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CAPÍTULO XVII FESTAS E SARAUS


Edward Hosken desconhecia a palavra “sarau” quando aconteceu o primeiro de sua vida no Brasil e especialmente em Catas Altas.
Algumas vezes escutara um termo semelhante; Sarará significando um tipo albino e ele perguntava a si mesmo, o que tinha haver os negros de pelos ruivos com as tais festas?
Nas vilas mineradoras raras eram as festas sociais tais como os saraus, muito comuns no século XIX entre as classes sociais mais elevadas do Brasil e mesmo que houvesse na região das catas, o casal Edward e Maria Magdalena não teria tempo para freqüentá-las.
Quando Magdalena era solteira, participara em sua casa e dos amigos dos pais, de diversas festas.
Já mais velha e voltando a morar em sua terra, na data de oito de dezembro de 1.878, dia consagrado a padroeira do arraial e comemoração da elevação de Santa Bárbara à Comarca, Catas Altas voltara aos grandes dias de festas e bastava a  família Mendes Campello,  para encher os salões, tão grande era a clã do Guarda Mor Thomé.
Depois que se casara com o inglês e se afastara de Catas Altas, Maria Magdalena poucas vezes conseguira participar de festas nas casas dos amigos e colegas de Edward em Gongo Soco.
O tradicional chá que congregava as famílias inglesas, por sua falta de conhecimento completo da língua, afastava-a no início,  do habitual  encontro nas tardes das “thursday” quintas feiras.
A satisfação do povo de Santa Bárbara e Catas Altas  naqueles últimos meses de 1.878,  estendia por toda a região em que abrangia a sede jurídica; pois, em vez de ter que viajar até a cidade de Nossa Senhora da Rainha de Caeté, numa jornada de 2 dias para ida e volta,  em 2 horas de caminhada, chegava-se ao fórum da  nova sede em Santa Bárbara.
Na manhã do dia oito de dezembro. A população acordada com as salvas de foguetes e ouvindo também desfilando pelas ruas, a corporação musical do arraial e da sede do município, despertou cedo para ver o espetáculo.
Para as 9,00 horas da manhã, estava programada a missa solene que seria celebrada pelo vigário colado padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, recém designado pela Arquidiocese de Mariana, para ocupar a vaga deixada pelo saudoso padre Francisco Xavier de França.
Dois padres do Caraça: O superior, Padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos e Afonso Ferrigno, desceram a serra para também abrilhantarem as celebrações religiosas.
Entre as autoridades, o Presidente da Câmara, o senhor Manoel Teixeira Moreira e o tenente coronel Ovídio César Pinto Coelho.
Desde o dia 5, algumas casas já estavam recebendo parentes vindos de fazendas e sítios da região.
A movimentação do arraial fazia reviver os anos da exploração do ouro que os antigos lembravam com tanta recordação e havia uma esperança de voltar a ser o que era, com a reativação das minas antigas, pela recém fundada Santa Bárbara Mining Company que estava operando em São Francisco, no veio do Pary.
 Dentro das várias programações, uma cavalgada seguiria a retreta das bandas que também desfilariam.
As amazonas davam um colorido e uma graça toda especial a marcha da cavalgada.
À tarde na praça, barraquinhas, pau de sebo e corridas eqüestres e a noite nos salões do doutor Moreira, o sarau com récitas e quadrilha preparada por três festeiros: Coronel Emery, tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha e o coronel José Maria Brüzzi.
Estavam hospedados naqueles dias na casa do Dr. Moreira, 2 seminaristas da Escola Apostólica do Caraça; os jovens estudantes: Rodolfo Augusto de Oliveira Pena e João Antônio Pimenta, ambos convalescentes de doenças contraídas no internato do colégio.
A experiência do médico, sempre dedicado ao Caraça, diagnosticara a doença dos rapazes, logo que os mesmos foram examinados.
Os alunos estavam sendo sabatinados em excesso, pois o senhor imperador D. Pedro II, prometera visitar em breve o colégio, para conhecer como seu pai, ha 50 anos exatos, o renomado estabelecimento de ensino, tido como modelo no país.
Ambos seminaristas hospedes do Dr. Moreira em Catas Altas eram vítimas do rigor das argüições, pois tidos como os melhores alunos, os padres estavam preparando-os para responderem em nome da classe, quando o imperador não designasse por sua própria vontade, outros alunos.
Mais adiantados e responsáveis, eles decoravam textos literários das línguas portuguesas, francesas e latina dos livros usados pelas diversas  classes.
As matérias eram exaustivamente estudadas e tomadas pelos padres.
O resultado foi a estafa de alguns meninos.
Exigindo o médico, que o colégio licenciasse os meninos, para que eles se recuperassem fora do ambiente sufocante.
Levando dois deles para sua casa em Catas Altas, ele Dr. Moreira esperava que em pouco tempo. Devolveria os estudantes completamente sãos aos seus estudos.
Para Abril do ano seguinte, estava marcada a visita imperial e até lá, os alunos deveriam estar recuperados  plenamente da estafa.
Na tarde de 5 de dezembro, Carlos Arthur e sua irmã  Anna Eugênia, voltavam para casa subindo a rua do Rosário, quando cruzaram com os dois seminaristas que vinham em sentido contrário.
Ainda distantes Niníca comentara:
- Que urubus são aqueles arrastando as asas?
Com as batinas pretas e poeirentas, via-se que eram estudantes do Caraça, também as mãos cruzadas nas costas, confirmava uma característica dos estudantes vicentínos.
Niníca, crítica e brincalhona, falou para que os moços ouvissem:
- Serão belos padres quando subirem ao altar!
Se realmente conseguirem subir com todo o peso da poeira da batina...
O pó encardia de marrom a veste que fora preta e tinha agora a cor caramelada.
Compassando os passos ao lado do irmão, voltou o olhar para trás, e deu de cara com um dos seminaristas fazendo o mesmo.
Não mais que a 3 metros, ela viu e ouviu um dos moços recitando um verso:

               Olhos em que vejo deboches
                  e que com tanta graça olhais,
                 Onde ficaram os coches,
                 Oh! voz que a mim ferrais?

Totó começou a rir da pronta e surpreendente resposta do moço e voltou atrás para se desculpar a grosseria da irmã.
Ao acabar de pedir desculpas por Niníca, insistiu para que o seminarista repetisse o verso.
Um dos moços achou que era uma tomada de satisfação pela altura da resposta que dera, ficou calado não querendo provocar embaraços.
- Sou Carlos Arthur Hosken, esta é minha irmã Ana Eugênia.
Mais aliviados os estudantes viram que o tom da conversa era coloquial sem nenhuma alteração inamistosa.
- Se não tomo o tempo dos senhores, gostaria que o repentista dissesse novamente o verso, pois achei inteligente, justa e espirituosa a resposta.
- Ora! É um plagio de um verso encontrado nos livros do Caraça.
- Seja de quem for o rápido raciocínio do moço, revela uma inteligência instantânea, buscando na memória uma pronta resposta...
- O senhor riu quando retruquei com o verso, em vez de fechar a cara!
- Minha atrevida irmã merecera o troco, para não ser grosseira.
- Eu não quis ser grosseira, Totó!
Estava brincando.
Confiado no tom brincalhão como a moça desculpava-se, disse:
- Sou Augusto de Oliveira Pena, estudante do Caraça, meu colega é o João Antônio Pimenta.
O Totó apontava para a irmã.
- Esta é madame Ana Eugênia Hosken para os de fora, para os de dentro, Niníca.
Niníca cutuvava o irmão por detrás.
Sentindo o tom brincalhão dos irmãos, Rodolfo Augusto com os olhos postos na calçada em vez de olhar para eles, disse:
- Senhorinha, a sujeira de nossas batinas não revela a pureza de nossas almas; quanto ao subirmos ao altar, só Deus poderá nos dizer se conseguiremos ou não...
Desapontada, pois achava que os estudantes não haviam escutado o mordaz comentário, vermelha teve que novamente pedir desculpas.
Ainda sem jeito e tentado retirar as farpas da irmã, Totó perguntou para onde estava indo;
- Estamos dirigindo para casa do Dr. Moreira, nosso médico e hospedeiro.

Praça Monsenhor Mendes em Catas Altas – à direita casarão colonial do doutor Moreira.

