Edward Hosken
desconhecia a palavra “sarau” quando aconteceu o primeiro de sua vida no Brasil
e especialmente em Catas
Altas.
Algumas vezes
escutara um termo semelhante; Sarará significando um tipo albino e ele
perguntava a si mesmo, o que tinha haver os negros de pelos ruivos com as tais
festas?
Nas vilas
mineradoras raras eram as festas sociais tais como os saraus, muito comuns no
século XIX entre as classes sociais mais elevadas do Brasil e mesmo que houvesse
na região das catas, o casal Edward e Maria Magdalena não teria tempo para
freqüentá-las.
Quando
Magdalena era solteira, participara em sua casa e dos amigos dos pais, de
diversas festas.
Já mais velha
e voltando a morar em sua terra, na data de oito de dezembro de 1.878, dia
consagrado a padroeira do arraial e comemoração da elevação de Santa Bárbara à
Comarca, Catas Altas voltara aos grandes dias de festas e bastava a família Mendes Campello, para encher os salões, tão grande era a clã
do Guarda Mor Thomé.
Depois que se
casara com o inglês e se afastara de Catas Altas, Maria Magdalena poucas vezes
conseguira participar de festas nas casas dos amigos e colegas de Edward em Gongo Soco.
O tradicional
chá que congregava as famílias inglesas, por sua falta de conhecimento completo
da língua, afastava-a no início, do
habitual encontro nas tardes das
“thursday” quintas feiras.
A satisfação
do povo de Santa Bárbara e Catas Altas
naqueles últimos meses de 1.878,
estendia por toda a região em que abrangia a sede jurídica; pois, em vez
de ter que viajar até a cidade de Nossa Senhora da Rainha de Caeté, numa
jornada de 2 dias para ida e volta, em 2
horas de caminhada, chegava-se ao fórum da
nova sede em
Santa Bárbara.
Na manhã do
dia oito de dezembro. A população acordada com as salvas de foguetes e ouvindo
também desfilando pelas ruas, a corporação musical do arraial e da sede do
município, despertou cedo para ver o espetáculo.
Para as 9,00
horas da manhã, estava programada a missa solene que seria celebrada pelo
vigário colado padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, recém designado pela
Arquidiocese de Mariana, para ocupar a vaga deixada pelo saudoso padre
Francisco Xavier de França.
Dois padres do
Caraça: O superior, Padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos e Afonso
Ferrigno, desceram a serra para também abrilhantarem as celebrações religiosas.
Entre as
autoridades, o Presidente da Câmara, o senhor Manoel Teixeira Moreira e o
tenente coronel Ovídio César Pinto Coelho.
Desde o dia 5,
algumas casas já estavam recebendo parentes vindos de fazendas e sítios da
região.
A movimentação
do arraial fazia reviver os anos da exploração do ouro que os antigos lembravam
com tanta recordação e havia uma esperança de voltar a ser o que era, com a
reativação das minas antigas, pela recém fundada Santa Bárbara Mining Company
que estava operando em
São Francisco , no veio do Pary.
Dentro das várias programações, uma cavalgada
seguiria a retreta das bandas que também desfilariam.
As amazonas
davam um colorido e uma graça toda especial a marcha da cavalgada.
À tarde na
praça, barraquinhas, pau de sebo e corridas eqüestres e a noite nos salões do
doutor Moreira, o sarau com récitas e quadrilha preparada por três festeiros:
Coronel Emery, tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha e o coronel José Maria
Brüzzi.
Estavam
hospedados naqueles dias na casa do Dr. Moreira, 2 seminaristas da Escola
Apostólica do Caraça; os jovens estudantes: Rodolfo Augusto de Oliveira Pena e
João Antônio Pimenta, ambos convalescentes de doenças contraídas no internato
do colégio.
A experiência
do médico, sempre dedicado ao Caraça, diagnosticara a doença dos rapazes, logo
que os mesmos foram examinados.
Os alunos
estavam sendo sabatinados em excesso, pois o senhor imperador D. Pedro II,
prometera visitar em breve o colégio, para conhecer como seu pai, ha 50 anos
exatos, o renomado estabelecimento de ensino, tido como modelo no país.
Ambos
seminaristas hospedes do Dr. Moreira em Catas Altas eram vítimas do rigor das argüições,
pois tidos como os melhores alunos, os padres estavam preparando-os para
responderem em nome da classe, quando o imperador não designasse por sua
própria vontade, outros alunos.
Mais
adiantados e responsáveis, eles decoravam textos literários das línguas
portuguesas, francesas e latina dos livros usados pelas diversas classes.
As matérias
eram exaustivamente estudadas e tomadas pelos padres.
O resultado
foi a estafa de alguns meninos.
Exigindo o
médico, que o colégio licenciasse os meninos, para que eles se recuperassem
fora do ambiente sufocante.
Levando dois
deles para sua casa em
Catas Altas , ele Dr. Moreira esperava que em pouco tempo.
Devolveria os estudantes completamente sãos aos seus estudos.
Para Abril do
ano seguinte, estava marcada a visita imperial e até lá, os alunos deveriam
estar recuperados plenamente da estafa.
Na tarde de 5
de dezembro, Carlos Arthur e sua irmã
Anna Eugênia, voltavam para casa subindo a rua do Rosário, quando
cruzaram com os dois seminaristas que vinham em sentido contrário.
Ainda
distantes Niníca comentara:
- Que urubus
são aqueles arrastando as asas?
Com as batinas
pretas e poeirentas, via-se que eram estudantes do Caraça, também as mãos
cruzadas nas costas, confirmava uma característica dos estudantes vicentínos.
Niníca,
crítica e brincalhona, falou para que os moços ouvissem:
- Serão belos
padres quando subirem ao altar!
Se realmente
conseguirem subir com todo o peso da poeira da batina...
O pó encardia
de marrom a veste que fora preta e tinha agora a cor caramelada.
Compassando os
passos ao lado do irmão, voltou o olhar para trás, e deu de cara com um dos
seminaristas fazendo o mesmo.
Não mais que a
3 metros ,
ela viu e ouviu um dos moços recitando um verso:
Olhos
em que vejo deboches
e que
com tanta graça olhais,
Onde ficaram os coches,
Oh! voz que a mim ferrais?
Totó começou a
rir da pronta e surpreendente resposta do moço e voltou atrás para se desculpar
a grosseria da irmã.
Ao acabar de
pedir desculpas por Niníca, insistiu para que o seminarista repetisse o verso.
Um dos moços
achou que era uma tomada de satisfação pela altura da resposta que dera, ficou
calado não querendo provocar embaraços.
- Sou Carlos
Arthur Hosken, esta é minha irmã Ana Eugênia.
Mais aliviados
os estudantes viram que o tom da conversa era coloquial sem nenhuma alteração
inamistosa.
- Se não tomo
o tempo dos senhores, gostaria que o repentista dissesse novamente o verso,
pois achei inteligente, justa e espirituosa a resposta.
- Ora! É um
plagio de um verso encontrado nos livros do Caraça.
- Seja de quem
for o rápido raciocínio do moço, revela uma inteligência instantânea, buscando
na memória uma pronta resposta...
- O senhor riu
quando retruquei com o verso, em vez de fechar a cara!
- Minha
atrevida irmã merecera o troco, para não ser grosseira.
- Eu não quis
ser grosseira, Totó!
Estava
brincando.
Confiado no
tom brincalhão como a moça desculpava-se, disse:
- Sou Augusto
de Oliveira Pena, estudante do Caraça, meu colega é o João Antônio Pimenta.
O Totó
apontava para a irmã.
- Esta é
madame Ana Eugênia Hosken para os de fora, para os de dentro, Niníca.
Niníca
cutuvava o irmão por detrás.
Sentindo o tom
brincalhão dos irmãos, Rodolfo Augusto com os olhos postos na calçada em vez de
olhar para eles, disse:
- Senhorinha,
a sujeira de nossas batinas não revela a pureza de nossas almas; quanto ao
subirmos ao altar, só Deus poderá nos dizer se conseguiremos ou não...
Desapontada,
pois achava que os estudantes não haviam escutado o mordaz comentário, vermelha
teve que novamente pedir desculpas.
Ainda sem
jeito e tentado retirar as farpas da irmã, Totó perguntou para onde estava
indo;
- Estamos
dirigindo para casa do Dr. Moreira, nosso médico e hospedeiro.
Praça Monsenhor Mendes em Catas Altas – à
direita casarão colonial do doutor Moreira.
- Então vamos subindo juntos, pois em breve
tornaremos a encontrar.
- Onde?
- Lá na casa onde vocês estão hospedados, pois uma
das comemorações da festa de oito de dezembro será realizada na casa de dona
Brasilina.
- Vocês participarão do sarau?
