus membros.
O templo
repleto em trajes de festa e todos presentes entoando hinos de louvor ao
nascimento de Cristo.
A cerimônia
nunca mais seria esquecida por Magdalena, pois marcara por sentimentos de fé e
de solidariedade de uma comunidade desconhecida para ela.
Todo
enfeitado, o templo parecia um jardim.
As laterais
com os bancos repletos e apenas o centro aberto como passarela livre para que
eles os noivos pudessem passar.
Oito crianças
inglesas, quatro meninos e o mesmo tanto de meninas vestidas de branco,
esperavam no gramado em frente ao templo, por trás deles, o reverendo Cuming e
Willian Henewood aguardando os noivos que seriam levados até ao altar.
Quando o
reverendo Cuming se afastava para a mina de Nova Lima, era Willian Henewood que
oficiava os atos religiosas da comunidade.
Magdalena não
tinha simpatia pelo inglês substituto do reverendo nos ofícios religiosos do
Congo.
Ela trazida
por uma charrete ornamentada de bromélias e samambaias parecia uma rainha-dos-lagos,
vulgarmente conhecida por flor do aguapé.
Na porta do
templo, Edward ajudou a noiva a descer e entregou-a aos braços do Comissário
Mr. Duval que a levaria até ao altar.
Alas, desde o
adro deixava passar o cotejo com os pajens, o comissário e os noivos.
Ao dar entrada
na nave, o coro começou a cantar em inglês uma versão latina:
“Que sejas
fiel à Deus.“
Toda a
comunidade presente estava voltada para ela, que desfilava dando o braço para o
comissário Mr. Duval.
Se tivessem
dito para ela que a cerimônia teria aquela pompa, ela teria desistido de ser
alvo de tantos olhares.
Pega de
surpresa teria que desfilar airosa para não desapontar Mr. Duval e reverendo
Cuming, que ordenaram a comemoração como estava se desenrolando.
Mostrando a
face queimada pelo Sol, era bem diferente das demais mulheres que estavam
acompanhando a cerimônia.
O mesmo
vestido, a mesma coroa de virgem que Maria Theodora presenteara.
Faltava apenas
a camélia que ela carregara na cerimônia de 8 de dezembro.
Falando sobre
a natividade do menino Jesus, o reverendo perorou o sermão dizendo:
- A comunidade
inglesa, está duplamente em festa com o nascimento do menino Deus e com a
preparação do casal que aqui está para cumprir as mesmas missões de José e
Maria.
As bênçãos que
Edward Hosken, cidadão inglês e Maria Magdalena Mendes Campello Hosken cidadã
brasileira, iriam receber, eram
também de boas vindas da comunidade onde
passaram a residir.
Convictos
em suas respectivas fés, ele em nome de
Deus e perante os presentes, abençoava o
casal e os declarava unidos pelo santo matrimônio.
Você Edward
Hosken, receba Maria Magdalena Mendes Campello como sua legítima esposa e você
Maria Magdalena, receba sem nenhum constrangimento religioso, Edward Hosken
como marido fiel e companheiro para todos os dias de suas vidas.
Deus os abençoe...
Magdalena
ficara pálida, ao contrário da cor do rosto como entrara no templo.
Emocionada e
trêmula, caminhara nos braços do marido inglês sem olhar para ninguém, ele
calmo transpirando confiança, balançava
a cabeça em cumprimentos a seus patrícios.
Nem o coro ela
ouvia, apesar de toda a comunidade entoar uma canção de Natal.
Depois do
ofício natalino e das bênçãos do seu casamento, na parte externa do templo foi
apresentada e recebia os cumprimentos por suas bodas e o Natal do ano de 1.848.
Ela que se
sentira humilhada e infeliz no oratório católico da casa do padre Xavier, saia
daquele templo de seita anglicana, feliz por ter recebido as bênçãos que não
quiseram dar em sua terra.
Um Natal
diferente e incomum; no adro gramado, a comunidade reunida, cumprimentava-os e
felicitava-os pelas bodas matrimoniais.
Não haveria em
sua vida, melhor presente do que aquele recebido em 25 de dezembro de 1.848...
O vozerio
abafava o ruído do riacho encachoeirado que passava em frente do templo.