- Então vamos subindo juntos, pois em breve tornaremos a encontrar.
- Onde?
- Lá na casa onde vocês estão hospedados, pois uma das comemorações da festa de oito de dezembro será realizada na casa de dona Brasilina.
- Vocês participarão do sarau?
- Se fosse em outra casa certamente que não iríamos, mas estando hospedados lá, quer queiramos ou não, estaremos envolvidos nele.
- Desde já podem ficar preparados para as brincadeiras.
- Que brincadeiras?
- Os jogos, as récitas e as danças...
- Mas nós somos seminaristas!
- E daí!
Vocês pensam que o padre vigário está fora?
Engano seus, pois é o primeiro da lista a entrar no sorteio
- Quanto aos jogos e récitas poderemos participar, mas das danças nem pensar.
- Pois então tratem de esperar pelo sorteio de seus nomes e busquem na cabeça, os versos de Camões, as fábulas de La Fontin e todo o latinório de que estará sujeito ao se debater com o senhor vigário.
- Nossa!
Mas nem sabemos o que virá pela frente, como vamos preparar?
- Muito pior do que para vocês estamos nós, que não somos estudantes, mas vamos levar algumas armas para o combate.
- Como?
- Decorando poesias, versos, piadas e canções; alguma coisa servirá para cumprir o jogo, desculpando-nos se especificamente não estivermos preparados para dar resposta direta ao que pedir o sorteio.
O que não pode é ficar muda, plantada na frente de tantos olhares...
- Ah! Então há paliativos?
- Claro ninguém é Deus para saber tudo...
Os dois seminaristas ficaram mais tranqüilos pois haveria modos de cumprir o sorteio com artifícios se eles fossem os sorteados.
Ao chegarem ao casarão da esquina, os seminaristas e os Hoskens despediram-se:
- Até amanhã ou até o sarau; por favor, cheguem cedo, pois não conhecemos ninguém daqui.
Conta conosco padrecos, estaremos lá no arrasta pé.
- Arrasta o que?
- Arrasta pé...
 Vocês são mesmo estudantes?
- Claro que somos, mas desconhecemos no dicionário o que é padrecos e arrasta pé...
No Caraça era proibido o uso de gírias...
- A que horas vocês chegarão para o sarau?
Os estudantes já não tratavam  os dois  irmãos por senhores.
- Um aviso, lembrem-se!
Fora do Caraça nada de pedantismo, chamando os jovens como nós de senhores!
- Sim senhores!
Veio a resposta imediata, era difícil cortar o hábito enraizado dos caracenses; durante alguns anos permaneceria o tratamento cerimonioso.
 Niníca perguntou:
 - Então vocês vão conhecer de perto o casal imperial?
- “A priori” sim senhora, talvez até conversar com eles...
- Vou ficar com inveja, pois teria vontade de conhecer dona, dona...
O nome faltou a memória de Niníca.
- Dona não, sua alteza a imperatriz Teresa Cristina.
Os moços mostravam que realmente estavam sendo preparados para o encontro.
- Para a senhora parece agradável tal encontro, mas para  quem vai  ficar “ vis a vis com suas majestades sendo argüidos, “Per fas et per nefas” dá uma tremura nas pernas...
- Que é: “per fas et per nefas”
Ah! Desculpe-me é uma expressão latina que quer dizer:
Quer queira, quer não ...
Vocês não sabem com que sacrifício estamos sendo preparados para recebê-los.
Eu e o Rodolfo, de tanto preparar-nos durante os recreios, passeios e pic-nics, fugindo das bolas e dos banhos no tanquinho, acabamos com a saúde abalada.
- Vocês estão doentes?
Não parece!
- Nós já estamos quase bons da lerdeza que nos deu e que  doutor Moreira diagnosticou  como estafa mental.
- Que doença é esta?
- “Fatique ou brainfag, como dizem os livros médicos”.
- Mas só por estudarem, vocês adoeceram?
- Quando se deixa de expor ao Sol e aos exercícios, passamos a alimentar menos, “ipso fato” deixamos de armazenar gorduras, fosfatos e proteínas como diz o Dr. Moreira.
- Então vocês estão perdidos como cachorro no mato?
Os estudantes riram e um deles disse:
- Olha a  etiqueta dona Maria Eugênia...
- Ela começou a falar um palavrão que para os estudantes seria um escândalo e Totó advertiu-a:
- Olha os modos, Niníca!
Totó sabia o  que ela ia dizer e cortou a palavra na primeira sílaba.
- Até o encontro...
 Despediram-se os dois estudantes.
- Se Deus quiser, até lá...
- Você viu o pedantismo deles?
- No Caraça é assim mesmo Niníca, são obrigados a exercitarem o tempo todo os bons modos e as palavras eruditas...
- Ah, por Deus!
  Eu tive vontade de mandar a merda por tanto latim e demonstração de sapiência.
- É, se não corto sua palavra, você ia mesmo mandá-los a aquele lugar...
 Com os convites nas mãos, a sociedade de Catas Altas aguardava o dia oito de dezembro, com uma expectativa exagerada.
Casas e pousadas cheias, guarda-roupas, baús e cofres de jóias vasculhados para ver o que havia de melhor dentro deles.
Todo mundo sabia que além das cerimônias religiosas e civis, haveria o sarau e preparavam-se decorando modinhas, poesias e partituras de músicas.
Ninguém pensava em fazer feio durante as brincadeiras.
Violões, pianos e instrumentos de sopro eram afinados, podendo substituir uma poesia, verso ou qualquer pedido do sorteio.
As mães voltadas para apresentarem as filhas da melhor maneira, cuidavam das toaletes.
Melhor oportunidade do que aquela para mostrar as meninas casadouras,  poucas vezes ao ano surgiriam...
Na madrugada do dia oito, ninguém conseguira dormir com a alvorada festiva.
As janelas atulhadas mostravam rostos amarfanhados e caras estupefatas para verem o movimento e o burburinho que ocorria na praça.
Poucos conseguiam dormir desde os dias anteriores a festa.
Gente com roupa íntima, cabelos desalinhados surgia repentinamente na janela e tornava a sumir, pelo interior da casa.
O sino da matriz repicava sonoro e as igrejas vizinhas, respondiam com dobres festivos.
Nos esteios e os troncos da praça, uma infinidade de animais amarrados, tentavam ao espocar dos foguetes, desvencilharem dos cabrestos que os prendiam.
Para os que estavam nas janelas, era fácil distinguir quem era da rua ou do campo.
Os primeiros, calçados e trajando ternos com gravatas sob o colarinho engomado; os do campo na veste dominical de brim caqui, com os calçados amarrados e carregados sobre os ombros.
Somente poucos minutos antes das cerimônias, lavavam os pés no chafariz e colocavam o calçado, geralmente apertados para quem caminhara quilômetros...
O tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha olhava da janela de sua casa, quem chegava para a festa.
Com o seu uniforme da Guarda Nacional, reclamava dos bons tempos quando todos da família eram levados nas cadeirinhas de arruar, apesar da pequena distância que separava sua casa da igreja.
Agora, só a mulher e as meninas; ele teria que caminhar sobre as pedras do calçamento ou sobre o barro que a chuva de Verão começara a provocar.
- Não há calçado que agüenta, reclamava o tenente.
Bons tempos eram aqueles em que havia escravos sobrando e o ouro enchendo as burras do rico metal!

(No museu da inconfidência em Ouro Preto, encontra-se a tal cadeira de arruar exposta aos que se voltam ao passado.)


 A FESTA DO DIA OITO DE DEZEMBRO DE 1.878.