- Se fosse em outra casa certamente que não iríamos,
mas estando hospedados lá, quer queiramos ou não, estaremos envolvidos nele.
- Desde já podem ficar preparados para as
brincadeiras.
- Que brincadeiras?
- Os jogos, as récitas e as danças...
- Mas nós somos seminaristas!
- E daí!
Vocês pensam que o padre vigário está fora?
Engano seus, pois é o primeiro da lista a entrar no
sorteio
- Quanto aos jogos e récitas poderemos participar,
mas das danças nem pensar.
- Pois então tratem de esperar pelo sorteio de seus
nomes e busquem na cabeça, os versos de Camões, as fábulas de La Fontin e todo o latinório
de que estará sujeito ao se debater com o senhor vigário.
- Nossa!
Mas nem sabemos o que virá pela frente, como vamos
preparar?
- Muito pior do que para vocês estamos nós, que não
somos estudantes, mas vamos levar algumas armas para o combate.
- Como?
- Decorando poesias, versos, piadas e canções;
alguma coisa servirá para cumprir o jogo, desculpando-nos se especificamente
não estivermos preparados para dar resposta direta ao que pedir o sorteio.
O que não pode é ficar muda, plantada na frente de
tantos olhares...
- Ah! Então há paliativos?
- Claro ninguém é Deus para saber tudo...
Os dois seminaristas ficaram mais tranqüilos pois
haveria modos de cumprir o sorteio com artifícios se eles fossem os sorteados.
Ao chegarem ao casarão da esquina, os seminaristas e
os Hoskens despediram-se:
- Até amanhã ou até o sarau; por favor, cheguem
cedo, pois não conhecemos ninguém daqui.
Conta conosco padrecos, estaremos lá no arrasta pé.
- Arrasta o que?
- Arrasta pé...
Vocês são
mesmo estudantes?
- Claro que somos, mas desconhecemos no dicionário o
que é padrecos e arrasta pé...
No Caraça era proibido o uso de gírias...
- A que horas vocês chegarão para o sarau?
Os estudantes já não tratavam os dois
irmãos por senhores.
- Um aviso, lembrem-se!
Fora do Caraça nada de pedantismo, chamando os
jovens como nós de senhores!
- Sim senhores!
Veio a resposta imediata, era difícil cortar o
hábito enraizado dos caracenses; durante alguns anos permaneceria o tratamento
cerimonioso.
Niníca
perguntou:
- Então vocês
vão conhecer de perto o casal imperial?
- “A priori” sim senhora, talvez até conversar com
eles...
- Vou ficar com inveja, pois teria vontade de
conhecer dona, dona...
O nome faltou a memória de Niníca.
- Dona não, sua alteza a imperatriz Teresa Cristina.
Os moços mostravam que realmente estavam sendo
preparados para o encontro.
- Para a senhora parece agradável tal encontro, mas
para quem vai ficar “ vis a vis com suas majestades sendo
argüidos, “Per fas et per nefas” dá uma tremura nas pernas...
- Que é: “per fas et per nefas”
Ah! Desculpe-me é uma expressão latina que quer
dizer:
Quer queira, quer não ...
Vocês não sabem com que sacrifício estamos sendo
preparados para recebê-los.
Eu e o Rodolfo, de tanto preparar-nos durante os
recreios, passeios e pic-nics, fugindo das bolas e dos banhos no tanquinho,
acabamos com a saúde abalada.
- Vocês estão doentes?
Não parece!
- Nós já estamos quase bons da lerdeza que nos deu e
que doutor Moreira diagnosticou como estafa mental.
- Que doença é esta?
- “Fatique ou brainfag, como dizem os livros
médicos”.
- Mas só por estudarem, vocês adoeceram?
- Quando se deixa de expor ao Sol e aos exercícios,
passamos a alimentar menos, “ipso fato” deixamos de armazenar gorduras,
fosfatos e proteínas como diz o Dr. Moreira.
- Então vocês estão perdidos como cachorro no mato?
Os estudantes riram e um deles disse:
- Olha a
etiqueta dona Maria Eugênia...
- Ela começou a falar um palavrão que para os
estudantes seria um escândalo e Totó advertiu-a:
- Olha os modos, Niníca!
Totó sabia o
que ela ia dizer e cortou a palavra na primeira sílaba.
- Até o encontro...
Despediram-se
os dois estudantes.
- Se Deus quiser, até lá...
- Você viu o pedantismo deles?
- No Caraça é assim mesmo Niníca, são obrigados a
exercitarem o tempo todo os bons modos e as palavras eruditas...
- Ah, por Deus!
Eu tive
vontade de mandar a merda por tanto latim e demonstração de sapiência.
- É, se não corto sua palavra, você ia mesmo
mandá-los a aquele lugar...
Com os
convites nas mãos, a sociedade de Catas Altas aguardava o dia oito de dezembro,
com uma expectativa exagerada.
Casas e pousadas cheias, guarda-roupas, baús e
cofres de jóias vasculhados para ver o que havia de melhor dentro deles.
Todo mundo sabia que além das cerimônias religiosas
e civis, haveria o sarau e preparavam-se decorando modinhas, poesias e
partituras de músicas.
Ninguém pensava em fazer feio durante as
brincadeiras.
Violões, pianos e instrumentos de sopro eram
afinados, podendo substituir uma poesia, verso ou qualquer pedido do sorteio.
As mães voltadas para apresentarem as filhas da
melhor maneira, cuidavam das toaletes.
Melhor oportunidade do que aquela para mostrar as
meninas casadouras, poucas vezes ao ano
surgiriam...
Na madrugada do dia oito, ninguém conseguira dormir
com a alvorada festiva.
As janelas atulhadas mostravam rostos amarfanhados e
caras estupefatas para verem o movimento e o burburinho que ocorria na praça.
Poucos conseguiam dormir desde os dias anteriores a
festa.
Gente com roupa íntima, cabelos desalinhados surgia
repentinamente na janela e tornava a sumir, pelo interior da casa.
O sino da matriz repicava sonoro e as igrejas
vizinhas, respondiam com dobres festivos.
Nos esteios e os troncos da praça, uma infinidade de
animais amarrados, tentavam ao espocar dos foguetes, desvencilharem dos
cabrestos que os prendiam.
Para os que estavam nas janelas, era fácil
distinguir quem era da rua ou do campo.
Os primeiros, calçados e trajando ternos com
gravatas sob o colarinho engomado; os do campo na veste dominical de brim
caqui, com os calçados amarrados e carregados sobre os ombros.
Somente poucos minutos antes das cerimônias, lavavam
os pés no chafariz e colocavam o calçado, geralmente apertados para quem
caminhara quilômetros...
O tenente Vicente Domingos Pereira da Cunha olhava
da janela de sua casa, quem chegava para a festa.
Com o seu uniforme da Guarda Nacional, reclamava dos
bons tempos quando todos da família eram levados nas cadeirinhas de arruar,
apesar da pequena distância que separava sua casa da igreja.
Agora, só a mulher e as meninas; ele teria que
caminhar sobre as pedras do calçamento ou sobre o barro que a chuva de Verão
começara a provocar.
- Não há calçado que agüenta, reclamava o tenente.
Bons tempos eram aqueles em que havia escravos
sobrando e o ouro enchendo as burras do rico metal!
(No museu da inconfidência em Ouro Preto , encontra-se
a tal cadeira de arruar exposta aos que se voltam ao passado.)
A FESTA DO
DIA OITO DE DEZEMBRO DE 1.878.
Desde o dia cinco, Catas Altas já recebia visitas de
forasteiros e parentes de familiares que moravam no arraial.
As chaminés sobre os telhados expeliam fumaças desde
as 4,00 horas da manhã.
Era bom sentir o movimento da população, tal como
acontecia nos tempos das minerações.
A festa da padroeira e da tomada de posse do Vigário
Colado, padre Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, juntava-se também a festa
cívica da passagem da cidade de Santa Bárbara, à sede da comarca.
A praça enfeitada com arcos de bambu em toda a sua
orla, mantinha suspensas entre o cordame de bandeirolas, lanternas
confeccionadas em taquaras, a moda japonesa.
Se de dia o efeito era bonito, a noite quando
ascendiam os candeeiros, o lume ficava piscando através das frestas das
taquaras.
Mil vaga-lumes pareciam pirilampear ao redor da
igreja.
Um batalhão de meninos munidos de achas de candeia,
ativavam a chama das lanternas quando o
vento apagava o lume.
Ao se deslocarem correndo com a ponta das hastes em
fogo, formavam uma pequena cauda, como se fosse um cometa.
Sentindo que eles eram alvo da admiração popular, os
meninos cruzavam ligeiros sobre o gramado da praça, fazendo evoluções com as
achas nas mãos.