O Sol pleno
queimava com toda a intensidade dos Verões brasileiros e o céu sem nuvens,
mostrava aos ingleses a beleza do país em que passaram a viver.
A folhagem da
mata em frente ao templo, lavada pelas constantes chuvas, mostrava-se
exuberante com seus matizes do verde escuro das taiobeiras ao verde funcho das
“Foeniculum vulgare.“
Como era
hábito dos ingleses, no Natal as famílias reuniam-se para um jantar da
comunidade ao ar livre e as comemorações iam até mais tarde.
Aquele ano de
1.848 fora pródigo para a Companhia Mineradora Inglesa, havendo por tanto, mais
um motivo para o festivo congraçamento.
A adaptação
para Magdalena não fora fácil nos primeiros meses de convivência,
principalmente tendo que guardar tantos nomes apresentados ao mesmo tempo.
Apesar dos
cumprimentos formais, ela sentia que havia interesse e sinceridade das pessoas
que se ofereciam para ajudá-la.
Edward em Gongo Soco tinha com
quem conversar na sua própria língua e sentia-se livre sem preocupações comuns
de quem fala uma língua estrangeira; os problemas agora passaram a ser dela.
A testa larga e lisa do marido não franzia pensativa, como de hábito quando
fumava o seu cachimbo.
Menos
assediada do que ele, Magdalena notara que havia falta de moços da sua mesma faixa etária; muitos casais mais
velhos do que ela e Edward, muita criança e poucos jovens.
Os filhos mais
velhos dos ingleses que vieram solteiros
da Inglaterra, tinham se casado
na própria colônia; raros como ele Edward,
haviam se casado com brasileiras.
Passadas as festas do fim do ano de 1.848, bem como a montagem de sua casa, Magdalena tinha pouca coisa a fazer, já que Genoveva se incumbia dos afazeres domésticos.
Passadas as festas do fim do ano de 1.848, bem como a montagem de sua casa, Magdalena tinha pouca coisa a fazer, já que Genoveva se incumbia dos afazeres domésticos.
Logo nos
primeiros dias de 1.849, escreveu para a irmã Maria Rita, dizendo da sua
saudade e do seu constrangimento de dirigir-se à seus pais.
Por isto
escrevia para ela a irmã mais velha, pois não sabia qual seria a receptividade
de sua carta na casa dos pais.
Dizia da
saudade e da falta que fazia nas monótonas horas que não tinha Edward ao seu
lado.
Do carinho
como foi recebida na vila dos ingleses e o que era mais importante para todos,
ela recebera em cerimônia especial, as bênçãos matrimoniais que deixara de
receber em Catas Altas.
Que sua
felicidade agora estava completa ao lado do homem que escolhera para marido,
apesar das dificuldades que sentia pelo pouco conhecimento da língua falada na
colônia inglesa.
Pouco a pouco,
estou me tornando inglesa, tanto quanto as esposas dos outros mineradores...
A carta de
Magdalena circulara nas mãos dos familiares e Maria Raymunda a outra irmã encorajou-se em mostrá-la à mãe.
Querendo
pessoalmente ver e ler, dona Rita muita chorosa reclamava:
- Era a mim
que deveria ter escrito não me conformo com mais esta indiferença!
- Não chore
mãe!
- Foi a mim
que se dirigiu primeiro, por não saber se a senhora acolheria uma carta dela, é
isto que ela diz nesta carta...
- Não chore,
mãe!
Com o tempo,
tudo voltou a normalidade e se houve mal querença ou incompreensões elas foram
esquecidas.
- Meu Deus!
Então ela
recebeu as bênçãos matrimoniais?
- Ora mãe! Se
o padre que a batizou, deu a primeira comunhão e dizia ser seu
amigo, não quis dar as bênçãos, o marido foi buscá-la de quem era mais
compreensivo nas circunstâncias; o pastor deles.
Agora a
senhora poderá dormir sossegada, sua filha está casada e abençoada por Deus.
- Mas não em
outra religião!
- Ora, então a
senhora não queria que ela fosse abençoada?
- Não, não foi
isto que eu quis dizer; eu não queria é que ela se casasse em outra igreja...
- O nosso Deus
é o mesmo do marido dela, mamãe!