Desde o dia cinco, Catas Altas já recebia visitas de forasteiros e parentes de familiares que moravam no arraial.
As chaminés sobre os telhados expeliam fumaças desde as 4,00 horas da manhã.
Era bom sentir o movimento da população, tal como acontecia nos tempos das minerações.
A festa da padroeira e da tomada de posse do Vigário Colado, padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, juntava-se também a festa cívica da passagem da cidade de Santa Bárbara, à sede da comarca.
A praça enfeitada com arcos de bambu em toda a sua orla, mantinha suspensas entre o cordame de bandeirolas, lanternas confeccionadas em taquaras, a moda japonesa.
Se de dia o efeito era bonito, a noite quando ascendiam os candeeiros, o lume ficava piscando através das frestas das taquaras.
Mil vaga-lumes pareciam pirilampear ao redor da igreja.
Um batalhão de meninos munidos de achas de candeia, ativavam  a chama das lanternas quando o vento apagava o lume.
Ao se deslocarem correndo com a ponta das hastes em fogo, formavam uma pequena cauda, como se fosse um cometa.
Sentindo que eles eram alvo da admiração popular, os meninos cruzavam ligeiros sobre o gramado da praça, fazendo evoluções com as achas nas mãos.
Dentro das casas a agitação não era menor do que a do largo; as fornadas ardendo para os assados da família e para as barraquinhas.
As mocinhas costurando vestidos e remendando estragos das traças e das baratas.
Sugestões para novos enfeites, bolando arranjos para que a veste parecesse nova.
Os varais cobertos de vestes para afastar o mofo e o cheiro da naftalina.
De vez em quando, uma olhada no vão da janela para ver quem chegara ou estava chegando com o tropel apressado de animais ferrados.
Ninguém ficava de fora do batalhão de colaboradores da festa; até os moços que sumiam quando se falava em serviço, estavam á postos ajudando as namoradas nas ornamentações.
A Comissão de Festa mandara uma intimação ao senhor Raymundo Gonçalves Viegas para que assumisse o encargo da marcação da quadrilha, coisa que fazia muito bem há muitos anos.
Quando o velho não podia marcá-las, um dos seus filhos apresentava-se para comandá-las.
Tônico e Juca, sem a pureza do francês aprendido pelo pai com o padre Sípolis, tropeçavam na língua de Racíne.
Como poucos eram familiarizados com o francês quaisquer comandos, mesmo pronunciados errado, era aceito por quem queria dançar.
A nata da sociedade de Catas Altas estava reunida nos salões da casa do Dr. Moreira e Raymundo Viegas não poderia faltar naquele dia ao comando da quadrilha.
O povo em geral, no batuque do adro da igreja do Rosário.
Para dançar a quadrilha dois grupos teriam que se inscrever:

Os inscritos com números ímpares numa fila, os de números pares na outra.

1. - Dr. Manoel Moreira e dona Maria Brasilina.
2. - Domingos Pinto de Figueiredo e dona Emília Franklin Santos.
3. - Honório Alves e dona Emília de Figueiredo Alves.
4. - José Moreira de Figueiredo (Juca) e Margarida Ayres.
5. - Manoel Moreira de Figueiredo (Neca) e Olinda de Araújo.
6. - Gonçalo Moreira de Figueiredo e Terezinha de Jesus Vieira.
7. - Manoel Moreira de Figueiredo e Josefina Barroca de Figueiredo.
8. - Maria da Conceição Figueiredo e Antônio Emílio Caldeira Brant.
9. - Antônio Caldeira Brant e Genoveva Brüzzi.
10 - Edward Hosken e dona Maria Magdalena M. Campello  Hosken.
11 - João Martins Ayres e dona Josepha Maria da Conceição.
12 - Modesto José da Circuncisão Viegas e dona Maria Angélica Narcisa.
13 - Antônio Augusto Bittencourt e dona Anna Justina de Jesus.
14 - Ovídio Baptista Pereira e dona Antônia de São José Cupertino.
15 - Raymundo Gonçalves Viegas e dona Antônia Marcolina Ferreira. 
16 - Benjamin Franklin Pereira e dona Manoela  de Souza Faria.
17 - Cel. João Emery e dona Maria Rita M. Campello.
18 - Alferes Vicente Domingos Pereira da Cunha e dona Maria Raymunda.
19 - Domingos Pereira da Cunha Neto e Eleonora Augusta Pereira.
20 - João Pereira da Cunha e Maria Magdalena Hosken (Júnior).
21 - Carlos Arthur Hosken e Magdalena Pereira da Cunha.
22 - José Pereira da Cunha e Maria Pereira da Cunha (Zinha).


Os portadores das senhas impares homenageavam o padre nomeado, Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, que  desde 1.868 trabalhava em Catas Altas, como coadjutor, tornando-o padrinho da ala.
A ala par homenageava o Superior do Caraça, padre Júlio Clavelin, que viera dar posse ao padre Manoel.
A cada par dos casais formados para dançar a quadrilha, os homens correspondiam a letra A e as senhoras ou senhoritas, a letra B.
Na hora das brincadeiras, se fosse chamado o número 01 A, o sorteado seria o doutor Manoel Moreira e o 01 B, a sorteada seria dona Brasilina.
Aos outros pares correspondia a mesma seqüência.
A todos participantes, foram distribuídas senhas numeradas e classificadas, por A e por B.
Alguns distraídos chegaram a mastigar a senha na boca, e o recurso foi recorrer a lista da inscrição.
A ala do padre Júlio Clavelin reclamou que a adversária estava constituída de gente mais acostumada às quadrilhas e se houvesse prêmios aos participantes, ela seria beneficiada.
O próprio padre Clavelin disse que confiava nos seus afilhados e continuassem os casais formando os pares para a vitória final...
   
Na platéia outros casais, jovens e crianças enchiam o terreiro de café onde seria dançada a quadrilha.
Entre a turma jovem, os estudantes do Caraça: Rodolfo Augusto e João Antônio, os Viegas: Raymundo, Juca e Tônico; os Pereiras da Cunha: Bernardo, Domingos e Emídia e a brincalhona Anna Eugênia Hosken.
Muitos ao chegarem mais tarde, não puderam se inscrever para as brincadeiras, mas ficaram assistindo, primeiro a beleza da quadrilha, depois as troças que os jovens arranjavam.
A sacada da varanda, apinhada de gente oferecia melhor visão dos que se instalaram no pátio; ali estavam os padres e os mais idosos, como se estivessem num camarim.

Uma voz tonitruante gritava lá em baixo:

Bon soir monsieurs péres.
   Bon soir madames et chevaliers.
  Je vais chanter La quadrille”.


A saudação em francês deixou os padres sorridentes, não pelo mau uso da língua de Racine e Moliere e outros monstros da lingua francesa, mas pela demonstração de que o ex-aluno do Caraça ainda se lembrava alguma coisa do que havia aprendido.



“- Balancer, balancer!
     Tous les paire, vis-à-vis de la dame...
     Balancer, charger de dame.
     Charger de chevalier et arriver  vis-à-vis...
     Ecarter.
     Entourer la dame...
     Balancer... “
Era bonito assistir o sincronismo dos pares movimentando-se em evoluções sob o comando do velho Raymundo Viegas, seguindo em linha reta ou girando nos movimentos das alas.
Passara a primeira fase da quadrilha, o mais difícil estava por vir na segunda e na terceira parte, onde as evoluções em rodas, em pares e em grupos, teriam  que ser bem coordenadas pela atenção dos dançarinos ao comando do marcador.
Os sanfoneiros deliciavam aos que dançavam e aos que ouviam; de olhos fechados, quase dorminhocos, os dedos passeavam pelas teclas, com a mão comprimindo o fole.
Os casais puxadores, nem olhavam para o Marcador, o ouvir bastava para cumprir o comando requerido e os outros seguindo seus passos.
O padre superior do Caraça, que a principio sentira-se constrangido de ver uma dança mundana, foi alertado pelo anfitrião que nas cortes, até os cardeais assistiam as contradanças.
 A quadrilha ele dizia, é uma escola de arte francesa, onde os jovens aprendem os bons modos e os velhos o respeito até aos seus desafetos...
- É, realmente olhar não trás nenhum pecado, o que a igreja não concorda com as danças, é dos desregramentos que a conjunção pode oferecer.
No pátio, os pares se ajuntavam, separavam-se cruzando as mãos com os outros e em meandros desenhavam círculos e quadrados para depois seguirem rumo ao “Grand final”.
Palmas dos que dançavam para os seus pares e palmas dos que assistiam.
Nenhuma dança reverencia tanto a mulher, como a quadrilha francesa chamada de “cotillon” Aqui no Brasil. bem modificada ao tempero dos costumes e da época.