Dentro das casas a agitação não era menor do que a
do largo; as fornadas ardendo para os assados da família e para as
barraquinhas.
As mocinhas costurando vestidos e remendando
estragos das traças e das baratas.
Sugestões para novos enfeites, bolando arranjos para
que a veste parecesse nova.
Os varais cobertos de vestes para afastar o mofo e o
cheiro da naftalina.
De vez em quando, uma olhada no vão da janela para
ver quem chegara ou estava chegando com o tropel apressado de animais ferrados.
Ninguém ficava de fora do batalhão de colaboradores
da festa; até os moços que sumiam quando se falava em serviço, estavam á postos
ajudando as namoradas nas ornamentações.
A Comissão de Festa mandara uma intimação ao senhor
Raymundo Gonçalves Viegas para que assumisse o encargo da marcação da
quadrilha, coisa que fazia muito bem há muitos anos.
Quando o velho não podia marcá-las, um dos seus
filhos apresentava-se para comandá-las.
Tônico e Juca, sem a pureza do francês aprendido
pelo pai com o padre Sípolis, tropeçavam na língua de Racíne.
Como poucos eram familiarizados com o francês
quaisquer comandos, mesmo pronunciados errado, era aceito por quem queria
dançar.
A nata da sociedade de Catas Altas estava reunida
nos salões da casa do Dr. Moreira e Raymundo Viegas não poderia faltar naquele
dia ao comando da quadrilha.
O povo em geral, no batuque do adro da igreja do
Rosário.
Para dançar a quadrilha dois grupos teriam que se
inscrever:
Os inscritos com números ímpares numa fila, os de
números pares na outra.
1. - Dr. Manoel Moreira e dona Maria Brasilina.
2. - Domingos Pinto de Figueiredo e dona Emília
Franklin Santos.
3. - Honório Alves e dona Emília de Figueiredo
Alves.
4. - José Moreira de Figueiredo (Juca) e Margarida
Ayres.
5. - Manoel Moreira de Figueiredo (Neca) e Olinda de
Araújo.
6. - Gonçalo Moreira de Figueiredo e Terezinha de
Jesus Vieira.
7. - Manoel Moreira de Figueiredo e Josefina Barroca
de Figueiredo.
8. - Maria da Conceição Figueiredo e Antônio Emílio
Caldeira Brant.
9. - Antônio Caldeira Brant e Genoveva Brüzzi.
10 - Edward Hosken e dona Maria Magdalena M.
Campello Hosken.
11 - João Martins Ayres e dona Josepha Maria da
Conceição.
12 - Modesto José da Circuncisão Viegas e dona Maria
Angélica Narcisa.
13 - Antônio Augusto Bittencourt e dona Anna Justina
de Jesus.
14 - Ovídio Baptista Pereira e dona Antônia de São
José Cupertino.
15 - Raymundo Gonçalves Viegas e dona Antônia
Marcolina Ferreira.
16 - Benjamin Franklin Pereira e dona Manoela de Souza Faria.
17 - Cel. João Emery e dona Maria Rita M. Campello.
18 - Alferes Vicente Domingos Pereira da Cunha e
dona Maria Raymunda.
19 - Domingos Pereira da Cunha Neto e Eleonora
Augusta Pereira.
20 - João Pereira da Cunha e Maria Magdalena Hosken
(Júnior).
21 - Carlos Arthur Hosken e Magdalena Pereira da
Cunha.
22 - José Pereira da Cunha e Maria Pereira da Cunha
(Zinha).
Os portadores das senhas impares homenageavam o
padre nomeado, Manoel Mendes Pereira de Vasconcelos, que desde 1.868 trabalhava em Catas Altas , como
coadjutor, tornando-o padrinho da ala.
A ala par homenageava o Superior do Caraça, padre
Júlio Clavelin, que viera dar posse ao padre Manoel.
A cada par dos casais formados para dançar a
quadrilha, os homens correspondiam a letra A e as senhoras ou senhoritas, a
letra B.
Na hora das brincadeiras, se fosse chamado o número 01 A , o sorteado seria o
doutor Manoel Moreira e o 01 B, a sorteada seria dona Brasilina.
Aos outros pares correspondia a mesma seqüência.
A todos participantes, foram distribuídas senhas
numeradas e classificadas, por A e por B.
Alguns distraídos chegaram a mastigar a senha na
boca, e o recurso foi recorrer a lista da inscrição.
A ala do padre Júlio Clavelin reclamou que a
adversária estava constituída de gente mais acostumada às quadrilhas e se
houvesse prêmios aos participantes, ela seria beneficiada.
O próprio padre Clavelin disse que confiava nos seus
afilhados e continuassem os casais formando os pares para a vitória final...
Na platéia outros casais, jovens e crianças enchiam
o terreiro de café onde seria dançada a quadrilha.
Entre a turma jovem, os estudantes do Caraça:
Rodolfo Augusto e João Antônio, os Viegas: Raymundo, Juca e Tônico; os Pereiras
da Cunha: Bernardo, Domingos e Emídia e a brincalhona Anna Eugênia Hosken.
Muitos ao chegarem mais tarde, não puderam se
inscrever para as brincadeiras, mas ficaram assistindo, primeiro a beleza da
quadrilha, depois as troças que os jovens arranjavam.
A sacada da varanda, apinhada de gente oferecia
melhor visão dos que se instalaram no pátio; ali estavam os padres e os mais
idosos, como se estivessem num camarim.
Uma voz tonitruante gritava lá em baixo:
“ Bon soir monsieurs péres.
Bon soir madames et chevaliers.
Je vais chanter La quadrille”.
A saudação em francês deixou os padres sorridentes,
não pelo mau uso da língua de Racine e Moliere e outros monstros da lingua
francesa, mas pela demonstração de que o ex-aluno do Caraça ainda se lembrava
alguma coisa do que havia aprendido.
“- Balancer, balancer!
Tous les paire, vis-à-vis de
la dame...
Balancer, charger de dame.
Charger de chevalier et
arriver vis-à-vis...
Ecarter.
Entourer la dame...
Balancer... “
Era bonito assistir o sincronismo dos pares
movimentando-se em evoluções sob o comando do velho Raymundo Viegas, seguindo
em linha reta ou girando nos movimentos das alas.
Passara a primeira fase da quadrilha, o mais difícil
estava por vir na segunda e na terceira parte, onde as evoluções em rodas, em
pares e em grupos, teriam que ser bem
coordenadas pela atenção dos dançarinos ao comando do marcador.
Os sanfoneiros deliciavam aos que dançavam e aos que
ouviam; de olhos fechados, quase dorminhocos, os dedos passeavam pelas teclas,
com a mão comprimindo o fole.
Os casais puxadores, nem olhavam para o Marcador, o
ouvir bastava para cumprir o comando requerido e os outros seguindo seus
passos.
O padre superior do Caraça, que a principio
sentira-se constrangido de ver uma dança mundana, foi alertado pelo anfitrião
que nas cortes, até os cardeais assistiam as contradanças.
A quadrilha
ele dizia, é uma escola de arte francesa, onde os jovens aprendem os bons modos
e os velhos o respeito até aos seus desafetos...
- É, realmente olhar não trás nenhum pecado, o que a
igreja não concorda com as danças, é dos desregramentos que a conjunção pode
oferecer.
No pátio, os pares se ajuntavam, separavam-se
cruzando as mãos com os outros e em meandros desenhavam círculos e quadrados
para depois seguirem rumo ao “Grand final”.
Palmas dos que dançavam para os seus pares e palmas
dos que assistiam.
Nenhuma dança reverencia tanto a mulher, como a
quadrilha francesa chamada de “cotillon” Aqui no Brasil. bem modificada ao
tempero dos costumes e da época.
Compondo-se de:
la. parte - “Chaine
francaise. “
2a. parte - “ O
avan-deux. “
3a. parte - “A
poule. “
4ª. parte -
“En-avant général ou Gran final." “
A quadrilha dava oportunidade aos moços que
iniciavam um namoro, contra-dançarem sem se comprometerem aos olhos dos pais,
ou de terceiros.
Muitas vezes a namorada ou namorado, não era o seu
par, porém o desenrolar da movimentação da quadrilha, dava a oportunidade de se
cruzarem numa saudação ou num rodar
voluptuoso, nos braços do amar...
Ao término da quadrilha, ninguém podia dizer qual
fora a melhor ala ou o melhor casal para efeito da premiação; ganharam as duas
alas e vitoriosos os dois homenageados.
Cabia entretanto ao mestre marcador, o êxito do
brilhantismo como se portavam os dançarinos.
O Viegas recebera o aplauso unânime na marcação
brilhante; sua voz podia ser ouvida a longa distância.
Ao padre Mendes perguntaram qual ala se saíra melhor
na dança.
- Entre a presença de Nossa Senhora do Rosário e Santa
Quitéria, fico com a graça de ambas.