- Eu queria
vê-la casada de véu e grinalda na igreja matriz de Nossa Senhora da
Conceição...
- A senhora
não pode responsabilizá-la por não ter casado na matriz, pois era o que ela mais desejava...
- Eu sei
filha, em parte sou a grande culpada...
- Nós fomos
muito duros com ela!
- Deixa para
lá, mãe; o que aconteceu não volta mais...
- É por isto
mesmo que choro todos os dias...
Com o rosto
banhado em lágrimas, Maria Raymunda procurava acalentar a mãe.
- Como irmã
mais velha, eu também me sinto culpada, mãe...
- Empresta-me
a carta para copiar o endereço.
Como você faz
para mandar cartas para ela?
- Ainda não
escrevi nenhuma, mas quando escrever vou mandar pelo correio da própria
Mineradora que passa por Catas Altas toda a semana indo e voltando de Vila
Rica.
- Que bom,
então poderemos manter contatos com ela através de cartas?
Certamente que
sim, vou confirmar os dias que o estafeta da Mineradora passa por Catas Altas e
aviso para a senhora; John Bull representa os interesses da mineradora aqui em Catas Altas.
Passados 10
dias, Magdalena recebia no Gongo a carta da mãe abrindo o seu coração.
Com o tempo e
a troca constante de correspondências, foram esquecidas todas as magoas em
família.
Logo no
principio do ano de 1.849, Magdalena fora convidada para dar aulas na
comunidade inglesa, ao contrário de Catas Altas onde lecionara por algum tempo,
ganharia da empresa um bom salário.
Para uma casa
quase vazia, sòmente o casal e o filho;
Genoveva bastava para os afazeres domésticos.
Sua alegria
por saber que voltaria a dar aulas contaminou a Edward na tarde de l7 de
janeiro de l.848 o esposo encontrou naquela noite, uma mulher receptiva e
amorosa a sua espera na porta da residência da vila.
No seu missal
aberto ela rezara pelo santo do dia, Santo Antão pedindo e agradecendo as
graças concedidas por ele, pois recebera a boa nova que teria dias mais
ocupados a partir do primeiro dia de fevereiro.
Logo no princípio de fevereiro de l.849, começou a
enjoar e ter náuseas por diversos alimentos.
Procurou Dr.
Cuming para verificar o que era.
Achara no
principio que poderia ser a água ou a comida diferente que passara a ingerir,
pois a água estava turva com as chuvas.
- Você vai ser
mãe, Magdalena!
Os sintomas
eram todos de gravidez recente e Dr. Cuming receitou alguns remédios ingleses
que ela desconhecia.
- Evite os
alimentos que te faz vômitos e confira se as regras desapareceram...
Ela verificara
que começara a sentir repulso por carnes e um mês depois, confirmara que a
regra não viera.
Procurou o
médico e pastor que se tornou seu grande amigo, informando-o que pelo segundo
mês, a regra faltara e os enjôos continuavam...
Antes da
Semana Santa, Magdalena recebeu um convite para passar aqueles dias junto dos
pais.
Como o convite
fora feito somente a ela, Edward achara que fora excluído;
com isto Magdalena não quis aceitá-lo.
Na carta
resposta ela escreveu que na impossibilidade de ir à Catas Altas na Semana
Santa, pois o tempo era curto, que
aceitaria o convite para as férias que ela teria na escola no mês de Junho,
desde que sua gravidez assim permitisse.
Era uma
novidade que a mãe recebera com alegria, mas não tinha certeza como seria
recebida pelo marido, que ainda não perdoara a filha...
Noutra carta,
a mãe fazia o convite dizendo que todos seriam bem vindos, fazendo uma velada alusão que eles incluíam o
marido e o seu filho John.
Em primeiro de
Junho, toda a família, bem como Zaga e Genoveva seguiram inicialmente para o
Morro d’água Quente, passando a comitiva por fora de Catas Altas.
No dia seguinte
Magdalena voltou os 3
quilômetros de estrada
que os separavam da sua terra.
John havia
manifestado desejo de acompanhar a madastra, mas o pai achou por bem que ele
ficasse no Morro.
Foi uma festa
a chegada da filha ao seu antigo lar; como se nada houvesse acontecido, ninguém
tocava no assunto do casamento como ocorrera e nem parecia ter restado magoas.