Compondo-se de:
                            la. parte - “Chaine francaise. “
                            2a. parte - “ O avan-deux. “
                            3a. parte - “A poule. “
                            4ª. parte - “En-avant général ou Gran final." “

A quadrilha dava oportunidade aos moços que iniciavam um namoro, contra-dançarem sem se comprometerem aos olhos dos pais, ou de terceiros.
Muitas vezes a namorada ou namorado, não era o seu par, porém o desenrolar da movimentação da quadrilha, dava a oportunidade de se cruzarem numa saudação ou num  rodar voluptuoso, nos braços  do amar...
Ao término da quadrilha, ninguém podia dizer qual fora a melhor ala ou o melhor casal para efeito da premiação; ganharam as duas alas e vitoriosos os dois homenageados.
Cabia entretanto ao mestre marcador, o êxito do brilhantismo como se portavam os dançarinos.
O Viegas recebera o aplauso unânime na marcação brilhante; sua voz podia ser ouvida a longa distância.
Ao padre Mendes perguntaram qual ala se saíra melhor na dança.
- Entre a presença de Nossa Senhora do Rosário e Santa Quitéria, fico com a graça de ambas.
O padre saiu-se bem com a mesma finura do rei Salomão...
Logo após a quadrilha, seria aberto o desafio a todos os presentes. Como não havia condições de todas as pessoas participarem, seria feito um sorteio que indicaria os que iriam desfilar na frente da platéia, mostrando suas prendas e virtudes.
Durante o intervalo para arranjo do palco, no piano alguém tocava músicas, para deleite dos que aguardavam a última parte do que fora programado para o sarau.
 Ao som do piano, muitos tentavam subir para o concerto improvisado que o pianista premiava os convivas, músicas de Frederico Francisco Chopin, estavam sendo dedilhadas ao piano.
Um silêncio, mesmo dos que tentavam deslocar-se colocara o ambiente num clima de escuta e de expectativa, para ver quem era o ótimo pianista.
Só podia ser de um maestro, ou virtuoso amante da música.
Qual não foi a surpresa dos que conseguindo subir as escadas, encontraram uma senhora de aproximadamente 33 anos solando o piano.
- Quem era aquela mulher?
Ninguém mais do que a esposa do tenente-coronel da Guarda Nacional,  Antônio Mendes Campello, nora do falecido Guarda-Mor Thomé Mendes Campello.
Estava ocorrendo naquele sarau, coisas surpreendentes, que muitos parentes desconheciam das habilidades de seus familiares.
Repentinamente um dos moços solteiros pediu à solista que executasse uma peça a seu pedido.
Contagiados pelo compasso da música, os jovens batiam os pés e as mocinhas remexiam as cadeiras como tomadas pela força do demônio.
O compasso era contagioso, porém ninguém sabia dançar aquela música que diziam ser de origem negra.
- Se é de negros, é o batuque!
- Se é batuque, dançamos como eles. Bem não havia iniciado o ensaio do passo, quando Dr. Moreira entrando na sala chamou o filho José e disse:
- Isto é música para se tocar em sarau?
Respeitem nossas visitas, principalmente os padres...
O piano parou ao dobre de uma sineta dependurada na cimalha da varanda, chamando a assistência para a segunda parte do sarau.
Agora as brincadeiras!
Chamava o Juca, tentando desviar a atenção dos que ouviam o piano; todos ao pátio por baixo da varanda...
Chegando junto da grade, repetiu  para que todos ouvissem:

- Agora as brincadeiras!

Todos com a inscrição à mão e torcendo para serem sorteados...
Poucos sabiam para o que determinaria o sorteio.
Dona Maria Brasilina mostrando um estojo francês em suas mãos, disse do alto da varanda:
- Aqui estão colocados os papeluchos com os nomes dos que se inscreveram para as brincadeiras.
Nesta outra, colocamos diversos papeluchos para que o sorteado cumpra diante da platéia, missões diversas, tais como:
Cantar, para que todos ouçam sua voz;
Imitar uma pessoa;
Contar uma história;
Recitar um poema, ou até mesmo se não souber fazer nada do estipulado, virar cambalhotas como se fosse um palhaço de circo...   
- Mas, e se o sorteado for do sexo feminino?
- Ela terá que colocar uma calça de homem que emprestaremos e depois virá aqui cumprir a brincadeira.
A varanda e o pátio começaram a esvaziar.
Um protesto dos que ficaram e uma brigada de salvação do evento, fez os fujões voltarem aos seus lugares.
Com o tumulto dos que tentaram fugir, alguns não ouviram dona Brasilina fazendo as explicações e  pediram para que ela repetisse o que dissera.
 Dr. Moreira tomando o lugar da esposa repetiu tudo de novo e para que os participantes ficassem mais a par do que constituía a brincadeira, disse em voz alta:
- Vou chamar a nossa presença um moço muito querido que é meu hospede por alguns dias nesta casa.
Ele certamente não fugirá ao meu pedido para dar exemplo como funcionará a brincadeira, pois sempre foi exemplo de tudo que enfrentou até agora na sua curta vida de estudante seminarista.
- Senhor seminarista Rodolfo Augusto de Oliveira Pena, por favor, apresente-se nesta varanda.
Este moço apontava para um rapaz de batina; que estava doente e agora  quase recuperado, vai nos dar o prazer de recitar uma das poesias que ele conhece de cor, pois tenho visto decorá-la desde que chegou a minha casa.

- Boa tarde, cumprimentou o jovem à platéia quase toda desconhecida.
Trêmulo e esperando ganhar tempo, olhou para aquela assistência enorme e repetiu numa voz educada e bem postada:
- Boa tarde para todos.
Uma resposta em coro:
- Boa tarde.
Havia ainda um pequeno tumulto e alguém advertiu:
-Psiu! Psiu! Por favor, silêncio...

A poesia que vou declamar é de autoria do senhor José de Sena e que o poeta dedicou ao Caraça.

      SAUDADES DO CARAÇA-

Das cordas da lira inculta
Por Mão sem arte vibrada,
quero arrancar uma endeixa
Ao exílio dedicada.

É cantar, com voz plangente
A vida calma, inocente
Que hoje vejo descontente
Pelo tempo já pisada.

No Caraça tudo é grande,
Tudo é belo sem igual,
Desde a cascata soberba
Té o pobre lagrimal!...

Ali nas tardes amenas
Nas manhãs sempre serenas,
Trescalam as açucenas
Mais perfume pelo val.

Sentado na verde relva,
Como era doce o cismar!
Às margens do Tanque Grande
Quando o sol se ia entrar
E as auras embalsamadas
Dentre as florestas lançadas
Lhe vinham enamoradas
De leve a face frisar...

Juventude, que és dotada
De tão risonho fadário,
Estuda longe das trevas
Deste século funerário!
Oh! quanto te invejo a sorte!
Da fé sob o escudo forte,
Tu vives longe da morte
À sombra do Santuário

Ai de mim que nunca mais
Como criança a brincar,
Hei de correr nesses campos,
Nas capoeiras vagar!...
Que nunca mais sossegado,
Ao estudo dedicado,
Naqueles bancos sentados,
Hei de mestres escutar!

Campinas, Selvas, Montanhas,
Gigantes da criação,
Colégio de meus amores,
Morada da quietação,
No canto mesquinho embora
Da lira que a ausência chora,
Recebei de mim agora
Um adeus do coração.

No Caraça tudo é grande
Tudo é belo, sem rival,
Desde a cascata ao riacho
Que serpenteia no val!...
Ali correndo fagueiros
Os ventos entre os coqueiros
ou nos ramos dos pinheiros
Murmuram: Céu  terreal!...

Esta poesia é datada de l.868, portanto completando 10 anos de editada...
              
Abaixando a cabeça e permanecendo com ela inclinada, recebia o moço seminarista, a maior ovação de sua vida.
São exemplos como este, que me faz cada vez mais orgulhoso do nosso colégio do Caraça; para mostrar que não  é um caso isolado de inteligência, chamo outro aluno desse educandário para mostrar como se aprende nessa escola:

Seminarista João Antônio Pimenta, apresente-se na sacada da varanda.
No parapeito surgiu um rosto magro, abatido dizendo:
- Aqui estou Dr. Manoel Moreira.
- Por favor, moço Vicentino!
 Queira como seu colega demonstrar o que os senhores aprendem com os padres:

- Senhores e senhoras, para não tomar muito tempo,  falo que vou recitar um poema do maior poeta do Brasil,  um menino nascido como a maioria dos presentes numa fazenda de uma terra como esta, Curralinho no estado da  Bahia.

Trata-se de Castro Alves, o poema chama-se:

                   O Último Fantasma
      
Quem és tu?  Quem és tu vulto gracioso
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te livras vaporoso...

                      Baixas do céu num vôo harmonioso!
                      Quem és tu, bela e branca desposada?
                      Da laranjeira em flor, a flor nevada
                      Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...

 Onde nos vimos nós? És de outra esfera?
 És o ser que eu busquei do sul ao norte,
 Por quem meu peito em sonhos desespera?

                     Quem és tu? Quem és tu? És minha sorte!
                     És talvez o ideal que est’alma espera!
                     És a glória talvez!  Talvez a morte!          