O padre saiu-se bem com a mesma finura do rei
Salomão...
Logo após a quadrilha, seria aberto o desafio a
todos os presentes. Como não havia condições de todas as pessoas participarem,
seria feito um sorteio que indicaria os que iriam desfilar na frente da
platéia, mostrando suas prendas e virtudes.
Durante o intervalo para arranjo do palco, no piano
alguém tocava músicas, para deleite dos que aguardavam a última parte do que
fora programado para o sarau.
Ao som do
piano, muitos tentavam subir para o concerto improvisado que o pianista
premiava os convivas, músicas de Frederico Francisco Chopin, estavam sendo
dedilhadas ao piano.
Um silêncio, mesmo dos que tentavam deslocar-se
colocara o ambiente num clima de escuta e de expectativa, para ver quem era o
ótimo pianista.
Só podia ser de um maestro, ou virtuoso amante da
música.
Qual não foi a surpresa dos que conseguindo subir as
escadas, encontraram uma senhora de aproximadamente 33 anos solando o piano.
- Quem era aquela mulher?
Ninguém mais do que a esposa do tenente-coronel da
Guarda Nacional, Antônio Mendes
Campello, nora do falecido Guarda-Mor Thomé Mendes Campello.
Estava ocorrendo naquele sarau, coisas
surpreendentes, que muitos parentes desconheciam das habilidades de seus
familiares.
Repentinamente um dos moços solteiros pediu à
solista que executasse uma peça a seu pedido.
Contagiados pelo compasso da música, os jovens
batiam os pés e as mocinhas remexiam as cadeiras como tomadas pela força do
demônio.
O compasso era contagioso, porém ninguém sabia
dançar aquela música que diziam ser de origem negra.
- Se é de negros, é o batuque!
- Se é batuque, dançamos como eles. Bem não havia
iniciado o ensaio do passo, quando Dr. Moreira entrando na sala chamou o filho
José e disse:
- Isto é música para se tocar em sarau?
Respeitem nossas visitas, principalmente os
padres...
O piano parou ao dobre de uma sineta dependurada na
cimalha da varanda, chamando a assistência para a segunda parte do sarau.
Agora as brincadeiras!
Chamava o Juca, tentando desviar a atenção dos que
ouviam o piano; todos ao pátio por baixo da varanda...
Chegando junto da grade, repetiu para que todos ouvissem:
- Agora as brincadeiras!
Todos com a inscrição à mão e torcendo para serem
sorteados...
Poucos sabiam para o que determinaria o sorteio.
Dona Maria Brasilina mostrando um estojo francês em
suas mãos, disse do alto da varanda:
- Aqui estão colocados os papeluchos com os nomes
dos que se inscreveram para as brincadeiras.
Nesta outra, colocamos
diversos papeluchos para que o sorteado cumpra diante da platéia, missões
diversas, tais como:
Cantar, para que todos ouçam
sua voz;
Imitar uma pessoa;
Contar uma história;
Recitar um poema, ou até mesmo se não souber fazer
nada do estipulado, virar cambalhotas como se fosse um palhaço de circo...
- Mas, e se o sorteado for do sexo feminino?
- Ela terá que colocar uma calça de homem que
emprestaremos e depois virá aqui cumprir a brincadeira.
A varanda e o pátio começaram a esvaziar.
Um protesto dos que ficaram e uma brigada de
salvação do evento, fez os fujões voltarem aos seus lugares.
Com o tumulto dos que tentaram fugir, alguns não
ouviram dona Brasilina fazendo as explicações e
pediram para que ela repetisse o que dissera.
Dr. Moreira
tomando o lugar da esposa repetiu tudo de novo e para que os participantes
ficassem mais a par do que constituía a brincadeira, disse em voz alta:
- Vou chamar a nossa presença um moço muito querido
que é meu hospede por alguns dias nesta casa.
Ele certamente não fugirá ao meu pedido para dar
exemplo como funcionará a brincadeira, pois sempre foi exemplo de tudo que
enfrentou até agora na sua curta vida de estudante seminarista.
- Senhor seminarista Rodolfo Augusto de Oliveira
Pena, por favor, apresente-se nesta varanda.
Este moço apontava para um rapaz de batina; que
estava doente e agora quase recuperado,
vai nos dar o prazer de recitar uma das poesias que ele conhece de cor, pois
tenho visto decorá-la desde que chegou a minha casa.
- Boa tarde, cumprimentou o jovem à platéia quase
toda desconhecida.
Trêmulo e esperando ganhar tempo, olhou para aquela
assistência enorme e repetiu numa voz educada e bem postada:
- Boa tarde para todos.
Uma resposta em coro:
- Boa tarde.
Havia ainda um pequeno tumulto e alguém advertiu:
-Psiu! Psiu! Por favor, silêncio...
A poesia que vou declamar é de autoria do senhor
José de Sena e que o poeta dedicou ao Caraça.
SAUDADES DO CARAÇA-
Das cordas da lira inculta
Por Mão sem arte vibrada,
quero arrancar uma endeixa
Ao exílio dedicada.
É cantar, com voz plangente
A vida calma, inocente
Que hoje vejo descontente
Pelo tempo já pisada.
No Caraça tudo é grande,
Tudo é belo sem igual,
Desde a cascata soberba
Té o pobre lagrimal!...
Ali nas tardes amenas
Nas manhãs sempre serenas,
Trescalam as açucenas
Mais perfume pelo val.
Sentado na verde relva,
Como era doce o cismar!
Às margens do Tanque Grande
Quando o sol se ia entrar
E as auras embalsamadas
Dentre as florestas lançadas
Lhe vinham enamoradas
De leve a face frisar...
Juventude, que és dotada
De tão risonho fadário,
Estuda longe das trevas
Deste século funerário!
Oh! quanto te invejo a sorte!
Da fé sob o escudo forte,
Tu vives longe da morte
À sombra do Santuário
Ai de mim que nunca mais
Como criança a brincar,
Hei de correr nesses campos,
Nas capoeiras vagar!...
Que nunca mais sossegado,
Ao estudo dedicado,
Naqueles bancos sentados,
Hei de mestres escutar!
Campinas, Selvas, Montanhas,
Gigantes da criação,
Colégio de meus amores,
Morada da quietação,
No canto mesquinho embora
Da lira que a ausência chora,
Recebei de mim agora
Um adeus do coração.
No Caraça tudo é grande
Tudo é belo, sem rival,
Desde a cascata ao riacho
Que serpenteia no val!...
Ali correndo fagueiros
Os ventos entre os coqueiros
ou nos ramos dos pinheiros
Murmuram: Céu terreal!...
Esta poesia é datada de l.868, portanto completando
10 anos de editada...
Abaixando a cabeça e permanecendo com ela inclinada,
recebia o moço seminarista, a maior ovação de sua vida.
São exemplos como este, que me faz cada vez mais
orgulhoso do nosso colégio do Caraça; para mostrar que não é um caso isolado de inteligência, chamo outro
aluno desse educandário para mostrar como se aprende nessa escola:
Seminarista João Antônio Pimenta, apresente-se na
sacada da varanda.
No parapeito surgiu um rosto magro, abatido dizendo:
- Aqui estou Dr. Manoel Moreira.
- Por favor, moço Vicentino!
Queira como
seu colega demonstrar o que os senhores aprendem com os padres:
- Senhores e senhoras, para não tomar muito
tempo, falo que vou recitar um poema do
maior poeta do Brasil, um menino nascido
como a maioria dos presentes numa fazenda de uma terra como esta, Curralinho no
estado da Bahia.
Trata-se de Castro Alves, o poema chama-se:
O Último Fantasma
Quem és tu?
Quem és tu vulto gracioso
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te livras vaporoso...
Baixas do céu num vôo
harmonioso!
Quem és tu, bela e branca
desposada?
Da laranjeira em flor, a
flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser
misterioso!...
Onde
nos vimos nós? És de outra esfera?
És o
ser que eu busquei do sul ao norte,
Por
quem meu peito em sonhos desespera?
Quem és tu? Quem és tu? És
minha sorte!
És talvez o ideal que
est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!
Um seminarista recitando esta poesia, poderá parecer aos que a ouvem, uma afronta ao ideal de um futuro padre, que
será um celibatário; mas se interpretarem bem
seus versos, verão que o amor a que se refere é a sua sorte.
É desta sorte que necessitaremos para cumprir nossa
vocação...
Um aplauso geral da assistência, principalmente dos
sacerdotes que ouviam o estudante do Caraça.
- Com o belo exemplo deste moço, quero ver se os
jovens de Catas Altas, também repitam a mesma desenvoltura cultural nesta proposta de desafios.
Dr. Moreira como anfitrião e animador do sarau,
provocava a mocidade presente.