O arraial
estava em festas com os padres Vicentinos, missionários franceses pregando pela
primeira vez no Brasil.
Eles haviam
chegado á cidade do Rio de Janeiro em 9 de março daquele ano e transferidos
para Mariana, até que novamente se abrisse as portas do Caraça.
Eram eles:
Pedro Monteil, Tito Chalvet e José Gabert, que se juntaram ao quarto, padre
Cornegliotto, todos pregando missões pelo interior de Minas.
Apesar do
pouco tempo no Brasil, foram eles propositadamente lançados ao pastoreio das
ovelhas, forçando-os a aprenderem mais depressa a língua portuguesa.
A Arquidiocese
estava carente de padres e necessitava da catequese deles de imediato, por
isto, foram jogados às feras como dizia o bispo.
Em Portugal
onde estagiaram, aprenderam alguma coisa da língua, chegando ao Brasil falando
sofrivelmente o idioma Camoniano com o
mesmo sotaque.
Para os
missionários o mais difícil era atender as confissões, principalmente dos humildes com um linguajar
completamente diferente ao dos padres com quem estavam convivendo.
Conforme
orientação do Arcebispado, eles teriam que promover uma revolução religiosa na
área onde iriam pregar, pois os costumes haviam deteriorado com a invasão de
forasteiros nas catas de ouro da região.
Muitos afastados da igreja, casais vivendo em
concubinato, degradação da moral familiar e um número espantoso de pagãos por
falta de batismo.
Das imediações
de Catas Altas começaram a vir, levas de gente, livre e escrava para serem
batizadas, confessarem-se pela primeira vez, casarem-se e até mesmo registrarem-se.
Era de se
espantar a quantidade de meninos pagãos, a maioria filhos espúrios que os
padres vigários recusavam batizar.
Maria
Magdalena sabendo por Genoveva que John ainda não fora batizado, apesar de seus
l2 anos, mandara um recado para o marido nos seguintes dizeres:
Querido Edward,
Chegamos a Catas Altas sob festas
da família e das pessoas que me são caras.
Como o filho “ Pródigo ” retorno
mais querida do que antes.
O perdão espontâneo dos meus
pais, ao saberem que estamos casados religiosamente, pôs fim as mágoas de papai
, já que a mamãe me havia perdoado.
Estou escrevendo-lhe para que
mande o John no dia 23 de junho para ser batizado, se você assim permitir e registrado se ainda não foi nos
registros civis da comunidade do Gongo Soco.
Peço mandá-lo caso permita que
seja batizado, o seu terninho branco, para a cerimônia do dia 24 de Junho.
Data consagrada a São João,
padroeiro do seu nome.
Aguardo sua vinda, para
percorrermos os lugares onde com muita saudade, reviveremos os melhores dias de
minha vida...
Sua muito sua,
Maria
Magdalena Mendes Campello HOSKEN
Pela manhã do
dia 23, chegou as portas da casa do Guarda-Mor, o menino acompanhado por Zaga.
A primeira
impressão dos pais de Magdalena não foram favoráveis, coisa que a filha achou
natural.
O menino
guardava os traços da mãe, além da cor morena da fusão de 2 raças.
Se a cor não
favorecia ao menino, sua maneira educada, chamava a atenção apagando a
discriminação racial.
Apesar do
pouco caso do Guarda-Mor pela criança, dona Rita tratava-o bem e até admirava
quando ele conversava na língua paterna com Magdalena.
Todos ficavam
intrigados ouvindo Magdalena dirigindo-se a ele em inglês e ele respondendo na
mesma língua.
Achavam que
era natural Magdalena falar o inglês, mas o garoto!
Depois de
descanso da viagem, a madastra explicou a ele a importância do batismo e do
registro que ele passaria a ter nos livros da igreja, deixando de ser pagão.
Desconhecendo
o que era pagão, pois ninguém até então tinha se referido a aquela palavra,
Magdalena teve que explicar o que significava.
- Você já foi
batizada?
-Claro, logo
depois que nasci, aqui mesmo em
Catas Altas.
- E por que
não me batizaram?