Um seminarista recitando esta poesia, poderá  parecer aos que a ouvem,  uma afronta ao ideal de um futuro padre, que será um celibatário; mas se interpretarem bem  seus versos, verão que o amor a que se refere é a sua sorte.
É desta sorte que necessitaremos para cumprir nossa vocação...
Um aplauso geral da assistência, principalmente dos sacerdotes que ouviam o estudante do Caraça.
- Com o belo exemplo deste moço, quero ver se os jovens de Catas Altas,  também  repitam a mesma desenvoltura  cultural nesta proposta de desafios.
Dr. Moreira como anfitrião e animador do sarau, provocava a mocidade presente.
Como ninguém se apresentou espontaneamente, foi feito o sorteio para o próximo desafiado.
O menino José Thomaz Hosken, filho do inglês Edward Hosken, que estava perto do médico, foi convidado a retirar da caixinha um dos papeluchos entre tantos que estavam ali dentro.
- Você sabe ler?
Abanando a cabeça em sinal negativo, pois estava com seis anos, Dr. Moreira mandou que o menino abrisse o papel.
- O felizardo é:
O suspense podia ser notado no rosto de todos...
Ah, imaginem!
- Sou eu mesmo...
Risos de todos pela sorte, indicando o próprio condutor da programação.
Surpreso, não esperava que fosse um dos primeiros a entrar na brincadeira demonstrando sua cultura.
- Eu vou declamar um soneto inédito, dedicado a esta linda serra do Caraça e de criação de poeta (CHA); onde encontrei os seus versos.

- CARAÇA - Serra dos Segredos...

Oh! Serra dos segredos!
Tanta água para o mar,
Oh! Riachos a mim tão ledos,
tentando a terra sublimar.

Quisera banhar meus dedos,
em tuas fontes a formar,
nas cascatas dos penedos
que me põe a cismar:

Serão de deuses arremedos?
tanta beleza a somar,
estavam eles bêbados?

Criando  neste pomar,
imagens que só os credos
Vê  Deus,  a  arrumar...

Os versos que recito, nem precisavam ser escritos, bastaria olhar das minhas janelas para verem o que Deus nos deu...
Uma salva de palmas prolongadas refletia a impressão que causara, até ao argumentar a realidade do que a natureza proporcionara a Catas Altas.
Um serra resplandecente com o brilho diamantino das cascatas que desciam lá do alto.
A brincadeira continuando, e saindo de outro sorteio, o nome de Manoel Vieira.
Ele justificando-se disse:
- Não tenho a verve dos meus antecessores, porém cumpro o que manda o programa, dedicando a minha esposa Josefina Barroca estas duas quadras:

Josefina, no aniversário,
sempre deseja que a gente
se esqueça do seu passado,
mas nunca do seu presente...

fosse ele extraordinário,
furando o bolso d’agente,
eu ficaria quebrado
ela, imensamente  contente!

A maldade dos versos dizia uma verdade inconfessável, todas as mulheres se lembravam dos presentes, mas da idade, todas esqueciam por conveniência.
O nome a seguir sorteado foi o de Rodolfo Augusto.

- Mas eu já recitei! Como fui sorteado novamente?
Anna Eugênia Hosken, “Ninica” retrucou:
- O senhor seminarista recitou a pedido do Dr. Moreira, não pelo sorteio a que todos nós estamos  sujeitos.
- Pois não dona Nínica, cumpro às suas ordens;  e recitou:

Menina, moça e bonita,
é uma prenda a Níinica;
festeira, irônica e catita,
não ama,  nem namora; pinica!!!

Uma risada geral colocou a moça toda vermelha e ela ofendida, pedia o direito da resposta em desafio.
- Concedida a ofendida, o direito de resposta ao senhor seminarista Rodolfo.
Eu não posso deixar esta ofensa sem resposta e por isto de improviso, recito:

Se a Nínica, pinica!
há homem  que futrica,
dizendo que é ciriríca,
uma moça tão pudica...

Estava ficando engraçadas as brincadeiras que os moços arranjaram e alguns que tinham se afastado com medo de serem escolhidos pela sorte ao desafio, começaram a voltar para ouvirem duelos jocosos e inesperados.

Carlos Arthur Hosken que namorava a filha do capitão Vicente Domingos Pereira da Cunha e estava prestes a se casar, presumivelmente, aquela seria a última festa dos dois ainda solteiros.
Ele foi sorteado e visivelmente acanhado, recitou:

Eu tenho Nhanhasinha
por quem clama o coração,
espero que bem mansinha
sinta  a voz,  minha paixão...

Se esperanças tinha
do sogro:  Vicente  capitão,
ao  ver triscar sua binga,
Que não negue fogo, seu  coração!

Risos do atrevimento do rapaz loiro e bonitão que já tinha o casamento marcado para dentro em pouco.
Os sorteados, nem sempre faziam declamações, os que tinham habilidades musicais, solavam para a platéia composições em evidência na época.

Naquela noite, depois do sarau, Rodolfo Augusto não conseguia conciliar o sono, perturbado pelas lembranças da festa; rostos, palavras e os elogios recebidos, afastavam o seu sono.
O relógio do casarão batia meia noite e nada do sono; o pêndulo ia e voltava fazendo o tic-tac e ele Rodolfo virando na cama para melhor posicionar para o sono.
Nada, nada, nem o cochilo pressageiro ainda chegara.
Seu pensamento estava voltado para o inglês que recitara a última poesia da noite.
“- Eu não fala língua brasileira, como pode inglês recitare? ”
A pronuncia do estrangeiro chamou a minha atenção e perguntei ao Dr. Moreira quem era o velho.
- Este senhor é um inglês residente aqui em Catas Altas...
- O que veio fazer aqui?
- Há muitos anos veio para minerar em Gongo Soco e por aqui casou e acabou ficando.
Eu queria continuar a me informar da vida daquela personalidade, mas ela levantando do banco onde estava, começou a falar:

- Como disse, não fala eu língua vocês senhores, vou ler língua minha a poesia que jornal  Inglaterra mostrou a eu.
É poesia de Rudyard Kipling , inglês nascido  Índia, moço como estudantes de Caraça que aqui estão.
 
I keep six honest serving men,
( They taught me all I knew )
Their names are What Nd Wh Nd When
And how and where and who.

O velho não precisou olhar para o papel, pois declamara como conseguira  decorar; o verso escrito, com toda segurança.
Passando a folha para sua esposa Maria Magdalena Hosken, ela traduziu o que o marido havia recitado:

Eu tenho seis honestos servidores,
eles me ensinaram tudo o que eu sei;
seus nomes são: O que, e por que,
e quando, e como, e onde, e quem...

Uma salva de palmas calorosas saudava o casal que apesar dos anos, mantinha a vibração da juventude; ele deveria ter uma memória privilegiada, pois apesar de ter a poesia na palma da sua mão, não precisou olhar para declamar.
A folha desfigurada pelo tempo tremia em sua mão esquerda que sofrera uma intervenção cirúrgica no desastre da mina do Gongo Soco no ano de 1.856.
O acidente pusera fim na mineração que empregara na época, 9l7 mineiros; sendo 2l7 europeus, quase todos ingleses.
200 brasileiros livres e 500 escravos negros.
O minerador que desafiara tantas vezes a morte, o capitão que comandara homens, tremera diante de um desafio que não era nada, para quem vivera tão intensamente a vida...
Rodolfo o seminarista foi cumprimentá-lo, estendendo os cumprimentos a sua esposa.
Ao pegar a sua mão, Rodolfo notara que ele ainda estava trêmulo.
Naquele dia eles estavam completando 30 anos de casados...
- Como senhor  saber que hoje, eu e mulher faz bodas de casados?
Os velhos acharam que Rodolfo estava saudando-os pelo aniversário do casamento e Rodolfo complementou como se soubesse do acontecimento de 30 anos atrás.
Cumprimento-os pelo sucesso de seus versos e pelos 30 anos de união...
- E para mim uma honra conhecê-los, senhor Hosken e dona Magdalena e também uma surpresa por encontrar em Catas Altas uma brasileira falando o inglês.         
- Nos seus versos senhor Edward, há muita filosofia...
- A filosofia não é minha, moço!
- É do poeta Kipling.
- Mas, precisa de muita sensibilidade para verificar sua profundeza...
  
O sono começara a chegar e Rodolfo tentava resisti-lo, lembrando de tudo que ouvira e sentira naquele sarau.
A beleza do lugar, as pessoas, os jovens tão diferentes daqueles com quem convivia presos e dedicados aos estudos.
Fechando as pálpebras, ele ainda ouvia:

“Seus nomes são: O QUE E POR QUE,
                                     E QUANDO, E COMO,  E ONDE,   E QUEM...