Como ninguém se apresentou espontaneamente, foi
feito o sorteio para o próximo desafiado.
O menino José Thomaz Hosken, filho do inglês Edward
Hosken, que estava perto do médico, foi convidado a retirar da caixinha um dos
papeluchos entre tantos que estavam ali dentro.
- Você sabe ler?
Abanando a cabeça em sinal negativo, pois estava com
seis anos, Dr. Moreira mandou que o menino abrisse o papel.
- O felizardo é:
O suspense podia ser notado no rosto de todos...
Ah, imaginem!
- Sou eu mesmo...
Risos de todos pela sorte, indicando o próprio
condutor da programação.
Surpreso, não esperava que fosse um dos primeiros a
entrar na brincadeira demonstrando sua cultura.
- Eu vou declamar um soneto inédito, dedicado a esta
linda serra do Caraça e de criação de poeta (CHA); onde encontrei os seus
versos.
- CARAÇA
- Serra dos Segredos...
Oh! Serra dos segredos!
Tanta água para o mar,
Oh! Riachos a mim tão ledos,
tentando a terra sublimar.
Quisera banhar meus dedos,
em tuas fontes a formar,
nas cascatas dos penedos
que me põe a cismar:
Serão de deuses arremedos?
tanta beleza a somar,
estavam eles bêbados?
Criando neste pomar,
imagens que só os credos
Vê Deus, a
arrumar...
Os versos que recito, nem precisavam ser escritos,
bastaria olhar das minhas janelas para verem o que Deus nos deu...
Uma salva de palmas prolongadas refletia a impressão
que causara, até ao argumentar a realidade do que a natureza proporcionara a
Catas Altas.
Um serra resplandecente com o brilho diamantino das
cascatas que desciam lá do alto.
A brincadeira continuando, e saindo de outro
sorteio, o nome de Manoel Vieira.
Ele justificando-se disse:
- Não tenho a verve dos meus antecessores, porém
cumpro o que manda o programa, dedicando a minha esposa Josefina Barroca estas
duas quadras:
Josefina, no aniversário,
sempre deseja que a gente
se esqueça do seu passado,
mas nunca do seu presente...
fosse ele extraordinário,
furando o bolso d’agente,
eu ficaria quebrado
ela, imensamente contente!
A maldade dos versos dizia uma verdade
inconfessável, todas as mulheres se lembravam dos presentes, mas da idade,
todas esqueciam por conveniência.
O nome a seguir sorteado foi o de Rodolfo Augusto.
- Mas eu já recitei! Como fui sorteado novamente?
Anna Eugênia Hosken, “Ninica” retrucou:
- O senhor seminarista recitou a pedido do Dr.
Moreira, não pelo sorteio a que todos nós estamos sujeitos.
- Pois não dona Nínica, cumpro às suas ordens; e recitou:
Menina, moça e bonita,
é uma prenda a Níinica;
festeira, irônica e catita,
não ama, nem namora; pinica!!!
Uma risada geral colocou a moça toda vermelha e ela
ofendida, pedia o direito da resposta em desafio.
- Concedida a ofendida, o direito de resposta ao
senhor seminarista Rodolfo.
Eu não posso deixar esta ofensa sem resposta e por
isto de improviso, recito:
Se a Nínica, pinica!
há homem que futrica,
dizendo que é ciriríca,
uma moça tão pudica...
Estava ficando engraçadas as brincadeiras que os
moços arranjaram e alguns que tinham se afastado com medo de serem escolhidos
pela sorte ao desafio, começaram a voltar para ouvirem duelos jocosos e
inesperados.
Carlos Arthur Hosken que namorava a filha do capitão
Vicente Domingos Pereira da Cunha e estava prestes a se casar, presumivelmente,
aquela seria a última festa dos dois ainda solteiros.
Ele foi sorteado e visivelmente acanhado, recitou:
Eu tenho Nhanhasinha
por quem clama o coração,
espero que bem mansinha
sinta a voz, minha paixão...
Se esperanças tinha
do sogro: Vicente capitão,
ao ver triscar sua binga,
Que não negue fogo, seu coração!
Risos do atrevimento do rapaz loiro e bonitão que já
tinha o casamento marcado para dentro em pouco.
Os sorteados, nem sempre faziam declamações, os que
tinham habilidades musicais, solavam para a platéia composições em evidência na
época.
Naquela noite, depois do sarau, Rodolfo Augusto não
conseguia conciliar o sono, perturbado pelas lembranças da festa; rostos,
palavras e os elogios recebidos, afastavam o seu sono.
O relógio do casarão batia meia noite e nada do
sono; o pêndulo ia e voltava fazendo o tic-tac e ele Rodolfo virando na cama
para melhor posicionar para o sono.
Nada, nada, nem o cochilo pressageiro ainda chegara.
Seu pensamento estava voltado para o inglês que
recitara a última poesia da noite.
“- Eu não fala língua brasileira, como pode inglês
recitare? ”
A pronuncia do estrangeiro chamou a minha atenção e
perguntei ao Dr. Moreira quem era o velho.
- Este senhor é um inglês residente aqui em Catas Altas.. .
- O que veio fazer aqui?
- Há muitos anos veio para minerar em Gongo Soco e por aqui
casou e acabou ficando.
Eu queria continuar a me informar da vida daquela
personalidade, mas ela levantando do banco onde estava, começou a falar:
- Como disse, não fala eu língua vocês senhores, vou
ler língua minha a poesia que jornal
Inglaterra mostrou a eu.
É poesia de Rudyard Kipling , inglês nascido Índia, moço como estudantes de Caraça que
aqui estão.
I keep six honest
serving men,
( They taught me all I
knew )
Their names are What
Nd Wh Nd When
And how and where and
who.
O velho não precisou olhar para o papel, pois
declamara como conseguira decorar; o
verso escrito, com toda segurança.
Passando a folha para sua esposa Maria Magdalena
Hosken, ela traduziu o que o marido havia recitado:
Eu tenho seis honestos servidores,
eles me ensinaram tudo o que eu sei;
seus nomes são: O que, e por que,
e quando, e como, e onde, e quem...
Uma salva de palmas calorosas saudava o casal que
apesar dos anos, mantinha a vibração da juventude; ele deveria ter uma memória
privilegiada, pois apesar de ter a poesia na palma da sua mão, não precisou
olhar para declamar.
A folha desfigurada pelo tempo tremia em sua mão
esquerda que sofrera uma intervenção cirúrgica no desastre da mina do Gongo
Soco no ano de 1.856.
O acidente pusera fim na mineração que empregara na
época, 9l7 mineiros; sendo 2l7 europeus, quase todos ingleses.
200 brasileiros livres e 500 escravos negros.
O minerador que desafiara tantas vezes a morte, o
capitão que comandara homens, tremera diante de um desafio que não era nada,
para quem vivera tão intensamente a vida...
Rodolfo o seminarista foi cumprimentá-lo, estendendo
os cumprimentos a sua esposa.
Ao pegar a sua mão, Rodolfo notara que ele ainda
estava trêmulo.
Naquele dia eles estavam completando 30 anos de
casados...
- Como senhor
saber que hoje, eu e mulher faz bodas de casados?
Os velhos acharam que Rodolfo estava saudando-os
pelo aniversário do casamento e Rodolfo complementou como se soubesse do
acontecimento de 30 anos atrás.
Cumprimento-os pelo sucesso de seus versos e pelos
30 anos de união...
- E para mim uma honra conhecê-los, senhor Hosken e
dona Magdalena e também uma surpresa por encontrar em Catas Altas uma
brasileira falando o inglês.
- Nos seus versos senhor Edward, há muita
filosofia...
- A filosofia não é minha, moço!
- É do poeta Kipling.
- Mas, precisa de muita sensibilidade para verificar
sua profundeza...
O sono começara a chegar e Rodolfo tentava
resisti-lo, lembrando de tudo que ouvira e sentira naquele sarau.
A beleza do lugar, as pessoas, os jovens tão diferentes
daqueles com quem convivia presos e dedicados aos estudos.
Fechando as pálpebras, ele ainda ouvia:
“Seus nomes são: O QUE E POR QUE,
E QUANDO, E COMO, E ONDE,
E QUEM...
A doença que tivera no Caraça, não teria origem na
filosofia dos versos de Rudyard Kipling?
Talvez ele Rodolfo não
soubesse; O que e por que, da sua vida vocacional
O sucesso do sarau era objeto de comentários de todo
o arraial e das imediações.
As más línguas diziam que o pequeno número de
convidados para a festa da casa do Dr. Moreira, fora premeditado, evitando as
moças patrocinadoras, da concorrência de outras que não foram convidadas.
A repercussão
da festa deu motivo para que houvesse reclamações de muitas pessoas que não
foram convidadas e maldosamente chegaram a criticar a presença efetiva dos
padres e seminaristas nos
acontecimentos.