- Talvez por
sua mãe ter morrido no dia que você nasceu e a outra mãe Anne não ter se lembrado; geralmente quando a mãe
ou a criança correm risco de vida na ocasião do parto, costuma-se batizar a
criança para que ela não morra pagã.
Daí acharem
que você já deveria ter recebido o batismo...
Neste caso,
quando ocorre a emergência batismal, a criança é levada depois para confirmação, o que não deve ter
acontecido com você.
Engraçado,
como é que me chamo John?
Sua mãe deve
ter dado este nome a você antes que ela falecesse...
- Você
conheceu minha mãe?
- Nenhuma das
duas, nem Antônia, nem Anne.
- Eu me lembro
da mãe Anne...
- Infelizmente
não cheguei a conhecê-la apesar de gostar muito dela.
- Como gostava
dela, “Sem conhece-la? “
- Foi
Anne que arranjou nosso enxoval de cama
e mesa e seu pai amava-a como se fosse sua mãe...
Explicando-o
que sendo mais velho e dono da sua vontade, ele poderia escolher quem quisesse
ser seus padrinhos de batismo.
Poderia ser um
parente mais próximo ou um grande amigo seu de preferência dentro da família.
- Você é minha
parente?
- Diretamente
não, indiretamente sim.
E tio Antônio e
tia Antônia, lá do Morro d’água Quente, podem ser meus padrinhos?
Se eles forem
cristãos batizados certamente que sim.
- Então eu vou
pedir para que eles me batizem...
Se Antônia
tinha por um lado a descendência direta de escravos africanos; correndo sangue
dos bantos de Angola, por outro recebera o mesmo sangue dos Mendes.
No menino a
mistura era brava, pois além do sangue apurado dos ingleses de Herefordshire, havia também o sangue dos
portugueses de Angola...
Com a igreja
repleta de gente, os padres missionários estavam batizando mais de 30 crianças,
metade delas, filhos de pai não declarado.
Entre os
batizados, diversos filhos do chefe da Mina, Mr. Willian Yory Hennewood.
O inglês
dirigia a mineradora com mão firme e particularmente amor; era o que
constatavam os padres ao batizarem uma porção de seus descendentes nascidos no
mesmo ano...
O livro de
batistérios da série G-7, folhas 34 e
35... da paróquia de Catas Altas, registram seus inúmeros descendentes,
mostrando como trabalhava o inglês Hennewood
Também mostrava o batismo de: João, com
aproximadamente l2 anos; nascido de Eduardo Hosken ( Inglês ) e com a cabra
cativa Antônia.“
Depois da
cerimônia dos batismos, Maria Magdalena e sua mãe dona Rita que também batizou
várias crianças, levaram os afilhados e
os pais para o almoço de festa.
O capitão
Thomé, não agüentando tanto choro e outras coisas que incomodavam o seu nariz,
arranjou desculpas para cair fora, viajando para sua fazenda na Lagoa do
Guarda-Mor.
Incansáveis os
padres missionários atendiam aos fieis, esquecendo-se deles mesmo.
Dando atenção
aqui, uma palavra ali, os padres franceses sorriam distribuindo santinhos e
medalhinhas ao povo.
O padre José
Gabert, pregando especialmente para os mineradores, empolgado com seu primeiro
sermão no Brasil, esqueceu-se que estava em terras estranhas e disse em bom
francês:
“ - La soit de
l’or!"
Voila le principe de tous les crimes... “
Vermelho e
sentindo sua gafe ao proferir as primeiras palavras em francês, consertou
explicando:
¨O pecado mui grande, eu pode
falá língua minha:
Par qui Dieu no assusta les
peuples.
A sede do ouro é princípio
dos crimes.
Ele mesmo
tentando traduzir o que havia dito em francês, mais confundia os fiéis que
tentavam ouvi-lo e entendê-lo.
Padre
Francisco Xavier teve que remontar o sermão do colega falando:
- O reverendo missionário Gabert, quis dizer que a febre do ouro que
impera por estas terras, trouxe tudo de ruim que a ambição corrompe:
A indiferença atéia, a dissolução social e o abuso do poder dos
senhores donos dos escravos, querendo mais riquezas para si e as empresas que
representam.
O amor aos bens materiais gera
misérias e doenças ao povo humilde e sofredor.