A doença que tivera no Caraça, não teria origem na filosofia dos versos de Rudyard Kipling?
         Talvez ele Rodolfo não soubesse; O que e por que, da sua vida vocacional
O sucesso do sarau era objeto de comentários de todo o arraial e das imediações.
As más línguas diziam que o pequeno número de convidados para a festa da casa do Dr. Moreira, fora premeditado, evitando as moças patrocinadoras, da concorrência de outras que não foram convidadas.           
 A repercussão da festa deu motivo para que houvesse reclamações de muitas pessoas que não foram convidadas e maldosamente chegaram a criticar a presença efetiva dos padres e  seminaristas nos acontecimentos.
A sorte de Rodolfo e João Antônio, é que estavam juntos do padre superior do Caraça.
O padre Manoel Mendes sabedor das críticas, no domingo durante a missa, fez um sermão sobre o que perante Deus era; Moral e imoral à vista de Deus...
Outras comemorações continuaram a ser feitas nos demais distritos de Santa Bárbara, saudando com muito júbilo a nova comarca de que Santa Bárbara agora fora guindada.
Ninguém mais da região da cidade, necessitaria viajar à distante Caeté.
Os olhos da justiça estavam pertos para cumprir sua missão...
Quem poderia esperar as influências que a nova divisão judiciária, traria especialmente a uma determinada família de Catas Altas?
Somente o tempo e a história contariam...
Mas, a história de como se foram as ilusões, conta-nos padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos em suas observações as páginas 39, 40 e 4l das suas memórias datadas de 1.886, no Tomo II.

               - SAPATOS  DO  DEFUNTO  -

“Creio ter dito em outro lugar destas romarias, quais as disposições fáceis que estes campos das Catas Altas oferecem a todo gênero de cultura, no sentido verdadeiro e metódico, e sem querer falsear,  parece também ter falado:
Senhor Ouro  que um amigo meu, Eduardo J. Lott, natural da antiga Albion, com algum chiste denominou de:    ISCA DO DIABO ”

Mas, cabe aqui uma nota histórica, não deve ficar em atraso, apesar do tempo decorrido.

Hei-la:

Nos tempos atuais, cuidar em lavrar, ou exploração de terrenos auríferos, se não foram simples absurdos, será sempre nova loucura.
Não admito que o senhor ouro tenha feito ablativo destas para outras paragens, aonde esteja alojado, "mais a son plaisir”;  não, pois que no meio destas ruas, nas praias e córregos, e até em bonitos lugares está fazendo companhia às raízes do capim de gordura, por um tão afidalgado e em doses tão homeopática, quer por modo algum causa indigestão ao curioso e impertinente faiscador, que ainda corre atrás da tal riqueza ou engodo.

Os felizardos, descobridores de jazidas ricas de veios auríferos, borrachas, outros podres, desde muito desapareceram com a última arvore das patacas.

Das lavras do Morro da Água Quente, o que existe?
Montões de cascalho, alguns precipícios e nada mais.
Pary, sofreu em 1.882, um desmoronamento em suas profundas entranhas, que a pôs fora da arena, por muito tempo; atualmente, deixa uns seis contos líquidos por mês, isto em ( 1.887 )
Sant’Anna Norte del Rei em Mariana, tão rica no correr de 1.868 a 1.870, reduzida, desde então, a ver para contar, isto é, acha-se em passiva impotência de saber o número dos metros ou pés de profundidade, em que está a linha rica.
Baldados foram os esforços de montar ali uma roda vai-e-vem, no valor respeitável de 600 contos, para dissecar a mina, como malogradas serão as despesas em montar essas máquinas microscópicas a vapor, aonde se evaporam as letras dos acionistas engazupados.
Tão depressa esqueceram o resultado colhido no Morro d, Água Quente, em tempo do “ Gongo Soco”.
  Está em terceiro lugar a lavra do Pitanguy, a um quilometro deste Arraial, tendo principiado com o pomposo nome de “Companhia Anglo Brasilian Goldmincration Limited”, a que tanto limitou até que passou por forçar a liquidação, transferindo a propriedade à sua sucessora: “Pitanguy “ e esta chegou a dar um enorme dividendo; com a descoberta do ouro podre, vendo suas ações dobrarem o valor nominal de mercado, elevada a enorme e fabulosa soma de quatro libras!
Brisa fagueira em profundidade, se as douradas velas da nau que transportou muitos felizardos e experimentados marinheiros ao “aperitivo” porto do rio do “ouro” enquanto que os menos espertos se deixaram afogar na onda crescente!
Os cadáveres foram arrojados à praia de “Vasa Barris” e por caritativa piedade amortalhados nas impressas “ações” da esperança.

Dominando os corações humanos, a fome de ouro, quando se instalou no Pitanguy, a “ANGLO BRAZILIAN” não ficou de pé um pau prestável para cabo de machado!
Maldito instrumento, legado pelo velho e histórico Adão.
Tudo foi desmatado, arrastado, carregado e dado, sem atender á lição do tesouro e sócios!

E, como todas as cousas humanas, a acumulação de tantas variedades de paus e trambolhos não facilitou a digestão,  da Companhia, suspendendo a cesta, deixou a muitos de boca aberta.
E as madeiras esparsas pelos caminhos: as boiadas, umas magras e outras por pagar...
Até que cresceu a vassoura como estrume e farelo dos porcos, e a vassoura do credor fez uma limpa.
  
 Como sou ignorante em tudo, não deve causar estranheza uma pergunta feita com toda ingenuidade:
Qual o país do mundo, aonde vigora a lei, costume, ou privilégio de o fornecedor não poder taxar sua fazenda, mas sim ser estimada, avaliada, taxada pelo consumidor?
Aqui, deixo o espaço para a resposta.
O que, porém, não tinha dito por tinta preta é que muito depois de cansados e carregados de dívidas, viram-se na dura necessidade de vender o resto dos magros bois; e por acréscimo de misérias, dos juros, que o custeio do carro e transporte das madeiras  oferecidas por trabalhos mínimos, ocasionais, pois que a tal tabela ( para quem queria ) não compensava nem o mesmo carreto ao menos.
Isto em tempo da ANGLO BRAZILIAN .
Dirá alguém: E não havia bastante consciência de modo a abastecer os serviços da Companhia?
Ora, se havia!
Muita esperteza, junto a muita velhacaria de um sócio, “v.g.” de uma parte com direito a gozar do todo, como se fora o único dono, diz tudo.
Aí vivem ainda testemunhas do que deixo dito e de quem não cito os nomes, por faltar-me tinta própria.
Ora, hoje que a tal ambição, ignorância ou o que quiserem, deixou os pobres reduzidos ao uso do alecrim e quebra-taxo, como matéria combustível; hoje, que com muita dificuldade arranjaram postes prestáveis para seção telegráfica, do Canga a Santa Bárbara, hoje que larápios e preguiçosos quase não encontram cercas do próximo, de que lancem mão contra a vontade dos donos, deveria prever-se à existência bom surto para equilibrar a receita e a despesa.

Não é de hoje, porém, que a cabeça de muita gente gira sobre os ombros; todavia, vai abandonando hábitos rotineiros.
Não cansados de inculcar como meios os mais aptos ao desenvolvimento da lavoura os seguintes:

1 - Cultura esmerada do café
2 - Idem da videira
3 - Arado para diferentes espécies de plantação
4 - Cultura de abelhas
5 - Criação de carneiros com pastor.

Padre Manuel Mendes não fica só no “Sapato do defunto”.
No púlpito da igreja, nos salões das sacristias e até mesmo nas salas dos potentados de Catas Altas, continuava sua pregação revolucionária ao combate do materialismo pagão, onde a ilusão do enriquecimento fácil com o garimpo punha os homens válidos, fora dos campos a semear.
Era necessário conscientizar à população que o período das catas, havia extinguido com a exaustão do rico metal.
A devassidão com os ganhos fáceis e do gastar sem limites, fora de gerações passadas; Catas Altas teria que voltar ao amanho da terra, onde as culturas nunca deixariam de produzir.
O seu combate contra a ilusão do ouro e a pregação da necessidade de reformas no viver do catasaltense, provocou entre alguns dos sonhadores, uma antipatia pela intromissão do padre, na seara que não era a sua.
Se por um lado ganhava a simpatia da maioria da população, por outro levantava inimigos dos que não trabalhavam e  exploravam  os pobres faiscadores.
Os leitos dos rios e riachos, antes correndo sob as matas, agora expostos a devastação do que antes fora um manto verde, sombreando as límpidas águas.
Revolvidos, desviados e maculados pela enxada, pás e o machado, os riachos: Parasol, Pitanguy, Coqueiros, Chico Carré e Maquiné, definhavam sob os raios diretos da irradiação solar.
Onde as onças jaguatiricas que desciam a serra?
Onde os bicudos-maquiné, que dera o nome a um dos riachos?
Onde os Ipês, Cedros, Jequitibás, Jatobás e Baraúnas?
As nascidas perdiam a seiva e o Parasol que um século antes, banhava com suas águas quentes os forasteiros do Morro d’ Água Quente, apenas vertia lágrimas do que outrora fora um riacho perene.