A sorte de Rodolfo e João Antônio, é que estavam
juntos do padre superior do Caraça.
O padre Manoel Mendes sabedor das críticas, no
domingo durante a missa, fez um sermão sobre o que perante Deus era; Moral e
imoral à vista de Deus...
Outras comemorações continuaram a ser feitas nos
demais distritos de Santa Bárbara, saudando com muito júbilo a nova comarca de
que Santa Bárbara agora fora guindada.
Ninguém mais da região da cidade, necessitaria
viajar à distante Caeté.
Os olhos da justiça estavam pertos para cumprir sua
missão...
Quem poderia esperar as influências que a nova
divisão judiciária, traria especialmente a uma determinada família de Catas
Altas?
Somente o tempo e a história contariam...
Mas, a história de como se foram as ilusões,
conta-nos padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos em suas observações as
páginas 39, 40 e 4l das suas memórias datadas de 1.886, no Tomo II.
- SAPATOS DO
DEFUNTO -
“Creio ter dito em outro lugar destas romarias, quais as disposições
fáceis que estes campos das Catas Altas oferecem a todo gênero de cultura, no
sentido verdadeiro e metódico, e sem querer falsear, parece também ter falado:
Senhor Ouro que um amigo meu,
Eduardo J. Lott, natural da antiga Albion, com algum chiste denominou de: ISCA DO DIABO ”
Mas, cabe aqui uma nota histórica, não deve ficar em
atraso, apesar do tempo decorrido.
Hei-la:
Nos tempos atuais, cuidar em lavrar, ou exploração de terrenos
auríferos, se não foram simples absurdos, será sempre nova loucura.
Não admito que o senhor ouro tenha feito ablativo destas para outras paragens,
aonde esteja alojado, "mais a son plaisir”; não, pois que no meio destas ruas, nas praias
e córregos, e até em bonitos lugares está fazendo companhia às raízes do capim
de gordura, por um tão afidalgado e em doses tão homeopática, quer por modo
algum causa indigestão ao curioso e impertinente faiscador, que ainda corre
atrás da tal riqueza ou engodo.
Os felizardos, descobridores de jazidas ricas de veios auríferos,
borrachas, outros podres, desde muito desapareceram com a última arvore das
patacas.
Das lavras do Morro da Água Quente, o que existe?
Montões de cascalho, alguns precipícios e nada mais.
Pary, sofreu em 1.882, um desmoronamento em suas profundas entranhas,
que a pôs fora da arena, por muito tempo; atualmente, deixa uns seis contos
líquidos por mês, isto em ( 1.887 )
Sant’Anna Norte del Rei em Mariana, tão rica no correr de 1.868 a 1.870, reduzida,
desde então, a ver para contar, isto é, acha-se em passiva impotência de saber
o número dos metros ou pés de profundidade, em que está a linha rica.
Baldados foram os esforços de montar ali uma roda vai-e-vem, no valor
respeitável de 600 contos, para dissecar a mina, como malogradas serão as
despesas em montar essas máquinas microscópicas a vapor, aonde se evaporam as
letras dos acionistas engazupados.
Tão depressa esqueceram o resultado colhido no Morro d, Água Quente, em
tempo do “ Gongo Soco”.
Está em terceiro lugar a lavra
do Pitanguy, a um quilometro deste Arraial, tendo principiado com o pomposo
nome de “Companhia Anglo Brasilian Goldmincration Limited”, a que tanto limitou
até que passou por forçar a liquidação, transferindo a propriedade à sua
sucessora: “Pitanguy “ e esta chegou a dar um enorme dividendo; com a
descoberta do ouro podre, vendo suas ações dobrarem o valor nominal de mercado,
elevada a enorme e fabulosa soma de quatro libras!
Brisa fagueira em profundidade, se as douradas velas da nau que
transportou muitos felizardos e experimentados marinheiros ao “aperitivo” porto
do rio do “ouro” enquanto que os menos espertos se deixaram afogar na onda
crescente!
Os cadáveres foram arrojados à praia de “Vasa Barris” e por caritativa
piedade amortalhados nas impressas “ações” da esperança.
Dominando os corações humanos, a fome de ouro, quando se instalou no
Pitanguy, a “ANGLO BRAZILIAN” não ficou de pé um pau prestável para cabo de
machado!
Maldito instrumento, legado pelo velho e histórico Adão.
Tudo foi desmatado, arrastado, carregado e dado, sem atender á lição do
tesouro e sócios!
E, como todas as cousas humanas, a acumulação de tantas variedades de
paus e trambolhos não facilitou a digestão,
da Companhia, suspendendo a cesta, deixou a muitos de boca aberta.
E as madeiras esparsas pelos caminhos: as boiadas, umas magras e outras
por pagar...
Até que cresceu a vassoura como estrume e farelo dos porcos, e a
vassoura do credor fez uma limpa.
Como sou ignorante em tudo, não
deve causar estranheza uma pergunta feita com toda ingenuidade:
Qual o país do mundo, aonde vigora a lei, costume, ou privilégio de o
fornecedor não poder taxar sua fazenda, mas sim ser estimada, avaliada, taxada
pelo consumidor?
Aqui, deixo o espaço para a resposta.
O que, porém, não tinha dito por tinta preta é que muito depois de
cansados e carregados de dívidas, viram-se na dura necessidade de vender o
resto dos magros bois; e por acréscimo de misérias, dos juros, que o custeio do
carro e transporte das madeiras oferecidas
por trabalhos mínimos, ocasionais, pois que a tal tabela ( para quem queria )
não compensava nem o mesmo carreto ao menos.
Isto em tempo da ANGLO BRAZILIAN .
Dirá alguém: E não havia bastante consciência de modo a abastecer os
serviços da Companhia?
Ora, se havia!
Muita esperteza, junto a muita velhacaria de um sócio, “v.g.” de uma
parte com direito a gozar do todo, como se fora o único dono, diz tudo.
Aí vivem ainda testemunhas do que deixo dito e de quem não cito os
nomes, por faltar-me tinta própria.
Ora, hoje que a tal ambição, ignorância ou o que quiserem, deixou os
pobres reduzidos ao uso do alecrim e quebra-taxo, como matéria combustível;
hoje, que com muita dificuldade arranjaram postes prestáveis para seção
telegráfica, do Canga a Santa Bárbara, hoje que larápios e preguiçosos quase
não encontram cercas do próximo, de que lancem mão contra a vontade dos donos,
deveria prever-se à existência bom surto para equilibrar a receita e a despesa.
Não é de hoje, porém, que a cabeça de muita gente gira sobre os ombros;
todavia, vai abandonando hábitos rotineiros.
Não cansados de inculcar como meios os mais aptos ao desenvolvimento da
lavoura os seguintes:
1 - Cultura esmerada do café
2 - Idem da videira
3 - Arado para diferentes espécies de plantação
4 - Cultura de abelhas
5 - Criação de carneiros com pastor.
Padre Manuel Mendes não fica só no “Sapato do defunto”.
No púlpito da igreja, nos salões das sacristias e até mesmo nas salas
dos potentados de Catas Altas, continuava sua pregação revolucionária ao
combate do materialismo pagão, onde a ilusão do enriquecimento fácil com o
garimpo punha os homens válidos, fora dos campos a semear.
Era necessário conscientizar à população que o período das catas, havia
extinguido com a exaustão do rico metal.
A devassidão com os ganhos fáceis e do gastar sem limites, fora de
gerações passadas; Catas Altas teria que voltar ao amanho da terra, onde as
culturas nunca deixariam de produzir.
O seu combate contra a ilusão do ouro e a pregação da necessidade de
reformas no viver do catasaltense, provocou entre alguns dos sonhadores, uma
antipatia pela intromissão do padre, na seara que não era a sua.
Se por um lado ganhava a simpatia da maioria da população, por outro
levantava inimigos dos que não trabalhavam e
exploravam os pobres faiscadores.
Os leitos dos rios e riachos, antes correndo sob as matas, agora
expostos a devastação do que antes fora um manto verde, sombreando as límpidas
águas.
Revolvidos, desviados e maculados pela enxada, pás e o machado, os
riachos: Parasol, Pitanguy, Coqueiros, Chico Carré e Maquiné, definhavam sob os
raios diretos da irradiação solar.
Onde as onças jaguatiricas que desciam a serra?
Onde os bicudos-maquiné, que dera o nome a um dos riachos?
Onde os Ipês, Cedros, Jequitibás, Jatobás e Baraúnas?
As nascidas perdiam a seiva e o Parasol que um século antes, banhava
com suas águas quentes os forasteiros do Morro d’ Água Quente, apenas vertia
lágrimas do que outrora fora um riacho perene.