A população de Catas Altas é como a nossa velha igreja inacabada; uma
parte brilhando no fausto do ouro, a
outra ofuscada sem vida, pois o pecado tomou conta do seu corpo,
Quantos casamentos estamos conseguindo fazer!
Quantos batizados de pagãos inocentes?
Pobre povo abandonado, buscando bens materiais dentro das minas e dos
rios, esquecendo-se que o bem maior está dentro de nós mesmos:
O homem esquece os bens eternos e enfurna-se dentro da terra ou
afoga-se nos rios a procura do ouro que provoca a miséria que transforma
suas vidas...
Quando padre Gabert disse em francês:
“- L’avare sacrifie l’honneux à l’interret;
La mort ne pardonne à
personne.“
Ele quis dizer que:
O avarento sacrifica a honra ao interesse; a morte que é certa a
ninguém perdoa...
Quando ele apontou o assoalho da igreja mostrando os corpos aí
enterrados, ele acusou também o nosso futuro destino.
Seremos o pó que o sopro da vida deixou na terra; matéria de
substâncias idênticas, seja elas de: Brancos, negros, amarelos ou vermelhos.
Padre Francisco continuou explicando o sermão do padre francês a altura
das compreensões dos que ouviam:
- “O povo religioso e humilde de Catas Altas vive sob o efeito da
ignorância religiosa, principalmente vocês da mineração, abandonados como estão de todos os meios de
educação.
Os vícios proliferam esmagando as virtudes e os maus exemplos os
descaminhos.
Poucos com tudo e muitos sem nada; a fome e a miséria são más
conselheiras e campeiam soltas nas vilas e imediações das lavras.
Se os missionários que nos visitam, negarem o perdão confessional, podem estar certos que o pecado que carregam,
é bem maior que o perdão que podem dar...
Sejam vocês de agora em diante:
Freqüentes aos sacramentos, devotos em suas orações e exemplos de
virtudes.
............................................................................................................................
Os padres
missionários e o povo descansavam aliviados da fadiga e dos pecados; Em Catas
Altas não havia mais: descasados, pagãos e crianças sem registro.
Por muito tempo
permaneceu na memória do povo, as missões de 1.849.
Com uma pompa
exuberante, foram encerrados os
trabalhos dos lazaristas no dia da festa do Corpo de Deus.
As irmandades
do Santíssimo de Santo Antônio do Rio Abaixo, São João Batista do Presídio do
Morro Grande e de Catas Altas deram um brilhantismo empolgante com suas opas
vermelhas, estandartes e tocheiras de prata.
O Ostensório
levado sob o pálio com varas de prata era carregado pelo padre Gabert,
reluzindo com todo o ouro que o Santíssimo Sacramento merece.
Antecedendo as
filas das irmandades do Santíssimo, as outras confrarias desfilavam com seus
estandartes e seus irmãos.
Das 2 torres
da igreja matriz, os sinos dobravam puxados por mãos habilidosas improvisando
sonoros repiques de festa.
As igrejas de
Nossa Senhora do Rosário, Santa Quitéria e Bonfin respondiam aos dobres da
matriz e os sineiros para não abafar os sons das capelas, fazia uma pequena
pausa para que a manifestação da musicalidade de cada uma fosse ouvida por suas
respectivas irmandades em desfile.
Vibrando com
os sinos e foguetes, os padres gritavam:
- Viva o Corpo
de Deus!
- Viva o novo
espírito de fé!
- Viva Catas
Altas e seu povo!
- Viva padre
Francisco!
Respondendo ao
comando dos padres missionários a multidão repetia:
- Viva! Vivô!
O Espírito Santo chegou...
Se o júbilo do
povo era contagiante, o dos missionários era indescritível, sem voz para
gritarem...
Quem mais
apreciara os festejos, foi o enteado de Maria Magdalena, ele nunca tinha visto
uma festa tão bonita e tanta gente junta.
A felicidade
do menino transbordava por seus sorrisos; o casamento do pai dera a ele uma
família que ainda não tivera.
Tia Bonifácia
também hospedada com a cunhada naqueles dias, achara o “bacurí “uma gracinha,
dizendo:
- Cumé que um
menino tão pequeno pode falar outra língua estrangeira?