Se as palavras dos sermões entravam em furnas de ouvidos moucos, era necessário que ele vindo de Portugal, onde o homem convivia há 3.000 anos com a civilização deixassem registrados seus sonhos reformadores.

Aí, padre Manuel Mendes escreve:

- UM SONHO NO ANO DE 1.869 -

“Tinha cessado a abundância de ouro e meias caras.
Os mineiros, cercados de centenas de escravos, sujeitos ao azorrague, bacalhau e outros instrumentos bárbaros, desmontam cascalhos, dirigem e deixam vertentes de córregos, e empreendiam obras hercúleas.

A abundância de ouro trouxe o hábito do fausto e dispêndio desordenado.
As cavalhadas sucedem-se umas as outras e prolongam-se por semanas inteiras, sempre que o Capitão-Mor batiza ou casa um filho.
Os cavalheiros, no quadrado, ao despedirem-se das damas e diletantes das bancadas, derramam sinceras lágrimas de saudade, e as damas trocam ternos olhares.
As despesas enormes e freqüentes passavam despercebidas, como as notas desapareciam da algibeira do apaixonado jogador.
Ao despejar o último cartucho de ouro em pó, muitos banzavam, mas não se emendavam.
O ouro afundou e a lavra bromou, porque o homem abusa do bem, a felicidade evapora-se.
A fazenda de São Bento,  próxima da barra dos ribeirões:  São João e Caraça, com seus 300 cativos, com seus esplendores, riquezas, faustos e banquetes, e os cachos de ouro, imitando a banana, e a saborosa, a ananás, como sobremesa, desprendendo a curiosidade dos Capitães-Mores das Minas e seu esplêndido séquito, aonde existem?
Odiosa fortuna ostensiva, o que resta?
E onde está?
Evanuit memória posterum!
Quem é aquele ancião de cabelos e barbas encanecidas, que acolá, vergado ao peso dos anos, reconcentrado todo no seu passado, enquanto goza do rei dos astros, parece esquecer-se de tudo que o cerca e pouco se importando com o futuro?
É, amigo sonhador, um grande da terra que mais de meio século sustentou os brasões dos Coelhos e Furtados; é um nome da velha fidalguia lusa, e que, enlaçado em uma das principais famílias do lugar, por longos anos, malbaratou o fruto do trabalho escravo, não poupando nada para sustentar um fausto tolo, e que banquetórios e festórios, consumiu arrobas do pó amarelo; é um pobre velho, entusiasta até o delírio, e que na maioridade de Dom Pedro II, lá se foi correr cavalhada na Corte do Rio de Janeiro, com sua cavalgata de sapavento e lacaios, sem número, servindo seus cavalos com ferraduras de prata, e abandonando aos pajens aquelas que se desprendiam das patas dos rocinantes, e no regresso comia as economias de seus pajens; é um homem do mundo, para quem trabalhavam, dia e noite, mais de 200 homens escravizados ao seu poder, nas lavras de ouro, em fazendas de cultura e retiros de criação; um ancião que, por ostentação ou não, conservava, na sala de visitas, latas cheias de pó amarelo, para distrair os passageiros  curiosos, mas no fim reduzido ao último extremo de pobreza e sem amigos, nesse estado em que o vê, sem recursos necessários à vida, vegeta, apenas esquecido pelos raios do sol, e quiçá ainda embalado nas galantearias e gozos de melhores tempos.
O ancião despertou do seu cismar ao som do tropel.
Aos dois passageiros que o saudavam, responde com voz enfraquecida:

- Irmão B, até à hora em que estamos, não bebi nem um mingau, por faltar tudo. E o bom do Irmão B., bem conhecido, por sua caridade, imediatamente deu-lhe ordens de mandar procurar dois alqueires de milho por sua conta.

- Sic transiit gloria mundi. E os filhos deste ancião tão bem educados em falsas bases acabaram todos do mesmo modo, existindo só um, velho já, arrastando penosa existência.

Esta narração será um sonho?  Não é.
Por esses tempos, coevos daquele velho tiveram a feliz lembrança de promoverem aqui a cultura do café, chegando esta a tal desenvolvimento que os falecidos Capitães Manuel Pedro Cotta e Comendador Francisco de Paula Santos, ambos bem conhecidos, afirmara-me que foram os primeiros compradores de café colhidos por Maximiana Vieira.
Em seguida chegou esta cultura a tal auge de prosperidade que, aqui ouvi aos velhos nossos, tropeiros de longe vinham buscar este gênero, em grossa porção.
Quero esquecer já o rico Campolina, do Caranday, afamado por sua tropa imponente e por seu gênio despótico?
A inconstância nasce com o homem; e no decorrer do tempo este verme desterra do lar doméstico o bem estar tão relativo aos filhos de Eva.
Por estes campos das Catas Altas, viviam seus habitantes remediadamente com os recursos da criação de gado e produtos do café, elementos estes, sucessores do antigo ouro, quando caiu sobre esta freguesia uma epidemia assoladora e eficaz da morte de tão próspera fonte de riqueza.
Procuremos descrevê-la:
     
O Major Ignácio Mendes e sócios, senhores da Fazenda Bananal (Morro d’Água Quente), em cujas terras estavam as lavras de ouro do Morro d, Água Quente, Morro das Almas, Cuiabá e etc. venderam, e muitos afirmam que arrendaram esta fazenda (1.836) a uma Companhia Inglesa   à Gongo Soco, pelo prazo de 50 anos, com a condição de devolução aos herdeiros dos vendedores,  no fim desses anos, ou antes, em caso de serem por ela, Companhia, abandonadas as lavras, porém bem conservadas como estavam, em 1.836.
  
Nunca vi tal escritura.
Acabou-se o Gongo Soco, Paula Santos comprou o resto do tal arrendamento e transferiu a Companhia Anglo Brasilian, e esta a Pitanguy, que por sua vez, vai passá-la a outra ( 1.887 ).

- Aonde,  porém, o local da Fazenda Bananal?
- Junto à Praia do Morro d’Água Quente.

Isto posto, passemos avante.
Esta Companhia - “Gongo Soco” engordada pela riqueza do buraco rico, assim conhecido desde muitos anos, levantou grossas somas de libras, estabeleceu-se no Bananal, explorando essa mina da d’ Água Quente e irmãs.

Padre Manuel Mendes continuava escrevendo e pregando, para que uns guardassem além de escutarem.
As palavras voaram e poucos escritos ficaram:
Trechos aqui e ali foram salvos para que a história do ouro de Catas Altas  fosse exemplo como não esperar pelo ovo da galinha...

Decorreram-se meses e anos; a ambição ou o amor de um lucro mal calculado, cegou a muitos, e, esquecendo-se de seus quintais e chácaras, não tendo em vista senão ouro a receber no fim do mês.
Ouro insuficiente para as despesas mensais, resultou que viram suas casas desabar, suas plantações destruídas, sua criação aniquilada, sua mulher triste, ou sem desenvoltura, suas filhas corrompidas e sem crédito na boca da botija.
Como o animal da Gabriela, correram atrás da sombra e assim comprometeram o certo, correndo atrás do duvidoso.
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Em julho de 1.868, três cavalheiros distintos procuram-me,  em nossa choupana.
Só um era do nosso conhecimento, longe, porém, de minhas relações.
Era o falecido Comendador Francisco de Paula Santos.
Satisfeitos os deveres de cortesia e usança entre nós, os provincianos, o Comendador encetou a seguinte palestra:

“- Sabe senhor vigário, que está organizada a Companhia Anglo Brasilian, a qual compra a Pitanguy com todas as suas dependências. “
- Não ignoro isso, Senhor Comendador, por ser um fato e fora de toda dúvida.
- Por notícias vindas a meu conhecimento, sei que V. R. se opõe á venda da Companhia e assim obsta a que os proprietários vendam; o que estranhei de modo especial.
Esta observância dobrou-me o desejo de aproveitar esta ocasião da minha passagem por Catas Altas, para ouvir de sua própria boca a confirmação ou negação de tais boatos.
Se é verdade o que ocorre publicamente, poderosas razões deve ter e que me são desconhecidas, por saber V. R. que a venda do Pitanguy é muito vantajosa aos proprietários, embolsando-me  em espécies; deixando de mão aquilo que para eles não tem importância.