Se as palavras dos sermões entravam em furnas de
ouvidos moucos, era necessário que ele vindo de Portugal, onde o homem convivia
há 3.000 anos com a civilização deixassem registrados seus sonhos reformadores.
Aí, padre Manuel Mendes escreve:
- UM SONHO NO ANO DE 1.869 -
“Tinha cessado a abundância de ouro e meias caras.
Os mineiros, cercados de centenas de escravos, sujeitos ao azorrague,
bacalhau e outros instrumentos bárbaros, desmontam cascalhos, dirigem e deixam
vertentes de córregos, e empreendiam obras hercúleas.
A abundância de ouro trouxe o hábito do fausto e dispêndio desordenado.
As cavalhadas sucedem-se umas as outras e prolongam-se por semanas
inteiras, sempre que o Capitão-Mor batiza ou casa um filho.
Os cavalheiros, no quadrado, ao despedirem-se das damas e diletantes
das bancadas, derramam sinceras lágrimas de saudade, e as damas trocam ternos
olhares.
As despesas enormes e freqüentes passavam despercebidas, como as notas
desapareciam da algibeira do apaixonado jogador.
Ao despejar o último cartucho de ouro em pó, muitos banzavam, mas não
se emendavam.
O ouro afundou e a lavra bromou, porque o homem abusa do bem, a
felicidade evapora-se.
A fazenda de São Bento, próxima
da barra dos ribeirões: São João e
Caraça, com seus 300 cativos, com seus esplendores, riquezas, faustos e
banquetes, e os cachos de ouro, imitando a banana, e a saborosa, a ananás, como
sobremesa, desprendendo a curiosidade dos Capitães-Mores das Minas e seu
esplêndido séquito, aonde existem?
Odiosa fortuna ostensiva, o que resta?
E onde está?
Evanuit memória posterum!
Quem é aquele ancião de cabelos e barbas encanecidas, que acolá,
vergado ao peso dos anos, reconcentrado todo no seu passado, enquanto goza do
rei dos astros, parece esquecer-se de tudo que o cerca e pouco se importando
com o futuro?
É, amigo sonhador, um grande da terra que mais de meio século sustentou
os brasões dos Coelhos e Furtados; é um nome da velha fidalguia lusa, e que,
enlaçado em uma das principais famílias do lugar, por longos anos, malbaratou o
fruto do trabalho escravo, não poupando nada para sustentar um fausto tolo, e
que banquetórios e festórios, consumiu arrobas do pó amarelo; é um pobre velho,
entusiasta até o delírio, e que na maioridade de Dom Pedro II, lá se foi correr
cavalhada na Corte do Rio de Janeiro, com sua cavalgata de sapavento e lacaios,
sem número, servindo seus cavalos com ferraduras de prata, e abandonando aos
pajens aquelas que se desprendiam das patas dos rocinantes, e no regresso comia
as economias de seus pajens; é um homem do mundo, para quem trabalhavam, dia e
noite, mais de 200 homens escravizados ao seu poder, nas lavras de ouro, em
fazendas de cultura e retiros de criação; um ancião que, por ostentação ou não,
conservava, na sala de visitas, latas cheias de pó amarelo, para distrair os
passageiros curiosos, mas no fim reduzido
ao último extremo de pobreza e sem amigos, nesse estado em que o vê, sem
recursos necessários à vida, vegeta, apenas esquecido pelos raios do sol, e
quiçá ainda embalado nas galantearias e gozos de melhores tempos.
O ancião despertou do seu cismar ao som do tropel.
Aos dois passageiros que o saudavam, responde com voz enfraquecida:
- Irmão B, até à hora em que estamos, não bebi nem um mingau, por
faltar tudo. E o bom do Irmão B., bem conhecido, por sua caridade,
imediatamente deu-lhe ordens de mandar procurar dois alqueires de milho por sua
conta.
- Sic transiit gloria mundi. E os filhos deste ancião tão bem educados
em falsas bases acabaram todos do mesmo modo, existindo só um, velho já,
arrastando penosa existência.
Esta narração será um sonho? Não
é.
Por esses tempos, coevos daquele velho tiveram a feliz lembrança de
promoverem aqui a cultura do café, chegando esta a tal desenvolvimento que os
falecidos Capitães Manuel Pedro Cotta e Comendador Francisco de Paula Santos,
ambos bem conhecidos, afirmara-me que foram os primeiros compradores de café
colhidos por Maximiana Vieira.
Em seguida chegou esta cultura a tal auge de prosperidade que, aqui
ouvi aos velhos nossos, tropeiros de longe vinham buscar este gênero, em grossa
porção.
Quero esquecer já o rico Campolina, do Caranday, afamado por sua tropa
imponente e por seu gênio despótico?
A inconstância nasce com o homem; e no decorrer do tempo este verme
desterra do lar doméstico o bem estar tão relativo aos filhos de Eva.
Por estes campos das Catas Altas, viviam seus habitantes remediadamente
com os recursos da criação de gado e produtos do café, elementos estes,
sucessores do antigo ouro, quando caiu sobre esta freguesia uma epidemia
assoladora e eficaz da morte de tão próspera fonte de riqueza.
Procuremos descrevê-la:
O Major Ignácio Mendes e sócios, senhores da Fazenda Bananal (Morro
d’Água Quente), em cujas terras estavam as lavras de ouro do Morro d, Água
Quente, Morro das Almas, Cuiabá e etc. venderam, e muitos afirmam que
arrendaram esta fazenda (1.836) a uma Companhia Inglesa à Gongo
Soco, pelo prazo de 50 anos, com a condição de devolução aos herdeiros dos
vendedores, no fim desses anos, ou
antes, em caso de serem por ela, Companhia, abandonadas as lavras, porém bem
conservadas como estavam, em 1.836.
Nunca vi tal escritura.
Acabou-se o Gongo Soco, Paula Santos comprou o resto do tal
arrendamento e transferiu a Companhia Anglo Brasilian, e esta a Pitanguy, que
por sua vez, vai passá-la a outra ( 1.887 ).
- Aonde, porém, o local da
Fazenda Bananal?
- Junto à Praia do Morro d’Água Quente.
Isto posto, passemos avante.
Esta Companhia - “Gongo Soco” engordada pela riqueza do buraco rico,
assim conhecido desde muitos anos, levantou grossas somas de libras,
estabeleceu-se no Bananal, explorando essa mina da d’ Água Quente e irmãs.
Padre Manuel
Mendes continuava escrevendo e pregando, para que uns guardassem além de
escutarem.
As palavras
voaram e poucos escritos ficaram:
Trechos aqui e
ali foram salvos para que a história do ouro de Catas Altas fosse exemplo como não esperar pelo ovo da
galinha...
Decorreram-se meses e anos; a ambição ou o amor de um lucro mal
calculado, cegou a muitos, e, esquecendo-se de seus quintais e chácaras, não
tendo em vista senão ouro a receber no fim do mês.
Ouro insuficiente para as despesas mensais, resultou que viram suas
casas desabar, suas plantações destruídas, sua criação aniquilada, sua mulher
triste, ou sem desenvoltura, suas filhas corrompidas e sem crédito na boca da
botija.
Como o animal da Gabriela, correram atrás da sombra e assim comprometeram
o certo, correndo atrás do duvidoso.
.................................................................................................................................
Em julho de 1.868, três cavalheiros distintos procuram-me, em nossa choupana.
Só um era do nosso conhecimento, longe, porém, de minhas relações.
Era o falecido Comendador Francisco de Paula Santos.
Satisfeitos os deveres de cortesia e usança entre nós, os provincianos,
o Comendador encetou a seguinte palestra:
“- Sabe senhor vigário, que está organizada a Companhia Anglo
Brasilian, a qual compra a Pitanguy com todas as suas dependências. “
- Não ignoro isso, Senhor Comendador, por ser um fato e fora de toda
dúvida.
- Por notícias vindas a meu conhecimento, sei que V. R. se opõe á venda
da Companhia e assim obsta a que os proprietários vendam; o que estranhei de
modo especial.
Esta observância dobrou-me o desejo de aproveitar esta ocasião da minha
passagem por Catas Altas, para ouvir de sua própria boca a confirmação ou
negação de tais boatos.
Se é verdade o que ocorre publicamente, poderosas razões deve ter e que
me são desconhecidas, por saber V. R. que a venda do Pitanguy é muito vantajosa
aos proprietários, embolsando-me em
espécies; deixando de mão aquilo que para eles não tem importância.
Pelo que se nota do minerador Comendador, sua presença à frente do
senhor Vigário, era uma visita para impor silêncio, não ao sacerdote, mas ao
homem probo que advogava as causas dos mais humildes, pregando justiça e
respeito.