O mundo está mesmo virando de perna pro ar!
Menino forte,
roliço, cara de traquina; tal como desejava para todas as suas crias na Fazenda
da Cachoeira.
Ah, se
encontrasse crias como aquela!
John
entusiasmou-se com os carinhos de Sá Bonifácia que dizia pare ele:
- Vou levar
você para morar comigo, para você mostrar para meninada da Cachoeira como os
meninos devem ser...
Magdalena ria
com a conversa de Bonifácia e respondia:
- Ele agora é
meu tia Bonifácia! O primeiro presente que o Edward me deu....
- Ou filha!
Quando vi este meninão com a cabeça sobre a pia do batismo, tomando toda a água
pela cabeça, fiquei com medo dele falar um nome feio para o padre...
Fosse um dos
meus nesta idade teria mandado o padre para aquele lugar...
Os parentes que
enchiam a casa do Guarda-Mor começaram a voltar na manhã de sexta-feira para
suas casas nos retiros e fazendas.
O cansaço e o
enfado dominavam a todos...
Quem levantara
mais cedo naquela manhã, pode ver a comitiva dos padres missionários a caminho
do Caraça.
Os pregadores
iriam conhecer o famoso colégio que estava fechado desde o período da revolução
e posteriormente iriam assumir a sua administração.
De lá
retornariam á Mariana.
As férias de
Magdalena e John chegaram ao fim, principalmente para ela que voltara a sentir
o gosto da casa paterna; o carinho dos pais, irmãos e escravos, além das amigas
de quem havia se separado.
Como eram
diferentes os dias passados em
Catas Altas , em
contrapartida aos que passava em sua
casa em Gongo Soco.
Arrumando as
malas, mãe e filha choravam pela separação.
- Volta
rápido, filha!
Seu pai não
anda bem de saúde...
- Como posso
voltar com este barrigão, mãe!
Veja se na
próxima, traga também o seu marido; é preciso que se acabe o mal estar que separa
seu esposo do Thomé...
- Fique
tranqüila, mãe!
Tudo farei
para por fim as indiferenças.
A senhora não
sabe o quanto sofro sem a presença dele aqui!
As diferenças
entre o sogro e o genro, jamais seriam
esquecidas plenamente.
Acho que Deus
me castiga por tudo de errado que fiz.
Purgo meus
pecados!
Depois das
Missões, ninguém tem mais pecados a pagar filha...
No dia 28 de
junho, véspera da festa de São Pedro e São Paulo, Magdalena voltou para Gongo
Soco.
Edward estava
a sua espera na casa dos ingleses no
arraial do Arranca Toco, próximo ao Brumado.
Lá
encontrariam e seguiriam juntos passando por São Bento, São João do Morro Grande e Socorro.
Edward notara
que apesar de triste, Magdalena estava mais bonita e especialmente carinhosa;
ele não sabia se: Saudosa da presença dele, ou se a estadia junto dos pais,
fora a causa de sua transformação.
- Mamãe me
pediu que transmitisse a você seus cumprimentos e fosse portadora de uma
mensagem de paz entre você e papai, pois da parte dela, não havia nenhuma
magoa.
- Sua mãe
é uma mulher sensível Magdalena, além de
figura excepcional!
- Papai também
é Edward!
- Ele é tão,
como fala: “headstrong“.
- Turrão,
obstinado...
- Isto, tur
turrão como eu, ele deve estar menos raiva de eu...
- Mamãe contou
para ele como recebemos as bênçãos lá em Gongo Soco ; ela disse
que ele se mostrou aliviado.
Aquela tarde
noite véspera de São Pedro e São Paulo, fora uma das melhores de suas vidas;
novamente estavam juntos depois que se separaram pela primeira vez após o
casamento.
Ambos demonstraram
quanto era gostoso e importante estarem juntos...
Às horas
insones da madrugada revelara o quanto fizera bem a distância e a saudade.
As noites
frias de junho, apesar de serem mais longas, passavam rápidas para o casal em
sua 2a. Lua de Mel.
Havia por
parte dela a espontaneidade e satisfação da entrega, sem nenhum
constrangimento; o prazer era participativo ao contrário de outros tempos, onde
se rendia quase só ao prazer dele...