Pelo que se nota do minerador Comendador, sua presença à frente do senhor Vigário, era uma visita para impor silêncio, não ao sacerdote, mas ao homem probo que advogava as causas dos mais humildes, pregando justiça e respeito.
Agradecendo a visita do Minerador, finamente o  padre Mendes completou:

- Estes fatos, senhor Comendador, estão fora da minha seara, portanto, não deveria ingerir-me, por estar fora da minha alçada privada, mas como Vigário desta freguesia, creio ter direito de fazê-lo, sem entender, que assim procedendo faça mal, antes que bem.

Um arrazoado de justificativas a favor da criação da Companhia tentava fazer o vigário entender como seria benéfica à Catas Altas a exploração do Pitanguy.
Mantendo a arrogância de quem se sentia superior das considerações que se travariam, o Comendador disse como se estivesse em sua casa:
- Muito bem, Tenho prazer em ouvi-lo.

- Senhor, a venda do Pitanguy a uma Companhia, certamente que é lucrativa para muitos, e não falo só dos proprietários, isto é claro como a luz do sol; mas em relação às Catas Altas é um grande mal e atraso.
Ai está a povoação do Morro d’Água Quente, quase na sua totalidade, descendem de portugueses, e constitui um povo laborioso,  e contudo o desaparecimento da Gongo Soco, deixou nela idéias bem estranhas e alheias à cultura , fazendo com um abatimento impessoal, senão torpor ou preguiça.
O seu despertar data de poucos anos.  E o que achou o país depois de tantos anos?
A pobreza e o desânimo...
Enquanto ia conversando deste modo com o nosso esperto Comendador, um dos hóspedes inglês, dos quatro costados, mostrava-se contrariado, e voltando-me cortesmente para ele, o qual disse logo:
- Compreendo suas razões, Sr. Vigário, mas devo dizer que os Ingleses, se compram esta propriedade, é fim indústria e comércio, paga  à vista e se reporta gente de bem.
- Como o senhor Comendador não quis ou não sabe que não tenho a honra de conhecer estes senhores, que bem honram esta casa, peço desculpas e pergunto:
Poderei saber quem são?
- Pois não supunha isso, apressou-se em dizer.
Este senhor que acaba de falar é o senhor Francis Simons, diretor da Lavra de Sant’ Anna, ou Norte d’El Rey; e genro do Sr. Capitão Thomaz Treloar, e este outro, o amigo, Comendador Bicão.

 (Nota-se que os estrangeiros julgavam-se tão superiores ao Vigário, que não se dignaram em  identificar, apesar de invadirem a residência do padre Mendes. )
A certa altura, o padre disse:

- V. S. findou seu aparte dizendo que os senhores ingleses, quando se estabelecem em qualquer parte, compram; podia, porém acrescentar que pagam bem, e sabem respeitar-se, pois estamos em perfeito acordo.

Padre Mendes tinha receio que os finórios, mascarados em honestos e envolvidos com a sociedade e com os padres, recebessem no pensamento do povo, o “agreement” da Igreja.
Com palavras firmes e sensatas, visando o bem da localidade e do povo, declarou abertamente seu ponto de vista contra as minerações:

- Não é esta a verdade de domínio público e diariamente comprovada por fatos?
( Os padres e as famílias tinham experiências dos males que provocavam as minerações, tanto no terreno moral, quanto o da degradação ambiental onde se localizavam as lavras. )
Eis o perigo para um lugar pequeno, como este, é o mal que receio, eis o porque não desejava que voltasse aqui uma companhia de mineração.

O padre batia firme no seu ponto de vista, altamente preservador da natureza e dos costumes.

Apontei alguns de meus temores, calando os mais graves, como a fácil corrupção dos costumes, entre famílias mais pobres e por isto sempre dispostos a igualar classes mais favorecidas da fortuna: Ora, para conseguí-lo, entrará em jogo a inocência de muitas crianças e até a honestidade de mulheres casadas, até aqui de boa fama, e contidas em sua pobre situação pelo pudor natural a seu sexo e estado.
 
Concluindo, diria que a vinda da Companhia para este lugar, há de necessária e forçosamente enervar a boa disposição, tão custosamente agarrada, para a cultura e lavoura, que ficarão abandonadas por muitos, por quererem correr atrás de precários lucros que nunca alcançarão.
Mais, o estabelecimento de uma companhia num lugar pobre, introduz tantas necessidades novas, e quase ignoradas, que muitos encantos acabarão por abandonar suas famílias, após terem visto a completa ruína e verem-se insaldáveis.

Ao saírem da sua casa, padre Mendes ainda pedia desculpas por sua ousadia em prever e discorrer sobre um porvir.
Ele não era mago, mas os exemplos ainda estavam na lembrança dele e do povo de Catas Altas.
Mais tarde em suas considerações analíticas ele escreveria:

“ Se minhas previsões eram simples apreensões, receios infundados, que o digam os que ai se lembram da entrada, vida, morte e inventário da ANGLO BRAZILIAN; da chegada, trabalhos, vicissitudes porque passou sua sucessora, a Pitanguy, também em liquidação final em Novembro de 1.887.
Estas notas foram escritas em fevereiro de 1.888”.

Apesar das diferenças dos pontos de vista, padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos, sabia ser grato aos que prezaram sua amizade e respeito à Igreja de que ele era Vigário.
Tanto assim, que ele escreve ao final  do seu folheto sobre CATAS ALTAS.
Falando do senhor Treloar:

A este cavalheiro e sua família, toda esta freguesia deve gratidão por sua lhaneza e atenção em distinguir o povo de Catas Altas.
Manda a justiça que aqui consigne dois fatos:

 O primeiro de muita importância: O Capitão Thomas Treloar pôs cedro á matriz e tudo o que a capela de Pitanguy encerrava pertencente ao culto.
E pelo altar cedido á Ordem das Mercês de Mariana, se recebeu 1.500 $.

O segundo: O senhor Diretor de Pitanguy, Thomas S. Treloar, desde sua chegada a Pitanguy, dignificou por trato fino e delicado sua amizade a este seu criado:  amizade ainda não alterada.
Isto quanto a mim.
E, se a freguesia deve ou não gratidão a este cavalheiro, digam os fatos seguintes:

l.)  - Concorreu espontaneamente com dinheiro do seu bolso;
2.) - Durante anos, seus filhinhos, Secretário e Capitão de mina, subscreviam para a obra desta matriz;
3.) - Forneceu-nos, por vezes, alavancas, palhetas, grátis.
4.) - Forneceu de sua algibeira, todo o aço necessário ao fabrico da segunda torre;
5.) - Foi ele o incentivador e animador principal do Vigário a começar os trabalhos interrompidos, e em que se gastava a soma de 20.000 t. aproximadamente.
6.) - Admitiu sempre de preferência, nos serviços de sua família e Companhia, pessoas desta freguesia, e mostrou sempre pugnar pela boa moralidade;

Muito poderia ainda escrever em abono da boa vontade e estima, com que nos tem honrado, mas basta o que aqui fica, para a história de Catas Altas.
A ele e sua Exma. família, saúde e muita felicidade”.

Com que prazer encontramos nos anais da história de Catas Altas, tão elogiosas palavras que ficaram registradas pelo senhor vigário padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos sobre um estrangeiro que viveu e amou esta terra.
Não obstante as diferenças dos pontos de vistas de ambos.

Um tentando o máximo do bem  material que se extrairia  para alguns poucos, o outro, sentindo que o máximo, transformaria em  ruínas o que ficaria para todos.
As brigas que o Sr. Thomas S. Treloar teve com seu cunhado Triguel, por muito tempo manchou a imagem que o povo tinha sobre eles; roupa suja lava-se em casa, porém a inimizade dos cunhados era conhecida por todos os locais por onde mineraram...

Catas Altas dava adeus a fase mineradora e o padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos, com seus conselhos, não só apontava novas diretrizes à vida da localidade, mas também deixava um documento que por suas verdades, fora retirado dos arquivos da igreja e emparedado para que não se fizesse o processo de um, ACUSO...
Ao findar suas verdades ele anotara:

“-Concluindo este caderno de anotações tomadas em diversas ocasiões e que bem atestam, por sua ingênua simplicidade, que procurei quanto permitiam meus cabedais, dar uma idéia do meu empenho a favor do bem de toda esta freguesia.
Não escrevi para ser agradável, mas, sim útil; Se o consegui embora em pequenissima dose, o futuro será o juiz.

Sim, o futuro fez seu julgamento padrinho Vigário, pois até os que não o conheceram nas gerações posteriores, consideram-se como seus afilhados...”








      



2 comentários:

  1. Texto interessante e útil para minhas pesquisas.

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