Agradecendo a visita do Minerador, finamente o padre Mendes completou:
- Estes fatos, senhor Comendador, estão fora da minha seara, portanto,
não deveria ingerir-me, por estar fora da minha alçada privada, mas como
Vigário desta freguesia, creio ter direito de fazê-lo, sem entender, que assim
procedendo faça mal, antes que bem.
Um arrazoado
de justificativas a favor da criação da Companhia tentava fazer o vigário
entender como seria benéfica à Catas Altas a exploração do Pitanguy.
Mantendo a
arrogância de quem se sentia superior das considerações que se travariam, o
Comendador disse como se estivesse em sua casa:
- Muito bem,
Tenho prazer em ouvi-lo.
- Senhor, a venda do Pitanguy a uma Companhia, certamente que é
lucrativa para muitos, e não falo só dos proprietários, isto é claro como a luz
do sol; mas em relação às Catas Altas é um grande mal e atraso.
Ai está a povoação do Morro d’Água Quente, quase na sua totalidade,
descendem de portugueses, e constitui um povo laborioso, e contudo o desaparecimento da Gongo Soco,
deixou nela idéias bem estranhas e alheias à cultura , fazendo com um
abatimento impessoal, senão torpor ou preguiça.
O seu despertar data de poucos anos.
E o que achou o país depois de tantos anos?
A pobreza e o desânimo...
Enquanto ia conversando deste modo com o nosso esperto Comendador, um
dos hóspedes inglês, dos quatro costados, mostrava-se contrariado, e
voltando-me cortesmente para ele, o qual disse logo:
- Compreendo suas razões, Sr. Vigário, mas devo dizer que os Ingleses,
se compram esta propriedade, é fim indústria e comércio, paga à vista e se reporta gente de bem.
- Como o senhor Comendador não quis ou não sabe que não tenho a honra
de conhecer estes senhores, que bem honram esta casa, peço desculpas e
pergunto:
Poderei saber quem são?
- Pois não supunha isso, apressou-se em dizer.
Este senhor que acaba de falar é o senhor Francis Simons, diretor da
Lavra de Sant’ Anna, ou Norte d’El Rey; e genro do Sr. Capitão Thomaz Treloar,
e este outro, o amigo, Comendador Bicão.
(Nota-se que os estrangeiros julgavam-se tão
superiores ao Vigário, que não se dignaram em
identificar, apesar de invadirem a residência do padre Mendes. )
A certa
altura, o padre disse:
- V. S. findou seu aparte dizendo que os senhores ingleses, quando se
estabelecem em qualquer parte, compram; podia, porém acrescentar que pagam bem,
e sabem respeitar-se, pois estamos em perfeito acordo.
Padre Mendes tinha receio que os finórios,
mascarados em honestos e envolvidos com a sociedade e com os padres, recebessem
no pensamento do povo, o “agreement” da Igreja.
Com palavras firmes e sensatas, visando o bem da
localidade e do povo, declarou abertamente seu ponto de vista contra as
minerações:
- Não é esta a verdade de domínio público e diariamente comprovada por
fatos?
( Os padres e as famílias tinham experiências dos males que provocavam
as minerações, tanto no terreno moral, quanto o da degradação ambiental onde se
localizavam as lavras. )
Eis o perigo para um lugar pequeno, como este, é o mal que receio, eis
o porque não desejava que voltasse aqui uma companhia de mineração.
O padre batia firme no seu ponto de vista, altamente
preservador da natureza e dos costumes.
Apontei alguns de meus temores, calando os mais graves, como a fácil
corrupção dos costumes, entre famílias mais pobres e por isto sempre dispostos
a igualar classes mais favorecidas da fortuna: Ora, para conseguí-lo, entrará
em jogo a inocência de muitas crianças e até a honestidade de mulheres casadas,
até aqui de boa fama, e contidas em sua pobre situação pelo pudor natural a seu
sexo e estado.
Concluindo, diria que a vinda da Companhia para este lugar, há de
necessária e forçosamente enervar a boa disposição, tão custosamente agarrada,
para a cultura e lavoura, que ficarão abandonadas por muitos, por quererem correr
atrás de precários lucros que nunca alcançarão.
Mais, o estabelecimento de uma companhia num lugar pobre, introduz
tantas necessidades novas, e quase ignoradas, que muitos encantos acabarão por
abandonar suas famílias, após terem visto a completa ruína e verem-se
insaldáveis.
Ao saírem da sua casa, padre Mendes ainda pedia desculpas por sua
ousadia em prever e discorrer sobre um porvir.
Ele não era mago, mas os exemplos ainda estavam na lembrança dele e do
povo de Catas Altas.
Mais tarde em suas considerações analíticas ele escreveria:
“ Se minhas previsões eram simples apreensões, receios infundados, que
o digam os que ai se lembram da entrada, vida, morte e inventário da ANGLO
BRAZILIAN; da chegada, trabalhos, vicissitudes porque passou sua sucessora, a
Pitanguy, também em liquidação final em Novembro de 1.887.
Estas notas foram escritas em fevereiro de 1.888” .
Apesar das
diferenças dos pontos de vista, padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos,
sabia ser grato aos que prezaram sua amizade e respeito à Igreja de que ele era
Vigário.
Tanto assim,
que ele escreve ao final do seu folheto
sobre CATAS ALTAS.
Falando do
senhor Treloar:
A este cavalheiro e sua família, toda esta freguesia deve gratidão por
sua lhaneza e atenção em distinguir o povo de Catas Altas.
Manda a justiça que aqui consigne dois fatos:
O primeiro de muita importância:
O Capitão Thomas Treloar pôs cedro á matriz e tudo o que a capela de Pitanguy
encerrava pertencente ao culto.
E pelo altar cedido á Ordem das Mercês de Mariana, se recebeu 1.500 $.
O segundo: O senhor Diretor de Pitanguy, Thomas S. Treloar, desde sua
chegada a Pitanguy, dignificou por trato fino e delicado sua amizade a este seu
criado: amizade ainda não alterada.
Isto quanto a mim.
E, se a freguesia deve ou não gratidão a este cavalheiro, digam os
fatos seguintes:
l.) - Concorreu espontaneamente
com dinheiro do seu bolso;
2.) - Durante anos, seus filhinhos, Secretário e Capitão de mina,
subscreviam para a obra desta matriz;
3.) - Forneceu-nos, por vezes, alavancas, palhetas, grátis.
4.) - Forneceu de sua algibeira, todo o aço necessário ao fabrico da
segunda torre;
5.) - Foi ele o incentivador e animador principal do Vigário a começar
os trabalhos interrompidos, e em que se gastava a soma de 20.000 t. aproximadamente.
6.) - Admitiu sempre de preferência, nos serviços de sua família e
Companhia, pessoas desta freguesia, e mostrou sempre pugnar pela boa
moralidade;
Muito poderia ainda escrever em abono da boa vontade e estima, com que
nos tem honrado, mas basta o que aqui fica, para a história de Catas Altas.
A ele e sua Exma. família, saúde e muita felicidade”.
Com que prazer encontramos nos anais da história de
Catas Altas, tão elogiosas palavras que ficaram registradas pelo senhor vigário
padre Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos sobre um estrangeiro que viveu e
amou esta terra.
Não obstante as diferenças dos pontos de vistas de
ambos.
Um tentando o máximo do bem material que se extrairia para alguns poucos, o outro, sentindo que o
máximo, transformaria em ruínas o que
ficaria para todos.
As brigas que o Sr. Thomas S. Treloar teve com seu
cunhado Triguel, por muito tempo manchou a imagem que o povo tinha sobre eles;
roupa suja lava-se em casa, porém a inimizade dos cunhados era conhecida por
todos os locais por onde mineraram...
Catas Altas dava adeus a fase mineradora e o padre
Manuel Mendes Pereira de Vasconcellos, com seus conselhos, não só apontava
novas diretrizes à vida da localidade, mas também deixava um documento que por
suas verdades, fora retirado dos arquivos da igreja e emparedado para que não
se fizesse o processo de um, ACUSO...
Ao findar suas verdades ele anotara:
“-Concluindo este caderno de anotações tomadas em
diversas ocasiões e que bem atestam, por sua ingênua simplicidade, que procurei
quanto permitiam meus cabedais, dar uma idéia do meu empenho a favor do bem de
toda esta freguesia.
Não escrevi para ser agradável, mas, sim útil; Se o
consegui embora em pequenissima dose, o futuro será o juiz.
Sim,
o futuro fez seu julgamento padrinho Vigário, pois até os que não o conheceram
nas gerações posteriores, consideram-se como seus afilhados...”
Texto interessante e útil para minhas pesquisas.
ResponderExcluirWhat is a win over 1.5 million? - Work-to-Earn Money
ResponderExcluirIf งานออนไลน์ you're a professional tennis player, you probably know what a win is. Learn how to make money by winning bets in tennis.