As manhãs no pequeno arraial do Arranca Toco
eram frias e preguiçosas, Magdalena acordava tarde embalada pelo cantar da
passarinhada e depois do café da manhã, saia com o John caminhando pêlos
campos.
Algumas vezes
iam até ao Sumidouro atravessando com os pés descalços o frio rio Caraça e
chegavam até a capelinha onde ela orava contrita; uma vez ou outra, os padres
do colégio do Caraça vinham rezar missa na capelinha da baixada.
Missa certa
aos domingos era rezada na igreja de Santo Amaro no Brumal, ou na fazenda do
Engenho, mas todas duas ficavam muito longe para assisti-las.
Ao lado de
Edward, a vida era doce e a espera dele todas as tardes dava um sabor do saciar
da sede; era necessário vivê-la como Deus estava presenteando....
Na primeira
manhã de hospedagem no arraial do Sumidouro, acordara com a voz de Genoveva
brigando com a menina Aparecida.
Ao levantar
Magdalena perguntou à Genoveva, porquê brigavam?
- A fia da mãe
pede benção como se eu fosse mãe dela!
- Que tem
isto, Genoveva!
É uma maneira
educada e respeitosa como trata as pessoas mais velhas...
- Oia, Nhá! Sou
sorteira e sem fio, nu acarrego curpa de muié imbigada com mancancro!
- Que é
mancancro, Genoveva?
- Gente
ordinaia, fia!
- Não pense
assim dos outros, Genoveva!
Além de falta
de caridade, é pecado e maledicência...
A negra estava
azeda, pois, ficou relegada perdendo a festança que o menino contara para ela.
No
dia 30, voltaram para a serra do Gongo Soco, terminando os dias mais gostosos
que, Magdalena e Jonh passaram juntos.
Decorreram sete meses após casamento e dentro
dela já existia a sementinha que Edward lhe dera...
Dona Rita aconselhara
a filha a procurar o Dr. Moreira.
- Não é
necessário, mãe!
Dr. Cuming já
me examinou lá em Gongo
Soco.. .
Naquele Julho
de 1.949, voltava Magdalena de Catas Altas para o Gongo Soco com Edward, quando
no caminho a eles se juntou um cavaleiro austríaco alto e de porte nobre que
viera para o Brasil, como oficial militar da embaixada de seu país; acompanhava-o uma comitiva de cavaleiros.
Intrigado com
aquela cavalhada do estrangeiro europeu viajando por terras brasileiras, ele
Edward apresentou-se e perguntou:
- Senhor! Certamente
sois estrangeiro como eu; Não é?
- Sim, sou
austríaco e há muitos anos vim para o Brasil a serviço como adjunto militar da
embaixada de meu país; meu nome é José Maria Brüzzi e atualmente estou
levantando dados para os prezados amigos e ex-companheiros revolucionários: Feliciano Pinto Coelho da Cunha e o ex
deputado provincial mineiro, o senhor Theófilo Otoni.
- Então o
caminheiro está se dirigindo a Nossa Senhora Rainha do Caeté?
- Como sabes?
- Não é lá que
reside o Dr. Feliciano, também meu amigo?
- Oh! Que bela
coincidência, vou a sua procura e a seu chamado.
- O que o
senhor faz atualmente senhor Brüzzi?
- Nada ou
quase nada, pois fui guindado a síndico das obras da arquiconfraria do Cordão
de São Francisco em
Santa Bárbara e vou pedir ao deputado para interceder junto
do senhor bispo de Mariana para que conceda
licença das obras de renovação e ampliação da capela da qual sou o
responsável.
Então seremos
companheiros de viagem e com o mesmo destino...
Foi assim o
início de uma amizade que duraria por muitos anos; Inicialmente em Santa Bárbara ,
depois em Catas Altas
do Mato Dentro, onde passaria a morar o capitão José Maria Brüzzi...
O austríaco apesar de seu porte físico e airoso mancava em uma das pernas
que recebera um tiro na campanha da revolução CONSTITUCIONALISTA de 1.842; o
amigo de José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, não era nem mineiro e nem
brasileiro, porém lutou pela liberdade constitucionalista do povo com quem
passara a viver e a respeitar.
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